Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1256/10.6YXLSB-A.L1-6
Relator: TERESA SOARES
Descritores: CITIUS
REQUERIMENTO
SUBSCRITOR
APRESENTAÇÃO
MANDATÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A falta de “adesão” de um dos mandatário a uma contestação que deva ser subscrita por mais que um advogado não pode dar lugar à aplicação automática da sanção prescrita no n.º 3 do art.º12.º da Portaria 114/2008, antes deve dar lugar, como deu, a um convite ao mandatário “faltoso” para que venha dar a sua “adesão”.
( Da responsabilidade da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: 1. A instaurou acção declarativa de condenação, com processo sumário contra TMN. Citada a R., veio apresentar contestação, enviada via Citius, a 11/8, pela Exma. Advogada C ……; no formulário anexo à contestação declara-se que a peça processual será também subscrita por C… e J …., advogados.
2. Em 13/8, o Sr. Advogado J …. apresenta “declaração electrónica de adesão”.
3. Constatando o tribunal a não apresentação da adesão por parte do Sr. Advogado C ….., por despacho 21/10, manda notificar a R para “elucidar a respeito desta discrepância”.
4. Em resposta, a 2/11, veio a R. esclarecer que “a opção por subscrição múltipla corresponde a uma prática por si utilizada e que procede apenas de motivos de organização interna relativos à racionalização e tratamento das notificações judiciais, não derivando assim de acto cuja prática a mandante impusesse a todos os seus mandatários que são em número de doze”.
5. Notificado deste esclarecimento, pela parte contrária, veio o A apresentar requerimento, a 8/11, onde alega que não assiste razão à R e que a falta da adesão, em tempo, tem como consequência que se considere a contestação como não apresentada, invocando o art.º 12.º n.º3 da portaria 114/2008, de 6/2 e, consequentemente, requer que se profira sentença condenando a R no pedido, ao abrigo do art.º 784.º do CPC.
6. Na sequência deste requerimento a Sra. Juiz profere despacho, a 9/2 de 2011, do seguinte teor:
“Notifique a ré para em 2 dias seja a contestação subscrita pelo Ilustre Advogado C ……, sob pena de ser a mesma dada sem efeito nos termos da portaria n.º114/2008, de 06/02.
Notifique as partes.”
7. Nesta sequência, veio o Sr. Advogado C….., a 17/2, apresentar a sua “adesão”.
8. A 28/3 foi proferido despacho do seguinte teor:
“fls. 105/106 – Uma vez que se trata de matéria exclusivamente processual, considero sanada a irregularidade, da assinatura electrónica da contestação.”
9. Deste despacho interpôs o A o presente recurso de apelação, alegando e concluindo, em síntese, que:
- a não apresentação da adesão no prazo de 2 dias faz extinguir o direito de praticar o acto, nos termos do art.º 12.º n.º3 da Portaria 114/2008 de 6/2;
- o seu requerimento aludido supra em 5. consubstância um incidente a ser regulado nos termos do arts.º 302.º e sgs do CPC;
- ao não ter a requerida deduzido oposição a esse incidente vigora a cominação prevista no art.º 303.º n.º2 do CPC.
Não podia assim a Sra. Juiz ter julgado suprida a irregularidade, antes devia ter não admitido a contestação e julgado a acção.
Pede a revogação do despacho e substituição por decisão que julgue a acção procedente.
10. A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão.
11. Nada obsta ao conhecimento do recurso.
12. A matéria a ter em consideração na decisão a proferir é a que consta do relatório supra.
O Recorrente apelida o despacho reportado em 6. de “mero expediente”, por certo prevenindo a possibilidade de se vir a entender que o despacho que deveria ter sido objecto de recurso era esse e não o que lhe sucedeu e do qual vem agora interposto este recurso.
Mas é efectivamente esse o nosso entendimento.
Nos termos do despacho enunciado em 6., resulta evidente que a Sra. Juiz, pese embora a oposição do A, entendeu que o Sr. Advogado ainda estava em tempo para dar a dita “adesão” de modo eficaz. Só se tal acto não fosse praticado é que a contestação seria desentranhada.
