Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11509/18.0T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
RESTITUIÇÃO DE POSSE
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A decretação de providência cautelar não especificada pressupõe que se verifique a “probabilidade séria da existência do direito invocado” e “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito” (periculum in mora).

II. Para o preenchimento do pressuposto periculum in mora não basta que a delonga na efetivação do direito acarrete prejuízo. É necessário que este seja grave e dificilmente reparável.

III. A simples demora na restituição de espaço indevidamente ocupado de um imóvel, impossibilitando a realização de obras de recuperação necessárias à segurança do edifício e à utilização do imóvel pela sua proprietária, cooperativa de educação, não basta para fundamentar providência cautelar não especificada, de entrega antecipada do imóvel.

Sumário (art.º 663.º n.º 7 do CPC)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO:


Em 15.5.2018 C (…), CRL, intentou procedimento cautelar comum, com inversão de contencioso, contra Associação (…).

A requerente alegou, em síntese, ser proprietária do prédio urbano sito nos n.ºs 9 a 11 do Largo (…), em Lisboa, que adquiriu ao Instituto (…), por escritura notarial outorgada em 04.12.2017.

A requerida ocupa parte do piso térreo do aludido edifício, sem ter qualquer título que legitime essa ocupação. Por outro lado, o piso do 1.º andar do edifício encontra-se muito degradado, carecendo de obras urgentes, sob pena de colapso, para o que é necessário o acesso pelo piso inferior, ocupado pela requerida. No referido 1.º andar funciona uma escola profissional, estando em risco a integridade física de alunos e professores. A requerida recusa-se a entregar o aludido espaço, apesar de ter para tal sido interpelada.

A requerente terminou pedindo que fosse ordenada a restituição provisória da posse da parte do prédio detida pela requerida, com a inversão do contencioso, assim se dispensando a requerente da propositura da ação principal de que a providência estaria dependente.

Notificada para os termos da providência, a requerida deduziu oposição, por exceção e por impugnação.

Por exceção invocou a litispendência com ação declarativa que instaurara contra o IGFSS e a ora requerente e, subsidiariamente, requereu a suspensão da instância do procedimento cautelar, por entender existir prejudicialidade daquela ação face à providência requerida. Por impugnação, alegou ocupar o prédio por cedência que lhe fora conferida pelo então proprietário, negou que a requerente fosse proprietária do imóvel, por falta de legitimidade do IGFSS e negou que os danos alegados pela requerente respeitassem ao imóvel ocupado pela requerida.

No início da audiência final a requerente exerceu o contraditório quanto à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência.

Em 09.7.2018 foi proferida sentença na qual, após se julgar improcedente a exceção de litispendência e se indeferir a suspensão da instância, se julgou o procedimento cautelar improcedente, condenando-se a requerente nas respetivas custas.

A requerente apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
I.O presente recurso vem interposto da douta decisão da primeira instância, que julgou improcedente a providência cautelar.
II.A Mma. Juíza decidiu julgar totalmente improcedente o procedimento cautelar por... " inexistência ...do requisito da lesão grave e dificilmente reparável..."
III.O objeto da providência cautelar é a restituição provisória da posse e respectiva conversão em entrega definitiva (por ter sido requerido a inversão do contencioso — n.° 1, do art.° 369.° do CPC,) de parte do imóvel sito no Largo do Leão n.° 9 a 11 em Lisboa.
IV.Versa o presente recurso matéria de facto e de direito, tais como, os vícios que afectam a validade da decisão proferida, nomeadamente, omissão de pronúncia, erro de julgamento sobre a matéria facto, violação de normas jurídicas (cfr. art° 615º n° 1 al. a) do CPC).
V.Atento o disposto no art. 662° n° 2 do CPC, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados tiver sido impugnada nos termos do art.º 640º do CPC a decisão com base neles proferida.
VI.A Mma Juíza à quo fundamenta a sua motivação para o não decretamento da providência porquanto considera que a Requerente não alegou e, como tal, não provou a requerente que seja a ocupação do rés-do-chão pela requerida a impedi-la de levar a cabo as obras de recuperação do edifício.
VII.No entanto resulta da simples leitura do Requerimento Inicial que a Requerida invocou:... que o pavimento do imóvel, ao nível do primeiro andar e mesmo por cima dos espaços por esta utilizados... já apresentava fortes indícios de deterioração, ostentado sérios riscos de ruir; que a... situação que se agravou seriamente ... na parte superior do imóvel, por cima do espaço ocupado pela R., funciona uma escola profissional (EPAD — Escola Profissional de Artes, Tecnologias e Desporto), ... o pavimento do interior das salas de aulas apresenta iminente risco de ruir ... as vigas e os travejamentos de suporte dos pisos superiores do imóvel estão totalmente apodrecidos e em riso de colapso ... que ... o Eng. Civil que verificou o estado dos pavimentos das salas de aulas no piso superior do imóvel, tendo concluído pela necessidade da ... "urgente intervenção no imóvel. em particular no piso térreo para substituir as estruturas de suporte (vigas e travejamento) dos pisos superiores."

