Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6822/20.9T8LSB.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. As nulidades da sentença não se confundem com o erro de julgamento.
2. Na apreciação do mérito da apelação o tribunal ad quem tem de atender à factualidade provada e não provada, não estando, já, em causa, ponderar a prova produzida, nomeadamente a testemunhal.
3. O legislador impõe ao intermediário financeiro um dever especial de se assegurar que o cliente compreende os riscos envolvidos com as operações de investimento efetuadas, estando a observância desse dever (a extensão e densidade do mesmo e a diligência com que é cumprido) relacionada com as caraterísticas do produto e do investidor, que o intermediário financeiro tem de conhecer.
4. O art.º 314º, nº 2, do CVM, consagra a presunção legal de culpa do intermediário financeiro que viola o dever de informação.
5. A presunção de culpa prevista no mencionado artigo não inclui a presunção de causalidade, entre o dano (o não reembolso do capital) e o facto (as informações incompletas e deficientemente prestadas).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 5.3.2020, Edições, Lda. intentou contra BEST Banco Eletrónico de Serviço Total, SA, ação declarativa de condenação com processo comum, pedindo que o R. seja condenado a indemnizar a A.: a) no montante de €480.784,20, correspondente aos danos resultantes da desvalorização dos produtos financeiros que vendeu a esta com a informação de que o ressarcimento de capital estava garantido; b) por todos os juros, comissões, retribuições e taxas cobradas no âmbito do contrato de financiamento e aditamentos que deram origem à conta n.º xxx, no valor em que o R. venha a informar os presentes autos.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese [1]:
No prosseguimento da sua atividade comercial, a A. decidiu confiar ao R. a gestão do património financeiro da mesma e nesse sentido, em Março de 2011, contactou o funcionário do R. com as funções de gestor de cliente, PS, no sentido de serem investidos os saldos resultantes dos lucros da sociedade comercial, tendo dado instruções no sentido de serem encontradas soluções de investimento com características de risco reduzido, garantia de recuperação da totalidade do capital investido, e rapidez na disponibilização do capital.
Estando já consolidada a relação de confiança entre a A. e o funcionário do R., este solicitou uma reunião urgente em finais de 2013 e invocou a abertura de um novo produto financeiro imperdível denominado “EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia”.
Não tendo a A. liquidez para realizar tal investimento, o funcionário do R. propôs que o montante viesse posteriormente a ser financiado pelo R., tendo transmitido ao representante da A. que o produto em apreço seria de risco reduzido e garantia de reembolso de capital investido.
O legal representante da A., convencido pelo funcionário do Banco a “aumentar o capital mutuado” acabou por investir €450.000,00 no produto.
Caso mantivesse a dúvida de que havia perda de capital investido, não teria investido tal montante nem endividado a A.
Mais tarde, quando começaram a surgir problemas com a Portugal Telecom, PS acabou por dizer que afinal os produtos estavam sujeitos a perda de capital.
E dias depois soube pelo funcionário RV que afinal existiam 3 produtos “em problemas”, todos com obrigações da Portugal Telecom.
Para além do produto referido, a A. investiu €50.000,00 no “CLN PT International Finance 3.5Y”, e €100.000 no “EUR 5Y FTD AirFrance ThyssenKrupp Fiat Portugal Telecom Notes”, que o R. apresentou como isentos de risco e com promessa de uma taxa de juro recompensadora.
A A. apenas foi ressarcida quanto aos investimentos nos montantes de €90.000,00, €20.000,00, e €9.215,80, o que representa um dano total de €480.784,20.
O R., como intermediário financeiro, violou os nºs 1 e 2 do art. 310º do CVM e prestou informações falsas sobre a segurança dos produtos.
A vontade declarada pela A. encontra-se viciada por erro relativo ao objeto do negócio criado por culpa da atuação do R., vindo a A. a sofrer danos patrimoniais elevados que o R. deve indemnizar, sendo que relativamente ao financiamento posteriormente contratado para colmatar a descapitalização da A., os danos corresponderão à totalidade dos juros, taxas e comissões aplicadas no contrato de financiamento e aditamentos, que deram origem à conta nº 921226732207.
Citado, o R. contestou, por exceção, invocando a prescrição da sua responsabilidade por violação dos deveres de informação, a sua ilegitimidade substantiva, a caducidade do direito da A. e a inexistência do contrato de mútuo alegado, e por impugnação, e terminou pedindo a improcedência total da ação.
Notificada para tal, a A. respondeu à matéria das exceções, pugnando pelo seu indeferimento.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, e proferido despacho saneador, no qual se declarou parcialmente inepta a petição inicial e nulo todo o processo quanto ao segundo pedido da A., relegou-se a apreciação das exceções invocadas para a decisão final, elencou-se matéria de facto assente, e fixaram-se o objeto do litígio e os temas da prova [2].
Realizou-se julgamento e, em 25.7.2022, foi proferida sentença, que julgou a ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu o R. do pedido.
Inconformada com a decisão, apelou a A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. Nos presentes autos, fixaram-se os seguintes Temas da Prova:
a) Apreciar a exceção de prescrição invocada pelo Réu; em caso negativo;
b) Saber se o Réu violou deveres suscetíveis de gerar indemnização à Autora e nesse caso qual a medida da indemnização.
2. A Autora veio alegar nos autos que os funcionários do Réu agiram de forma a fazer convencer o Representante Legal da Autora que os investimentos realizados nos produtos, CLN PT International Finance 3.5Y, EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, Fiat, Portugal Telecom Notes e EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia estavam revestidos de garantias que, na verdade, não possuíam, e, principalmente, que seriam investimentos seguros, quando de facto não o eram, como se veio a verificar.
3. A Autora perdeu cerca de 80 % do capital investido em cada um dos produtos supra indicados.
4. Salvo melhor entendimento, mostrava-se de especial relevância para os autos, analisar e tomar em consideração todos os elementos probatórios que permitissem ao Douto Tribunal aferir qual era a efetiva pretensão da Autora, ao contratar produtos financeiros comercializados pelo Réu, bem como se o Réu agiu, em tal comercialização, com os deveres a que estava adstrito, legalmente, e contratualmente, como intermediário financeiro, no que diz respeito à informação prestada à Autora e na garantia de que o Representante Legal desta estava totalmente e devidamente esclarecido do risco inerente a tais investimentos.
5. No início da Audiência de Julgamento, a Autora requereu a junção aos autos de um documento, contendo matéria de facto que se reputa de especial relevância à prova a realizar no âmbito dos Temas da Prova fixados pelo Douto Tribunal.
6. O documento em apreço demonstra que a Autora, e o seu Representante Legal, se encontravam convencidos de que os investimentos que iam sendo realizados com o apoio do Réu tinham um grau de garantia que, na verdade, não tinham, e que tal convicção nunca foi contrariada pelos funcionários do Réu, nomeadamente, por parte do seu gestor de conta, o qual veio depor em sentido contrário nos presentes autos.
7. O Douto Tribunal indeferiu a sua junção aos autos, considerando-se a mesma como intempestiva, e o seu conteúdo “irrelevante” para os autos, sendo tal decisão alvo de recurso autónomo.
8. A Autora alegou, de forma suficiente, que o que constava nos documentos que titularam a subscrição dos mencionados produtos financeiros não correspondia à sua verdade real, e que apenas assinou e outorgou tais documentos na convicção de que os mencionados produtos estariam revestidos das características de segurança nos investimentos que pretendia realizar, e que informou o Réu pretender, bem como nas informações prestadas pelos próprios funcionários do Réu relativamente a tais características.
9. Ficou assim alegado que a vontade efetivamente declarada pela Autora, na subscrição de tais produtos, não correspondia à vontade real, bem como que o Réu era conhecedor da vontade real do declarante.
10. Perante a invocação de que a vontade declarada nos mencionados documentos de subscrição, não correspondia à vontade real da Autora, salvo melhor entendimento, a questão das declarações negociais assinadas e outorgadas pela Autora, na celebração dos investimentos comercializados pelo Réu, deveria ser apreciada nos termos do disposto nos artigos 252.º n.º 2, 253.º e 254.º n.º 2 do Código Civil,
11. Não deveria assim o Douto Tribunal considerar como provada toda a matéria respeitante à vontade da Autora meramente por corresponder às declarações constantes da documentação assinada e outorgada na contratação de tais investimentos, atribuindo a tal documentação valor confessório, com força probatória plena, uma vez que se encontram nos autos meios de prova suficientes para contrariar tal caráter probatório, nos termos do disposto no artigo 347.º do Código Civil.
12. Salvo melhor entendimento, a Douta Sentença recorrida padece de um erro de julgamento, tomar a documentação junta aos autos pela Autora como prova plena da vontade real da Autora, uma vez que a vontade declarada em tais documentos se encontrava viciada por dolo do Réu, não correspondendo à vontade real da Autora.
13. Não poderia a Douta Sentença, declarar que os mencionados documentos fazem prova plena do “conhecimento” das características e riscos inerentes às mencionadas aplicações financeiras.
14. Ao não analisar a prova apresentada no âmbito de tal disposição legal, e ao não ter sido admitida prova documental que contraria diretamente o caráter probatório das mencionadas declarações negociais efetuadas pela Autora na mencionada documentação, a Douta Sentença padece de erro de julgamento, por não se pronunciar diretamente sobre a questão do afastamento da força probatória de tais declarações, sem qualquer justificação para que não seja apreciada tal matéria.
15. A decisão que se reporta ao valor confessório da documentação respeitante aos produtos CLN PT International Finance 3.5Y e EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, Fiat, Portugal Telecom Notes, quando ao conhecimento, por parte da Autora, das características de risco de tais produtos, encontra-se viciada de nulidade, por não ter sido devidamente apreciada e analisada a prova que contraria tal força probatória plena, nos termos do disposto no artigo 347.º do Código Civil, devendo a Douta Sentença, quanto a tais investimentos, ser declarada nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil e, consequentemente, ser revogada e substituída por outra, que apreciando toda a matéria e prova alegadas pela Autora que afastam o caráter probatório pleno dos documentos assinados e outorgados pela Autora, considere que a vontade real da Autora não corresponde à vontade aí declarada, por dolo do Réu, com as demais consequências legais.
16. Relativamente ao produto financeiro EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia, a Douta Sentença reconhece que o Réu não prestou informação necessária para garantir que a Autora estivesse plenamente esclarecida do risco do investimento.
17. A Douta Sentença reconhece que o Réu não procedeu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, enquanto intermediário financeiro.
18. A Douta Sentença recorrida reconhece que, sobre o Réu, recaem as obrigações previstas nos artigos 7.º, 304.º e 312.º a 312.º-G do Código dos Valores Mobiliários, ou seja “(…) que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes, aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (al. e) do nº 1 do art.º 312º), e à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar (al g) do nº 1 do art.º 312º). Por sua vez, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (cfr. art.º 312º nº 2).”. (sublinhado nosso).
19. A Douta Sentença recorrida reconhece que:
a. “Não se provou que a Autora tivesse sido informada ou soubesse que este produto surgiu no âmbito de uma colocação privada e não de uma oferta pública (…)
b. “Não se provou que o Banco Réu, através do seu funcionário PS ou outro, tivesse prestado uma informação oral detalhada, tendo procurado oralmente enaltecer as vantagens do produto (…)”.
20. No entanto, a Douta Sentença determina que que o Réu “(…) agiu com culpa leve.”, defendendo que tal grau de culpa resulta do facto de esta não ter pedido esclarecimentos adicionais, não ter solicitado uma tradução da documentação que lhe foi entregue pelo Réu, e por ser “uma sociedade comercial com deveres de apresentação de contas e outros deveres de contabilidade, com experiência em investimentos financeiros (…)” não sendo “(…) aceitável que “assinasse de cruz” aplicações desta natureza e envergadura.”.
21. Encontra-se suficientemente provado nos autos, que a eventual ausência de atuação da Autora resulta da atuação do Réu, ao referir à Autora que tal investimento teria garantia de retorno da totalidade do capital, e que corresponderia a características idênticas a anteriores investimentos, relativamente aos quais a Autora também estava convencida que teriam garantia de retorno da totalidade do capital investido.
22. A Autora só não pediu esclarecimentos adicionais, e não pediu uma tradução para língua portuguesa da documentação entregue pelo Réu, porquanto o Réu agir de forma a convencer e manter a Autora na convicção de que tal investimento tinha características de proteção do capital investido, que na verdade não tinha.
23. Também quando a este produto, as declarações negociais efetuadas pela Autora não correspondem à vontade real, por culpa única e exclusiva do Réu.
24. O Representante Legal da Autora pautou a sua atuação, e a ausência de pedidos de esclarecimentos adicionais, com base numa falsa realidade que lhe foi transmitida pelo Réu.
25. A determinação da culpa do Réu deveria ser analisada no que diz respeito à violação dos seus deveres legais de informação.
26. Salvo melhor entendimento, ao se apreciar o grau da culpa do Réu na violação dos deveres de informação, não poderão ter qualquer relevância quaisquer eventuais omissões da Autora, e o facto de a mesma ser uma sociedade comercial, devendo tal análise ser efetuada apenas e exclusivamente no que diz respeito à atuação e omissões do intermediário financeiro, e não do cliente.
27. O entendimento refletido na Douta Sentença Recorrida, fazendo depender o nível da violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, da omissão de pedidos de esclarecimento, ou do próprio caráter coletivo ou pessoal do cliente, salvo melhor entendimento, viola diretamente o espírito do Legislador do Código dos Valores Mobiliários.
28. O Legislador impõe ao intermediário financeiro um dever especial de se assegurar que o cliente compreende os riscos envolvidos com as operações de investimento efetuadas, não deixando o cumprimento de tais obrigações sujeito à arbitrariedade da existência ou não de eventuais pedidos de esclarecimento, por parte do cliente.
29. Ao contrário do que pugna a Douta Sentença recorrida, salvo melhor entendimento, não se pode limitar ou “suavizar” o grau de violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro e, consequentemente, a graduação da culpa do mesmo como “culpa leve”, em atos ou factos que sejam estranhos ao próprio intermediário financeiro, porquanto é a este, e apenas a este, que cabem tais deveres de informação, fixando a Lei que é este, e não o cliente, que se deve assegurar que o investimento é efetuado com a informação necessária para determinar corretamente a vontade de contratar do cliente.
30. A própria Sentença reconhece ter ficado provado que o Réu não tomou a providência de realizar os atos necessários à atribuição de um perfil de investimento à Autora.
31. O Réu não esclareceu o facto de ser uma colocação privada e não uma oferta pública.
32. O Réu não reiterou a possibilidade de perda de capital, bem como também não se dignou a facultar as condições particulares do produto em língua Portuguesa.
33. Tais informações sempre teriam que ser consideradas como elementos essenciais do produto comercializado pelo Réu e, como tal, a omissão na prestação de tais informações, como é reconhecido na Douta Sentença recorrida, salvo melhor entendimento, nunca poderia ser considerada com “culpa leve”.
34. Salvo melhor entendimento, apenas se deverão considerar caracterizados com “culpa leve”, os incumprimentos das obrigações legais impostas ao intermediário financeiro que permitam concluir que, não tendo existido, não teriam alterado a vontade contratual do cliente.
35. A atuação do Réu, reconhecida na Douta Sentença recorrida, demonstra uma clara intenção do Réu no sentido de agir no sentido de se proteger apenas a sua própria posição, mas já não a posição dos seus clientes, ao não existir qualquer mecanismo de garantia que permita certificar que o cliente está totalmente e completamente ciente das características dos investimentos que faz, com recurso à sua intermediação.
36. Tal plano, ou atuação, é especialmente relevante quando se verifica que, nas situações de maior risco, o Réu age com menor cautela, do que agiu nos restantes investimentos que propôs à Autora, contrariando diretamente o disposto no artigo 312.º n.º 2 do Código dos Valores Mobiliários.
37. Por não ter o Réu diligenciado em atribuir à Autora um perfil de investimento, previamente à comercialização dos produtos financeiros “EUR CLN PT International Finance 3,5 Y” e “EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia”, nunca poderia a Autora ser considerada como investidor profissional ou contraparte elegível e, consequentemente, caso fosse aplicável a lei na sua redação atual, não se estaria a discutir o tipo ou grau de dolo do Réu, e a prescrição da sua responsabilidade.
38. Resulta claro que a intenção do legislador é impor ao intermediário financeiro que tenha uma atuação que, no mínimo, permita concluir que agiu com todos os meios possíveis, ao seu alcance, para que os clientes tomem decisões conscientes e devidamente ponderadas.
39. Com o devido respeito por diversa opinião, não poderia a Douta Sentença considerar que a culpa do Réu é leve, na violação dos deveres legais de informação, uma vez que não poderá qualquer atuação da Autora inferir ou determinar o grau da culpa do Réu na violação dos deveres de informação e, por outro lado, ainda que assim fosse, resulta também demonstrado que a atuação da Autora se pautou pelas informações que lhe foram prestadas pelo Réu, e assim, também resulta do dolo do Réu na formação da vontade de contratar da Autora.
40. A Douta Sentença padece de um erro de julgamento, ao considerar que o grau da  culpa do Réu é leve, em virtude do caráter pessoal e da atuação da Autora, ignorando o nível de violação dos deveres de informação, por parte do Réu, e o facto de a atuação da Autora se pautar com base numa falsa realidade, que apenas conceptualizou por culpa e dolo do próprio Réu.
41. Deverá a Douta Sentença ser revogada, e substituída por outra que, considerando a culpa do Réu, na violação dos deveres de informação, como grave, e resultante de atuação dolosa, reconheça que a responsabilidade pelos danos provocados por tal violação do dever de informação prescreve nos termos legais ordinários, nos termos do n.º 2 do artigo 324.º do Código dos Valores Mobiliários, aplicável à situação em apreço, devendo assim indemnizar a Autora por tais danos, nos termos do disposto no artigo 304.º-A do mesmo diploma legal.
42. Não resulta da matéria de facto dada como provada que todas as condições e especificações do mencionado produto financeiro foram devidamente explicadas ao representante legal da Autora, mas apenas que tais características e riscos estariam descritas, em língua inglesa num documento que foi assinado por este.
43. Resulta dos depoimentos prestados pelos três funcionários do Réu, que tiveram intervenção na contratação e que foram inquiridos como testemunhas, que nenhuma dessas três testemunhas assume ter prestado à Autora qualquer informação sobre o produto contratado.
44. Não é possível apurar, da prova apresentada em Audiência de Julgamento, que o Réu agiu com as cautelas necessárias para se assegurar que o cliente tinha perfeito conhecimento do que estava a contratar.
45. O Réu nunca se dignou a esclarecer devidamente o representante legal da Autora das efetivas características e condições do produto, após a sua criação, tendo-se limitado a remeter a documentação por correio eletrónico para a Autora, para que esta a assinasse.
46. Resulta da prova apresentada em Audiência de Julgamento que, pelo menos no que diz respeito ao produto “EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia”, o Réu poderia e deveria ter feito muito mais do que fez, no sentido de se assegurar que a Autora detinha toda a informação necessária para depreender devidamente as características de tal produto, previamente à sua contratação.
47. Com o devido respeito por diversa opinião, a atuação do Réu não pode ser  considerada como uma violação dos deveres legais de informação, a que o Réu está vinculado, com “culpa leve”, conforme resulta da Douta Sentença Recorrida, devendo sim ser considerada uma violação com culpa grave, porquanto as obrigações legais impunham uma atuação totalmente diferente do Réu, principalmente no que diz respeito a um investimento com um risco elevado de perda de capital, comercializado a um cliente a quem não tinha sido efetuada qualquer avaliação como investidor.
48. Pelo que deverá a Douta Sentença ser revogada e substituída por outra, que considerando que a culpa do Réu, na violação dos deveres de informação, resulta de atuação dolosa, sendo assim grave, e reconheça que a responsabilidade pelos danos provocados por tal violação do dever de informação prescreve nos termos legais ordinários, nos termos do n.º 2 do artigo 324.º do Código dos Valores Mobiliários, aplicável à situação em apreço, devendo assim indemnizar a Autora por tais danos, nos termos do disposto no artigo 304.º-A do mesmo diploma legal.
Termina pedindo que: 1. Seja reconhecida a nulidade da Douta Sentença recorrida, no que diz respeito à atribuição do caráter confessório dos documentos de contratação dos produtos CLN PT International Finance 3.5Y e EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, Fiat, Portugal Telecom Notes, quando ao conhecimento, por parte da Autora, das características de risco de tais produtos, por não ter sido devidamente apreciada e analisada a prova que contraria tal valor confessório, nos termos do disposto no artigo 347.º do Código Civil, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil e, consequentemente, ser revogada e substituída por outra, que apreciando toda a matéria e prova alegadas pela Autora que afastam o caráter probatório pleno dos documentos assinados e outorgados pela Autora, considere que a vontade real da Autora não corresponde à vontade aí declarada, por dolo do Réu, com as demais consequências legais. 2. Se reconheça que a Douta Sentença padece de erro de julgamento, quanto ao produto financeiro EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia, ao entender que o Réu agiu com “culpa leve”, na violação dos deveres de informação a que está legalmente obrigado, sendo a mesma revogada, na parte que atribui “culpa leve” do Réu, relativamente ao reconhecido incumprimento das obrigações legais do mesmo, concluindo pela prescrição dos direitos invocados pela Autora e, consequentemente, ser substituída por outra, que considerando a culpa do Réu, na violação dos deveres de informação, como grave, e resultante de atuação dolosa, reconheça que a responsabilidade pelos danos provocados por tal violação do dever de informação prescreve nos termos legais ordinários, nos termos do n.º 2 do artigo 324.º do Código dos Valores Mobiliários, aplicável à situação em apreço, devendo assim indemnizar a Autora por tais danos, nos termos do disposto no artigo 304.º-A do mesmo diploma legal e peticionados.
O R. contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação, e manutenção da sentença recorrida, e ampliou o objeto do recurso, terminando com as seguintes conclusões, que se reproduzem, no que importa:

B. A AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
1. No que respeita ao produto financeiro EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia, o Tribunal a quo entendeu que além de se encontrarem prescritos quaisquer eventuais direitos da Recorrente, não existiria nexo de causalidade entre o suposto ilício – o incumprimento dos deveres de informação por parte do Banco Best – e o dano sofrido.
2. Em todo o caso, e na eventualidade de o Tribunal ad quem entender que o presente recurso deverá ser julgado procedente, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, o Banco Best desde já requer, nos termos e para os efeitos 636.º, n.º 1, do CPC, a ampliação do objeto do recurso nos termos abaixo indicados. (negrito nosso).
3. O Banco Best não pode conformar-se com a decisão do Tribunal a quo quanto ao pretenso não cumprimento dos deveres de informação relativamente ao produto financeiro EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia.
4. Resulta dos pontos 21 a 30 da matéria de facto provada que os elementos relativos às características e riscos associados ao produto financeiro em análise – em particular, a entidade emitente, as entidades de referência, a remuneração anual e mensal, a maturidade e as circunstâncias em que o reembolso do capital poderia ser afetado – foram transmitidos à Recorrente por constarem do Pricing Supplement.
5. A circunstância de o Banco Best não ter informado a Recorrente de que estaria em causa uma colocação privada não influencia o grau de conhecimento do produto financeiro concretamente em causa nem do risco a ele associado; resulta, aliás, do ponto 9 da matéria de facto provada que a circunstância de se tratar de uma colocação particular estaria apenas relacionada com o número e características dos seus destinatários.
6. No mais, como resulta do ponto 20 da matéria de facto provada – e como acaba por reconhecer o Tribunal a quo na fundamentação da decisão –, apesar de o produto em questão ter sido subscrito no âmbito de uma colocação privada (o que, como acima se alegou é irrelevante para o que aqui se discute), tinha uma estrutura semelhante, designadamente quanto ao risco, a outros que a Recorrente já havia subscrito e que tinha à data em carteira.
7. Também não pode a Recorrente aceitar que o simples facto de o Pricing Supplement – que, recorde-se, a Recorrente assinou e rubricou pelo próprio punho conforme resulta do ponto 22 da matéria de facto provada – não ter sido traduzido para português constitui base para a conclusão de que o Banco Best não cumpriu devidamente os seus deveres de informação, já que não existia qualquer dever legal do Banco Best de traduzir o Pricing Supplement para português.
8. A experiência e conhecimentos que o legal representante da Recorrente demonstrou ter – associadas ainda ao facto de, como refere o Tribunal a quo, constar clara e inequivocamente das condições gerais do contrato de abertura de conta constantes do Doc. N.º 5 da contestação que o Banco Best só se vincula com informações escritas (e não com qualquer informação prestada ou reiterada verbalmente) – colocam em evidência que o Banco Best atuou com absoluto zelo e diligência na informação que prestou à Recorrente. De resto, o regime da responsabilidade dos intermediários financeiros pela informação prestada aos investidores não serve o propósito de suprir o desconhecimento de informação que é disponibilizada ao investidor.
9. Assim, a matéria de facto provada impõe que, na eventualidade do presente recurso seja julgado procedente – o que, reitera-se, se alega por mero dever de patrocínio e sem prejuízo do acima referido a respeito da ausência de nexo de causalidade – seja a sentença proferida pelo Tribunal a quo revogada e substituída por outra que conclua pela inexistência de qualquer ilícito praticado pelo Banco Best a respeito cumprimento dos deveres de informação aquando da subscrição, pela Recorrente, do produto financeiro complexo EUR 5Y FTD EDP, PT.
A A. respondeu à matéria da ampliação do recurso, pugnando pela sua inadmissibilidade.
O tribunal recorrido proferiu despacho no sentido de não padecer a sentença recorrida da nulidade invocada, e admitiu o recurso interposto pela A., bem como a ampliação, a título subsidiário, do objeto do recurso formulado pelo R.
Na sequência de despacho proferido pela relatora (refª 19482124) a convidar a apelante para informar se mantinha interesse no recurso, ou, eventualmente, se pretendia restringi-lo, tendo em conta o teor do acórdão proferido no Apenso A [3], veio esta informar que mantinha interesse no recurso, e que devia ser dado como não escrito o invocado nos pontos 5, 6, 7 das Conclusões, e limitar-se o âmbito do Recurso no que concerne à matéria das conclusões constantes dos pontos 1 a 4, e 8 a 48.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
a) nulidades da sentença;
b) da culpa grave, por atuação dolosa do R., na violação dos deveres de informação.
Ampliação do objeto do recurso:
a) admissibilidade;
b) da inexistência de qualquer ilícito praticado pelo R.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. A sociedade comercial Autora tem como objeto social a edição e distribuição literária, encontrando-se inserida num grupo empresarial destinado ao exercício de tal atividade (art.º 1º da p.i.).
2. Em 16 de Março de 2011 foi celebrado contrato de abertura de conta de empresa entre a Autora e o Réu, a que foi atribuído o nº xxx, e que tinha por objeto:
(i) a abertura, movimentação, manutenção e encerramento de contas de depósito à ordem; e
(ii) a custódia de valores mobiliários, designadamente a abertura, movimentação, manutenção e encerramento de contas de valores mobiliários, não estando prevista a possibilidade de prestação de qualquer serviço de gestão de ativos ou apoio à gestão financeira da sociedade, conforme doc. nº 5 junto à contestação e que se dá por reproduzido e onde se incluem as respetivas Condições Gerais (art.ºs 27º e 50º da contestação).
3. O contrato prevê a prestação pelo Banco Best de serviços de registo e depósito de valores mobiliários e, nesse contexto, conforme resulta da secção F das respetivas Condições Gerais com a epígrafe “Aplicações Financeiras”: “1. O Best fica autorizado nos termos das ordens que o cliente emitir e lhe transmitir válida e eficazmente, a debitar da conta de DO [depósito à ordem] deste, nos termos e condições acordados para proceder à constituição de aplicações financeiras (…)”, mais se prevendo nesta secção “5. O Cliente assume todos os riscos decorrentes das aplicações que fizer em função da respetiva natureza e tipo (…) salvo quando lhe se sejam garantidos o reembolso integral e/ou remuneração certa por escrito” (art.º 28º da contestação e secção F das Condições Gerais de Abertura e Movimentação de Contas Empresa, Canais de acesso ao Banco Best e Custódia de valores Mobiliários, juntas à contestação a fls. 78 e segs.).
4. Na ocasião a Autora transmitiu ao funcionário do Réu que exercia as funções de gestor de cliente, de nome PS, que pretendia investir os saldos resultantes dos lucros da sociedade comercial Autora (art.º 4º da p.i).
5. Na altura a Autora informou PS que pretendia soluções de investimento com risco reduzido, com exclusão de ações, com garantia de recuperação da totalidade do capital investido e rapidez de disponibilização do capital investido em caso de necessidade de recuperação do mesmo (art.º 5º da p.i.).
6. A Autora foi classificada pelo Banco Best como investidora “não profissional”, tendo tal sido comunicado à Autora no dia 28 de março de 2011 (art.º 155º da contestação).
7. Os lucros gerados pela sociedade comercial eram depositados em conta à ordem no Banco Réu (art. 3º da p.i.).
8. A Autora realizou investimento e aplicações financeiras tendo o Réu como intermediário (art.º 2º da p.i. em parte).
9. Com o decorrer do tempo, a relação de confiança entre a Autora e o gestor de cliente, funcionário do Réu, foi-se ampliando, tendo este começado a propor o investimento em Instrumentos de Captação de Aforro Estruturado (ICAE), em valores mais elevados, atingindo o montante individual de €50.000,00, o que a Autora aceitou (art.º 9º da p.i.).
10. Os primeiros investimentos realizados pela Autora junto do Banco Best foram investimentos em obrigações e produtos financeiros estruturados, que não eram de risco reduzido, assim como a Autora depois da subscrição dos produtos em causa nos autos subscreveu mais produtos com risco de perda do capital investido (art.º 58º da contestação – resposta explicativa).
11. Mediante ordem de compra datada de 27 de Maio de 2013, e junta à p.i. como doc. 4 que se dá por reproduzida, a Autora investiu o montante de €50.000,00 de capitais próprios no produto estruturado “CLN PT International Finance 3.5Y” (art. 37º da p.i.).
12. No início de Outubro de 2013, PS solicitou uma reunião urgente com o representante legal da Autora, invocando o surgimento de um novo produto financeiro imperdível, dentro do perfil de risco da Autora e que esta teria que se apressar manifestar o interesse na respetiva subscrição (art.º 10º da p.i.).
13. Na mencionada reunião em data não posterior a 03 de Outubro, PS apresentou o produto que iria ser lançado como sendo uma oportunidade única de investimento, uma vez que é constituído por 3 empresas sólidas - EDP, PT, e Telecom Italia - e que davam garantias de rendimento, com características similares a outros produtos em que a Autora já tinha investido anteriormente (art.ºs 11º da p.i. em parte e 70º da contestação).
14. E referiu que não se previa que fosse aberto qualquer outro produto financeiro com aquela rentabilidade (art.º 14º da p.i. em parte).
15. À data aquele produto financeiro não existia ainda e não estava disponível para comercialização (art.º 72º da contestação).
16. O representante legal da Autora aceitou investir no produto e com data de 08/10/2013 subscreveu um pedido genérico com uma declaração impressa no sentido de estar interessado em subscrever uma aplicação no valor de €350.000,00 “sobre as empresas EDP, PT, e Telecom Italia, pelo prazo de 5 anos com taxa igual ou superior a 7,10%”, junto em cópia à contestação como doc. nº 12, a fls. 131 verso (art.ºs 18º e 19º da p.i. e 78º e 79º da contestação).
17. PS insistiu com a Autora para que aumentasse o capital a investir neste produto, o que esta aceitou, e em 15/10/2013 a Autora subscreveu o produto “EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia”, pelo valor de €450.000,00, conforme ordem junta à p.i. como doc. 3 e que se dá por reproduzida (art.ºs 21º e 38º da p.i.).
18. O produto financeiro designado “EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia” foi subscrito com recurso a fundos transferidos pela Autora de outras suas contas bancárias e ao resgate e reinvestimento de capital que estava investido pela Autora noutros instrumentos financeiros (art.º 41º da contestação).
19. O produto financeiro em questão foi comercializado no âmbito de uma oferta particular, descrita como um processo de comercialização dirigido um grupo de investidores selecionados – tipicamente grandes investidores como bancos, fundos de pensões ou companhias de seguros e sempre em número menor do que cinco –, comummente designada por private placement (art.ºs 74º e 75º da contestação).
20. Tratava-se de um produto com uma estrutura semelhante, designadamente quanto às características de risco, a outros em que a Autora já tinha investido antes e que tinha à data em carteira (art. 86º da contestação).
21. As características e riscos mostravam-se descritas no documento informativo em língua inglesa que foi facultado à Autora no momento da subscrição, junto como doc. n.º 3 com a petição inicial, a fls. 15 a 18 (art.º 87º da contestação).
22. O representante da Autora assinou e rubricou, com o seu próprio punho, todas as páginas do referido documento informativo (art.º 88º da contestação).
23. No primeiro e segundo parágrafos do documento indica-se em língua inglesa que o mesmo deveria ser lido em conjunto com a “Offering Circular do EMTN Programme da Espírito Santo Investment, p.l.c.” que, em conjunto com as Condições Particulares da Oferta, forneciam toda a informação necessária sobre as Notes e o emitente (art.º 106º da contestação).
24. Indicando-se também o local onde, caso o investidor tivesse nisso interesse, a Offering Circular poderia ser consultada – documento comummente designado por Prospeto Base, a qual também se mostra redigida em língua inglesa, junta à contestação com doc. nº 14 e que se dá por reproduzida (art.º 107º da contestação).
25. De acordo com as Condições Particulares da Oferta, o emitente das Notes é Espírito Santo Investment, p.l.c. e o Keep Well Provider da emissão é o Banco Espírito Santo de Investimento, S.A. (art.º 108º da contestação).
26. Existem também três entidades de referência: a EDP – Energias de Portugal, SA, a Portugal Telecom International Finance BV e a Telecom Italia SpA, que são as entidades levadas em consideração para determinar se e em que moldes é que se vencerão as obrigações de pagamento pela entidade emitente (art.ºs 115º e 116º da contestação).
27. O “Pricing Supplement for the Notes” contendo as Condições Particulares da Oferta disponibilizadas à Autora referia que as Notes tinham uma remuneração anual correspondente a 7,15% do seu valor e pagavam uma taxa de juro mensal fixa (art.º 117º da contestação).
28. Previa-se ainda que na data da maturidade (20 de dezembro de 2018) seria devolvido ao investidor a totalidade do capital investido (art.º 118º da contestação).
29. Na parte do documento referente ao reembolso das Notes (“Redemption Basis for Redemption at Maturity”), previa-se (em inglês) que o reembolso das Notes na data de maturidade poderia ser afetado pela ocorrência de determinados eventos de crédito relacionados com as entidades de referência (art.º 120º da contestação).
30. Esses eventos de crédito eram situações de insolvência, falha no pagamento ou reestruturação (art.º 121º da contestação).
31. No momento da subscrição dos produtos financeiros EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia e CLN PT International Finance 3,5Y a Autora não tinha um perfil de investimento definido junto do Banco Best, o que impossibilitou a aferição da adequação do investimento ao perfil de investimento da Autora (art.º 150º da contestação).
32. Por não ter um perfil de investimento atribuído o representante da Autora teve, no momento da subscrição dos produtos EUR CLN PT International Finance 3,5 Y e EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia, que declarar, escrevendo pelo seu próprio punho: “Declaro ter-me sido solicitada informação sobre os meus conhecimentos e experiência em matéria de investimentos. Declaro ter sido avisado de que a minha recusa em fornecer a informação necessária à realização do teste de adequação impede a determinação do meu perfil de investidor” (art.ºs 156º, 189º e 190º, da contestação).
33. E teve ainda que assinar uma adicional declaração de responsabilidade atestando que foi informado da impossibilidade de aferir a adequação do produto financeiro ao seu perfil de investimento e que, pretendia, ainda assim realizar a operação sob sua responsabilidade (art.ºs 157º e 191º da contestação).
34. Em Maio de 2014 a Autora preencheu um questionário de perfil de investidor, junto à contestação como doc. 17 e que se dá por reproduzido, tendo-lhe sido atribuído um perfil de investimento “moderado” (art.º 158º da contestação).
35. O perfil de investimento moderado corresponde ao terceiro mais elevado de uma escala de quatro, e representa uma tolerância a um nível risco considerável nos investimentos, de modo a potenciar um crescimento sustentado do capital aplicado a médio e longo prazo, como resulta da definição constante da norma interna NP 25/2007 (art.º 159º da contestação).
36. Em 23/06/2014 a Autora investiu o montante de €100.000,00 de capitais próprios no produto estruturado “EUR 5Y FTD AirFrance ThyssenKrupp Fiat Portugal Telecom Notes”, conforme ordem de compra junta à p.i. como doc. 5 e que se dá por reproduzida (art.º 39º da p.i.).
37. Os contratos de subscrição dos produtos financeiros em causa foram celebrados com a entidade emitente – a Espírito Santo Investment, pic – e não com o Réu que assumiu o papel de entidade comercializadora (art.º 25º e 26º da contestação).
38. A entidade emitente foi a destinatária dos fundos entregues pela Autora e também era a entidade que se encontrava obrigada ao reembolso do capital investido e da remuneração acordada (juro), nos termos e condições fixados para aqueles produtos financeiros (art.ºs 29º, 30º e 109º, da contestação).
39. No caso dos produtos “EUR CLN PT International Finance 3,5 Y” e “EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, FIAT, Portugal Telecom Notes”, os alertas sobre a possibilidade de não reaver a totalidade do capital investido constavam, em letras bem legíveis logo no cabeçalho da primeira página dos documentos informativos sobre os produtos, e no caso do “EUR CLN PT International Finance 3,5Y” até com recurso a um alerta gráfico que, na versão original do documento, é de cor vermelha, conforme “Informações Fundamentais ao Investidor” e informações acerca do produto financeiro complexo “EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, FIAT, Portugal Telecom Notes”, juntas à p.i como docs. nºs 4 e 5, a fls. 21 a 23 verso, e a fls. 26 a 28 verso, e que se dão por reproduzidas (art. 145º da contestação).
40. A primeira advertência feita aos investidores era, em ambos os casos, a de que o produto financeiro complexo “Pode implicar a perda da totalidade do capital investido” (art. 146º da contestação).
41. Previamente à subscrição de cada dos produtos “CLN PT International Finance 3,5Y” e “EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, FIAT, Portugal Telecom”, o representante da Autora recebeu uma cópia daqueles documentos, e neles declarou manuscrevendo com o seu próprio punho que tomou conhecimento das advertências neles contidas (art.ºs 147º e 206º da contestação).
42. O representante da Autora escreveu na parte final daquelas informações “Recebi um exemplar deste documento previamente à aquisição” (art.º 148º da contestação).
43. Os produtos encontravam-se sujeitos aos resultados das empresas cujas obrigações comportava, tendo sido especialmente sujeitos aos prejuízos que resultaram da aquisição da empresa brasileira “OI”, por parte da Portugal Telecom (art.º 28º da p.i.).
44. De acordo com as informações disponíveis no Pordata, as taxas de juro médias praticadas nos depósitos a prazo foram as seguintes:
Ano         Taxa de juros média nos depósitos a prazo
2006           2,44%
2007           3,20%
2008           3,83%
2009          1,75%
2010          1,87%
2011          3,36%
2012          2,95%
2013          2,59%
2014          2,03%
2015          1,18%
2016          0,60%
(art.º 91º da contestação).
45. Em data não concretamente apurada de 2016, anterior a Agosto, depois de aparecerem na imprensa notícias de problemas com a Portugal Telecom, em virtude do negócio de fusão/aquisição da OI, o representante legal da Autora, recebeu uma visita do gestor, PS, o qual confirmou a existência de problemas com o investimento da Autora em produtos estruturados envolvendo obrigações da Portugal Telecom (art.º 29º da p.i.).
46. Nessa mesma reunião, o funcionário do Réu informou o representante legal da Autora dizendo-lhe que não se devia preocupar, uma vez que “tudo se haveria de resolver” dada a dimensão da PT (art.º 30º da p.i.).
47. PS referiu que os produtos financeiros estavam sujeitos a perdas de capital (art.º 31º da p.i. em parte).
48. A Autora ficou extremamente preocupada com a situação (art.º 32º da p.i. em parte).
49. Dias depois ocorreu uma reunião entre o legal representante da Autora e os funcionários do Réu, PS e RV, e estes transmitiram à Autora que arriscava perder a totalidade do capital investido, existindo 3 produtos com obrigações da Portugal Telecom (art. 33º da p.i.).
50. Entre os dias 11 e 13 de Julho de 2016 a Autora foi informada pelo Banco Best da ocorrência do evento de crédito em relação à entidade de referência Portugal Telecom International Finance BV, que despoletou o reembolso antecipado dos produtos financeiros mencionados (art. 20º da contestação).
51. A Autora foi reembolsada dos seguintes montantes:
a) relativamente ao produto “CLN PT International Finance 3.5Y”, a Autora foi reembolsada do montante de €9.215,80;
b) relativamente ao produto “EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia”, a Autora foi reembolsada do montante de €90.000,00.
c) relativamente ao produto “EUR 5Y FTD AirFrance ThyssenKrupp Fiat Portugal Telecom Notes”, a Autora foi reembolsada do montante de €20.000,00 (art. 41 º da p.i.).
52. Para além dos reembolsos, ao longo dos tempos e até ao evento de crédito, a Autora recebeu juros relativamente aos 3 investimentos (arts. 161º e 163º da contestação).
*
E julgou como não provados os seguintes factos:
1. A matéria alegada pela Autora nos art.ºs 2º (na parte em que no prosseguimento da atividade comercial da Autora e do grupo empresarial onde a mesma se encontra inserida, aquela decidiu confiar ao Banco Réu a gestão do património financeiro da mesma, fazendo a gestão do seu ativo por via dos mencionados depósitos e aplicações contratadas com o Réu), (na parte em que em março de 2011, o representante legal da Autora contactou o funcionário do Réu que exercia as funções de gestor de cliente, de nome PS, a fim de ajudar na gestão financeira da sociedade), (na parte em que a Autora tivesse dado instruções a PS no sentido de ser fixada com um perfil de investidor “moderado e conservador”), (que o representante legal da Autora não tem qualquer experiência como investidor, pelo que depositou em PS a inteira confiança para a gestão do património financeiro da Autora), (que os primeiros investimentos propostos pelo funcionário do Réu à Autora se cifravam em valores individuais inferiores a €30.000, diversificados e de risco reduzido), 11º (na parte em que PS tivesse afirmado que o investimento “funcionaria praticamente como um depósito a prazo”), 12º (na parte em que PS tivesse dito para que qualquer uma das empresas que constituíram o produto em apreço falir, ainda que tal não implicasse perda do capital investido, “seria necessário que Portugal primeiro fosse à banca rota”), 13º (que o funcionário do Réu tivesse proposto ainda que o montante investido viesse posteriormente a ser financiado pelo próprio Réu, para cobrir os movimentos efetuados para o investimento, uma vez que a taxa de juro do financiamento seria sempre inferior ao rendimento do mencionado produto financeiro), 14º (na parte em que, nesta fase, o funcionário do Réu acabou por convencer o representante legal da Autora que o lucro estaria garantido, sem qualquer risco, e que deveria ser efetuado o maior investimento possível passível de ser financiado pelo Réu), 15º (que nessa reunião, o funcionário do Réu já vinha preparado com o valor de investimento a propor à Autora para investir no mencionado produto financeiro, que era de €400.000,00), 17º (que tenha sido transmitido à Autora que o produto em apreço apresentava “garantia” de reembolso do capital investido), 22º (que nos contactos com os funcionários do Réu, nunca foi o representante legal da Autor avisado ou informado, verbalmente ou por escrito, que tal investimento poderia implicar a perda do capital investido, aliás, tendo aqueles sempre defendido a garantia de ressarcimento integral do capital), 23º (que se a Autora soubesse do risco de perda do capital nunca teria este investido aquele montante), 24º (que a Autora se tivesse endividado para investir nesse produto), 25º (que o negócio relativo à subscrição do produto EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia beneficiaria o Réu em virtude do mútuo), 26º (que foi prometido que o produto estava isento de risco), 31º (na parte em que tivesse sido dito à Autora que caso as obrigações entrassem em incumprimento, o prejuízo nunca seria superior a 25% ou 30%, uma vez que apenas em parte eram constituídos por obrigações da Portugal Telecom), 32º (na parte em que tal informação “fosse completamente nova” e que o capital investido fosse mutuado pelo próprio Réu, mediante a promessa da mencionada ausência de risco), 35º (que os três produtos financeiros complexos tivessem sido vendidos pelo Réu como sendo totalmente isentos de risco), e 38º (na parte em que tal valor tivesse sido mutuado pelo Réu) da p.i., e 12º e 13º (que foi apenas em Agosto de 2019, com disponibilização dos extratos, que foram fornecidos à Autora os dados necessários “para depreender corretamente os termos em que os negócios foram concluídos”) do articulado de resposta às exceções;
2. A matéria alegada pelo Réu no art.º 69º (que a reunião no início de Outubro de 2013 foi uma reunião de rotina para ponto de situação da carteira acompanhamento dos investimentos, como normalmente acontecia), 77º (que as Notes foram um produto emitido “para ir ao encontro do que era pretendido pela Autora e por outros quatro investidores” e que a Autora soubesse que estava em causa um “private placement”), 85º (que nessa reunião tivessem sido descritos oralmente com detalhe todas as características a que estaria sujeito esse produto, bem como os riscos associados ao investimento que eram já possíveis de determinar naquela data), 96º (que relativamente ao produto subscrito em Outubro de 2013 tenha sido a Autora a indicar ao Banco Best que dispunha de fundos para investir e que nessa sequência foram feitas as diligências necessárias para apurar junto das entidades emitentes, se haveria disponibilidade para emitir um produto com as características pretendidas pela Autora), 104º (no sentido em que a Autora tivesse sido informada oralmente que o produto financeiro EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia estava sujeito ao risco de crédito das várias entidades envolvidas naquela emissão), da contestação.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O tribunal recorrido começou por apreciar a exceção de prescrição invocada pelo R., nos termos do art.º 324º, nº 2, do Código de Valores Mobiliários (CVM).
Relativamente aos produtos “CLN PT International Finance 3.5Y” e “EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, Fiat, Portugal Telecom Notes”, o tribunal recorrido entendeu que, estando “confessado o conhecimento das características de risco constantes das respetivas Informações Fundamentais ao Investidor previamente à subscrição, respetivamente em 21/05/2013 (fls. 21) e 18/06/2014 (fls. 26), é por demais evidente a prescrição da responsabilidade, ainda que não se tivesse sequer demonstrado a inexistência de qualquer violação do dever de informar. Aliás, a p.i. é bastante lacunosa relativamente ao modo como foram subscritos estes produtos, quedando-se em afirmação conclusivas”.
Relativamente ao produto “EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia”, depois de analisar se os factos permitiam concluir por uma atuação com culpa grave ou dolo do intermediário financeiro, concluiu que se verificava uma atuação com culpa leve, estando a responsabilidade do R. prescrita nesta parte, sem prejuízo de concluir, ainda, que a ação tinha de improceder, também, por não se mostrarem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.
A apelante insurge-se contra a decisão do tribunal recorrido, relativamente a cada um daqueles segmentos decisórios, o que se passa a analisar, pela mesma ordem, importando sublinhar que a apelante não impugna a decisão sobre a matéria de facto, não obstante, nas alegações, faça referência ao depoimento das testemunhas inquiridas em julgamento, reproduzindo partes do mesmo [4].
1. (Conclusões 1ª a 15ª - produtos “CLN PT International Finance 3.5Y” e “EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, Fiat, Portugal Telecom Notes”).
A apelante insurge-se contra a decisão do tribunal recorrido de considerar prescrita a responsabilidade do R. no que respeita aos produtos em causa, sustentando que:
- a A. alegou na PI que os funcionários do R. agiram de forma a convencer o representante legal daquela que os investimentos em causa estavam revestidos de garantias que, na verdade, não possuíam, pelo que importava analisar e tomar em consideração todos os elementos probatórios que permitissem ao tribunal aferir qual era a efetiva pretensão da A. ao contratar produtos financeiros comercializados pelo R., bem como se este agiu, em tal comercialização, com os deveres a que estava adstrito;
- a A. alegou que a vontade efetivamente declarada por si, na subscrição de tais produtos, não correspondia à sua vontade real, bem como que o R. era conhecedor da vontade real do declarante, devendo a questão ser apreciada nos termos do disposto nos art.ºs 252º, nº 2, 253º e 254º, nº 2, do CC, não devendo o tribunal considerar como provada toda a matéria respeitante à vontade da A. meramente por corresponder às declarações constantes da documentação assinada e outorgada na contratação de tais investimentos, atribuindo a tal documentação valor confessório, com força probatória plena;
- verifica-se aqui um erro de julgamento, ao se tomar a documentação junta aos autos pela A. como prova plena, não apenas das características dos produtos em apreço, que efetivamente correspondem aos elementos escritos constantes de tal documentação, mas também como prova plena da efetiva vontade real da A., uma vez que, como alegado, se encontrava viciada por dolo do Réu, não correspondendo à vontade declarada em tais documentos;
- ao não analisar a prova apresentada no âmbito do art.º 347º do CC, e ao não ter sido admitida prova documental que contraria diretamente o caráter probatório das mencionadas declarações negociais efetuadas pela A. na mencionada documentação, a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por não se pronunciar diretamente sobre a questão do afastamento da força probatória de tais declarações;
- assim, a sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, al. d), do CPC.
Vejamos.
Dispõe o art.º 615º, nº 1, do CPC que “é nula a sentença quando: … d) o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar …”.
A nulidade referida está em correspondência direta com a primeira parte do nº 2 do artigo 608º, onde se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, resultando a nulidade em causa da infração do referido dever.
Como refere Antunes Varela, na RLJ, ano 122, pág. 112, “Não pode confundir-se de modo nenhum, na boa interpretação da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil [5], as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto e de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão”.
Também Alberto dos Reis, no CPC Anotado, Vol. V, pág. 143, ensinava que “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Como se escreve no Ac. do STJ de 06.05.2004, P. 04B1409 (Araújo de Barros), em www.dgsi.pt, “ ... terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. .... E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.”.
De forma clara e elucidativa, sumariou-se no Ac. do STJ de 23.3.2017, P. 7095/10.7TBMTS.P1.S1 (Tomé Gomes), em www.dgsi.pt, que “I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5º, nºs 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608º, nº 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607º, nº 4, 2ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663º, nº 2, e 679º do CPC. III. O mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.” (sublinhado nosso).
E no Ac. do STJ de 18.9.2018, P. 108/13.2TBPNH.C1.S1 (José Rainho), em www.dgsi.pt, sumariou-se que : “I - Não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento (seja em matéria substantiva, seja em matéria processual). As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito.”.
Na sequência do que se deixa escrito, logo se conclui que a sentença recorrida não padece da nulidade invocada.
A presente ação tem como fundamento a violação dos deveres do R. como intermediário financeiro, tendo a A. deduzido pretensão indemnizatória dirigida contra aquele, com fundamento na sua responsabilidade civil por violação dos deveres de informação.
A A. não deduziu qualquer pretensão anulatória do negócio em causa (por erro), o que, aliás, não poderia fazer por ter o R. atuado como mero intermediário financeiro, sem se obrigar no contrato de emissão das obrigações.
O tribunal recorrido começou por apreciar a questão que lhe foi colocada pelo apelado, de prescrição do direito invocado pela A., nos termos do art.º 324º, nº 2, do CVM [6],  estando em causa exceção perentória que importa a absolvição total ou parcial do pedido (art.º 576º, nºs 1 e 3, do CPC), e que prejudica a apreciação do mérito da pretensão da A., como facto preclusivo que é (art.º 304º, nº 1, do CC) [7].
E fê-lo tendo em conta a factualidade provada (e não provada), que, como supra sublinhado, a apelante não impugnou.
Aquando da fixação da mesma, e concretamente, quanto aos factos 39 a 43 dados como provados (e os dados como não provados quanto às informações prestadas), o tribunal recorrido concluiu resultar dos documentos nºs 4 e 5 juntos com a PI a confissão do conhecimento do risco relativamente a estes produtos [8].
Nessa confirmada, deu como provado que “41. Previamente à subscrição de cada dos produtos “CLN PT International Finance 3,5Y” e “EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, FIAT, Portugal Telecom”, o representante da Autora recebeu uma cópia daqueles documentos, e neles declarou manuscrevendo com o seu próprio punho que tomou conhecimento das advertências neles contidas (…).”, e que “42. O representante da Autora escreveu na parte final daquelas informações “Recebi um exemplar deste documento previamente à aquisição” (…).”, bem como deu como não provado o alegado nos art.ºs 11º, 12º, 14º, 17º, 22º, 26º, 31º, e 35º da PI, e 12º e 13º do articulado de resposta às exceções [9].
Era em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que cumpriria apurar se o tribunal recorrido apreciou corretamente “a prova apresentada no âmbito do art.º 347º do CC[10].
Não tendo a apelante impugnado a decisão sobre a matéria de facto, a factualidade a ponderar é a dada como provada.
E foi tendo em conta essa factualidade que o tribunal recorrido apreciou a exceção invocada, considerando a confissão que resulta dos referidos documentos, cujo teor se mostra provado (art.ºs 373º, nº 1, 376º, nºs 1 e 2, e 358º, nº 2, do CC).
Em conclusão, não padece a sentença recorrida da nulidade invocada, improcedendo a apelação nesta matéria.
2. (Conclusões 16ª a 48ª – produto “EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia”)
Também nesta parte, o tribunal recorrido começou por apreciar a exceção perentória de prescrição invocada pelo R., aquilatando, previamente, se, face à factualidade provada, o R. tinha agido com culpa leve, caso em que procedia a exceção invocada, ou com culpa grave, ou dolo, caso em que não procedia, por ser de 20 anos o prazo prescricional.
Nesta conformidade, depois de esclarecer que era à A. que incumbia fazer prova quanto à culpa grave ou dolo do R. na violação do dever de informação, de analisar o regime jurídico aplicável no que se refere a este dever, e de fazer a necessária integração jurídica da factualidade provada, o tribunal recorrido concluiu que o R. atuou com culpa leve, mostrando-se, pois, prescrita a sua responsabilidade perante a A.
Concluiu, ainda, que, mesmo que não ocorresse a prescrição, não tinham resultado demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente o nexo causal entre o facto e o dano, pelo que improcedia a ação.
Insurge-se a apelante contra o decidido, sustentando, em síntese:
- a conduta omissiva da A. de não ter pedido esclarecimentos, nem a tradução da documentação que lhe foi entregue, resulta diretamente da atuação do R., que lhe garantiu que o investimento tinha garantia de retorno da totalidade do capital investido;
- em qualquer caso, estando em análise a culpa do R. na violação dos deveres de informação, não pode ter qualquer relevância na determinação do grau de culpa quaisquer eventuais omissões da A.;
- a atuação do R. demonstra uma clara intenção de agir de forma a proteger a sua posição, mas já não a dos clientes;
- da ponderação do depoimento das testemunhas funcionários do R. que tiveram intervenção na contratação, não se pode afirmar que o R. agiu com as cautelas necessárias para assegurar que a A. tinha perfeito conhecimento do que estava a contratar, nem nunca o esclareceu devidamente das efetivas características e condições do produto;
- deve ser considerado que o R. violou os seus deveres de informação com culpa grave, “principalmente no que diz respeito a um investimento com um risco elevado de perda de capital, comercializado a um cliente a quem não tinha sido efetuada qualquer avaliação como investidor”;
- a sentença é nula por omissão de pronúncia, “por não ter sido devidamente analisada e apreciada a prova que contraria o valor confessório da documentação respeitante” a estes produtos, quanto ao conhecimento das características de risco dos produtos pela A.;
- o prazo de prescrição é, pois, de 20 anos, devendo o R. indemnizar a A.
Apreciemos, começando por fazer duas observações:
A primeira, a de que o que se escreveu supra sobre a nulidade invocada tem aqui plena aplicação, recordando-se que o erro de julgamento não se confunde com as nulidades, formais, da sentença, previstas no nº 1 do art.º 615º, do CPC.
A sentença recorrida não padece da nulidade invocada.
A segunda, a de que na apreciação do mérito da apelação este tribunal tem de atender à factualidade provada e não provada, não estando, já, em causa, ponderar a prova produzida, nomeadamente a testemunhal, pelo que nenhum fundamento tem o apelo ao que disseram as testemunhas para concluir sobre o mérito, nem a factualidade que não resultou provada.
Isto esclarecido, vejamos.
O tribunal recorrido fez uma análise aprofundada do regime jurídico aplicável ao caso, nomeadamente, das disposições do CVM relativas aos deveres impostos aos intermediários financeiros, entre os quais se conta o dever de informação, pelo que nos dispensamos de fazer tal análise, remetendo para o que consta na sentença recorrida.
Face à factualidade provada, o tribunal recorrido entendeu que o R. não tinha cumprido devidamente o dever de informação que sobre si impendia [11], tendo agido com culpa leve [12], não tendo a A. logrado demonstrar, como lhe incumbia, o dolo ou culpa grave do R. [13].
A A. não põe em causa que lhe incumbisse demonstrar a atuação com culpa grave do R., antes sustentando que esta resultou demonstrada, tendo o R. atuado com clara intenção de agir de forma a proteger a sua posição, mas não a da A., a qual não atuou de forma esclarecida, resultando a sua referida conduta omissiva diretamente da atuação do R., que lhe garantiu que o investimento tinha garantia de retorno da totalidade do capital investido, sendo certo, em qualquer caso, que eventuais omissões da A. não podem ter relevância na determinação do grau de culpa do R.
A apelante suporta-se em factualidade que não resultou provada, como já supra referido, nomeadamente a de que o funcionário do R. lhe tenha garantido que o investimento em causa tinha garantia de retorno da totalidade do capital investido (art.ºs 17º, 22º e 26º da PI dados como não provados), sendo certo que inexiste factualidade provada (de que foi pelo R. transmitida uma falsa realidade) que permita concluir que “as declarações negociais efetuadas pela Autora não correspondem à [sua] vontade real”, como esta pretende.
Tal como se suporta em factualidade contrária à que resultou provada, quando sustenta que “Por não ter o Réu diligenciado em atribuir à Autora um perfil de investimento, previamente à comercialização dos produtos financeiros “EUR CLN PT International Finance 3,5 Y” e “EUR 5Y FTD EDP, PT, Telecom Italia”, nunca poderia a Autora ser considerada como investidor profissional ou contraparte elegível”, quando resultou provado que, em 28.3.2011 (em momento anterior à subscrição do referido produto), o R. comunicou à A. que a havia classificado como investidora “não profissional” (ponto 6 da fundamentação de facto), e, em momento anterior à subscrição do produto em causa, recusou fornecer informação necessária à realização do teste de adequação a fim de determinar o seu perfil de investidora, do que foi informada, declarando que, ainda assim, pretendia realizar a operação sob a sua responsabilidade (pontos 31 a 33 da fundamentação de facto).
Não se questiona que “O Legislador impõe ao intermediário financeiro um dever especial de se assegurar que o cliente compreende os riscos envolvidos com as operações de investimento efetuadas”, contudo, a observância desse dever (a extensão e densidade do mesmo e a diligência com que é cumprido) está relacionada com as caraterísticas do produto e do investidor, que o intermediário financeiro tem de conhecer.
Como se sumariou no Ac. do STJ de 17.12.2019, P. 5838/16.4T8LSB.L1.S1 (Graça Amaral, em www.dgsi.pt, referido pelo tribunal recorrido, “… IV - Na formulação do juízo concreto sobre o grau de culpa do intermediário terá de ser considerado o perfil do investidor, as características dos produtos financeiros subscritos e o conhecimento de que dispunha ou não dispunha o intermediário ao tempo da pré-negociação. …”, concretizando-se na sua fundamentação que, “… Quanto ao perfil do investidor dispõe o n.º 3 do artigo 304.º do CMVM, que “na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente”, ou seja, nos dizer de Fazenda Martins, “conhece-se o cliente para que se possa cumprir os deveres inerentes à intermediação” [Deveres dos Intermediários Financeiros, em Especial, os Deveres para com os Clientes e o Mercado, Caderno do Mercado dos Valores Mobiliários, 2000, p. 344]”, entendendo que se deve atender ao nível de escolaridade do investidor, ao concreto conhecimento ou desconhecimento sobre produtos financeiros, à subscrição anterior de outros produtos financeiros, ao património e liquidez financeira em relação ao montante investido, bem como o objetivo do investimento [14].
Tal como entendeu o tribunal recorrido, o R. não prestou falsas informações à A. sobre o produto em causa, apenas tendo cumprido de forma deficiente o seu dever de informação, na medida em que induziu “a Autora a investir no produto sem informá-la de que estava em causa uma colocação privada (razão pela qual as condições particulares não tinham que ser traduzidas tendo sido apresentadas em inglês) e sem reiterar oralmente a possibilidade (mesmo remota) de perda do capital, e ao não facultar as condições particulares do produto em português (já que não tinha alertado a Autora para tal circunstância específica)”.
Contudo, o R. entregou à A. um documento informativo, em língua inglesa, donde constavam todas as informações relativas ao produto, as suas caraterísticas e riscos – quem era o emitente, o Keep Well Provider, e as entidades de referência, qual a taxa de remuneração anual, a data de maturidade e respetivo reembolso, e a possibilidade deste ser afetado pela ocorrência de determinados eventos de crédito relacionados com as entidades de referência (pontos 23 a 30 da fundamentação de facto) -, que o representante legal da A. assinou e rubricou (ponto 22 da fundamentação de facto), tendo demonstrado em audiência de julgamento conhecimento da língua inglesa em termos de compreender os riscos envolvidos mencionados no referido documento, como refere o tribunal recorrido.
Acresce que o produto em causa tem uma estrutura semelhante, nomeadamente quanto ao risco, a outros em que a A. já tinha investido antes e tinha, à data, em carteira.
Se é certo que, na altura de abertura de conta, a A. informou o R. que pretendia investimentos com risco reduzido, com garantia de recuperação da totalidade do capital investido (ponto 5 da fundamentação de facto), não menos certo é que acabou por ir fazendo investimentos que não eram de risco reduzido, subscrevendo produtos com risco de perda de capital investido, quer antes, quer depois de ter subscrito o investimento em causa (pontos 10 e 11 da fundamentação de facto).
Resulta da factualidade provada que, aquando da abertura de conta, a A. transmitiu ao gestor de cliente que pretendia investir os saldos resultantes dos lucros da sua atividade (ponto 4 da fundamentação de facto), os quais eram depositados em conta à ordem no R. (ponto 7 da fundamentação de facto), sendo os investimentos realizados pela A. (nomeadamente os anteriores) tendo o R. como intermediário (ponto 8 da fundamentação de facto).
O produto financeiro em causa foi subscrito com recurso a fundos transferidos pela A. de outras suas contas bancárias e ao resgate e reinvestimento de capital que estava por si investido noutros instrumentos financeiros (ponto 18 da fundamentação de facto) [15].
Nessa conformidade, o R. tinha conhecimento da situação de liquidez financeira da A. em relação ao montante investido, e o seu objetivo de rentabilizar (com maior taxa de juro) os lucros depositados, sendo uma investidora com experiência em investimentos financeiros.
Pelo que, ponderando todas essas circunstâncias, se nos afigura de concluir, como concluiu o tribunal, recorrido, não ter a A. logrado provar que o R. atuou com culpa grave, estando, pois, prescrito o direito da A., também, quanto a este produto.
Cumpre referir, por último, que, tal como referiu o tribunal recorrido, a ação sempre teria de improceder, por não ter resultado provado o nexo de causalidade entre o facto (a conduta do R. de cumprimento deficiente do dever de informação) e o dano, não tendo a apelante produzido qualquer alegação sobre esta matéria.
Como referido, o art.º 314º nº 2 do CVM consagra a presunção legal de culpa do intermediário financeiro que viola o dever de informação.
A presunção de culpa prevista no mencionado artigo não inclui a presunção de causalidade (neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 19.12.2018, P. 2382/17.6T8VNG.P1.S1 (Sousa Lameira), e de 21.2.2019, P. 2340/16.8T8LRA.C2.S1 (Ilídio Sacarrão Martins), ambos em www.dgsi.pt.
Para que se conclua pela verificação do nexo de causalidade entre o dano e o facto, é essencial que a factualidade provada aponte nesse sentido, ou seja, que resulte demonstrado que, não fora a informação incompleta dada pelo Banco, e não teria o investidor subscrito o produto em causa, ou, noutros termos, se tivesse sido prestada toda a informação à A. (em português e oralmente sobre o risco), esta não teria subscrito tal produto financeiro.
Ora, da matéria de facto provada não resulta qualquer facto que permita tirar tal conclusão, não resultando, pois, demonstrado o nexo de causalidade entre o dano (o não reembolso do capital) e o facto (as informações incompletas e deficientemente prestadas), antes tendo resultado não provado o que sobre a questão foi alegado (art.º 23º da PI).
Como se escreveu no Ac. do STJ de 30.4.2019, P. 2632/16.6T8LRA.L1.S1 (Maria dos Prazeres Beleza), em www.dgsi.pt, “… basta não vir provado que, se o dever de informação tivesse sido cumprido, os autores não teriam subscrito a obrigação em causa, para se ter de concluir que não está provado o nexo de causalidade entre a falta de informação e os danos invocados pelos autores, nos termos da causalidade adequada recebida na lei portuguesa, cabendo aos autores o ónus da respetiva prova, artigo 342º, nº 1, do Código Civil (cfr. neste sentido, a título de exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13 de Setembro de 2018, www.dsgi.pt, proc. nº 13809/16.4T8LSB.L1.S1, de 6 de Novembro de 2018, www.dsgi.pt. proc. nº 2468/16.4T8LSB.L1.S1, de 8 de novembro de 2018, proc. nº 6164/09.TVLSB.L1.S1, de 15 de janeiro de 2019, proc. nº 433/11.7TVPRT.P1.S2, de 19 de dezembro de 2018, proc. nº 2382/17.6T8VNG.P1.S1, ou de 24 de janeiro de 2019, proc. nº 2406/16.4T8LRA.C1.S1)”.
O AUJ 8/2022, publicado no DR de 3.11.2022, Série I, fixou jurisprudência no sentido de que “1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, Decreto-Lei n.º 357-A/2007 incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. … 4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que aprestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”.
Improcede, pois, a apelação na totalidade, devendo manter-se a sentença recorrida.
Improcedendo a apelação, e tendo o apelado deduzido RECURSO SUBORDINADO para o caso da apelação proceder, fica prejudicada a apreciação deste, bem como da sua (in)admissibilidade.
As custas da apelação são a cargo da apelante, por ter ficado vencida (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).
Tal como entendeu o tribunal recorrido, afigura-se-nos que estão preenchidos os requisitos que possibilitam a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos art.º 6º, nº 7, do RCP.
Conforme tem vindo a ser entendido a nível dos tribunais superiores, “os critérios de cálculo da taxa de justiça devem pressupor e garantir um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado”, salvaguardando-se, dessa forma, os princípios constitucionais referidos no mencionado acórdão do TC – Ac. da RL de 21.04.2015, P. 2339/05.0TCSNT.L1-7 (Maria do Rosário Morgado) em wwww.dgsi.pt [16].
No Ac. do STJ de 3.7.2018, P. 1008/14.4YRLSB.L1.S2 (José Rainho), em www.dgsi.pt, entendeu-se que a norma em causa não tem carácter excecional, sumariando-se que “… III - Qualquer desproporcionalidade irrefutável entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que é imputada à parte, vai contra a lei constitucional, levando a um inaceitável comprometimento do acesso à justiça. IV – Por isso, a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente a que alude o nº 7 do art.º 6º do RCP não pode ser vista como excecional, impondo-se, ao invés, proceder sempre (oficiosamente ou a requerimento das partes) a um juízo de conformidade entre o valor que decorreria da mera aplicação da Tabela I anexa do RCP e a envergadura (volume, complexidade jurídica, etc.) do serviço prestado, levando-se a cabo a correção que deva ter lugar. …”.
À ação foi atribuído o valor de €600.000,00.
Por força do valor da ação, ao caso dos autos aplica-se o último escalão de valor das ações (€250.000,00 a €275.000,00), o que significa que, no regime da tabela I-B, se aplica uma taxa de justiça de valor fixo (8 UC [17]) que progressivamente se agrava, sem qualquer limite máximo, na proporção direta do aumento do valor da ação, em acréscimos de 1,5 UC por cada 25.000,00 ou fração, a fixar a final.
A apelação não incidiu sobre impugnação da matéria de facto, não são suscitadas questões especialmente complexas, e não é de pôr em causa a cooperação das partes no desenrolar do recurso e do processo, numa postura processual de acordo com os ditames da lei.
Nesta conformidade, deve ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, nos termos expostos, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
*
Lisboa, 2023.03.14
Cristina Coelho
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa

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[1] Conforme relatório da sentença recorrida.
[2] Os quais vieram a sofrer alterações na sequência de reclamação do R.
[3] Datado de 17.11.2022, transitado em julgado, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora e, consequentemente, manteve os despachos de indeferimento da junção dos documentos proferidos nas sessões de julgamentos datados de 23 e 24 de Junho de 2022.
[4] Ainda que se entendesse que a apelante pretendia impugnar a decisão do tribunal recorrido sobre a factualidade provada e não provada, sempre teria de ser rejeitado o recurso nessa parte por não ter a apelante cumprido, minimamente, os ónus impostos pelo art.º 640º, nº 1, do CPC, não tendo especificado os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre estes (nas conclusões e nas alegações), e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação, que impunham decisão diversa da recorrida sobre cada um dos pontos impugnados (nas alegações).
[5] De redação idêntica.
[6] Que, na versão em vigor à data da subscrição, estatuía que “Salvo dolo ou mera culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos”.
[7] Como escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no CPC Anotado, Vol. II, 4ª ed. pág. 713, “A procedência de uma exceção perentória baseada em facto preclusivo, como é o caso da prescrição (…), conduz à inutilidade da verificação dos factos que constituem a causa de pedir, …”.
[8] Escreve-se na sentença recorrida: “… A factualidade constante dos pontos 39 a 43 (quanto às características de risco dos produtos, e às informações disponibilizadas com declarações de tomada de conhecimento da Autora e assinatura relativamente aos produtos “EUR CLN PT International Finance 3,5 Y” e “EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, FIAT, Portugal Telecom Notes”), resulta da análise dos documentos 4 e 5 da p.i., a fls. 21 a 23 verso e 26 a 28 verso que consubstanciam as Informações Fundamentais ao Investidor. Estas informações foram juntas pela própria Autora, estão redigidas em português, apresentado grafismo inteiramente legível, incluindo um alerta no doc. 4 que é vermelho no original, conforme referido pelas testemunhas PS e JA, onde se lê “Risco de perder a totalidade do capital investido”. Voltamos a salientar que, conforme se decidiu no acórdão do S.T.J. de 30/05/2019 proferido no processo nº 22244/16.3T8LSB.L1.S1 (in www.dgsi.pt), os factos desfavoráveis à declarante, que constem de documentos dados como provados, tendo sido dirigidos à contraparte do contrato de intermediação financeira, têm valor confessório, com força probatória plena (art. 358º, nº 2, do Cód. Civil). Consequentemente, tais factos, relativos ao conhecimento das características e riscos inerentes à aplicação financeira, não admitem prova testemunhal em contrário (nº 2 do art. 393º do Cód. Civil). E também tal como se sumariou neste mesmo acórdão “na medida em que o contrato de intermediação financeira celebrado com investidores não qualificados exige a forma escrita (art. 321º, nº 1, do CVM), não poderia a prova, tanto da celebração do contrato como do seu conteúdo, ser substituída por prova testemunhal (art. 393º, nº 1, do CC) nem “por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior” (art. 364º, nº 1 do CC).”. É assim que, no que toca aos produtos CLN PT International Finance 3.5Y e EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, Fiat, Portugal Telecom Notes, as informações escritas prestadas acerca das respetivas características de risco totalmente redigidas português e começam por advertências específicas e nas quais o Autor escreveu ter delas tomado conhecimento e recebido um exemplar, consubstanciadas nos documentos nºs 4 e 5 (fls. 21 a 23 e 26 a 28 verso), revestem-se de valor confessório quanto ao conhecimento das características de risco (que não pode ser substituído por prova testemunhal ou por prova por declarações de parte ambas livremente valoradas, ou mesmo documento particular sem valor de confissão). … A matéria de facto não provada resultou em grande parte da contraprova efetuada acima amplamente dissecada, e no demais da falta de prova nesse sentido. Começando pela matéria de facto não provada alegada pela Autora,… Quanto ao mais, designadamente quanto às informações prestadas acerca do risco, salientamos a contraprova resultante da confissão do conhecimento do risco relativamente aos produtos “CLN PT International Finance 3.5Y” e “EUR 5Y FTD Thyssenkrupp, Air France, Fiat, Portugal Telecom Notes”.” (itálico nosso).
[9] Sendo certo que, relativamente aos produtos em causa, “a p.i. é bastante lacunosa relativamente ao modo como foram subscritos estes produtos, quedando-se em afirmação conclusivas”, como se refere na sentença recorrida.
[10] Já não caindo no âmbito deste recurso a não admissão de “prova documental que contraria diretamente o caráter probatório das mencionadas declarações negociais efetuadas”, objeto de recurso autónomo.
[11] Escrevendo: “…Apesar de o Banco Réu só se vincular com informações escritas acerca do risco conforme consta das Condições Gerais do contrato de abertura de conta celebrado entre as partes (e cujo teor e conhecimento a Autora não colocou em causa), já que conforme resulta da secção F das respetivas Condições Gerais com a epígrafe “Aplicações Financeiras”: “5. O Cliente assume todos os riscos decorrentes das aplicações que fizer em função da respetiva natureza e tipo (…) salvo quando lhe se sejam garantidos o reembolso integral e/ou remuneração certa por escrito” (o destacado a bold é nosso), analisando a factualidade (provada e não provada) em torno do produto em causa, entendemos que o Réu, ao induzir a Autora a investir no produto sem informá-la de que estava em causa uma colocação privada (razão pela qual as condições particulares não tinham que ser traduzidas tendo sido apresentadas em inglês) e sem reiterar oralmente a possibilidade (mesmo remota) de perda do capital, e ao não facultar as condições particulares do produto em português (já que não tinha alertado a Autora para tal circunstância específica), não cumpriu devidamente os seus deveres de informações.”.
[12] Presumida nos termos dos art.ºs 304º-A, nº 2 e 324º, nº 2, do CVM.
[13] “… Todavia, sopesando a circunstância de não se tratar do primeiro produto complexo ou estruturado subscrito pela Autora, estando confessado o conhecimento das características de risco quanto ao anterior produto financeiro complexo CLN, o facto de a Autora também não ter pedido esclarecimentos adicionais nem ter solicitado uma tradução (em audiência revelou conhecer a língua inglesa em termos de compreender os riscos envolvidos mencionados no “Princing Supplement” de fls. 15 e segs.), entendemos que agiu com culpa leve. Acresce que a Autora subscreveu e redigiu declarações adicionais em português (fls. 13 e 14, num dela declara que dispõe de “conhecimentos e experiência necessários para compreender os riscos inerentes”) e subscreveu as Informações acerca do produto, e justamente porque estava a investir um montante tão elevado, e sendo uma sociedade comercial com deveres de apresentação de contas e outros deveres de contabilidade, com experiência em investimentos financeiros, não é aceitável que “assinasse de cruz” aplicações desta natureza e envergadura (ou seja, com todo o respeito, não estamos propriamente perante um emigrante ou ex-emigrante com o 4º ano de escolaridade e que como tal confiasse cegamente no funcionário de um Banco). Também se exigia mais da sua parte. …  É por tudo isto que entendemos que no balanço das duas atuações a culpa do Réu é leve e como tal qualquer responsabilidade está prescrita.”.
[14] Fazenda Martins, no loc. cit., págs. 345/346, escreve que “O cumprimento do dever de informação pelo intermediário deve adequar-se ao conhecimento e experiência do cliente. O Código do Mercado de Valores Mobiliários referia, como elemento a ter em conta no cumprimento deste dever, a situação financeira do cliente (art.º 663º, nº 2). O conhecimento da situação financeira do cliente é essencial para que o intermediário possa recomendar ou aferir a adequação de investimentos a um determinado perfil de cliente. O princípio do know your customer postula que o intermediário esteja bem ciente da situação financeira do cliente. As características do investimento e a sua adequação ao cliente (nomeadamente, à sua situação financeira) constituem, por isso, o objeto da informação. Diferente é o detalhe e a extensão da informação sobre a adequação do investimento (que já não respeita ao objeto do dever, mas à intensidade da conduta exigida para o seu cumprimento), para a qual relevam apenas a experiência e os conhecimentos do investidor.”.
[15] E não com recurso a crédito fornecido pelo R. para o efeito, como resultava, ou parecia resultar, da PI, e que sustentava a alegada atuação aquele de forma a proteger a sua posição.
[16] Entre muitos outros, ver, também, os Acs. do STJ de 12.12.2013, P. 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1 (Lopes do Rego), de 18.1.2018, P. 7831/16.8T8LSB.L1.S1 (Rosa Ribeiro Coelho), de 25.3.2021, P. 13125/16.1T8LSB.L2-A.S1, (Rosa Tching), da RL de 22.11.2016, P. 3258/05.5TVLSB.L1-7 (Carla Câmara), de 21.02.2017, P. 1864/05.7TMLSB-B.L1-1 (Manuel Marques), de 4.6.2020, P. 9677/15.1T8LSB-L1-2 (Jorge Leal), e de 8.10.2020, P. 18085/17.9T8LSB.L1 (Carlos Castelo Branco),  todos em www.dgsi.pt.
[17] Ou seja, €816,00 (€102 x 8).