Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28852/15.2T8LSB-A.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ACÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
IMPULSO PROCESSUAL
RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
RECLAMAÇÃO DA CONTA DE CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Correspondendo o impulso processual , grosso modo, à prática do acto de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais, acaba o nº2, do artº 529º, do CPC, por inserir no sistema de custas a mais significativa alteração , correspondendo a mesma à “ autonomização da responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça em relação à responsabilidade pelo pagamento de encargos e de custas de parte

Ou seja, o responsável pelo pagamento de taxa de justiça é sempre a parte ou o sujeito processual autor do impulso processual, independentemente de a final ser vencedor ou vencido, podendo acontecer que o vencedor, por virtude da dinâmica da evolução do valor da causa para efeito de custas ou da sua complexidade, tenha de proceder a final ao pagamento do remanescente da taxa de justiça devida .

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA.

                                                          
1–Relatório:


Em acção de prestação de contas que correu termos em Juízo Local Cível de Lisboa - J, e em que figura como requerido A  e, como requerente B , elaborada a  conta de custas do processo, e da mesma discordando, veio o requerido atravessar nos autos - em 30/10/2017 - instrumento de reclamação da conta de custas.

1.1.– Para tanto, aduziu o reclamante , em síntese, o seguinte:
- A conta de custas de que o R. foi notificado refere-se ao montante de 7.965,00€, correspondendo a quantia em causa ao alegadamente devido pagamento do remanescente da taxa de justiça, previsto no art. 6.°, nº 7 do RCP.
- Sucede que, neste processo, o valor do remanescente da taxa de justiça provém única e exclusivamente do pedido deduzido pela parte vencida, tendo o R. sido totalmente absolvido do mesmo;
- Assim sendo, é da mais elementar justiça que esse remanescente só seja considerado na conta final de custas do responsável pelo impulso processual, ou seja, a Autora/requerente;
- O disposto nos artigos 6.° e 14.° do RCP não pode ser aplicado ao caso vertente (à parte que foi absolvida da responsabilidade pelas custas) sob pena de manifesta violação dos princípios da protecção da confiança e do direito a um processo justo e equitativo;
- Ao aplicar os citados preceitos no sentido em que o tribunal o faz, a parte integralmente absolvida da responsabilidade por custas está obrigada a pagar a taxa de justiça remanescente, que decorre exclusivamente do pedido pelo qual foi absolvida; 
- Com efeito, a conta de custas de que ora se reclama violou tanto normas da lei ordinária, designadamente as do RCP e as regras do Código de Processo Civil (CPC) relativas às custas, como as normas constitucionais que consagram o acesso ao direito e à justiça, procedendo designadamente a uma interpretação desconforme à Constituição de várias normas legais.

1.2.– Apresentados os autos ao Exmª contador, nos termos e para efeitos do disposto no art. 31°, n°4, do  RCP, veio o mesmo informar não  padecer a conta visada pelo requerido A de um qualquer lapso, e isto porque na conta objecto da reclamação apenas se está a cobrar ao réu o montante de 7.956,00€ relativo à taxa devida pelo impulso dado por este ( Tabela IA - 9.588,00€ - para acção de valor até € 920.685,19 ), nos termos do art. 6º do RCJ, deduzindo-se o valor que este já havia depositado ( €1.632,00) - correspondente ao valor máximo da tabela, ou seja 275.000,00€, faltando pagar pela diferença, ou seja 645.685,19€ a que correspondem 26 fracções X 3 UCS = 78 UCS = 7.956,00 ], sendo que no âmbito do RCJ, cada parte paga pelo impulso que dá ( independentemente da condenação ), sendo que a proporção em que a final é, ou não, condenada em custas, apenas releva em sede de custas de parte, conforme decorre do artº 26° n° 1 do RCJ.

1.3.– Indo os autos ao M°P°, veio o mesmo pronunciar-se dizendo subscrever o entendimento do Exmª contador, logo, deve a reclamação apresentada ser objecto de decisão de indeferimento .

1.4.– De seguida, veio o tribunal a quo a proferir DECISÃO que indeferiu a reclamação, sendo parte essencial da mesma do seguinte teor :
“(…)
Da análise da conta efectuada verifica-se que esta reflecte a explicação dada pelo Sr. contador, não enfermando a mesma de qualquer lapso nos valores considerados.
A conta mostra-se ainda conforme com a legislação aplicável, não sendo inconstitucional a aplicação in casu do disposto nos art.s 6º e 14° RCP.
Com efeito, um dos princípios que regem actualmente em matéria de custas é o da responsabilidade das partes pelo impulso processual, cabendo a cada uma parte do pagamento de acordo com a actividade processual desenvolvida.
A taxa de justiça é calculada de acordo com a Tabela I A anexa ao regulamento e prevê um tecto máximo de 275.000,00 euros, valor até ao qual as partes antecipam o pagamento das custas, de acordo com o respectivo impulso processual, mesmo que o valor da acção seja superior, fazendo-se a final o acerto, o que permite corrigir o eventual excesso de taxa de justiça em função da maior ou menor complexidade do processo ou de factores ligados ao comportamento processual das partes.
No caso concreto, correspondendo a taxa de justiça ao montante devido pelo impulso processual da parte - art. 6º , n° l RCP - que se rege pelos valores constantes da tabela I A, verifica-se que o requerente pagou inicialmente o valor de 1.632,00 euros, valor que foi tido em conta.
No entanto, atento o valor da causa, deve pagar de taxa de justiça o valor de 9.588,00 euros, valor que a conta igualmente reflecte.
Com efeito, estabelece o art. 6º , n.° 7 do RCP que o remanescente da taxa de justiça (na parte que excede os €275.000,00) é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Na presente acção foi atribuída à causa o valor de 920.685,19 euros e a sentença nada diz quanto à dispensa do pagamento nos termos da norma invocada.
Desse silêncio resulta que o juiz não dispensou tal pagamento.
No âmbito da legislação aplicável e de acordo com a condenação que consta da sentença, deverá o requerente recuperar da parte contrária o valor por si pago a título de taxa de justiça inicial e remanescente, em sede de custas de parte - art.s 25° e 26° RCP.
Pelo exposto, indefiro a reclamação apresentada pelo requerente.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
Notifique.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2017 “

1.5.– Inconformado com a decisão identificada em 1.4., vem então o reclamante A da mesma interpor a competente apelação, e deduzindo as seguintes conclusões :
A.– O presente recurso tem por objecto o despacho datado de 15 de Novembro de 2017 do Tribunal a quo (adiante Decisão Recorrida), nos termos do qual se decidiu, em síntese, Indeferir a reclamação apresentada pelo R. contra o acto da Secretaria de o notificar para pagar o remanescente da taxa de justiça no total de € 7.956,00.
B.– O R., parte vencedora e integralmente absolvida do pedido formulado pela A., o pagamento do remanescente da taxa de justiça após a condenação da A. - parte vencida - nas custas do processo.
C.– O R. não pode, salvo o devido respeito, concordar com a interpretação feita pela Decisão Recorrida dos arts. 6.°, n.° 7 e 14.°, n.° 9 do RCP.
D.– Desde logo porque contrária ao art. 527.° do CPC, que estabelece a regra geral em matéria de custas no processo civil segundo a qual o vencido é responsável pelas custas do processo como acabou por suceder com a A., única vencida no processo e condenada, inclusivamente, nas custas do mesmo, regra que é reflexiva do princípio do processo justo e equitativo.
E.– Não se encontra sequer previsto no RCP, que também, a propósito da elaboração da conta no artigo 30.°, se refere sempre ao "responsável pelo pagamento das custas", a possibilidade que a Decisão Recorrida enuncia de o R. reclamar da A. a referida quantia a título de custas de parte porquanto, além de não constar da alínea b) do n.° 2 do art. 25° do RCP a menção a taxa de justiça remanescente, tal interpretação não é sequer permitida pela norma uma vez que esta se cinge às taxas "efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça" no momento da elaboração de tal pedido.
F.– Pelo que não se pode aceitar que a presente imputação é inconsequente por ser recuperável - solução que nem encontra respaldo na lei, como quando a Decisão Recorrida refere "deverá o requerente recuperar da parte contrária o valor por si pago a título de taxa de justiça inicial e remanescente, em sede de custas de parte".
G.– O raciocínio subjacente à Decisão Recorrida parte do pressuposto que qualquer R. numa acção se defende apenas por capricho para fazer "uso" do sistema judicial e como se a condenação da parte vencida nas custas do processo não tivesse subjacente uma ideia de justiça da qual não se pode nem deve o sistema judicial de um Estado de Direito afastar.
H.– Além do que, o R. não iniciou qualquer acção pelo que não teve a possibilidade de conhecer e/ou ponderar qualquer risco inerente à mesma: foi confrontado com uma acção que teve de contestar ficando, por esse facto e independentemente de ter obtido total vencimento e absolvição nas custas, responsável por um pagamento ao qual não deu, em momento algum, causa.
I.– Esta solução defendida pela Decisão Recorrida é de tal forma ofensiva de todo o sistema jurídico que deve ser rejeitada, inclusivamente por fazer perigar a constitucionalidade desse mesmo sistema.
J.– Desde logo porque a interpretação feita na Decisão Recorrida - a entender-se, sem conceder, que é a única possível - sobre o art. 14.°, n.° 9 e 6.°, n.° 7 do RCP é inconstitucional.
K.– Essa interpretação leva a que o Estado se sirva de uma parte processual que foi já desresponsabilizada de qualquer pagamento no âmbito da sentença, a suportar o risco da outra parte não o fazer perante o Tribunal. Tal solução não é seguramente necessária, proporcional e viola o direito fundamental a um processo justo e equitativo. 
L.– É uma ideia contrária à própria ideia de justiça e cujos intuitos padecem de perversidade e são contrários ao Estado de Direito.
M.– O direito de acesso ao Direito e à justiça, análogo a direito, liberdade e garantia, só pode ser objecto de restrições que se limitem ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos - o que não parece suceder quando, para garantia do recebimento de custas, o Estado transfere para as partes vencedoras e isentas das mesmas a responsabilidade pelo seu pagamento.
N.– Ainda menos sob o argumento de que essas mesmas partes podem, posteriormente, recuperá-las - o que nem sequer é pacífico.
O.– Tal solução, além de desadequada, é desproporcionada face ao fim visado e ao sacrifício que impõe ao R. que, desde logo e como a sentença acaba por concluir, nem deveria ter sido demandado na presente acção.
P.– A recuperação dessas quantias é o que compete ao Estado, em nome da Justiça que administra e prossegue para os seus cidadãos, e enquanto credor originário das mesmas.
Q.– A parte vencedora e integralmente absolvida nas custas não pode, porque não é por tal responsável, suportá-las ou sequer servir de garantia do seu pagamento ao Tribunal.
R.– Em conclusão, tendo a Decisão Recorrida sufragado tal interpretação, infringiu o disposto no art. 204° e no n.° 2 do art. 266.°da CRP.
S.– Termos em que deve, também com base nesses fundamentos, ser revogada.
TERMOS EM QUE, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve ser revogada a Decisão Recorrida e substituída por outra que considere não ser devida pelo R. a taxa de justiça remanescente. Assim se fazendo Justiça!

1.6.– Tendo o Ministério Público apresentado contra-alegações, veio nas mesmas pugnar pela confirmação da decisão recorrida, porque não merecedora de qualquer censura,  e  , ademais, não aplicando e interpretando normas em violação da Constituição da República Portuguesa .
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1.7.– Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  são as seguinte
a)– Aferir se a decisão apelada se impõe ser revogada, porque :
I-  Assenta em interpretação incorrecta dos arts. 6.°, n.° 7 e 14.°, n.° 9 , do RCP ;
II- A estar correcta a interpretação feita na decisão recorrida , é a mesma inconstitucional, apontando para uma solução que não é necessária e  proporcional, violando o direito fundamental a um processo justo e equitativo, ou seja, infringindo o disposto no art. 204° e no n.° 2 do art. 266.°da CRP.
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2.–FUNDAMENTOS DE FACTO.

Com interesse para a resolução da apelação dirigida para a decisão que conheceu da reclamação da conta, importa considerar, apenas, o já exposto em sede de Relatório, e para o qual se remete, justificando-se - para melhor compreensão do julgado - ainda indicar de seguida a seguinte factualidade atinente ao processado nos autos do qual emerge a instância recursória:
2.1.- No dia 16 de Outubro de 2017, o requerido, ora Apelante, foi notificado da conta de custas nº 920400149482017 relativa ao processo nº 28852/15.2T8LSB, tendo sido interpelado para efectuar o pagamento - até o dia 3/11/2017 - da quantia em dívida de €7.956,00;
2.2.- A conta de custas nº 920400149482017, aludida em 2.1., é do seguinte teor:

            Conta
                    920400149482017
                       Responsáveis
                              A

Descritivos da conta

1-Taxas Aplicáveis Valores

Processo 1.632,00€                                                                                                           
 
Base Tributável: 920.685,19 €    . UC/ANO: € 102,00/2017     
Tabela: I A                            . Art.º 14º-A (1/2): Não
Art.º 6º nº3 (1/10): Não          . Taxa paga por injunção: Não
Taxa Devida 9.588,00 €                . Taxa Paga 1.632,00 €
Taxa Dívida 7.956,00 €             . Taxa Excesso 0,00 €


OBS : VALOR FIXADO À ACÇAO = 920.685,19€, TENDO PAGO PELO IMPULSO, A TAXA CORRESPONDENTE AO VALOR MAXIMO DA TABELA, OU SEJA 275.000,00€, FALTA PAGAR PELA DIFERENÇA, OU SEJA 645.685,19€ A QUE CORRESPONDEM 26 FRACÇÕES X 3 UC'S = 78 UC'S=  7.956,00 €  
                    
                         Sub Total                  1.632,00€


4Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça

Taxa de Justiça Cível          9.588,00€                                                                               
                            Sub Total                        9.588,00€

Resumo da Conta Valores
                                                                                                                          
Total Conta / Liquidação 9.588,00€

                                                                                 
Somatório dos grupos 4 +6+701+702+704+705+8+1001+1002+1003+1004+1005+1006

Liquidação do Julgado 0,00€

Saldo de Custas Prováveis         0,00€
                                                                          
IGFEJ (artº 38º Port. 419-A/2009 0,00€                                                                       
Custas não cobradas (artº 38º Por. 419-A/2009 0,00€                                                  
PAE - saldo não utilizado 0,00€

Taxas de Justiça já pagas -1.632,00€                                                                               
Taxas de Justiça já pagas por Injunção 0,00 €                                                                

                                                           Total a Pagar  7.956,00 €

Conta elaborada por M. A. Paiva em 16-10-2017
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3.– FUNDAMENTOS DE DIREITO.

3.1- Da invocada interpretação - efectuada pelo tribunal a quo -incorrecta dos arts. 6.°, n.° 7 e 14.°, n.° 9 do RCP.
Considera o apelante que a interpretação que o tribunal a quo efectuou em relação ao que consta dos arts. 6.°, n.° 7 e 14.°, n.° 9, ambos do RCP [ REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro ], mostra-se desconforme com o disposto no artº 527º, do CPC  [ cujos nºs 1 e 2, rezam que “ A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…)”, sendo que, “Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for].
É assim entendimento do apelante o de que, rezando o art. 9.°, n.° 3 do Código Civil , que “ na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados", então , forçoso é que o art. 14.°, n.° 9 do RCP, seja objecto de uma interpretação restritiva e no sentido de que onde a lei se refere ao "responsável pelo impulso processual [ que ] não seja condenado a final" o legislador quis circunscrever-se aos casos em que o " Autor não seja condenado a final “, uma vez que este é o único verdadeiro "responsável pelo impulso processual '' da acção.
É que, a assim não se entender/interpretar , defende o apelante, então está-se a contrariar toda a lógica do CPC quanto à responsabilidade por custas, sendo de resto tal interpretação inconstitucional, desde logo, por violação do princípio da protecção da confiança e do direito a um processo justo e equitativo.
Adiantando desde já o nosso veredicto, é para nós de alguma forma pacifico, claro e manifesto, que a interpretação efectuada pelo tribunal a quo não é merecedora de qualquer reparo, sendo a única que resulta do disposto nos arts. 6.°, n.° 7 e 14.°, n.° 9 ,ambos do RCP,e, bem assim, também do CPC (artºs 527º e 529º ).

Senão ,vejamos.

Decorre do preceituado nos artºs 1º, nº1, 3º,nº1 e 5º, nº1, todos do RCP, que “ todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente regulamento “ , sendo que, “ As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte“,  e  , “ A taxa de justiça é expressa com recurso à unidade de conta processual (UC)”.

Por sua vez, diz-nos o artº 6º, nº1, do mesmo diploma legal, que “ A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado  e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.

Já em sede de CPC,  reza o seu artº 527º, no respectivo nº 1, que “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito “ ,  e , no nº2, que “ Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for “.

E, o mesmo diploma legal, mas agora no respectivo artº 529º, dispõe que ( nº 1 ) “ As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte”, e ( nº2) que “ A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual  de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”.

Em sede de análise comparativa das disposições legais acabadas de referir, umas do RCP e, outras do CPC, a primeira constatação que importa salientar é a de que existe uma perfeita harmonia [ como seria de esperar, desde logo em razão do desiderato da unidade do sistema jurídico , aludindo o nº1, do artº 6º, do RCP em interessado e,o nº2, do artº 529º, do CPC, em interveniente] entre os dois diplomas, e desde logo no tocante ao conceito de taxa de justiça, correspondendo a mesma ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente .

Por outra banda, também do próprio CPC, e agora em face do que consta do acima referido nº2, do artº 529º,  e como ensina SALVADOR DA COSTA (1) -  ilustre Juiz Conselheiro Jubilado e que ao “ensino”das “CUSTAS”vem dedicando há décadas a sua sapiência e elevados conhecimentos jurídicos - , claro é que a referência no mesmo efectuada às “custas” não “ abrange a vertente da taxa de justiça , salvo na perspectiva das custas de parte, cuja responsabilidade pelo pagamento passou a ser do sujeito processual que impulsionou a acção ou a defesa lato sensu.

Mais esclarece SALVADOR DA COSTA (2) que, correspondendo o impulso processual , grosso modo, à prática do acto de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais, acaba o nº2, do artº 529º, do CPC, por inserir no sistema de custas a mais significativa alteração , correspondendo a mesma à “ autonomização da responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça em relação à responsabilidade pelo pagamento de encargos e de custas de parte”.

Ou seja, ensina SALVADOR DA COSTA,  que “o responsável pelo pagamento de taxa de justiça é sempre a parte ou o sujeito processual autor do impulso processual, independentemente de a final ser vencedor ou vencido, podendo acontecer que o vencedor, por virtude da dinâmica da evolução do valor da causa para efeito de custas ou da sua complexidade, tenha de proceder a final ao pagamento do remanescente da taxa de justiça devida “.

De resto, e afastando todas as dúvidas nesta matéria , certo é que explicando e justificando o legislador a ratio das opções tomadas no âmbito do RCP, logo no Preâmbulo do Decreto Lei n.º 34/2008 de 26/2, é o mesmo claro em salientar que “Esta reforma, mais do que aperfeiçoar o sistema vigente, pretende instituir todo um novo sistema de concepção e funcionamento das custas processuais. Neste âmbito, elimina-se a actual distinção entre custas de processo e custas de interveniente processual, cuja utilidade era indecifrável, passando a haver apenas um conceito de taxa de justiça. A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço.”

Em suma,  e ao contrário do defendido pelo apelante, não tem na letra da lei  um mínimo de correspondência verbal a interpretação no sentido de que ,do disposto nos artigos 6º e 14º , ambos do RCP , e do CPC ( artºs 527 e 529º ),  decorre que à parte vencedora e que foi absolvida da responsabilidade pelas custas não pode ser exigido o pagamento do remanescente da taxa de justiça, sendo que, nesta matéria, e como ensina Oliveira Ascensão (3), “ A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”.

Ao invés, quando informa o nº 1, do artº 6º, do RCP, que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado,aponta para uma regra geral (4),a saber,“que os interessados directos no objecto do processo, quer quando impulsionem o seu início, quer quando formulem em relação a ele um impulso de sentido contrário, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça” , tendo esta última a natureza de uma contrapartida tendencial do serviço judicial desenvolvido  e devendo o interessado pagá-la integralmente no momento em que desencadeia a respectiva actividade processual.

Por fim, rezando o nº7, do artº 6º, do RCP, que “ Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”, tal só pode “ significar que se trata da que deve ser realizada depois do trânsito em julgado da decisão final, não só para o vencido, porque o vencedor também é devedor “. (5)

Tudo  visto e ponderado, devendo a conta ser elaborada de harmonia com o julgado e de harmonia com as disposições  legais( cfr. artºs 30º,nº1 e 31º,nº 2, ambos do RCP, e não tendo o Julgador ex officio decidido no sentido da dispensa do pagamento do  remanescente da taxa de justiça , forçoso era que de devesse esta última integrar a conta final, como integrou, logo não existia fundamento legal para a sua reforma nos termos reclamados pelo ora apelante.

Em conclusão, não incorre o Despacho recorrido em qualquer interpretação incorrecta dos arts. 6.°, n.° 7 e 14.°, n.° 9 , do RCP, antes mostra-se o mesmo em perfeita consonância e harmonia com o Jus condito e aplicável.
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3.2.– Se as normas dos artºs 6.°, n.° 7 e 14.°, n.° 9 , ambos do RCP, quando interpretadas da forma como o foram pelo tribunal a quo no âmbito da decisão apelada, são inconstitucionais , apontando para soluções que [ sendo desproporcionais e violando o direito fundamental a um processo justo e equitativo, são outrossim contrárias ao Estado de Direito, pondo em causa o direito de acesso ao Direito e à justiça ] infringem o disposto no art. 204° e no n.° 2 do art. 266.°,ambos da Constituição da República Portuguesa.

A propósito dos juízos de inconstitucionalidade que o apelante dirige para as normas dos artºs 6º, nº7 e 14º, nº 9, ambos do RCP, quando interpretados da forma como o tribunal a quo o fez, e que no nosso entender é o correcto, e como bem se nota [ com o “auxilio” de Jorge Miranda e Rui Medeiros , in Constituição Portuguesa Anotada, I , pág. 183 ] no Ac. do STJ de 03-10-2017 (6), certo é que ninguém questiona que “a Constituição da República Portuguesa não consagra um direito de acesso aos tribunais gratuito ( ou sequer tendencialmente gratuito), sendo constitucionalmente admissível o estabelecimento de uma contrapartida pela prestação dos serviços de administração de justiça, gozando o legislador, inclusivamente, de ampla liberdade na fixação do montante das custas ( não tendo sequer de criar um sistema que garanta uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar por quem beneficia do serviço de justiça ).

Ainda assim, é sabido também que, o próprio Tribunal Constitucional, ao mesmo tempo que reconhece que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respectivo sujeito passivo, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, defende ser porém necessário que “ a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe “ [ cfr.  Acórdão n.º 227/2007 (7) ].

Daí que, ainda para o Tribunal Constitucional, porque “Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental) , de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito“, tenha proferido diversas DECISÕES (8) a julgar inconstitucionais diversas normas contidas no Regulamento das Custas Processuais («RCP»), conjugadas com a tabela I-A anexa, do RCP, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de  o montante da taxa de justiça ser definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.

Porém, com a Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, ao aditar ao artigo 6.º do RCP um n.º 7, com a redacção já nossa conhecida, em que, em paralelismo textual com a redacção da norma homóloga do artigo 27.º, n.º 3, do CCJ, se prevê que “ Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento“, como que os juízos de inconstitucionalidade anteriores deixaram de fazer sentido, pois que, como bem se nota em recente Ac. do STJ de 18-01-2018 (9), com o referido mecanismo, “ o legislador pretendeu atenuar - adequando-o em termos de proporcionalidade ao serviço judicial efectivamente realizado - o valor da taxa de justiça que a parte final da tabela I estabelece de modo automático e ilimitado em função do valor da causa”.

Isto dito, e ainda que nesta matéria não seja a jurisprudência  consensual,  e , mesmo a admitir-se [cfr. Ac. do STJ de 12-10-2017 (10) ] que “ A circunstância de o juiz poder agir oficiosamente no sentido da dispensa (ou redução) do pagamento do remanescente, antes da sentença ou decisão final, não implica que o benefício ou vantagem que para as partes advém da oficiosidade concedida ao juiz seja convertido num ónus, impedindo-as de requerer a dispensa com a notificação da conta que, essa sim, fixa o valor a pagar, designadamente quando apenas com a conta se fixa a base tributável em valor diverso do atribuído à causa pelos interessados”, a verdade é que a reclamação do ora apelante não teve por OBJECTO a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente ao abrigo do disposto no nº7, do artº 6º, do RCP,nada justifica a revogação da decisão recorrida.

É que, no essencial, não apenas não incorre o tribunal a quo, ao decidir como decidiu, em errada interpretação de disposições legais do RCP como, ademais, não são as mesmas disposições legais , interpretadas como o foram, violadoras de normas/princípios plasmados na CRPortuguesa.

A improcedência da apelação é, assim, inevitável/forçosa.
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4.- Sumariando   ( cfr. nº7, do artº 663º, do CPC).
4.1. - Correspondendo o impulso processual , grosso modo, à prática do acto de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais, acaba o nº2, do artº 529º, do CPC, por inserir no sistema de custas a mais significativa alteração , correspondendo a mesma à “ autonomização da responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça em relação à responsabilidade pelo pagamento de encargos e de custas de parte”.
4.2. - Ou seja, o responsável pelo pagamento de taxa de justiça é sempre a parte ou o sujeito processual autor do impulso processual, independentemente de a final ser vencedor ou vencido, podendo acontecer que o vencedor, por virtude da dinâmica da evolução do valor da causa para efeito de custas ou da sua complexidade, tenha de proceder a final ao pagamento do remanescente da taxa de justiça devida .
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5.–Decisão
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, em , não concedendo provimento à apelação interposta por A ;
5.1.-Confirmar a decisão apelada .
Custas pelo apelante.
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LISBOA, 5/07/2018.
                                                                              
                                        
António Manuel Fernandes dos Santos(O Relator)
Eduardo Petersen Silva (1º Adjunto)
Cristina Isabel S.C. Ferreira Neves (2ª Adjunta)                                                                 


(1)In Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013, 5ª Edição, Almedina, pág. 50.
(2)Ibidem, pág. 61 .
(3)In O Direito. Introdução e Teoria Geral, pág. 350, e citado no Ac. do STJ de 03-10-2017,Proc. nº 473/12.9TVLSB-C.L1.S1, e in www.dgsi.pt
(4)Cfr. Salvador da Costa, ibidem, pág. 201.
(5)Cfr. Salvador da Costa, ibidem, pág. 194.
(6)Indicado na nota 3 que antecede ;
(7)Ac. de 28 de Março de 2007, Processo n.º 946/05,  2.ª Secção, sendo Relator o ilustre Conselheiro Paulo Mota Pinto, e in www.tribunalconstitucional.pt.
(8)Cfr. v.g. o Ac. nº 421/2013, de 15 de julho de 2013, Processo  n.º 907/2012, 3.ª Secção, sendo Relator o ilustre Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha Carlos Fernandes Cadilha, e o ACÓRDÃO Nº 508/2015, de 13 de Outubro de 2015, Processo  n.º 736/2014, 2.ª Secção, sendo Relatora a ilustre Conselheira Ana Guerra Martins, ambos  in www.tribunalconstitucional.pt
(9)Processo nº  7831/16.8T8LSB.L1.S1, e in www.dgsi.pt
(10)Processo nº  3863/12.3TBSTS-C-P1.S2, e in www.dgsi.pt