Deste despacho resulta implícito que a pretensão do A, feita valer no seu requerimento, não foi atendida pela Sra Juiz, tendo havido um indeferimento tácito. E não se diga que se trata de despacho de mero expediente e, por isso, insusceptível de recurso. –art.º 679.º CPC
Despacho de mero expediente é aquele que, no dizer da lei, se destina “a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes”-art.º 156.º n.º4do CPC.
Ora, na medida em que o A se tinha oposto a que a “adesão” pudesse ainda ser dada e tinha já defendido que o acto - apresentação da contestação - devia ser entendido como não tendo sido praticado, o julgador ao decidir, como decidiu, pela notificação da R para que se procedesse à “adesão”, com a cominação de não o fazendo vir então a contestação a ser desatendida, é óbvio que o julgador decidiu também não estar ainda precludido o direito a praticar o acto, contrariando assim o entendimento do A, que foi, neste contexto, tacitamente indeferido.
Foi este despacho que desatendeu a pretensão do agora recorrente e não o que lhe sucedeu, onde se julgou sanada irregularidade.
Daqui se conclui que o A deveria era ter recorrido do despacho de 9/2, aludido em 6., sendo certo que o mesmo lhe foi atempadamente notificado.
Não o tendo feito, tal decisão transitou em julgado, não podendo já ser atacada.
Por outro lado carece em absoluto de fundamento a invocação do recorrente de que com a sua oposição de 8/11-ponto 5. –deu azo a um “incidente”, a ser tramitado como tal nos termos do art.º 302.º e sgs.
A lei tipifica vários incidentes, como decorre do Livro III, Título I, Capítulo III do CPC, sob o título “Dos incidentes da Instância”. Para além destes incidente nominados outros existem, embora não estejam nem nominados nem tipificados.
Em regra não pode ser tido como incidente toda e qualquer “actividade processual prevista como normal em relação ao processo da acção ou do recurso, pelo que não pode ser considerado incidente o que se inclua na tramitação normal do processo como é o caso, por exemplo, da reclamação da base instrutória ou da decisão da matéria de facto ” - Salvador da Costa in Manual dos Incidentes da Instância, 2.ª ed. p.8 –.
Ora, desde logo, a questão de saber se uma contestação está ou não em condições de ser admitida nunca pode ser vista como configurando um “incidente”. Mas, independentemente disso, não se vislumbra que efeito cominatório pretendia o recorrente ver retirado da não resposta da R ao seu requerimento. O efeito cominatório só se reporta a “factos” e jamais a interpretações jurídicas, que foi o que o A fez no seu suposto “incidente”.
Aqui chegados e pese embora se julgar a decisão já insusceptível de ser atacada, nem por isso poderemos deixar a defender a falta de razão do recorrente, quanto à questão de fundo.
Vejamos:
O art.º12.º da Portaria 114/2008 dispõe assim:
“Apresentação de peças processuais por mais de um mandatário
1 — Nos casos em que a peça processual deva ser assinada por mais do que um mandatário, deve seguir-se o seguinte procedimento:
a) Um dos mandatários procede à entrega da peça processual, assinando -a digitalmente através do CITIUS (http://citius.tribunaisnet.mj.pt) e indicando, no formulário, os mandatários que igualmente a devem assinar;
b) No prazo máximo de dois dias após a distribuição do processo, no caso de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta, ou após a recepção da peça processual enviada, nos demais casos, os mandatários indicados no formulário enviam, através do CITIUS, uma declaração electrónica de adesão à peça, assinada digitalmente.
2 — A apresentação de peça processual por mais de um mandatário através do CITIUS está dependente do registo prévio de todos os mandatários que apresentam a peça, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º
3 — Nos casos de não adesão por parte dos mandatários indicados no formulário no prazo fixado na alínea b) do número anterior, considera -se que a peça processual não foi apresentada e anula -se a respectiva distribuição nos casos de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta.”
A questão é saber se o desrespeito pelo prazo de dois dias, a que se alude em b) fere, nos mesmos moldes, uma petição e uma contestação.
Pese embora a letra da lei parecer inculcar essa ideia, temos por certo que assim não poderá ser. Esta portaria não poderá ser vista desintegrada dos demais regimes que norteiam a tramitação processual, maximé o regime do CPC. Os regimes processuais, dispersos como estão por vários diplomas, não podem deixar de ser compatibilizados entre si e serem analisados numa perspectiva integradora e globalizada.
A lei não sanciona, nem nunca sancionou, de forma equivalente as questões processuais atinentes a uma petição e a uma contestação. É que, em relação à petição recusada, desentranhada ou o que quer que seja, sempre a parte pode vir apresentar nova e equivalente peça, podendo até aproveitar a taxa de justiça que tenha pago e beneficiar, no tocante a prazos que possam estar a correr, da data da primeira p.i.
Já em relação à contestação, o seu desentranhamento tem a simples virtualidade de permitir que o A “ganhe na secretaria”, ficando, no mínimo, dispensado de provar o que alegou. Esta gravíssima consequência leva a que a lei dê tratamento substancialmente diverso (podendo até pensar-se demasiado protector, como no caso do n.º5 do art.º 486.ºA CPC) ao caso da contestação.
Defender-se que a falta de “adesão” impõe que se considere a contestação como não apresentada evidência uma gritante desproporção entre o acto omitido e a sanção, desde logo, no confronto com as situações que se lhes podem ser paralelas.
Se procuração não tivesse sido junta, o tribunal notificaria o mandatário subscritor para a juntar, dando-lhe prazo para a juntar e ser ratificado o processado. Só se findo o prazo a situação não fosse regularizada é que, no caso da contestação, o acto ficaria sem efeito -art.º 40.º CPC
Se a contestação, por evidente lapso, não vier assinada, o que não é caso assim tão raro, convida-se o mandatário a nela apôr a sua assinatura.
Se a taxa de justiça que deve acompanhar a contestação não for junta é o R. notificado para proceder ao pagamento e se ainda assim não o fizer, é-lhe dada uma derradeira oportunidade, antes de se aplicar a sanção mais grave que é o desentranhamento da contestação –art 486.º-A do CPC.
Não alude a portaria expressamente ao caso da contestação, sendo contudo expressa quanto à petição inicial, estipulando que “considera -se que a peça processual não foi apresentada e anula -se a respectiva distribuição nos casos de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta”.
Não se podendo ainda esquecer que esta disposição se reporta a todas as peças processuais que devam ser subscritas por mais que um advogado. Mais do que petições e contestações (que serão os casos menos frequentes, pois que não é prática corrente uma peça dessas ser subscrita por mais que um advogado), este preceito radica a sua essência os requerimentos conjuntos, apresentados pelos mandatários das várias partes, como sejam, por exemplo, transacções, pedidos de suspensão da instância, de alteração de datas de diligência, etc. Nestes casos, que envolvem as várias partes, bem se compreende que se uma das partes não dá a sua “adesão”, o requerimento não possa ser atendido, não se vendo que outro tratamento pudesse ser dado.
Agora, daqui a aplicar-se o mesmo tratamento a uma contestação vai “um passo de gigante”, o qual não podemos acolher.
E atendendo ao elemento literal do preceito vemos que não se faz qualquer expressa referência ao caso da contestação, contrariamente ao caso da petição. Se o legislador tivesse expressamente previsto e enunciado a situação da contestação, não temos qualquer dúvida em afirmar que não teria retirado da dita falta de “adesão” a consequência que parece ressaltar do texto e que é a defendida pelo recorrente.
Em resumo: a falta de “adesão” de um dos mandatário a uma contestação que deva ser subscrita por mais que um advogado não pode dar lugar à aplicação automática da sanção prescrita no n.º 3 do art.º12.º da Portaria 114/2008, antes deve dar lugar, como deu, a um convite ao mandatário “faltoso” para que venha dar a sua “adesão”.

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 17 de Novembro de 2011

Teresa Soares
Ana Lucinda Cabral
Maria de Deus Correia