VIII.Desta forma, o tribunal à quo não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, pelo que fica a sentença ferida de nulidade, resultante na omissão de pronúncia, em directa conexão com ínsito no art. 608.° n.° 2, CPC, dado que o tribunal tinha a obrigação pronunciar-se sobre questões e pretensões que lhe foram colocadas pela Requerente.

IX.A sentença á quo incorreu em graves erros de julgamento, incidindo sobre os seguintes pontos de facto:
a.- A Requerida foi informada que o pavimento do imóvel, ao nível do primeiro andar e mesmo por cima dos espaços por esta utilizados... já apresentava fortes indícios de deterioração, ostentados sérios riscos de ruir; (cfr. Conteúdo da Notificação judicial Avulsa);
b.- O pavimento do imóvel, ao nível do primeiro andar e mesmo por cima dos espaços por esta utilizados... já apresentava fortes indícios de deterioração, ostentado sérios riscos de ruir ... e essa situação agravou-se seriamente; (conforme resulta das fotografias e relatório técnico junto aos autos – documentos 9 a 11 junto com o Requerimento Inicial, e, bem assim, em conformidade com o depoimentos concordantes das testemunhas Luís (…) e Aníbal (…) – transcritos nos números 13.1 e 13.2 destas alegações, que foram claros, objectivos, espontâneos e verdadeiros quando confrontadas com perguntas como o que é que pode acontecer? ... responderam ... colapsar .. pode ruir. ... );
c.- Na parte superior do imóvel, por cima do espaço ocupado pela Recorrida, funciona uma escola; em conformidade com o depoimentos concordantes das testemunhas Luís (…) e Aníbal (…) – transcritos nos números 13.I e 13.2 destas alegações, que foram claros, objectivos, espontâneos e verdadeiros;
d.- O pavimento do interior das salas de aulas ao nível do primeiro andar do imóvel apresenta iminente risco de ruir, em conformidade com os depoimentos concordantes das testemunhas Luís (…) e Aníbal (…) – transcritos nos números 13.1 e 13.2 destas alegações, que foram claros, objectivos, espontâneos e verdadeiros, fotografias e relatório técnico junto aos autos – documentos 9 a 11 junto com o Requerimento Inicial;
e.- As vigas e os travejamentos de suporte dos pisos superiores do imóvel estão totalmente apodrecidos e em risco de colapso em conformidade com o depoimentos concordantes das testemunhas Luís (…) e Aníbal (…) – transcritos nos números 13.1 e 13.2 destas alegações, e fotografias e relatório técnico junto aos autos – documentos 9 a 11 junto com o Requerimento Inicial;
f.- É absolutamente urgente e inadiável a intervenção no piso térreo (rés-do-chão) do imóvel, para substituir as estruturas de suporte (vigas e travejamento) dos pisos superiores em conformidade com os depoimentos concordantes das testemunhas Luís (…) e Aníbal (…) — transcritos nos números 13.1 e 13.2 destas alegações, fotografias e relatório técnico junto aos autos— documentos 9 a 11 junto com o Requerimento Inicial.

X.Ou seja, os pontos descritos sob as alíneas a) a f) do número anterior foram incorrectamente julgado como não provados, ou pelo menos foi omitida a pronúncia quanto a estes pontos concretos, quando se impunha a decisão de os considerar provados face à prova documental e prova testemunhal referida.

XI.O Tribunal, ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que, através das regras da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2a instância (cfr. art° 607° n° 4 e 5 do CPC), o que não se verificou no caso em apreço, como resulta do que se deixou dito supra.

XII.Não se trata de uma mera discordância ou interpretação diversa daquela que o Tribunal a quo teve no seu contacto directo e livre com as provas, a verdade é que existe uma divergência marcada daquilo que resulta da prova testemunhal gravada e das poucas, conclusão sumárias retiradas, ao não considerar provados (ainda que indiciariamente) os pontos concretos indicado em IX.

XIII.Com efeito no imóvel é visível que as vigas e os travejamentos de suporte dos pisos superiores do imóvel estão completamente apodrecidos e em risco eminente de colapso sendo urgente a substituição das estruturas de suporte.

XIV.Como, também, se extrai do depoimento da Testemunha Luís (…) para se realizar obras no pavimento ao nível do primeiro andar, é necessário escorar todo o teto do Rés-do-chão do imóvel e para isso ser possível é necessário ter acesso pleno ao Rés-do-chão do imóvel.

XV.A providência cautelar destinava-se a restituir provisoriamente a posse do imóvel para que fosse possível executar as obras necessárias a evitar o colapso do interior do imóvel.

XVI.Com o devido respeito, a decisão do Tribunal a quo, não ponderou os factos respeitantes aos danos atuais e potenciais no imóvel, com maior gravidade para as pessoas que o utilizam.

XVII.De acordo com o Doc. n.°12 da Oposição é clara a opinião manifestada pela Testemunha Luís (…), na qualidade de Engenheiro Civil — é necessário a desocupação do rés-do-chão para a execução das obras, bem como, é necessária uma inspecção urgente a toda a estrutura do piso I uma vez que o piso apresenta diversas oscilações e irregularidades lineares.

XVIII.Resulta claramente da prova produzida, em audiência de discussão e julgamento, a impossibilidade de realizar as obras com o imóvel ocupado por estar em causa a estabilidade do referido imóvel.

XIX.A decisão do Tribunal à quo deveria ter tido em conta a prova testemunhal produzida.

XX.O "periculum in mora" foi afirmado e confirmado pelas testemunhas não se produzindo um mero juízo de verossimilhança, para a apreciação dos factos.

XXI.O tribunal a quo teve ao seu dispor provas mais do que suficiente para, dentro de um critério rigoroso, considerar como provado a exponencial gravidade dos danos que a providência visa acautelar, e a absolutamente difícil reparação das consequências danosas da falta de manutenção profunda do imóvel (reforçando: o pavimento do primeiro piso do imóvel está a ruir e a reparação só pode ser feita pelo espaço ocupado pela Requerida e que ela não permite o acesso).

XXII.O tribunal à quo considerou, e bem, a verificação da probabilidade séria da existência do direito, referindo mesmo que a factualidade indiciariamente provada permite concluir pela existência da tihdaridade do direito de propriedade sobre o imóvel adquirido através de escritura pública pela requerente, inscrita a seu favor no registo predial, o que lhe confere aquela presunção de acordo com o estabelecido no art.º 7° do C. Registo Predial. Não sendo a posse oponível ao titular do direito real a que ela corresponde, prevalecendo em caso de conflito, a propriedade. Mas no caso dos autos, nem sequer está em causa a posse pela requerida dos espaços que ocupa no imóvel adquirido pela requerente. Na verdade, a posse é o poder que se manífesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art.° 1251 ° do Código Civil). Ora resulta da matéria de facto indiciariamente provada que é a própria requerida a mencionar a cedência gratuita do espaço à Associação nos termos do Decreto-Lei n. ° 24489, de 13 de Setembro de 1934, (DG 1 série N°216), diploma que rege sobre a aquisição de bens imóveis ou direitos a eles respeitantes bem como a cedência a título precário dos bens que integram o domínio privado do Estado. Tal cedência invocada pela requerida não lhe confere a posse, reconduzindo-a, sim, à de mera detentora enquanto possui em nome de outrem (al. c) do art.° 1253 ° do Código Civil)."

XXIII.Pelas razões sobejamente referidas nestas conclusões o tribunal à quo andou mal ao não considera preenchido o pressuposto do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável desse direito, tendo entendido que ".. matéria de facto alegada pela requerente ... não alegou e, como tal, não provou a requerente que seja a ocupação do rés-do-chão pela requerida a impedi-la de levar a cabo as obras de recuperação do edifício.

XXIV.O tribunal à quo, no entendimento que faz sobre os factos que a Recorrente invoca no Requerimento inicial do Procedimento cautelar, não considera a alegação da ocupação do rés-do-chão pela requerida como facto determinante para o impedimento da aqui Recorrente em levar a cabo as obras de recuperação do edifício, e em consequência, o tribunal à quo, estabelece também que tais factos são considerados com não provados, mas contraria estas conclusões, quando considera como factos provados que "Na parte superior do imóvel, por cima do espaço ocupado pela requerida, funciona uma escola profissional (EPAD — Escola Profissional de Artes, Tecnologias e Desporto) em que o pavimento de algumas salas apresenta abatimentos, sendo visível o apodrecimento das vigas de suporte do piso, requerendo reparação.

XXV.Estes factos concretos, sobre os quais o tribunal à quonão se pronunciou, em conjugação com os documentos juntos aos autos e face à prova gravada produzida em sede de audiência de julgamento deveriam ter sido dados como provados, devendo portanto considera-se em pleno a verificação do pressuposto "periculun in mora".

XXVI.Também se deverá considerar que a providência requerida é a adequada para evitar a lesão, pois o iminente colapso do pavimento do 1° andar só poderá ser travado com ao escoramentos escorar o teto do Rés-do-chão, e, como tal a Requerente só poderá substituir as vigas e o travejamento do pavimento do se tiver acesso ao Rés-do-chão, remetendo-se para o que foi dito pelas testemunhas (LUIS (…) e ANIBAL (…)).

XXVII. A restituição (ainda que provisória) da posse da parte do imóvel ocupado pela Requerida à requerente é a única e singular forma de evitar o "colapso" ou que o pavimento do primeiro andar venha a ruir, ou seja, não restam dúvidas que está verificado e amplamente demostrado a adequação desta providência cautelar para conjurar/afastar o perigo iminente de colapso do edifício.

XXVIII.O inconveniente para a Associação de Bombeiros que resultaria da impossibilidade de desenvolver as suas (inexistentes) actividades nos espaços que ocupa no rés-do-chão do imóvel, é incomensuravelmente menor que o perigo real que se coloca aos alunos e professores da Escola da Recorrente se sujeitam porque não é possível realizar as obras urgentes e inadiáveis que permitem conferir segurança física ao edifício onde o estabelecimento de ensinos se sinta.

XXIX.Verifica-se, portanto, que foram invocados deverão ser considerados provados os factos concretos constitutivos da probabilidade séria da existência do direito; do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável desse direito; da adequação da providência requerida para evitar a lesão; que não resuitam do decretamento da providência prejuízo consideraveimente superior ao dano que se pretende evitar.

XXX.Pelo que se impõe, com caracter de absoluta urgência atento o inico do novo ano letivo, a decretação da PROVIDENCIA CAUTELAR requerida.

XXXI.Tal como impõe, por se encontrar suficientemente provado (por registo a favor da Recorrente) o direito de propriedade do imóvel, que seja decretada a inversão do contencioso requerida e prevista nos termos do art.º 369.º do CPC.

A apelante terminou pedindo que se concedesse provimento ao recurso e se alterasse a decisão recorrida nos termos expostos nas presentes motivações.

A requerida contra-alegou, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
a)- Veio a ora Recorrente interpor recurso da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, o qual julgou improcedente a presente providência cautelar requerida pela Recorrente.
b)- Alega a Recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter decidido de tal forma, por, na sua opinião, se encontrar preenchido o requisito do periculum in mora.
c)- Invoca a Recorrente que a mesma alegou factos que, no seu entender, constituem o pressuposto da probabilidade séria da existência do direito invocado, bem como que foi produzida prova para que o Tribunal a quo tivesse considerado como provado a gravidade dos danos que a presente providência visava acautelar e a difícil reparação das consequências da manutenção da situação em apreço.
d)- Tais alegações feitas pela Recorrente não correspondem à verdade dos factos, conforme resultou aliás provado em sede de audiência de julgamento, tendo sido justamente esse o entendimento do Tribunal a quo que o levou a proferir a douta sentença ora recorrida.
e)- Em nenhum momento, ao longo de todo o presente processo, a Recorrente provou, ou sequer alegou, o eminente perigo de derrocada do prédio sito no Largo do Leão, nº 10 e 11, em Lisboa.
f)- Conforme resultou de toda a prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, nomeadamente através dos depoimentos prestados pelas testemunhas da Recorrente, a mesma nunca enviou nenhum representante seu, fosse engenheiro ou carpinteiro, às instalações da Recorrida – sitas no Largo (…), nº 10 e 11 - com a intenção de abordar a Recorrida para que fosse resolvida a questão em apreço.
g)- Até à data em que a Recorrida recebeu a Notificação Judicial Avulsa – 23 de Abril de 2018 - a mesma desconhecia por completo a existência dos alegados danos que a Recorrente veio alegar na providência cautelar, sendo que entre a data em que a Notificação Judicial Avulsa foi feita e a data em que deu entrada a presente providência cautelar – 15 de Maio de 2018 - decorreu menos de um mês.
h)- Se a Recorrente já era arrendatária do imóvel há mais de 20 anos – ou seja, antes de o ter adquirido em Dezembro de 2017 – e sabendo perfeitamente que a Recorrida se encontrava há muitos anos no nº 10 e 11 do Largo (…), não se compreende porque motivo nunca a mesma abordou a Recorrida relativamente à questão da degradação do pavimento, com vista à resolução/realização das obras necessárias para a reparação dos alegados danos que a mesma invoca.
i)- Nunca tendo estado alguma vez um representante da Recorrente nas instalações da Recorrida, para efeitos de análise da situação em apreço, o relatório técnico elaborado por um trabalhador da Recorrente e no qual a mesma se baseia para justificar a providência cautelar requerida, não poderá ter a força probatória que a Recorrente lhe pretende atribuir, o mesmo se dizendo quanto aos depoimentos das testemunhas Luís (…) e Aníbal (…), as quais confirmaram em sede de julgamento que nunca entraram nas instalações da Recorrida, não porque tivessem sido alguma vez impedidos, mas porque nunca tiveram qualquer indicação por parte da Recorrente para o fazer.
j)- Ficou ainda provado em sede de audiência de julgamento, concretamente através do depoimento da testemunha da Recorrente, o Eng. Luís (…), que as instalações da Recorrida não têm nenhum tecto danificado – tendo inclusivamente esta testemunha confirmado que as fotografias que a Recorrente juntou com o seu requerimento inicial, nada têm a ver com o imóvel da Recorrida sito no Largo (…), nº 10 e 11, reportando-se as mesmas ao imóvel sito no Largo do Leão, nº 9.
k)- Mais ficou provado pelo depoimento das testemunhas da Recorrente, Eng. Luís (…) e Aníbal (…), que quando foi necessário, a Recorrente efectuou obras de adaptação, conservação ou mesmo de manutenção no seu imóvel, razão pela qual não consegue a Recorrida compreender por que motivo alega a Recorrente que a mesma não pode efectuar obras no imóvel – quando no passado já as fez – por culpa da Recorrida e da utilização dos espaços sitos no nº 10 e 11 do Largo (…) por parte da mesma.
l)- Apesar de a Recorrente ter vindo alegar que o estado em que o pavimento da escola se encontra põe em risco os seus alunos e professores, a verdade é que foi o próprio Eng. Luís (…), testemunha da Recorrente, que afirmou em sede de julgamento, que a escola continuava a funcionar e que as salas que estavam em perigo de ruir, não tinha sido fechadas – apesar do suposto perigo eminente invocado pela Recorrente, facto que desde já muito se estranha.
m)- Foi o próprio Eng. Luís (…) que afirmou em sede de julgamento, quando lhe foi perguntado se era intenção da C (…) manter a escola a funcionar, o mesmo respondeu, com clareza e convicção, que tinha conhecimento que a escola vai sair daquele local no próximo ano lectivo.
n)- Sendo intenção da Recorrente encerrar a escola após o terminus do presente ano lectivo, não se compreende por que motivo foi requerida a presente providência cautelar, a qual, relembre-se, tem como um dos seus fundamentos o suposto perigo eminente de derrocada da mesma.
o)- Resulta claro que a Recorrente não fez qualquer prova de que a utilização por parte da Recorrida do espaço sito no Largo (…), nº 10 e 11 esteja a impedir a Recorrente de levar a cabo as obras de reparação do edifício tendentes a erradicar o estado de degradação da sua estrutura.
p)- É absolutamente falso a afirmação da Recorrente de que a Recorrida não permite o acesso ao espaço para que as obras em questão sejam realizadas – não tendo a Recorrente feito qualquer prova quanto a este ponto.
q)- Resulta claro que dos factos em apreço decorre a clara e inequívoca inexistência do requisito da lesão grave e dificilmente reparável, requisito este que é pressuposto da procedência da pretensão que a Recorrente pretendia levar a cabo com a presente providência cautelar, pelo que não poderia ter sido outra a decisão do Tribunal a quo que não fosse a de declarar improcedente a presente providência cautelar.
r)- Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se assim a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
A apelada terminou pedindo que o recurso fosse julgado improcedente, por não provado, confirmando-se assim a sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: nulidade da sentença; impugnação da matéria de facto; verificação do pressuposto da providência requerida, periculum in mora.

Primeira questão (nulidade da sentença)
A apelante imputou à sentença omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal deveria apreciar.

Está em causa a nulidade indicada na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

Em tese geral, as questões a apreciar pelo tribunal são os pedidos deduzidos, as causas de pedir e as exceções invocadas, assim como as exceções de conhecimento oficioso, aqui não se incluindo simples linhas de fundamentação jurídica, invocadas pelas partes para sustentarem a pretendida solução a dar às aludidas questões (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, 2.º volume, 3.ª edição, Almedina, p. 737).

In casu, os pedidos são a entrega à requerente do espaço ocupado pela requerida, com inversão do contencioso; a causa de pedir é a titularidade da propriedade do imóvel por parte da requerente, a necessidade de aí fazer obras urgentes de recuperação, sob pena de prejuízo irreparável, e a oposição da requerida à entrega do imóvel, que ocuparia sem título. O tribunal a quo apreciou todas estas questões, respondendo de forma que julgou determinar a improcedência dos pedidos. A circunstância de a requerente discordar de algumas dessas respostas, em especial no que concerne à inexistência de indiciação de periculum in mora, não se baseia em vício formal, da ordem das nulidades, mas em suposto vício na apreciação do mérito, erro na ponderação substantiva efetuada pelo tribunal a quo do material alegado e demonstrado pelas partes.

Vício esse que não constitui nulidade mas erro de julgamento, a apreciar noutra sede da apelação.

Nesta parte, pois, a apelação é improcedente.

Segunda questão (impugnação da matéria de facto)

O tribunal a quodeu como provada a seguinte.

Matéria de facto.

2.1.1. Do requerimento inicial
a)- Por escritura pública celebrada no dia 4 de Dezembro de 2017, no cartório notarial do Dr. António José Alves Soares, em Lisboa, a A., adquiriu ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP, livre de ónus e/ou encargos e devoluto de pessoas e bens, o imóvel sito no Largo (…) n.º 9 a 11 em Lisboa descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º (…), o qual se encontra inscrito a favor da Requerente na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a Ap.(…) de 2017/12/04 (art.º 1º ).
b)- A Requerida ocupa parte do referido imóvel, correspondente a uma área do rés-do-chão esquerdo e uma pequena garagem situada ao lado do rés-do-chão direito (art.º 2º).
c)- O IGFSS informou a requerente ter em 2013 solicitado à requerida para que comprovasse a que título ocupava o imóvel.
d)- Após a aquisição do imóvel, no dia 28/12/2017, a requerente enviou à requerida uma carta registada com aviso de recepção, recepcionada no dia 03/01/2018, em que refere ocupar a requerida sem título os mencionados espaços e solicitando-lhe a imediata desocupação da instalações, tendo, para tanto, concedido um prazo de 10 dias a contar da recepção daquele ofício (art.º 16º).
e)- Não obstante, a requerida manteve a ocupação das partes do imóvel referidas em 2º (art.º 17º).
f)- A requerente notificou novamente a requerida através de notificação judicial avulsa levada a cabo no dia 23.04.2018 para desocupar os espaços (art.ºs 18.º e 20º).
g)- Na parte superior do imóvel, por cima do espaço ocupado pela requerida, funciona uma escola profissional (EPAD – Escola Profissional de Artes, Tecnologias e Desporto) em que o pavimento de algumas salas apresenta abatimentos, sendo visível o apodrecimento das vigas de suporte do piso, requerendo reparação (art.ºs 22º, 23º e 24º).
h)- A requerida, após a notificação referida em f) não entregou os espaços à requerente (art.º 27º).
i)- Em Abril de 2018, a requerida instaurou contra o IGFSS no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível, juiz 2, sob o n.º (…), acção em que pediu a declaração de nulidade do registo relativo ao imóvel (art.º 1º).
j)- A requerida foi criada em 26 de Setembro de 1918 (artº 8º).
k)- A requerida teve o seu primeiro alvará em 26 de Fevereiro de 1920 (art.º 9º).
l)- Em 22 de Março de 1956, através do alvará n.º 31/56, a requerida viu aprovado os seus novos Estatutos (art.º 10º).

m)- Em reunião de 13 de Agosto de 1962, entre o representante da Câmara Municipal de Lisboa, o presidente da requerida e o representante do Asilo de Mendicidade de Lisboa, ficou assente o seguinte:
i)- Que o representante do Asilo de Mendicidade de Lisboa mostrou-se disposto a executar as obras na parte do prédio com entrada pelo nº 9 do Largo (…);
ii)- Que a realização das obras de conservação do imóvel com entrada pelo nº 10 e 11 do Largo (…), onde se situam as instalações da Requerida, concedidas para o efeito ao abrigo do Decreto-Lei n.º 24489 de 13/9/34, ficavam a cargo daquela Associação;
iii)- Que o Presidente da Requerida concordou que lhe competia fazer as referidas obras de conservação do imóvel com entrada pelos nº 10 e 11 do Largo (…);
iv)- Que convinha ao Presidente da Requerida que a Associação fosse intimada a executar as referidas obras, pois só assim podia solicitar a sua comparticipação;
v)- Do auto de cessão constava que as obras de adaptação e reparação das instalações no n.º10 e 11 do Largo (…), seriam executadas pela ora requerida (art.ºs 11º, 13º e 14º).

n)- Em 18 de Abril de 1963, no 1º Cartório Notarial de Lisboa, foi celebrada Escritura de Justificação a favor do Estado Português, do prédio conhecido por “Cerca do Antigo Convento de Arroios”, sito na Rua Visconde de Santarém e o Largo (…), freguesia de Arroios, concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o art. (…), omisso no registo predial (art.º 17º).
o)- Em 2 de Fevereiro de 1965, em Lisboa, perante o Notário da CML, foi celebrada Escritura de Permuta entre o Estado Português e a Câmara Municipal de Lisboa, tendo aquele, entre outros, transmitido um terreno com a área de 3.400 m2, situado no Largo (…), tornejando para a Rua Visconde de Santarém, na freguesia de Arroios, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº (…), a fls. 156, livro B-69 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (…) (art.º 18º).
p)-
a)O IGFSS, através da requisição de registo n.º (…), Ap. (…), de 05/08/2013, requerera o registo a seu favor do prédio n.º (…), a seu favor, situado no Largo (…), n.º 9, 10 e 11, na freguesia de S. Jorge de Arroios, em Lisboa, conforme doc. nº 11 que se junta e dá por reproduzido;
b) a CRP de Lisboa recusara o referido registo (o qual nem sequer foi possível registar como provisório por dúvidas) com os seguintes fundamentos essenciais:
i)- “…falta de elementos;
ii)- “… a descrição acima mencionada, …encontra-se bastante desactualizada…”;
iii)-“… não é junto documento que titule a transmissão do mencionado prédio …;
iv)- “… o registo em causa não pode ser efectuado …uma vez que subsiste incerteza acerca do prédio a registar…” (art.º 25º).
q)- Através da Ap. (…), datada de 31 de Outubro de 2013, o IGFSS, voltara a requerer o registo da aquisição daquele prédio, por transferência de património, nos termos do disposto nos artigos 13.º e 14.º do Decreto-Lei nº 141/1988, de 22 de Abril e artigo 4º, n.º 1 e 2 de Decreto-Lei nº 121/2004 de 13 de Maio (art.º 26º).

r)- Tendo servido de base a esse pedido o Auto de Entrega com o seguinte teor:
“declara-se que são transmitidos para a titularidade do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, os prédios constantes do presente auto o qual (…) constitui título bastante para todos os efeitos, incluindo os de registo — Largo (…), 9 a 11” (art.ºs 27º e 28º).
s)- E numa Declaração Complementar, datada de 24 de Outubro de 2013, em actualizações à descrição através dos averbamentos nº 26 (acções preferenciais 08/19210420), que o prédio situado no Largo (…), nº 8 a 14, em Lisboa, ficou reduzido e situado nos n.º 9, 10 e 11 do Largo (…) (art.º 33º).

Na sentença indicaram-se os seguintes.

Factos não provados.

1 Do Requerimento inicial.
t)- Posteriormente, a Requerida invocou junto do INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL IP., uma suposta qualidade de arrendatária do Imóvel referido em 1º, numa tentativa para que lhe fosse reconhecido o direito de preferência no processo de alienação do imóvel (art.º 6º).

2. Da Oposição
u)-Obras essas que a mesma realizou (art.º 15º).
v)-Pela Inscrição n.º 39.701 de 10/05/69, a referida Escritura de Permuta é definitivamente averbada (art.º 19º).
x)-Desde 02.02.1965 que a propriedade desse prédio estava registada a favor da Câmara Municipal de Lisboa (art.º 37º).

O Direito.
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).

O apelante entende que deveriam ter sido dado como provados, tendo sido indevidamente desconsiderados, os seguintes factos:
a.- A Requerida foi informada que o pavimento do imóvel, ao nível do primeiro andar e mesmo por cima dos espaços por esta utilizados apresentava fortes indícios de deterioração, ostentando sérios riscos de ruir;
b.- O pavimento do imóvel, ao nível do primeiro andar e mesmo por cima dos espaços por utilizados pela requerida, apresentava fortes indícios de deterioração, ostentando sérios riscos de ruir ... e essa situação agravou-se seriamente;
c.- Na parte superior do imóvel, por cima do espaço ocupado pela Recorrida, funciona uma escola;
d.- O pavimento do interior das salas de aulas ao nível do primeiro andar do imóvel apresenta iminente risco de ruir;
e.- As vigas e os travejamentos de suporte dos pisos superiores do imóvel estão totalmente apodrecidos e em risco de colapso;
f.- É absolutamente urgente e inadiável a intervenção no piso térreo (rés-do-chão) do imóvel, para substituir as estruturas de suporte (vigas e travejamento) dos pisos superiores.
Para tal, a apelante invoca o depoimento das testemunhas Luís (…) e Aníbal (…).

Estão em causa factos alegados pela requerente na sua petição inicial (vide artigos 20.º a 30.º do requerimento inicial).

Na sentença, sobre esta matéria, deu-se apenas como provado o seguinte:
g)- Na parte superior do imóvel, por cima do espaço ocupado pela requerida, funciona uma escola profissional (EPAD – Escola Profissional de Artes, Tecnologias e Desporto) em que o pavimento de algumas salas apresenta abatimentos, sendo visível o apodrecimento das vigas de suporte do piso, requerendo reparação (art.ºs 22º, 23º e 24º).

Nada se mencionando, acerca desta temática, em sede de factos não provados.

Por outro lado, na vertente de apreciação jurídica do litígio, escreveu-se na sentença o seguinte:
Reportando-nos à matéria de facto alegada pela requerente e indiciariamente provada, não se mostra que a ocupação pela requerida impeça aquela de levar a cabo as obras de recuperação do edifício tendentes a erradicar o estado de degradação da sua estrutura.
Na verdade, a alegação do periculum in mora centra-se no facto de o edifício carecer de obras urgentes. Porém, não alegou e, como tal, não provou a requerente que seja a ocupação do rés-do-chão pela requerida a impedi-la de levar a cabo as obras de recuperação do edifício, tanto mais que não foi esse o fundamento invocado nas cartas que lhe enviou para que desocupasse os espaços daquele piso.

Ora, como se viu, contrariamente ao expendido na sentença, a requerente alegou a indispensabilidade do acesso ao espaço ocupado pela requerida, sito no rés-do-chão do edifício, para efetuar as obras de que o primeiro andar carece. E tal foi por si invocado na notificação judicial avulsa da requerida (vide fls 23 dos autos, artigos 5.º e 6.º).

As testemunhas Luís (…) e Aníbal (…), respetivamente engenheiro civil e carpinteiro, ambos trabalhadores da requerente, foram perentórios, claros e sinceros na afirmação de que as vigas e o travejamento de suporte do pavimento do primeiro andar do edifício se encontram seriamente deteriorados, devido a fortes humidades, correndo o risco iminente de colapso, e que as obras de reparação impõem o acesso ao andar inferior, ocupado pela requerida. Mais afirmaram que no aludido piso superior funciona uma escola, e que uma das salas desse piso foi fechada, devido à deterioração e falta de segurança do pavimento.

Assim, justifica-se o aditamento à matéria de facto dos seguintes números, o que se determina:
t)- As vigas e o pavimento referidos em g) correm risco de colapso iminente;
u)-Para a realização das obras necessárias à reparação do referido em g) é necessário o acesso ao rés-do-chão, ocupado pela requerida.

Terceira questão (periculum in mora)
O art.° 362.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, atinente às providências cautelares não especificadas, dispõe que «sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado».
O n.° 1 do art.° 368.° explicita que «a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão».

A decretação da providência pressupõe, pois, que se verifique a “probabilidade séria da existência do direito invocado” e “fundado receio de que outrem (“antes da acção ser proposta ou na pendência dela”, conforme se expressava o art.º 381.º do CPC anterior), cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito”.
No que concerne ao primeiro requisito e acompanhando Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, volume III, 2ª edição, Almedina, páginas 74 e 75), dir-se-á que «quanto ao direito cujo receio de lesão grave constitui a justificação fundamental para a concessão da tutela cautelar não se exige um juízo de certeza, bastando-se a lei com um juízo de verosimilhança ("probabilidade séria", segundo o art. 387°, n° 1) formulado pelo juiz, com base nos meios de prova apresentados ou naqueles que o tribunal oficiosamente aprecie, embora tal juízo não deva ser colocado num patamar tão baixo na escala gradativa da convicção do juiz que se tutelem situações destituídas de fundamento razoável».

No caso destes autos, como bem se ponderou na sentença recorrida, mostra-se suficientemente indiciado que a requerente é proprietária de um imóvel sito no Largo (…), em Lisboa. Ora, “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas” (art.º 1305.º do CC). Tal pressupõe a acessibilidade material ao bem de que se é dono. Sucede que a requerida ocupa o rés-do-chão do aludido imóvel e, apesar de para tal interpelada, não desocupou o imóvel, tendo até posto em causa a titularidade do mesmo por parte da requerente, como é patente na oposição que deduziu nestes autos. Porém, a requerida não logrou demonstrar ser titular de qualquer situação jurídica que imponha à requerente o respeito por essa ocupação. Na própria sentença recorrida se exarou que a requerida não se apresenta como possuidora do imóvel, mas como simples detentora do mesmo, alguém que possui em nome de outrem (al. c) do art.º 1253.º do Código Civil). Por outro lado, o ato referido em m) da matéria de facto apenas se reporta a um acordo, perante a Câmara Municipal de Lisboa, sobre partilha de responsabilidades na execução de obras no referido edifício do Largo (…), sem nada definir ou esclarecer acerca dos direitos titulados pelos intervenientes sobre esse edifício ou suas partes.

Assim sendo, a requerente goza dos meios de proteção do seu direito que a lei lhe confere (art.º 1311.º do CC). Sendo certo que, não existindo privação violenta da posse, o proprietário, não podendo ser restituído provisoriamente à posse da coisa por meio do procedimento cautelar especificado previsto nos artigos 377.º a 379.º do CPC, poderá recorrer ao procedimento cautelar comum – como é o caso da ora requerente.

Haverá, para esse efeito, que demonstrar a verificação do segundo requisito da concessão da providência cautelar, o denominado periculum in mora.

Conforme se disse, a decretação da providência cautelar (não especificada) pressupõe a existência de fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito. Isto é, não basta que a delonga na efetivação do direito acarrete prejuízo. É necessário que este seja grave e dificilmente reparável. Só assim se justifica a urgente, provisória e por vezes não contraditada intromissão do tribunal na esfera jurídica do requerido, correndo-se o risco de se praticar um ato posteriormente qualificado de injustificado (artigos 363.º, 366.º, 374.º n.º 1 do Código de Processo Civil).

Apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação. Quanto aos prejuízos materiais, “o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva”(cfr. Abrantes Geraldes,“Temas da reforma do processo civil”, III volume, 2ª edição, Almedina, páginas 84 e 85.). Relativamente a este último tipo de danos, deverão ser ponderadas “as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados” (Abrantes Geraldes, citado, pág. 85; na jurisprudência, vide, v.g., acórdão da Relação de Guimarães, de 21.9.2017, processo 2931/17.0T8BRG.G1, consultável in www.dgsi.pt).

No caso destes autos, está em causa o exercício de um direito de natureza patrimonial, por parte de uma pessoa coletiva. Os prejuízos decorrentes da demora na efetivação do direito, decorrente das delongas de uma normal ação declarativa, têm natureza patrimonial e serão, pelo menos em abstrato, facilmente reparáveis, através da execução de trabalhos de recuperação do imóvel, mesmo que tardios, e da compulsão da requerida no pagamento dos respetivos custos e, bem assim, no ressarcimento de prejuízos eventualmente decorrentes da privação do uso do imóvel por parte da recorrente. Note-se que nada foi alegado ou provado acerca da situação económica da requerida, nomeadamente acerca do eventual perigo de próxima impossibilidade de a requerida vir a suportar o agravamento dos encargos decorrente do arrastamento da ação principal.

Falta, assim, o segundo pressuposto da peticionada providência cautelar – o periculum in mora.

Nestes termos, a apelação é improcedente.

DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida, embora com alteração na matéria de facto provada.
As custas da apelação são a cargo da apelante, que nela decaiu (art.º 527.º n.º s 1 e 2 do CPC).



Lisboa, 20.9.2018



Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins