Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
258/06.1IDLSB.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I-Pressuposto material básico do instituto da suspensão da execução da pena é a expectativa, objectivamente fundada, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para afastar o condenado da criminalidade.
II-As exigências de prevenção geral nos crimes tributários e particularmente no que concerne à não entrega de quantias relativas ao Imposto sobre o Valor Acrescentado são muito intensas, considerando a elevada frequência com que são praticados e a considerável margem de impunidade de que as condutas ilícitas dessa natureza continuam a beneficiar.
III- Não se mostra possível fazer um juízo de prognose de que, de futuro, o arguido se pautará por uma forma de vida afastada da criminalidade, mormente da natureza daquela a que se reportam estes autos, se praticou já outros dois crimes tributários e não demonstra interiorização do desvalor da sua conduta delituosa, antes a relativiza, não se podendo ainda olvidar que enquanto trabalhou por conta própria não deixou de usufruir uma remuneração superior, em média, a três mil euros mensais, mas não cumpriu as obrigações fiscais da sociedade.
Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

            1. Nos presentes autos com o NUIPC 258/06.1IDLSB, do 4º Juízo Criminal de Lisboa, 3ª Secção, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido LB... condenado, por sentença de 16/04/2012, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 2º, 6º, 7º, nº 3 e 105º, nºs 1, 2, 4 e 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/06, em conjugação com os artigos 30º, nº 2 e 79º, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob a condição de, no prazo de dois anos, demonstrar nos autos que entregou ao Estado a prestação tributária em dívida, no montante total de 219.143,85 euros, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 14º, do RGIT e 50º e 51º, do Código Penal.

            2. O Ministério Público e o arguido não se conformaram com o teor da decisão e dela interpuseram recurso.

            2.1 Extraiu o recorrente Ministério Público da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

            (...).

            2.2 Apresentou o arguido LB... as conclusões de recurso que de seguida se transcrevem:

            (...).

            3. O arguido respondeu à motivação de recurso do Ministério Público, pugnando por lhe ser negado provimento.

        4. O Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso do arguido, afirmando que pretendendo este impugnar a matéria de facto, não deu cumprimento ao estabelecido no artigo 412º, nº 3, do CPP, pelo que o recurso deve ser rejeitado. No que diz respeito à questão da pena aplicada, o recurso deve também ser rejeitado, por extemporâneo.

            5. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido e apôs o seu Visto quanto ao do Ministério Público.

            6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, tendo o arguido vindo invocar, como já o tinha feito em requerimento dirigido à Sr.ª Juíza da 1ª Instância com entrada aos 17/10/2012 no 1º Juízo Criminal de Lisboa, que não foi notificado da resposta ao seu recurso apresentada pelo Ministério Público e bem assim não foi notificada ao Ministério Público a resposta que apresentou, impetrando a sanação destas irregularidades.

            7. Aos 20 de Novembro de 2012 foi proferida decisão sumária em que se decidiu não tomar conhecimento dos recursos e se determinou a remessa dos autos ao tribunal recorrido para apreciação do requerimento apresentado pelo arguido na 1ª instância e eventual cumprimento do estabelecido no artigo 413º, nº 3, do CPP.

            8. Vindos os autos do tribunal a quo, foi o arguido/recorrente notificado novamente para efeitos do estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

            9. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

            Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1.   Âmbito do Recurso

            O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

            No caso em apreço, atendendo às conclusões das motivações dos recursos, as questões que se suscitam são as seguintes:

            Recurso do arguido LB...

            Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento.

            Dosimetria da pena aplicada, que reputa desproporcionada.

            Recurso do arguido Ministério Público

            Não verificação dos pressupostos de aplicação ao arguido da pena de substituição de suspensão da execução da pena.

            2. A Decisão Recorrida

            O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):
            1. A sociedade arguida C... IT..., S.A., contribuinte fiscal n.º ..., com sede em ..., tem por objecto a actividade de compra e venda de serviços de consultoria, serviços de desenvolvimento de software e formação profissional na mesma área.
            2. No que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), a sociedade arguida C... IT..., S.A. encontrava-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em 2004 e mensal em 2005.
            3. O arguido LB... é, desde a data de constituição da sociedade arguida C... IT..., S.A., sócio da mesma, exercendo de facto e de direito a administração da sociedade, tendo sempre actuado em nome e no interesse desta.
            4. Ao arguido LB... cabia, de facto, a gerência da sociedade arguida C... IT..., S.A. e, consequentemente, a tomada de todas as decisões importantes relativas ao seu funcionamento.
            5. O arguido LB... era, pois, responsável pelo cumprimento das obrigações fiscais da sociedade arguida C... IT..., S.A., mormente, a entrega das declarações periódicas de I.V.A. e a entrega ao Fisco das quantias cobradas pela sociedade arguida a título de I.V.A. no âmbito do exercício da sua actividade.
            6. Nos anos de 2004 e 2005, a sociedade arguida C... IT..., S.A., através da actuação do arguido LB..., exerceu, de facto, de direito e de forma continuada, a sua actividade.
            7. No âmbito do exercício da sua actividade, por intermédio da actuação do arguido LB..., a sociedade arguida C... IT..., S.A. liquidou, cobrou e recebeu I.V.A. deduzido nos termos da lei fiscal em vigor.
            8. Durante os anos de 2004 e 2005, a sociedade arguida C... IT..., S.A. efectuou prestações de serviços, pelas quais liquidou e recebeu I.V.A..
9. No que diz respeito a tais prestações de serviços, os pagamentos foram efectuados pelos clientes, num prazo que permitia à sociedade arguida C... IT..., S.A. efectuar a entrega do I.V.A. devido ao Estado no prazo legalmente estipulado.
10. A sociedade arguida C... IT..., S.A. enviou para os Serviços de Administração do I.V.A. as declarações periódicas de I.V.A. sem o respectivo meio de pagamento ou com pagamento incompleto, respeitantes aos seguintes períodos de imposto e pelos valores indicados, os quais, até à presente data, não se mostram liquidados:

PERÍODO DE IMPOSTOVALOR DE IVA A PAGAR (€)
4.º Trimestre de 2004                                              € 79 417,23
Janeiro de 2005                                                       € 28 629,82
Fevereiro de 2005                                                    € 26 635,64
Março de 2005                                                      € 33 233,13
Maio de 2005                                                      € 51 225,03
TOTAL EM FALTA                                            € 219 143,85

11. No total, a sociedade arguida C... IT..., S.A. liquidou e recebeu quantias monetárias cobradas a título de I.V.A., no valor de € 219 143,85 (duzentos e dezanove mil, cento e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos).
12. A sociedade arguida C... IT..., S.A. deveria, por intermédio da actuação do arguido LB... s, na qualidade de seu administrador de facto e de direito e responsável pela sua actividade, ter entregue à administração tributária, dentro dos prazos para tal legalmente estabelecidos, aquelas quantias, juntamente com as declarações periódicas mensais de I.V.A. relativamente aos supra referidos meses, conforme estava obrigada pelo disposto nos artigos 26º, 28º, n.º 1, alínea c) e 40º, n.º 1, alínea b) do Código do I.V.A..
13. Porém, o arguido LB..., em representação da sociedade arguida C... IT..., S.A., decidiu que não cumpriria a obrigação de entregar à administração tributária as quantias monetárias referentes ao imposto que a sociedade arguida reteve a título de I.V.A., sempre que tal se mostrasse mais favorável à empresa em termos financeiros.
14. Assim, nos referidos meses de 2004 a 2005, a sociedade arguida C... IT..., S.A., por intermédio da actuação do arguido LB..., não efectuou a entrega das quantias monetárias liquidadas a título de I.V.A. dentro dos prazos para tal legalmente estipulados, nem o fez transcorridos que foram 90 (noventa) dias sobre essas datas.
15. Antes, o arguido LB..., actuando como representante da sociedade arguida C.... IT..., S.A., reteve as referidas importâncias, afectando-as às diversas necessidades da sociedade arguida, integrando-as dessa forma na esfera de bens desta.
16. O arguido Luís Filipe Barreiros bem sabia que sobre a sociedade arguida C... IT..., S.A. e sobre si próprio, no âmbito do exercício das suas funções de administrador de facto, impendia a obrigação de proceder à entrega, nos competentes serviços da Administração Tributária (Direcção de Serviços de Cobrança do I.V.A.) e em regime normal de periodicidade trimestral, das declarações respeitantes a todas as operações realizadas pela sociedade e, em simultâneo com a entrega das mesmas, a proceder ao pagamento das quantias correspondentes ao I.V.A. cobrado e devidamente liquidado pela sociedade nas transacções por si realizadas.
17. Na sua actuação como representante da sociedade arguida C... IT..., S.A., nos termos referidos supra, agiu sempre o arguido LB... com conhecimento e consciência de que as quantias pecuniárias recebidas a título de I.V.A. não pertenciam à sociedade arguida, mas ao Estado Português e que era obrigação da sociedade arguida e sua obrigação, na qualidade de sua representante de facto, entregar à administração tributária tais quantias.
18. O arguido LB... sabia que não lhe era permitido usar tais verbas para fins de conveniência da sociedade arguida, de que era representante, montantes que devia entregar ao Estado e que apenas estavam em poder da empresa por esta as ter recebido dos seus clientes a título de pagamento de I.V.A. e de as ter descontado do montante total de pagamentos que efectuou a título de pagamento de impostos.
19. Não obstante, tal não impediu o arguido LB... de actuar da forma como actuou, fazendo tais importâncias da sociedade arguida C...IT..., S.A..
20. Com a sua conduta, o arguido LB... causou uma diminuição no património fiscal do Estado Português, no valor de € 219 143,85 (duzentos e dezanove mil, cento e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), uma vez que fez da sociedade arguida C... IT..., S.A. o montante em questão, que bem sabia pertencer ao Estado.
21. A falta de entrega ao Fisco dos montantes supra referidos arrastou-se ao longo do tempo, integrando-se na forma de actuação usual da sociedade arguida e do arguido LB..., em sua representação, que no período ao qual respeitam os factos supra referidos, actuando sempre da mesma forma, deixaram de cumprir tal obrigação, sempre que tal incumprimento se mostrasse em termos financeiros mais favorável à sociedade arguida.
22. O arguido LB... e a sociedade arguida C... IT..., S.A. mantiveram a situação descrita, motivados pela circunstância de esta última não ter sido, durante esse período de tempo, alvo de qualquer inspecção tributária, confiando na morosidade da actuação da administração tributária e aproveitando a oportunidade favorável à prática de tais actos.
23. O arguido LB... actuou sempre de forma voluntária, livre e consciente, em nome e no interesse da sociedade arguida C... IT..., S.A., na qualidade de administrador de facto da mesma, com o inequívoco propósito de obter para a C... IT..., S.A. um benefício económico, que sabia indevido, à custa da defraudação da Fazenda Nacional, ao reter e integrar no conjunto de bens da empresa de que era administrador de facto quantias recebidas de terceiros a título de pagamento de I.V.A..
24. O arguido LB... agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua actuação era proibida e punida por lei.
25. Não obstante terem sido notificados, a sociedade arguida C... IT..., S.A. e o arguido LB... para, no prazo de 30 (trinta) dias, procederem ao pagamento das contribuições e respectivos juros devidos pela retenção efectuada, nos termos do artigo 105º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, estes não procederam ao pagamento de qualquer quantia.
26. Por sentença proferida em 13 de Maio de 2008 e transitada em julgado, a sociedade arguida C... IT..., S.A. foi declarada insolvente, tendo o respectivo processo de insolvência sido declarado encerrado, por insuficiência da massa insolvente, em 11 de Novembro de 2008.
27. O arguido LB... é casado, mas encontra-se actualmente separado de facto.
28. O arguido Luís FB... tem duas filhas, com cinco e onze anos de idade, respectivamente.
29. O arguido LB... é consultor de informática e dedica-se à actividade de broker, auferindo mensalmente cerca de € 1 500,00 (mil e quinhentos euros).
30. Como habilitações literárias, o arguido LB... frequentou o curso de gestão hoteleira, o curso de engenharia informática e uma pós-graduação em marketing e gestão comercial.
31. Do relatório social do arguido LB..., que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte: “Dados relevantes do processo de socialização. A formação psicossocial de LB... decorreu junto dos seus progenitores e de dois irmãos, até aos 28 anos, idade com a qual contraiu matrimónio e se autonomizou da família de origem em termos habitacionais e económicos. LB... tem dois anos incompletos de frequência universitária, do curso de gestão hoteleira, tendo posteriormente e de forma intercalada com a assunção de responsabilidades laborais ampliado a sua formação com cursos suplementares. Com recurso a uma bolsa de estudo, LB... fez um curso técnico profissional de Linguagem de Programação, na Dinamarca e um de marketing, em Espanha, com o apoio económico da família e de um amigo. Em termos profissionais, LB... apresentou alguma mobilidade, justificada com base na perspectiva de obter melhores posições funcionais ou remuneratórias. O arguido chegou a desempenhar funções de cariz indiferenciado, no início da sua actividade, nomeadamente, como empregado de limpeza e recepcionista num Hotel, até à assunção de funções como programador comercial na área financeira ou ligado à informática na área da banca, sempre como trabalhador por conta de outrem. Foi em 1999 que LB... referiu ter criado a sua primeira empresa, na área da consultoria, juntamente com mais quatro sócios, ao que se seguiram novos projectos. De 2003 a 2006 o arguido foi sócio e administrador da sociedade C... IT..., S.A; de 2006 a 2009 trabalhou como director comercial na “C.. –..., , Lda e de 2005 a 2010 foi administrador único da sociedade “C.. e C..., Lda”, dedicada à criação, gestão e prestação de serviços de telemarketing. Durante os anos em que o arguido laborou por conta própria, usufruiu de uma remuneração superior a € 3 000,00 (três mil euros) mensais, em média, sendo que em determinados períodos acumulou mais do que um trabalho. No que concerne às questões jurídico-penais, há a destacar o facto de o arguido estar indiciado em mais três processos. Um reportado a 2007, por crime contra a liberdade pessoal, outro em 2008, por crimes contra a propriedade e em 2009, por crimes contra a liberdade pessoal. LB... vai a julgamento no próximo dia 21 de Junho de 2012, no âmbito do processo n.º ..., da ... Vara Criminal de ...., como autor material e na forma consumada, de dois crimes de abuso de confiança fiscal. Há registo de uma condenação a um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos mediante a condição de pagar o montante em dívida em prestações mensais de, pelo menos, € 500,00 (quinhentos euros), até perfazer o montante de € 200 000,00 (duzentos mil euros), por crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social. Há também registo de ter sido condenado no pagamento de uma multa no valor de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), por crime de abuso de confiança fiscal. Acusa ainda uma condenação a dois anos de prisão efectiva, tendo o mesmo interposto recurso. II – Condições sociais e pessoais. À época dos factos, LB... vivia com a sua mulher e duas filhas comuns, sob um contexto económico avaliado pelo próprio como estável na medida em que o casal se enontrava laboralmente activo. LB... como sócio e administrador da C...IT..., S.A. e a sua mulher como administrativa numa empresa do seu pai ligada ao ramo da construção civil. Na decorrência do presente processo e da subsequente actividade laboral do arguido, o casal começou a acusar algum desgaste no relacionamento, porquanto o arguido ficou mais retraído ao nível da convivência e algo irascível pelas preocupações laborais com que se vinha a debater. Nessa decorrência, em 2009, após doze anos de casamento, dá-se a ruptura entre ambos, sendo que as filhas comuns ficaram sob a égide educativa da progenitora, enquadramento que vigora no presente, limitando-se o arguido a visitar as descendentes sempre que lhe é oportuno, embora sem assumir uma comparticipação económica a título de pensão de alimentos. Na actualidade, LB... está a viver na morada dos autos desde o divórcio, sensivelmente há três anos, a qual pertence a um amigo, não tendo qualquer encargo logístico pela sua ocupação como forma de o ajudar a colmatar as dificuldades económicas que imperam no presente. LB... após ter cessado funções na sociedade “C..., Lda”, em 2010, optou por investir numa formação em Espanha, durante oito meses, motivo pelo qual não exerceu uma actividade laboral de cariz remuneratório, situação que o remeteu para uma parcial dependência da família e/ou amigos. Ainda de acordo com o veiculado pelo próprio arguido, só em Janeiro do corrente ano agilizou no sentido de retomar actividade laboral. Está o mesmo a trabalhar como comercial na área da informática, usando o escritório cedido por uma amigo para o efeito. Como se trata de uma actividade recente e no início da sua implementação ainda não é possível aferir lucros, motivo pelo qual não nos foi quantificado o seu vencimento. LB... foi definido como um indivíduo trabalhador, com iniciativa e visão para explorar oportunidades de negócio. No entanto, em nosso entender, tratar-se-á de um indivíduo com alguns traços maníacos, capaz de tomar decisões sem aferir afincadamente sobre as reais consequências, por idealizar cenários, por incutir optimismo na tomada de decisões e por perspectivar ter sempre sucesso nos resultados finais. LB... também perpassou ser reactivo em termos emocionais, com reduzida tolerância face à frustração. III – Impacto da situação jurídico-penal. LB... assinalou várias repercussões pelo facto de ter sido constituído arguido. Aquela que teve mais impacto surgiu ao nível familiar, com o registo do seu divórcio e com a consequente perda de qualidade relacional entre o próprio e os seus sogros e ex-mulher. Em seguida, surge o desmoronamento do seu contexto laboral, traduzido numa perda substancial de fonte de rendimento e na sentida limitação em termos de campos de acção porquanto a sua imagem como profissional ficou negativamente afectada. E numa última instância foi assinalado o facto de ter ficado socialmente mais isolado e sob um quadro de auto-diagnóstico de depressão, não comprovada em termos clínicos, porque o arguido nunca foi submetido a qualquer tipo de acompanhamento médico, nem aderiu a qualquer terapêutica farmacológica consentânea. Quanto ao bem jurídico em causa, houve uma relativização face ao processo em apreço porquanto o arguido considera que face aos compromissos profissionais que tinha que honrar, a par da impossibilidade de satisfazer e de dar respostas assertivas a tudo, optou por um caminho e detrimento do outro. Esta sua auto-justificação surge não só como um mecanismo de neutralização da culpa, como com o objectivo de perpassar uma postura altruísta. Pese embora o exposto, foi expressa disponibilidade para o cumprimento de uma medida a cumprir em meio livre. IV – Conclusão. LB... revelou ao longo do seu percurso laboral uma ascensão ao nível das funções ocupadas, bem como dos salários auferidos, com especial incidência a partir da fase em que começou a trabalhar por conta própria. Muitas foram as repercussões negativas trazidas pelo facto de ter sido constituído arguido, na medida em que houve muitas perdas qualitativas, nomeadamente, no sector da família, laboral, económico e social, exigindo do arguido prontificação para reagir e recomeçar um novo ciclo, mas para o qual o arguido se sente capaz. Em termos estruturais, LB... perpassou ser um individuo com capacidades de liderança/dominância, assim como de persuasão, pela estrutura de carácter forte e persistente na procura dos seus intentos. A relativização dada ao processo em apreço deve-se ao facto de o arguido entender que tomou a melhor das opções, o que nos deixa algumas reservas quanto à exequibilidade do cumprimento de uma medida em meio livre dentro das expectativas sociais, caso o mesmo seja condenado, porque embora o factor de protecção que se destaca diga respeito à sua retoma laboral, está presente que este processo surgiu em contexto laboral e que todos os processos pendentes ou aqueles em que foi condenado remetem para a mesma prática de crime”.
32. Do certificado de registo criminal do arguido LB... constam averbadas as seguintes condenações:
- no âmbito do processo comum singular n.º ..., do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, ..., por sentença proferida em 18 de Março de 2009 e transitada em julgado em 27 de Abril de 2009, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, praticado em 2001;
- no âmbito do processo comum singular n.º ...., do 2.º Juízo Criminal de Lisboa,  por sentença proferida em 29 de Junho de 2010 e transitada em julgado em 20 de Maio de 2011, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, praticado em 1 de Janeiro de 2005.
33. Do certificado de registo criminal da sociedade arguida C... IT..., S.A. não consta averbada qualquer condenação.

Quanto aos factos não provados, (...).

(...).

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):


            A convicção do Tribunal fundamentou-se na apreciação crítica do conjunto da prova produzida e analisada na audiência de discussão e julgamento, valorada à luz das regras de experiência comum e da normalidade social, em conformidade com o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, designadamente:
- nas declarações do arguido, que, apesar de não ter admitido a prática integral dos factos descritos na acusação, contribuiu para o esclarecimento das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram, tendo ainda elucidado o Tribunal acerca das suas condições de vida; descreveu o objecto social e o processo de constituição, de implementação no mercado e de cessação de actividade da sociedade arguida C... IT..., S.A., da qual era administrador de facto e de direito; evidenciou ter conhecimento da obrigação tributária de declarar e de entregar o I.V.A., tendo referido que a sociedade arguida C...IT..., S.A. enviou à administração tributária as competentes declarações periódicas, mas não os respectivos meios de pagamento, por dificuldades financeiras; negou qualquer apropriação de dinheiro, tendo referido que a sociedade arguida C... IT..., S.A. se viu impossibilitada de liquidar as suas obrigações tributárias, por dificuldades financeiras, as quais, no entanto, afirmou desconhecer em concreto;
- no depoimento das testemunhas:
- SP... e PM, trabalhadores da sociedade arguida desde 2003 até 2006, prestaram depoimentos sinceros, claros e objectivos, relatando perante o Tribunal o objecto de actividade da sociedade arguida e o tipo de funções aí exercidas pelos depoentes e pelo arguido; admitiram evidenciar a sociedade arguida algumas dificuldades financeiras, cuja origem concreta não lograram, no entanto, esclarecer com precisão;
- CG..., técnica oficial de contas da sociedade arguida de 2006 a 2009, revelou não ter qualquer conhecimento directo dos factos em apreço, por força do extravio dos extractos de contabilidade da sociedade arguida referentes aos anos de 2006 e anteriores;
- MG..., director financeiro da sociedade arguida de 2001 a 2006, revelou ter conhecimento directo dos factos em apreço, tendo prestado um depoimento claro, seguro e objectivo, motivo por que tal depoimento mereceu credibilidade ao Tribunal, em particular, na parte em que foi confirmado pelos demais meios de prova; relatou perante o Tribunal o objecto de actividade da sociedade arguida e o tipo de funções aí exercidas por si e pelo arguido; afirmou que, apesar de preenchidos os cheques com os montantes devidos pela sociedade arguida a título de I.V.A., o arguido, na qualidade de administrador da sociedade arguida, não os assinava, nem autorizava que se procedesse a tal pagamento, apesar de ciente de que tal comportamento era passível de responsabilidade criminal; confirmou a existência de dificuldades financeiras da sociedade arguida, que imputou a uma má gestão financeira desta; aludiu à inexistência de quaisquer processos judiciais instaurados pela sociedade arguida contra eventuais devedores; quando confrontado com os documentos de fls. 611 a 615, confirmou o seu teor;
- JV..., inspector tributário, confirmou, de forma pormenorizada, o teor do relatório final constante dos autos; prestou um depoimento isento, claro, objectivo e seguro, demonstrando ter conhecimento dos factos em apreço, motivo por que o seu depoimento, conjugado com a extensa prova documental recolhida nos autos, mereceu credibilidade ao Tribunal; procedeu à análise detalhada das diversas facturas e documentos constantes dos autos, tendo sempre por referência o teor do relatório final junto aos mesmos; realçou, designadamente, o teor dos documentos constantes dos autos, dos quais constam declarações de pagamento das facturas emitidas pela sociedade arguida; esclareceu que o I.V.A. liquidado e recebido pela sociedade arguida o foi em montante suficiente para que esta procedesse ao pagamento do imposto devido, conforme evidencia a documentação constante dos autos e analisada em sede de audiência de discussão e julgamento;
- LMS..., administradora de insolvência da sociedade arguida, revelou não ter qualquer conhecimento directo dos factos descritos na acusação, tendo referido não ter procedido à apreensão da contabilidade da empresa, por extravio da mesma, não tendo sido possível apurar qual o destino dado aos bens da empresa;
- nos documentos juntos aos autos, maxime, documentação de fls. 2 a 6, 10, 20, 21, 23, 39 a 41, 61, 62, 74, 85 a 91, 103, 144 a 176, 178 a 182, 185, 187 a 243, 247 a 275, 290 a 297, 299 a 311, 313 a 325, 334 a 414, 432 a 437, 440 a 458, 462 a 497, 499 a 538, 539, 545 a 585, 590 a 607, 608 a 610, 881 a 884, 891 a 894, 908 e 909 dos presentes autos e 3 a 7 do translado; certidão de registo comercial de fls. 14 a 17, 714 a 718 e 886 a 890; notificações de fls. 19, 73, 87; balancete de fls. 104 a 117; extractos de fls. 118 e 119; declarações periódicas de fls. 611 a 615; certificados de registo criminal de fls. 633, 634, 757 a 760 e 835 a 837; relatório social de fls. 857 a 862 e certidão de escritura pública de fls. 899 e 900.
            Os factos não provados resultaram de nenhuma prova ter sido efectuada quanto aos mesmos, de subsistirem dúvidas quanto à sua verificação – resolvidas em benefício dos arguidos -, de estarem em contradição com os factos dados por provados ou de encerrarem, em si, matéria conclusiva, juízos de valor e conceitos de direito.
            A tese defendida pelo arguido não logrou convencer o Tribunal da sua bondade e acerto, na medida em que as suas declarações não foram confirmadas pelos demais meios de prova, tendo até sido contrariadas pelos depoimentos das testemunhas MG..., JV... e LMS..., conjugados com a extensa prova documental constante dos autos e as regras da experiência comum e da normalidade social.

            Apreciemos.

            Questões prévias

No exame preliminar foram ponderadas as questões da falta de cumprimento do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do CPP e da extemporaneidade do recurso interposto pelo arguido, suscitadas pelo Ministério Público junto da 1ª instância na resposta ao recurso e determinado que os autos fossem à conferência para decisão destas questões prévias.

Importa agora analisar e decidir essas questões.

            Afirma-se que, pretendendo o arguido impugnar a matéria de facto provada, não deu cumprimento ao estabelecido no artigo 412º, nº 3, do CPP, porquanto não especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; nem as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e não indica as provas que devem ser renovadas”, pelo que o recurso deve ser rejeitado.

            Estabelece o artigo 412º, do CPP, que:

            “(…)


3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.


4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação”.

            Analisada a peça recursória em causa, constatamos que na motivação e bem assim nas conclusões indica o arguido os concretos factos provados contra os quais se insurge e bem assim qual a prova que impõe decisão diversa daquela por que concluiu a decisão revidenda, a saber: o depoimento da testemunha MG..., de que transcreve os segmentos que considera conduzirem no sentido que propugna.

            Não indica qual a prova a renovar, nem tinha de o fazer, porque não requereu renovação de prova alguma.

            Assim sendo, carece de razão o Ministério Público, inexistindo fundamento para a rejeição do recurso, pois foi cumprido o legalmente exigido.

            Mais se sustenta a extemporaneidade do recurso.

Ora, aos 16 de Abril de 2012 foi lida a sentença em 1ª instância, que nesse mesmo dia se mostra depositada, iniciando-se o prazo para o recurso no dia seguinte.

No dia 21/05/2012 foi interposto recurso pelo arguido, via fax.

            Analisada a respectiva peça processual, é manifesto que o recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada.

            O recorrente cumpriu o legalmente exigido, como já se referiu.

            Conforme estabelecido no artigo 411º, do CPP, na versão vigente à data da prolação da decisão revidenda, o prazo para interposição do recurso da sentença é de 20 dias, contados da data do seu depósito na secretaria, sendo de 30 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, como aqui se verifica.

            Este prazo é contínuo – artigo 144º, nº 1, do CPC por força do artigo 104º, nº 1, do CPP – suspendendo-se durante as férias judiciais, sendo que à prática extemporânea de actos processuais penais se aplica o estabelecido nos nºs 5 a 7 do artigo 145º, do CPC, como se consagra no artigo 107º-A, do CPP, o que ocorreu in casu.

Termos em que, mostra-se tempestivo o recurso interposto pelo arguido.

            Recurso do arguido LB...

            Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento

            Conforme estabelecido no artigo 428º, nº 1, do CPP, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, de onde resulta que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição.

            A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, no que se denomina de “revista alargada”, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento – neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 05/06/2008, Proc. nº 06P3649 e Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 1182/06.3PAALM.S1, in www.dgsi.pt. - ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

Nos casos de impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre confinada aos limites fornecidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do CPP.


            Esta modalidade de impugnação não visa, porém, a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Tal recurso não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos, que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados – cfr. Ac. do STJ de 29/10/2008, Proc. nº 07P1016 e Ac. do STJ de 20/11/2008, Proc. nº 08P3269, in www.dgsi.pt.

            O recorrente impugna a factualidade dada como provada nos pontos 9, 10, 11 e 12 – quanto à expressão “aquelas quantias” – 15 – quanto à expressão “as referidas quantias” – 20 e 21 – quanto à expressão “montantes supra referidos - da sentença revidenda, afirmando que o depoimento da testemunha MG... prestado em audiência de julgamento impõe conclusão diversa daquela a que chegou o tribunal de 1ª instância e que a restante prova produzida, mormente a documental, não demonstra que:

            - A sociedade arguida recebeu, a título de IVA, a totalidade dos montantes referidos no quadro do ponto 10.

            - Os pagamentos pelos clientes da sociedade arguida foram efectuados num prazo que permitia à sociedade arguida efectuar a entrega do IVA devido ao Estado no prazo legalmente estipulado.

            Importa então analisar a prova produzida com o objectivo de determinarmos se consente a convicção formada pelo tribunal recorrido, norteados pela ideia – força de que o tribunal de recurso não procura uma nova convicção, mas apurar se a convicção expressa pela 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (e os documentos juntos aos autos) pode exibir perante si (partindo das concretas provas indicadas pelo recorrente que, na sua tese, impõem decisão diversa, mas não estando por estas limitado) sendo certo que apenas poderá censurar a decisão revidenda, alicerçada na livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se for manifesto que a solução por que optou, de entre as várias possíveis e plausíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum - artigo 127º, do CPP.

E, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção”, pois “doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.

            Cumpre ter em atenção também que os diversos elementos de prova não devem ser analisados separadamente, antes devem ser apreciados em correlação uns com os outros, de forma a discernir aqueles que se confortam e aqueles que se contradizem, possibilitando ou a remoção das dúvidas ou a constatação de que o peso destas é tal que não permite uma convicção segura acerca do modo como os factos se passaram e de quem foram os seus agentes.

            Analisemos então a factualidade que provada foi considerada, contra a qual o arguido/recorrente se insurge, sob a óptica da censura que lhe faz.

         Em abono da sua tese transcreve excertos das declarações da testemunha MG..., técnico oficial de contas que exerceu as funções de director financeiro da sociedade “C... IT” no período compreendido entre 2001 e 2006, em que este declara que em relação ao período em causa nos autos nem todos os montantes referentes ao IVA liquidado pela sociedade se encontravam pagos pelos clientes, sendo que o pagamento de algumas facturas ocorreu após o envio das declarações em que as mesmas foram tidas em consideração e outras facturas nunca sequer foram liquidadas, afirmando ainda que quando deixou as funções ainda se encontravam facturas por liquidar.

         Ouvido na íntegra o depoimento da mencionada testemunha, que mereceu credibilidade ao tribunal recorrido (embora, como é sabido, ao julgador não é imposto ter de aceitar ou recusar cada um dos depoimentos ou declarações na globalidade, antes lhe compete extrair de cada um o que lhe merece ou não crédito e em que termos) constata-se que efectivamente produziu o mesmo as afirmações indicadas pelo recorrente, mas certo é que também relatou, como bem se plasmou na decisão revidenda, que não obstante terem sido preenchidos os cheques com as quantias liquidadas e devidas pela sociedade a título de IVA, o arguido não os assinou e nem autorizou que se procedesse ao seu pagamento, bem como também não foram intentados pela sociedade processos judiciais contra os eventuais devedores da mesma.

         Acresce que, a testemunha JV.., inspector tributário, prestou depoimento também considerado credível, verbalizando que o IVA liquidado e recebido pela sociedade foi em montante suficiente para que procedesse esta ao pagamento do imposto devido, conforme resulta da documentação junta aos autos.

            Assim, considerando o teor dos aludidos depoimentos e documentação constante dos autos, mostra-se a prova produzida coerentemente e com razoabilidade valorada, tendo suporte na prova produzida a conclusão a que chegou o julgador a quo, não apontando as provas indicadas pelo recorrente, concretamente as passagens que indica do depoimento da testemunha MG... inequivocamente no sentido de se terem de dar por não provados os factos impugnados.

         Face ao que, cumpre concluir que da análise efectuada redunda que a prova produzida, que é legalmente permitida, suporta por forma suficiente, racional e coerente, a decisão do tribunal recorrido no que tange à factualidade sob impugnação, sem margem para dúvidas razoáveis, inexistindo, por isso, fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto, não podendo proceder a pretensão do recorrente de impor a sua convicção pessoal face à prova produzida em audiência em detrimento da do julgador, pois a decisão sobre esta está devidamente fundamentada e constitui, até, a mais plausível das soluções segundo as regras da experiência, tendo sido proferida em obediência à lei – artigo 127º, do CPP - que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

            Pelo exposto, carece de razão o recorrente, pelo que a matéria de facto tem de se considerar definitivamente fixada nos termos em que o fez a 1ª instância.

            Dosimetria da pena aplicada

            Tendo em atenção a factualidade que provada se mostra, não merece censura o enquadramento jurídico-penal efectuado na sentença revidenda.

            Insurge-se o arguido/recorrente contra a aplicação da pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período temporal, sob a condição de, no prazo de 2 anos, demonstrar nos autos que entregou ao Estado a prestação tributária em dívida no montante de 219.148,85 euros, por a considerar excessivamente gravosa.

            O crime de abuso de confiança fiscal pelo recorrente praticado é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.


            Conforme resulta do estabelecido no artigo 40º, do Código Penal, toda a pena tem como finalidades “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – nº 1, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” – nº 2.

Nos termos do artigo 71º, do Código Penal, para a determinação da medida da pena cumpre atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e bem assim às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

A pena tem de corresponder às expectativas da comunidade.

Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade. – cfr. Ac. do STJ de 23/10/1996, in BMJ, 460, 407 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, pags. 227 e segs.

Importa ainda ter em atenção as especialidades do regime próprio das infracções tributárias, designadamente o estabelecido no artigo 13º, do RGIT, segundo o qual “na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime”.

Percorrendo a sentença recorrida, como enunciada se mostra, verifica-se que, para a determinação da medida da pena, ponderou o tribunal a quo:

“(…) depõem contra o arguido as seguintes circunstâncias: o grau de ilicitude dos factos, a sua gravidade e o seu modo de execução; a intensidade do dolo, que é directo, a reiteração da sua conduta, a circunstância de o Estado continuar lesado, bem como o respectivo montante em dívida e a existência de antecedentes criminais de natureza semelhante à do crime ora em apreço, embora as respectivas condenações sejam posteriores à data dos factos objecto de apreciação.

A conduta mais grave que integra a continuação corresponde à apropriação relativa ao I.V.A., referente 4.º trimestre de 2004, no montante de € 79 417,23 (setenta e nove mil, quatrocentos e dezassete euros e vinte e três cêntimos).

Em termos de consequências gravosas, relevam os valores totais elevados de que a sociedade arguida ilegitimamente se apropriou e que se traduziram correspectivamente em prejuízo para o erário público.

Ao invés, como circunstâncias que depõem a favor do arguido: o lapso de tempo decorrido desde a prática dos factos; a colaboração por si prestada perante o Tribunal para a descoberta da verdade material e a sua situação pessoal e condição económica”.

Ora, o grau de ilicitude patente nos factos é muito elevado, tendo em atenção o valor global do prejuízo causado – 219.143,85 euros – não tendo sido efectuado entretanto o ressarcimento de qualquer quantia.

A conduta delituosa prolongou-se entre o 4º trimestre de 2004 e Maio de 2005, sendo o valor da parcela mais elevada de 79.417,23 euros.

            O dolo revestiu a sua modalidade mais grave, o directo.


            O arguido sofreu as seguintes condenações criminais:

Por sentença de 18/03/2009, transitada em julgado em 27/04/2009, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, cometido em 2001.

Por sentença de 29/06/2010, transitada em julgado em 20/05/2011, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, praticado em 1 de Janeiro de 2005.

É casado, mas encontra-se actualmente separado de facto; tem duas filhas, com cinco e onze anos de idade, respectivamente.

Exerce a actividade de consultor de informática e dedica-se à actividade de broker, auferindo mensalmente cerca de mil e quinhentos euros.

Possui a frequência de curso de gestão hoteleira, um curso técnico profissional de Linguagem de Programação, tirado na Dinamarca e um de marketing, em Espanha.

            Consta da decisão revidenda que o arguido colaborou com o tribunal para a descoberta da verdade material, mas extrai-se das suas declarações que não admitiu a prática dos factos constantes da acusação.

            Importa ainda ter em consideração o lapso de tempo decorrido desde a prática dos factos.

            As exigências de prevenção geral nos crimes tributários e particularmente no que concerne, como no caso em apreço, à não entrega de quantias relativas ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (e não à omissão de entrega na Segurança Social de quantias descontadas aos trabalhadores da sociedade arguida, como menciona o Ministério Público na primeira das suas conclusões de recurso) em causa são muito intensas, considerando a elevada frequência com que são praticados e a considerável margem de impunidade de que as condutas ilícitas dessa natureza continuam a beneficiar.


            Quanto às de prevenção especial, assumem também intensidade significativa, tendo em consideração que, pese embora à data dos factos não tivesse averbada condenação alguma, certo é que sofreu entretanto duas, sendo uma pela prática de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social e outra de abuso de confiança fiscal praticados, respectivamente, em 2001 e 1 de Janeiro de 2005.

            Pelo exposto, efectuado juízo de ponderação sobre a culpa, como medida da pena e considerando as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal e 13º, do RGIT, não se mostra que a pena em que foi condenado de 2 anos de prisão (atendendo à moldura penal abstracta de prisão até 5 anos) extravase a medida da respectiva culpa e também não ultrapassa os limites dentro dos quais a justiça relativa havia de ser encontrada, mostrando-se adequada e proporcional, não merecendo censura.

O recorrente põe também em causa, no seu recurso, o prazo para o cumprimento da condição da suspensão da execução da pena, por o considerar muito reduzido, atendendo ao rendimento mensal de 1.500,00 euros que aufere, sustentando que deverá tal prazo ser alargado para 5 anos, enquanto Ministério Público no recurso que interpôs censura que a pena de prisão aplicada ao arguido tenha sido suspensa na sua execução.

Uma vez que a questão suscitada pelo Ministério Público, a proceder, prejudica o conhecimento da questão do prazo de cumprimento da condição da suspensão da execução da pena, passamos de imediato a daquela conhecer.

Recurso do Ministério Público

            Não verificação dos pressupostos de aplicação ao arguido da pena de substituição de suspensão da execução da pena

            O recorrente insurge-se contra a aplicação da pena de substituição de suspensão na execução da pena de prisão, por entender não se verificarem os respectivos pressupostos.

            O arguido foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período temporal, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1, 2, 4 e 5, do RGIT.

O Tribunal recorrido sustentou a aplicação da pena de substituição nos seguintes termos:

“No caso sub judice, mostram-se elevadas as exigências de prevenção geral, quer relativamente ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no que respeita ao sentimento de segurança face à violação de uma norma.

Todavia, importa não esquecer que a aplicação de uma pena visa, além da protecção de bens jurídicos, também a “reintegração do agente na sociedade” (cfr. artigo 40º, n.º 1 do Código Penal).

            Por forma a corrigir o comportamento desviante do arguido, julgamos que o cumprimento de pena de prisão efectiva constituirá uma solução claramente insatisfatória, atendendo à natureza da infracção criminal por ele cometida.

            Importa, portanto, tentar recuperar a pessoa do arguido, corrigindo o seu comportamento desviante, por outra via, diversa da simples privação da liberdade, opção esta que, na nossa perspectiva, não é obstaculizada por razões de prevenção geral, dado que os bens jurídicos ficarão melhor tutelados com a recuperação do arguido do que com a sua simples inocuização (sempre temporária, pois as penas de prisão têm uma duração certa).

Tal via é a da simples censura do facto e ameaça de privação da liberdade, por intermédio da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, por um período de 2 (dois) anos. Suspensão essa que, porém, será condicionada à obrigação de o arguido, no prazo de dois anos, demonstrar nos autos que entregou ao Estado a prestação tributária em dívida, no montante total de € 219 143,85 (duzentos e dezanove mil, cento e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 14º do Regime Geral das Infracções Tributárias e 50º e 51º do Código Penal”.

Analisemos.

Nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal (na versão vigente à data da prática dos factos):

“1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

            A aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, “medida de conteúdo pedagógico e reeducativo”, não constitui uma mera faculdade do juiz, configurando-se antes como um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

            São pressupostos da suspensão da execução da pena (de acordo com a versão legal em análise, anterior à alteração protagonizada pela Lei nº 59/2007, de 04/09:

- Que ao arguido deva ser aplicada em concreto pena de prisão não superior a três anos;

- Que se revele ela adequada e suficiente para a prossecução das finalidades da punição (juízo de prognose), sendo que “a prognose, como pressuposto da suspensão da execução da pena, deve entender-se num sentido puramente preventivo especial, não tendo em conta critérios de prevenção geral (…)” e que “as considerações de prevenção geral só actuam como obstáculo à suspensão, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Assim, deve atender-se essencialmente aos mesmos elementos que são tomados em consideração para a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do delinquente – personalidade do agente, condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste” – Ac. do STJ de 29/11/2006, Proc. nº 06P3121, www.dgsi.pt.

            Como se salienta no Ac. do STJ de 06/02/2008, Proc. nº 08P101, in www.dgsi.pt., “pressuposto material básico do instituto da suspensão da execução da pena é a expectativa, objectivamente fundada, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para afastar o condenado da criminalidade. Refere Jescheck que a suspensão da pena pressupõe um prognóstico favorável, consubstanciado na esperança de que o condenado não voltará a delinquir, prognóstico que requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitem a formulação de uma conclusão sobre o comportamento futuro do condenado, aí se incluindo a personalidade (inteligência e carácter), a vida anterior (condenações anteriores), as circunstâncias do crime (motivos e fins), a conduta posterior ao crime (arrependimento, reparação do dano) e as circunstâncias pessoais (profissão, família, condição social), e que terá de ser feito tendo em vista exclusivamente considerações de prevenção especial, pondo de parte considerações de prevenção geral”.

            Não obstante, conforme preceituado no artigo 50º, nº 1, do Código Penal (que manda atender às finalidades da punição, a saber, segundo o artigo 40º, nº 1, do CP, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade), “com aquele pressuposto material básico coexistem considerações de prevenção geral” pelo que “para aplicação desta pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, de que o facto cometido não está de acordo com esta e foi simples acidente de percurso esporádico e de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, sendo necessário, em segundo lugar, que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade”.

O recorrente praticou anteriormente à data dos factos ora em causa um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social – em 2001 – e no mesmo período desses factos um outro crime de abuso de confiança fiscal – em 1 de Janeiro de 2005.


É consultor de informática e dedica-se à actividade de “broker”, auferindo quantia mensal de cerca de mil e quinhentos euros. Como habilitações literárias possui a frequência de curso de gestão hoteleira, um curso técnico profissional de Linguagem de Programação, tirado na Dinamarca e um de marketing, em Espanha.

É casado, mas encontra-se separado de facto e tem duas filhas menores, sendo que se limita a visitar estas “sempre que lhe é oportuno, embora sem assumir uma comparticipação económica a título de pensão de alimentos”

Provado se mostra ainda que “Foi em 1999 que LB... referiu ter criado a sua primeira empresa, na área da consultoria, juntamente com mais quatro sócios, ao que se seguiram novos projectos. De 2003 a 2006 o arguido foi sócio e administrador da sociedade C... IT..., S.A; de 2006 a 2009 trabalhou como director comercial na “C..., Lda e de 2005 a 2010 foi administrador único da sociedade “C... e C, Lda”, dedicada à criação, gestão e prestação de serviços de telemarketing. Durante os anos em que o arguido laborou por conta própria, usufruiu de uma remuneração superior a € 3.000,00 (três mil euros) mensais, em média, sendo que em determinados períodos acumulou mais do que um trabalho”.


E mais se pode ler nos factos provados da decisão revidenda “a relativização dada ao processo em apreço deve-se ao facto de o arguido entender que tomou a melhor das opções, o que nos deixa algumas reservas quanto à exequibilidade do cumprimento de uma medida em meio livre dentro das expectativas sociais, caso o mesmo seja condenado, porque embora o factor de protecção que se destaca diga respeito à sua retoma laboral, está presente que este processo surgiu em contexto laboral e que todos os processos pendentes ou aqueles em que foi condenado remetem para a mesma prática de crime”.

Ora, tendo em consideração a factualidade em causa e as circunstâncias inerentes à condição pessoal do arguido mencionadas, pese embora o lapso de tempo decorrido desde a prática dos factos, é efectivamente de entender que a mera ameaça da pena de prisão se mostra insuficiente para o afastar da prática de novas infracções criminais, não sendo possível, por isso, fazer um juízo de prognose de que, de futuro, se pautará por uma forma de vida afastada da criminalidade, mormente da natureza daquela a que se reportam estes autos, pois praticou já outros dois crimes tributários e não demonstra interiorização do desvalor da sua conduta delituosa, antes a relativiza, não se podendo ainda olvidar que enquanto trabalhou por conta própria não deixou de usufruir uma remuneração superior, em média, a três mil euros mensais, mas não cumpriu as obrigações fiscais da sociedade “C... IT..., S.A.” cuja gerência exercia, o que mais reforça o seu patente desprezo pelas normas tributárias.

Termos em que, as exigências de prevenção especial, maxime de prevenção positiva ou de socialização exigem a condenação do arguido em pena de prisão efectiva, não se sobrepondo a esta conclusão a circunstância de se encontrar integrado profissionalmente pois este tipo de crimes é habitualmente praticado exactamente por pessoas integradas socialmente e merecedoras de respeitabilidade no exercício da sua actividade, pelo que uma especial brandura de tratamento só vai potenciar a sua reiteração.

E, a pena de substituição de suspensão da execução da pena, julgamos, frustraria até as expectativas da comunidade em ver salvaguardadas, com a decisão, a segurança jurídica que espera das instituições aplicadoras do direito e das regras jurídicas em sociedade, pois a ilicitude e gravidade globais da conduta do arguido colocam irremediavelmente em causa a necessária “tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade” – cfr. Ac. do STJ de 24/10/2007, Proc. nº 07P3317, consultável em www.dgsi.pt.

Esta estabilização, como salienta Gunther Jakobs, assenta na ideia de que, primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto. Tutela não num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, ou, dizer ainda, do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.

            Como se considera no Ac. da Relação do Porto de 15/10/2003, Proc n.º 0314181, entendimento seguido no Ac. da Relação de Coimbra de 04/03/2009, Proc n.º 257/03.5TAVIS.C1, consultáveis em www.dgsi.pt “nos crimes contra a administração fiscal os valores tutelados são os inerentes ao regular e efectivo funcionamento do sistema fiscal e de política social estabelecidos pelo Estado. O sistema fiscal não visa apenas arrecadar receitas, mas também, e primordialmente, a repartição justa dos rendimentos e da riqueza e a diminuição das desigualdades entre os cidadãos - cfr. arts. 103 e 104º da CRP”.

Consequentemente, o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, mormente na vertente da tutela da confiança nessa repartição justa dos rendimentos e da riqueza e na diminuição das desigualdades entre os cidadãos, só é alcançável se os infractores que reiteram (pelo menos estes, como acontece com o arguido) a prática de crimes que colocam em crise este propósito, particularmente ameaçado em tempos de profunda crise económica e financeira – que impõe, pensamos, um endurecimento das instâncias formais de controlo e, designadamente dos Tribunais - forem condenados em pena de prisão efectiva.

            E, outra solução não resultaria também do consagrado no 50º, nº 1, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 59/2007, de 04/09, que se limitou a admitir a suspensão da execução na pena de prisão não superior a 5 anos e a consagrar que o período de suspensão corresponde ao da pena de prisão, não podendo ser inferior a um ano.

Face ao que, cumpre concluir que não estão verificados os pressupostos de aplicação ao arguido da pena de substituição de suspensão da execução da pena, devendo revogar-se a decisão recorrida e condená-lo na pena de dois anos de prisão efectiva, procedendo assim o recurso pelo Ministério Público interposto.

Fica prejudicado o conhecimento da questão do prazo de cumprimento da condição da suspensão da execução da pena suscitada pelo arguido/recorrente.

           III - DISPOSITIVO

            Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em:

            A) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido LB... e não conhecer da questão relativa ao prazo de cumprimento da condição da suspensão da execução da pena, por se mostrar prejudicada.

            B) Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogam a decisão recorrida na parte em que condena o arguido na pena de substituição de dois anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos e condenam o arguido LB... na pena de dois anos de prisão efectiva, confirmando, no mais, a decisão recorrida.

            Custas pelo arguido/recorrente no que concerne ao recurso que interpôs, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

                                                                            Lisboa, 16 de Abril de 2013

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)

                                    Artur Vargues

                                       Jorge Gonçalves

Decisão Texto Integral: