Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1758/08.4TMLSB-C.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: – no processo tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais, na vertente do quantum da prestação alimentícia, esta está sujeita a critérios ou pressupostos de fixação dos alimentos, nomeadamente:
– necessidades das alimentandas menores ;
– possibilidades do progenitor pai alimentante ;
– possibilidades das menores alimentandas proverem à sua subsistência, ou seja, de dispor de réditos e proventos capazes de, por si só, suprir a incapacidade decorrente da sua menoridade ;
– a circunstância do obrigado devedor de alimentos estar onerado com penhora ou desconto no seu vencimento, decorrente de antecedente incumprimento na satisfação da pensão alimentícia ou despesas partilhadas, não deve ser ponderada, por referência ao valor descontado ou ponderado, no juízo de determinação da alteração do quantum da prestação alimentícia ;
– efectivamente, acaso tivesse pago tais valores nas datas determinadas, inexistiria dívida a demandar coercibilidade judicial, pelo que, sendo-lhe imputável tal circunstancialismo de incumprimento, não poderá, logicamente, beneficiar do mesmo, como encargo a ponderar, no juízo de fixação do quantum da pensão alimentícia às filhas.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte:


              
I–RELATÓRIO.


1– N., interpôs processo especial de alteração da regulação das responsabilidades parentais das menores filhas MA e ID, contra M., nos quadros do artº. 182º da Organização Tutelar de Menores – aprovada pelo DL nº. 314/78, de 27/10.
Tal processo tutelar cível foi instaurado em 15/01/2015, requerendo alteração relativamente ao regime de visitas/convívios vigente, bem como relativamente à pensão de alimentos fixada, requerendo que a mesma seja fixada no valor mensal de 50,00 € para cada menor, “a entregar até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária para conta titulada pela mãe”.

2– Citada a Requerida, veio apresentar alegações, nos termos do nº. 3 do artº. 182º da OTM, admitindo e aceitando algumas alterações no regime de visitas/convívios vigente, mas opondo-se à requerida alteração da pensão alimentícia fixada, aduzindo que a pretensão do Requerente é nada pagar e que desde Março de 2013 apenas tem pago a quantia mensal de 50,00 € (25,00 € para cada filha), nada tendo comparticipado relativamente às demais despesas das filhas menores, conforme determinado.

3– Nos termos do artº. 175º da OTM, ex vi do nº. 4 do artº. 182º, do mesmo diploma, foi realizada conferência de progenitores no dia 13/04/2015.
Requerente e Requerida declararam que tendo chegado a acordo no apenso B, “terminaram as pretensões quanto a matérias pessoais, encontrando-se apenas desavindos quanto ao regime alimentar vincendo desde Janeiro de 2015, que passa a constituir o atual objeto do processo, sobre o qual não têm acordo actual”.
Na sequência de tal declaração, foi proferido despacho admitindo a circunscrição do objecto processual ao regime alimentar.

4– Notificados os progenitores para alegarem e apresentarem prova, nos termos dos nº.s 1 e 2 do artº. 178º, ex vi do nº. 4 do artº. 182º, ambos da OTM, vieram os mesmos reiterar o já anteriormente alegado, juntando ainda prova documental e testemunhal.

5– Por despacho de 02/12/2015, foi designada data para a realização da audiência de julgamento, que se veio a realizar conforme acta de fls. 166 e 167, tendo Requerente e Requerida prestado declarações.


6– Em 16/01/2017, veio então a ser proferida sentença, que concluiu nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a ação, determino a alteração do regime de regulação do exercício do poder paternal definido em maio de 2012, desde 15 de janeiro de 2015, nos seguintes termos:
“O pai das menores deve contribuir, a título de alimentos para as mesmas, desde 15 de janeiro de 2015, até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária para a conta da mãe:
1.- Com a pensão mensal no valor de € 125, 00 para cada filha, atualizável anualmente em janeiro de cada ano, desde janeiro de 2016, mediante a aplicação da taxa de inflação publicada pelo INE e respeitante ao ano anterior.
2.- Com metade das seguintes despesas, mediante interpelação da mãe com documento comprovativo de despesa:
2.1. Das seguintes despesas:
a)- De livros, de material, de equipamento e de atividades curriculares, na parte que for superior ao valor anual de
€ 300, 00 por cada uma das filhas;
b)- De inscrições e propinas de estabelecimento público de ensino (se existirem);
c)- De saúde, na parte não comparticipada por serviço nacional de saúde, subsistema ou seguro de saúde.

2.2. Das seguintes despesas, apenas caso sejam expressamente acordadas entre ambos os pais:
a)- De inscrições e propinas de estabelecimento de ensino privado;
b)- De atividades extracurriculares das filhas”.
7 – Inconformado com o decidido, o Requerido interpôs recurso de apelação, em 07/02/2017, por referência à decisão provisória prolatada.

Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
1 -Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos e que pôs decidiu quanto ao regime de alimentos devidos às filhas menores de recorrente e recorrida.
2 -Para alterar a pensão de alimentos fixada em 2012, atendeu o douto tribunal a quo ao nascimento de mais uma filha ao requerente, bem como à diminuição das despesas da recorrida, sendo que, a ponderação de tais circunstâncias impunha uma decisão diferente.
3 - Desde logo porque, apesar de considerar e existência de uma outra filha menor e a sua obrigação de sustento para com esta, não considerou essa concreta despesa – ainda que presumida – no seu orçamento mensal.
4 - Ora se considerarmos um valor de 100€ (25€ menos do que o fixado para as irmãs) e mesmo sem atender a mais rigorosamente nenhuma outra despesa do ora recorrente, teremos que, ganhando uma média de 530,00€ mensais, como está dado como provado, o ora recorrente, com a presente sentença, despenderá com o sustento das suas filhas a quantia de 350€, “sobrando-lhe”, consequentemente, a quantia de 180€ por mês para fazer face, não só a todas as suas despesas normais e correntes, mas também a todas as despesas de saúde e educação das suas filhas cuja comparticipação foi também fixada pelo douto Tribunal a quo e ainda todas as despesas extraordinárias e imprevistas, devendo ainda aforrar para qualquer eventualidade, designadamente, se nada de mau acontecer entretanto, para poder custear uma educação superior a todas as suas filhas.
5 - Tais contas, por alto, bastam para fazer perceber que o valor da pensão de alimentos agora fixado, não é suportável pelo ora recorrente.
6- Por outro lado, será objectivamente impossível ao ora recorrente cumprir o estipulado pelo douto Tribunal no âmbito deste processo, porquanto este mesmo douto Tribunal, no apenso A do presente processo, decidiu ordenar a penhora de 200€ mensais ao ordenado do ora recorrente, o que o deixará, se pagar os 250€ de alimentos aqui fixados, com cerca de 80€ por mês para todas as suas despesas e as da sua filha M.…
7 - Ao decidir da forma explanada na douta sentença proferida violou o douto tribunal a quo, entre outros, os princípios da proporcionalidade, da adequação, da igualdade e da legalidade.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, consequentemente, ser a douta sentença proferida revogada, com todas as legais consequências”.

8– Nas contra-alegações apresentadas a Recorrida alegou não assistir qualquer razão, nem de direito nem de facto, ao Recorrente, que viu a pensão alimentícia de cada uma das filhas ser reduzida de 175,00 € mensais para 125,00 €, o que equivale a um valor diário de 4,00 € para cada menor.
Ainda assim, o progenitor, ora Apelante, continua a incumprir, pois apenas paga a quantia de 75,00 € mensais para cada filha, não cumprindo com o pagamento das demais despesas.
Relativamente ao desconto no seu vencimento, caso tivesse o progenitor cumprido com o judicialmente fixado, já não existira tal desconto, aduzindo, ainda, que o mesmo recebeu uma indemnização de 80.000,00 € em Novembro de 2009 e adquiriu um veículo automóvel topo de gama em Maio de 2010, de valor superior a 40.000,00 €, que colocou em nome da bisavó das menores, com 90 anos de idade.

Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

9– Não constam dos autos quaisquer contra-alegações apresentadas pelo Ministério Público, apesar de devidamente notificado.

10– Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II– ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)- As normas jurídicas violadas ;
b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento da seguinte questão:
1.– DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO A MATÉRIA FACTUAL CONSIDERADA PROVADA NOS AUTOS.
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III– FUNDAMENTAÇÃO

A–
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na decisão recorrida/apelada, foi CONSIDERADA PROVADA a seguinte matéria de facto:
1)- N. e M. celebraram casamento civil a 29 de julho de 2005, aos 30 anos dele e 24 dela; celebraram casamento católico a 10 de setembro de 2005 ;
2)- Ma nasceu a 9 de junho de 2006, filha de N. e M. ;
3)- Id nasceu a 2 de setembro de 2007, filha de N. e M. ;
4)- Nos processos tutelares cíveis que correram em favor das filhas referidas em 2) e 3) supra:
4.1)– No processo de regulação das responsabilidades parentais, que correu termos no 3º Juízo, 1ª Secção, do extinto Tribunal de Família e Menores de Lisboa:
4.1.1)– A 28 de outubro de 2008 foi homologado por sentença acordo de regulação das responsabilidades parentais, no qual: as crianças foram confiadas à mãe; foi atribuído à mãe o exercício do poder paternal, sem prejuízo das decisões conjuntas; foi deferida a ambos os pais a decisão conjunta as decisões escolares e de saúde das crianças.
4.1.2)– A 11 de maio de 2012 proferiu-se sentença de alimentos, transitada em julgado, na qual:
4.1.2.1)– Foram dados como provados os seguintes factos, como fundamento da decisão de 4.1.2.2) infra:
7 - A Requerida, professora do 1º Ciclo, estava em 2008 sem colocação, prestando serviços, nos períodos do calendário escolar, como explicadora num Centro de Explicações, dependendo do auxílio que lhe prestava sua mãe, avó materna das menores.
8 - De Janeiro a Setembro de 2008 auferiu com tal prestação de serviços a quantia total de 1500€.
9– A Requerida procurou activamente colocação como professora, sendo que em 2008 não abriram vagas para o grupo 110, correspondente ao 1º Ciclo, pelo que a mesma se tem candidatado a vagas de Técnico Especializado e Desenvolvimento de Projecto, únicas a que se pode candidatar atendendo à sua formação, não tendo conseguido qualquer colocação.
10– Em 2009 a requerida, para além de dar explicações particulares, iniciou uma prestação de serviços de transporte de crianças, auferindo o valor mensal de € 347,01.
11– Recebe prestações familiares das menores que até 01.01.2011 ascendiam ao valor global mensal de €169,00 e partir dessa data passaram a ser de €29,10 para cada menor.
12Desde a data da separação, e sem prejuízo da pensão provisória fixada nestes autos, a Requerida para, fazer face às despesas das menores, tem contado com a ajuda da sua mãe, que aufere mensalmente a quantia líquida de 776.58€, a que acresce a quantia de 398.99€ a título de pensão de viuvez.
13Despesas essas que entre Setembro e Dezembro de 2008 ascenderam a:
-540.77 € com educação (inscrição e mensalidades de equipamento de infância) - tendo o Requerido apenas efectuado o pagamento referido em 4);
-138.73 € com material obrigatório para o Colégio;
-12.22€ com saúde;
-95.64 € com vestuário essencial para o inicio de estação.
14 A Requerida suporta uma renda mensal de 620 € relativa à casa de morada de família, onde habita com as menores, as quais é paga por depósito bancário na conta da Senhoria.
15Com os serviços de electricidade, água e gás, gasta em média, mensalmente a quantia de 50/60,00€.
16– Despende com o seu passe social a quantia mensal de €28,10, até 01.01.2011, e a partir de então a quantia de €29,45, e com passe social de cada menor, a partir do momento em que completou quatro anos, a quantia de €14,75.
17– Em 2009 as mensalidades do Colégio das menores ascendiam a €132,00 no total, sendo que o equipamento de inicio de ano ascendeu a €70,00;no ano lectivo de 2010/2011 as menores frequentaram o Jardim Escola João de Deus, cujas mensalidades foram de €42,40 (Ma) e €33,93 (Id), sendo as visitas de estudo, workshops e outras actividades que fazem parte do plano de estudo pagas à parte.
18– Em 2009 a progenitora despendia com a natação que as menores frequentavam a quantia mensal de €70,00.
19– Por referência ao ano fiscal de 2010 a requerida liquidou a quantia de €465,19 referente a prémio de seguro de doença de que eram beneficiárias s menores.
20– Por referência ao ano fiscal de 2010 a requerida auferiu o valor global anual de rendimentos de €5.960,00.
21– As despesas com alimentação do agregado familiar composto pela progenitora e pelas menores ascendem a €150,00/200,00, acrescendo despesas específicas das menores com papas, leite, yogurtes no valor mensal de €40,00; com fraldas/higiene das menores despende €50,00 mensais; com vestuário e calçado das menores despende por estação €150,00; e com farmácia despende €100,00 por ano.
22– O requerido vive em casa da avó; os fins-de-semana que lhe competem com as filhas são passados em casa dos seus pais em …….
23– Trabalhou como motorista na Carris, auferindo €700,00 mensais, até 15.11.2009, data em que cessou, por caducidade, o contrato de trabalho a termo que o ligava a essa empresa.
24– Beneficiou de subsidio Social de Desemprego Inicial no montante diário de €11,18, concedido por 570 dias, com início em 12.12.2009.
25– No âmbito do processo comum nº 5/02.7GAGLG do Tribunal Judicial da Golegã, foi em 03.11.2009 judicialmente homologado acordo nos termos do qual a Axa Portugal se obrigou a pagar ao requerido a quantia de €80.000,00, no prazo de trinta dias.
26– As despesas mensais que o requerido apresenta, por referência a 2009, e sem prejuízo da pensão provisória fixada nestes autos, referem-se a: €100, 00 a título de comparticipação em casa da avó; as decorrentes de aquisição de algum supermercado; o pagamento de €285,00 a título de prestação de uma carrinha adquirida pelo casal e devolvida ao Banco; alimentação das menores durante os convívios e férias que arbitra em €100,00; € 50,00 por estação para vestuário e calçado.

4.1.2.2)– Decidiu-se:
1)-O pai contribuirá a título de pensão de alimentos para o sustento das duas menores com a importância mensal de €350,00 (€175,00 para cada), a entregar à mãe entre os dias 1 e 8 de cada mês, por transferência bancária para conta desta, sendo esta quantia actualizável anualmente, a partir e com efeitos desde Janeiro de 2013, em função da taxa de inflação publicada pelo I.N.E.
2)-O pai suportará metade das despesas decorrentes da aquisição de material/equipamento escolar, das despesas de inscrição escolares, e das despesas de saúde das menores não cobertas pelo SNS ou pelo seguro de saúde das menores (sendo a outra metade suportada pela mãe), mediante apresentação de documento comprovativo das despesas e no prazo de trinta dias após tal apresentação.
3)-O pai suportará metade das despesas decorrentes de actividades extra-curriculares de que as menores beneficiem desde que tenha dado o seu assentimento prévio à prática de tais actividades e à divisão dos respectivos custos por ambos os progenitores.”.
4.2)– No processo de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais nº1758/08.4TMLSB-B, a 13 de abril de 2015:
a)- Os pais lograram acordo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, no qual: mantiveram o regime da residência das filhas com a mãe; previram os regimes de exercício das responsabilidades parentais dos atos de vida corrente e dos atos de particular importância nos termos do art.1906º/3 e 1 do Código Civil, com definição de 4 questões de particular importância; previram que o pai estivesse com as filhas em fins de semana quinzenais, em períodos de metade de férias de Natal, de Páscoa e de Verão, nos dias festivos de aniversário e de dia do pai e de refeição de aniversário das filhas.
b)- Proferiu-se sentença homologatória do acordo de a) supra.
5)– Ma. e Id.:
5.1)- Vivem com a sua mãe e convivem com o seu pai.
5.2)- Têm despesas de alimentação, consumos domésticos de água, energia elétrica e gás, vestuário e calçado, transportes, saúde, educação escolar; em particular, a Ida teve necessidades de tratamentos dentários, tendo o tratamento de 6-9 meses sido orçamentado, para além dos valores já pagos, despesas num valor global acrescido de € 282, 00.
5.3)- Beneficiam de abono de família, no valor global de € 70, 38 desde 15 de abril de 2015, recebido pela sua mãe.
6)– N.:
6.1)- Vive, pelo menos desde o final de 2015/início de 2016:
a)- Com M., mãe da sua filha Ma, que é médica veterinária;
b)- Com a sua filha Ma, nascida a 29 de abril de 2014 (sua filha e de M.).
6.2)– O seu pai é reformado de uma seguradora, a sua mãe é médica de clínica geral, pais que têm 8 netos.
6.3)– Não tem bens imóveis inscritos em seu nome.
6.4)–Recebeu os seguintes rendimentos anuais líquidos, relevantes para efeitos fiscais:
a)- Em 2013 o valor de € 4 249, 53;
b)- Em 2014 o valor de € 4 294, 17.
6.5)– Trabalhou para ………….., como estagiário de cinema, pelo menos em 2014 e 2015, com o vencimento base mensal de € 505, 00, acrescido de subsídio de alimentação e de subsídio de trabalho noturno, tendo recebido: em outubro de 2014 o valor global líquido de € 533, 15; em novembro de 2014 o valor global líquido de € 441, 40; em dezembro de 2014 o valor global líquido de salário e de subsídio de Natal de € 965, 95; em março de 2015 o valor global líquido de € 534, 55.
7)– M.:
7.1)- Vive com as filhas no …………..
7.2)- É co- titular da fração Q do prédio inscrito na matriz com o art.819, da freguesia do …………., sito na Rua…………….., inscrito: na proporção de 4/6 em nome da mãe de M., M.; na proporção de 1/6 em nome de F.; na proporção de 1/6 em seu nome, M., quota com o valor patrimonial de € 17 924, 43.
7.3)– Recebeu rendimentos:
a)- No ano de 2012: no valor bruto de € 3 054, 50 de atividade independente, sem retenção de impostos;
b)- Desde abril de 2014, pelo menos, rendimento social de inserção concedido nesse mês, por um ano, no valor mensal de € 222, 72.
7.4)– Tem despesas consigo e com o seu agregado familiar:
a)- De renda mensal da casa que habita, no valor de € 300, 00 por mês entre janeiro e abril de 2015;
b)- De alimentação;
c)- De consumos domésticos de água, de luz, de gás, de telefone;
d)- De saúde, nomeadamente:
d1)- Vacina antialérgica da filha Id, no valor de € 199, 02 em março de 2015;
d2)- Estudo ortodôncio da Id, no valor de € 51, 00 em novembro de 2014;
d3)- Duas consultas da filha Id, no valor de € 25, 00 cada uma, em janeiro e fevereiro de 2015;
e)- De mensalidades e custos do Jardim Escola João de Deus, tendo pago: € 50,60 da Id e € 63,25 da Ma em janeiro de 2015, € 60,10 da Id e € 64,75 da Ma de abril de 2015.
f)- De vestuário e calçado, em valor mensal não superior a € 30, 00 para 3 pessoas;
g)- De IMI, no valor anual de € 53, 77 em 2016;
h)- De contribuições à Segurança Social, devidas por rendimento de 2013 de € 3 974, 00, no valor de mensal de € 62, 04, desde dezembro de 2014, em período não conhecido.
7.5)– A sua mãe é reformada da Função Pública.

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B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1)–Da verificação de erro de julgamento na subsunção jurídica exposta na decisão recorrida/apelada

Relembremos a decisão apelada que, na vertente referente aos alimentos a prestar às menores, regulou o exercício das responsabilidades parentais das crianças Ma e Id, por alteração do regime até então vigente:
“O pai das menores deve contribuir, a título de alimentos para as mesmas, desde 15 de janeiro de 2015, até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária para a conta da mãe:
1. Com a pensão mensal no valor de € 125, 00 para cada filha, atualizável anualmente em janeiro de cada ano, desde janeiro de 2016, mediante a aplicação da taxa de inflação publicada pelo INE e respeitante ao ano anterior.
2. Com metade das seguintes despesas, mediante interpelação da mãe com documento comprovativo de despesa:
2.1.-Das seguintes despesas:
a)-De livros, de material, de equipamento e de atividades curriculares, na parte que for superior ao valor anual de € 300, 00 por cada uma das filhas;
b) De inscrições e propinas de estabelecimento público de ensino (se existirem);
c) De saúde, na parte não comparticipada por serviço nacional de saúde, subsistema ou seguro de saúde.
2.2.Das seguintes despesas, apenas caso sejam expressamente acordadas entre ambos os pais:
a)- De inscrições e propinas de estabelecimento de ensino privado;
b)- De atividades extracurriculares das filhas”.

Insurge-se o progenitor apelante quanto ao valor mensal da pensão de alimentos fixada relativamente a cada uma das filhas (125,00 €), apesar da decisão recorrida ter diminuído o valor anteriormente fixado (175,00 € mensais para cada menor, anualmente actualizável, com efeitos desde Janeiro de 2013, em função da taxa de inflação publicada pelo INE).
Nas conclusões apresentadas não indica qual o valor da prestação alimentícia mensal que considera adequado ou pertinente, sendo certo que nas alegações apresentadas anteriormente, prévias á realização da audiência de julgamento, considerou poder apenas pagar a quantia mensal de 150,00 €, ou seja, 75,00 € para cada filha.
Está assim fundamentalmente em causa a fixação do quantum da pensão alimentícia a pagar pelo Apelante à Apelada progenitora, relativamente a cada um das filhas menores, cuja residência se encontra fixada junto da progenitora.
Pelo que o objecto da presente apelação restringe-se a apurar se o valor da prestação alimentícia mensal fixada (num juízo de procedência parcial do pedido de alteração apresentado) é adequado e pertinente de acordo com as directrizes legais (fundamentalmente necessidades das alimentandas e possibilidades do alimentante), ou se, ao invés, deve ser fixado valor diferenciado, nomeadamente de valor inferior, atentos os proventos e despesas do progenitor devedor considerados como provados.

Vejamos.
Prescreve o artº. 1901º, nº. 1, do Cód. Civil, que “na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais” e, “se um dos pais praticar acto que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro ….” – cf., o nº. 1, 1ª parte do artº. 1902º, do mesmo diploma.
Prevendo acerca do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, estatui o artº. 1906º, ainda do Cód. Civil, que:
    “1 – As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
    2 – Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
    3 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente ; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
    4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
    5 – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
    6 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
    7 – O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.

Estipulando especificamente acerca dos alimentos em tais situações de ruptura, aduz o anterior normativo – nº. 1 do 1905º [1]- que “os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação ; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor”.
E, tais normativos, para além das enunciadas situações de ruptura da sociedade conjugal, são igualmente aplicáveis “aos cônjuges separados de facto” – cf., o artº. 1909º, ainda do Cód. Civil.

    Bem como às situações em que ambos os progenitores vivam em condições análogas às dos cônjuges, prescrevendo o artº. 1911º, nos seus nº.s 1 e 2, igualmente do mesmo diploma, que:
    “ 1 – quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1901º a 1904º.
    2 – No caso de cessação da convivência entre os progenitores, são aplicáveis as disposições dos artigos 1905º a 1908º”.

De forma mais ampla, relativamente ao conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o artº. 1877º do Cód. Civil que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação”, competindo aos pais, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” – cf., o nº. 1 do artº. 1878º.
E, no que respeita aos deveres dos pais e filhos por efeitos da filiação, aduz o artº. 1874º, igualmente do Cód. Civil, que:
    “1.- pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.
    2.- O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”.

– Na previsão do regime adjectivo do presente processo especial do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, refere o nº. 1 do artº. 40º do RGPTC – aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09 [2] -, aplicável ex vi do nº. 5 do artº. 42º do mesmo diploma, que o exercício das responsabilidades parentais “será regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”, acrescentando o nº. 2 que “é estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança (…)”, reiterando-se a aplicabilidade do regime regulatório de tais responsabilidades aos “filhos de progenitores não unidos pelo matrimónio” – cf., o nº. 1 do artº. 43º do mesmo diploma.
– Acrescenta, ainda, o nº. 5 daquele artº. 40º que “quando o filho for confiado a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, o tribunal decide a qual dos progenitores compete o exercício das responsabilidades parentais na parte não abrangida pelos poderes e deveres que àqueles devem ser atribuídos para o adequado desempenho das suas funções”.
    E, aduz ainda o artº 42º, nº. 1, do mesmo Regime Geral do Processo Tutelar Cível, que “quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um deles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”.

    Decorre do exposto que o princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do interesse da criança – cf., artºs. 40º, nº.1 do RGPTC e 1905º, nº.1 e 1911º, nº. 2, ambos do Código Civil.
    Efectivamente, “o interesse da criança é o direito que lhe assiste de crescer, de ir deixando de forma gradual de ser criança, num ambiente equilibrado, sem choques nem traumatismos de qualquer espécie, paulatinamente, em paz” [3], sendo que a prossecução ou procura do seu interesse “passa pela garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade à margem das tensões e dos conflitos que eventualmente ocorram entre os progenitores, e que viabilizem o estabelecimento de um relacionamento afectivo contínuo entre ambos” [4].
Concluímos, portanto, que o interesse dos menores passa pela existência de um projecto educativo; pela efectiva prestação de cuidados básicos diários (alimentos, higiene, etc.); pela prestação de carinho e afecto; pela transmissão de valores morais; pela manutenção dos afectos com o outro progenitor e a demais família (designadamente irmãos e avós); pela existência de condições para a concretização do tal projecto educativo; pela criação e manutenção de um ambiente seguro, emocionalmente sadio e estável; pela existência de condições físicas (casa, espaço íntimo) e pela dedicação e valorização com vista ao desenvolvimento da sua personalidade.
    É, portanto, em face deste interesse que se irá fundamentalmente analisar e aferir se o valor fixado para a prestação de alimentos das crianças Ma e Id é o adequado às suas concretas necessidades, tendo em atenção os demais factores valoráveis, de forma a que aquelas sejam plenamente salvaguardadas, garantindo-se o seu são e harmonioso desenvolvimento.
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    De acordo com o estabelecido no artº 2004º do Cód. Civil são os alimentos fixados em função das necessidades do alimentando, possibilidades do alimentante e possibilidades do alimentando prover à sua subsistência.
    Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo ainda os alimentos “a instrução e a educação do alimentado, no caso de este ser menor” – artº 2003º do Cód. Civil.
    Para definir a medida dos alimentos, nomeadamente a necessidade daquele que houver de os receber, atenderá o tribunal ao valor dos bens e dos rendimentos do alimentado, se os tiver, às necessidades específicas da sua saúde, à sua idade e condição social.
    É geralmente aceite que os menores têm direito a qualidade de vida tanto quanto possível idêntica à que desfrutam os que quanto a eles se encontram obrigado à prestação de alimentos, maxime os progenitores.
    Efectivamente, “porque os pais lhe deram o ser e a vida, dita a razão natural que sejam obrigados a conservarem-lha, contribuindo, primeiro que todos, com os alimentos necessários para este fim” [5].
    Tal dever parental merece, inclusive, consagração constitucional, ao prescrever o nº. 5 do artº. 36º da Constituição da República Portuguesa que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”, acrescentando o Princípio 1 da Recomendação do Conselho da Europa R (84) 4, serem as responsabilidades parentais definíveis como “o conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar (…) material do filho, designadamente, (…) assegurando o seu sustento (…)”.
    Por sua vez, os nº.s 1 e 2 do artº. 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança [6], aduz que:
    “1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.
    2. Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”.
    A que acresce o proclamado no Princípio IV da Declaração dos Direitos da Criança [7], no sentido de que “a criança deve beneficiar da segurança social. Tem direito a crescer e a desenvolver-se com boa saúde; para este fim, deverão proporcionar-se quer à criança quer à sua mãe cuidados especiais, designadamente, tratamento pré e pós-natal. A criança tem direito a uma adequada alimentação, habitação, recreio e cuidados médicos”.
    Nas palavras de Vaz Serra [8], por alimentos deve entender-se “tudo o que é indispensável à satisfação da necessidades da vida segundo a situação social do alimentado”, pelo que a prestação alimentar concreta há-de determinar-se a partir do “confronto da necessidade do alimentando com as possibilidades económicas do devedor de alimentos, tendo em conta os critérios postos pelo artigo 2004º do C. Civil, dos quais resulta que na apreciação das possibilidades do obrigado, deve o juiz atender às receitas e despesas daquele, isto é, à parte disponível dos seus rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas…”, não esquecendo que a “possibilidade de prestar alimentos não resulta apenas dos rendimentos dos bens do obrigado, resultando igualmente de outros proventos do mesmo, designadamente os provenientes do seu trabalho, e ainda os seus rendimentos de carácter eventual”.
    E, realce-se, na noção de alimentos devidos aos filhos menores, que compreende as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação, “o conceito de “sustento” é mais vasto que a simples necessidade de alimentação, não se aferindo pelo estritamente necessário à satisfação das necessidades básicas, mas o indispensável à condição de vida necessária ao seu desenvolvimento integral” [9] . Nas palavras de Helena Bolieiro e Paulo Guerra [10], está em causa “a satisfação das necessidades do alimentando, não apenas das básicas, cuja realização é indispensável para a sobrevivência deste, mas de tudo o que a criança precisa para usufruir de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional”. Deste modo, a obrigação alimentícia a cargo dos progenitores “visa tutelar não só o direito à vida e integridade física do alimentando, mas o direito a beneficiar do nível de vida de que a família gozava antes do divórcio ou da ruptura da convivência de facto, de forma a que as alterações no seu estilo de vida e no seu bem-estar sejam o mais reduzidas possíveis”.
Decorre do exposto, nos termos já sumariados no douto Acórdão da RC de 05/11/2013 [11] que a medida da prestação alimentar determina-se, então, “pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidades serem actuais. Na fixação dos alimentos há que ter em conta em cada caso concreto, não só as necessidades primárias do alimentado, mas também as exigências decorrentes do nível de vida e posição social correspondentes à sua situação familiar”, sendo que “a falta de possibilidades, perfila uma excepção, cuja prova incumbe ao devedor de alimentos[12] [13].

    No caso concreto, o Apelante progenitor fundamenta a sua pretensão de uma maior diminuição da pensão alimentícia fixada relativamente a cada uma das filhas (para além da já deferida na decisão recorrida), pelo facto da sentença apelada não ter considerado a concreta despesa acrescida decorrente do facto de ter uma outra filha menor, entretanto nascida, nem ainda o facto de, no apenso A dos presentes autos, ter sido ordenada a penhora (afigura-se-nos que provavelmente será desconto) de 200,00 € mensais no seu ordenado. Como apenas aufere 530,00 € mensais, o valor da pensão fixada acrescido daquele montante mensal penhorado, deixa-o apenas com o valor disponível mensal de 80,00 €.

Analisemos, então, acerca do preenchimento factício dos enunciados critérios ou pressupostos de fixação dos alimentos, nomeadamente:
  • Necessidades das alimentandas menores ;
  • Possibilidades do progenitor pai alimentante ;
  • Possibilidades das menores alimentandas proverem à sua subsistência, ou seja, de dispor de réditos e proventos capazes de, por si só, suprir a incapacidade decorrente da sua menoridade.

        Começando por este último item, da matéria de facto provada nada resulta relativamente á capacidade das menores Ma e Id em proverem á sua subsistência – cf., artº. 1879º, do Cód. Civil. Com efeito, as crianças têm presentemente 11 e 10 anos de idade – factos 2) e 3) -, nada existindo nos autos que permita concluir que as mesmas detenham bens ou rendimentos capazes de suprirem a sua menoridade e lógica e expectável ausência de proventos próprios, atenta a impossibilidade de os obter. O que determina o claro reconhecimento da necessidade e obrigação dos progenitores em proverem ao seu sustento.

        Relativamente às necessidades das alimentandas menores, e encontrando-se estas a residir com a progenitora mãe, urge ponderar a capacidade desta em prover ao seu sustento, em articulação com as concretas necessidades das filhas.
        Provou-se que a Apelada, vivendo com as filhas, recebeu rendimentos. No ano de 2012, no valor bruto de € 3 054,50 de actividade independente, sem retenção de impostos e, desde Abril de 2014, pelo menos, rendimento social de inserção concedido nesse mês, por um ano, no valor mensal de € 222, 72.
    As despesas provadas (com a própria e demais agregado familiar) foram-no:
    a) De renda mensal da casa que habita, no valor de € 300, 00 por mês entre Janeiro e Abril de 2015;
    b) De alimentação;
    c) De consumos domésticos de água, de luz, de gás, de telefone;
    d) De saúde, nomeadamente:
    d1) Vacina antialérgica da filha Id, no valor de € 199, 02 em Março de 2015;
    d2) Estudo ortodôncio da Id, no valor de € 51, 00 em Novembro de 2014;
    d3) Duas consultas da filha Id, no valor de € 25, 00 cada uma, em Janeiro e Fevereiro de 2015;
    e) De mensalidades e custos do Jardim-escola João de Deus, tendo pago: € 50,60 da Id e € 63,25 da Ma em Janeiro de 2015, € 60,10 da Id e € 64,75 da Ma de Abril de 2015.
    f) De vestuário e calçado, em valor mensal não superior a € 30,00 para 3 pessoas;
    g) De IMI, no valor anual de € 53,77 em 2016;
    h) De contribuições à Segurança Social, devidas por rendimento de 2013 de € 3 974,00, no valor de mensal de € 62, 04, desde Dezembros de 2014, em período não conhecido – factos 7.1, 7.3 e 7.4.
    No que especificamente concerne às menores alimentandas, provou-se terem despesas de alimentação, consumos domésticos de água, energia eléctrica e gás, vestuário e calçado, transportes, saúde, educação escolar. Particularmente, a criança Id teve necessidades de tratamentos dentários, tendo o tratamento de 6-9 meses sido orçamentado, para além dos valores já pagos, despesas num valor global acrescido de € 282, 00. Beneficiam, ainda, de abono de família, no valor global de € 70,38 desde 15 de Abril de 2015, recebido pela progenitora – factos 5) a 5.3).

        No que respeita às possibilidades do Apelante progenitor alimentante, provou-se que vive, pelo menos desde o final de 2015/início de 2016, com Ma, que é médica veterinária, bem com o com uma filha comum, presentemente com 3 anos e meio de idade (Ma, nascida a 29 de Abril de 2014).
    O seu progenitor (avô paterno das menores) é reformado de uma seguradora, e a sua mãe (avó paterna das menores) é médica de clínica geral, tendo 8 netos.
    O progenitor não possui bens imóveis inscritos em seu nome, tendo recebido os seguintes rendimentos anuais líquidos, relevantes para efeitos fiscais:
    a) Em 2013 o valor de € 4 249, 53;
    b) Em 2014 o valor de € 4 294, 17.
    Trabalhou para …….., como estagiário de cinema, pelo menos em 2014 e 2015, com o vencimento base mensal de € 505,00, acrescido de subsídio de alimentação e de subsídio de trabalho nocturno, tendo recebido: em Outubro de 2014 o valor global líquido de € 533, 15; em Novembro de 2014 o valor global líquido de € 441, 40; em Dezembro de 2014 o valor global líquido de salário e de subsídio de Natal de € 965, 95; em Março de 2015 o valor global líquido de € 534,55 – factos 6) a 6.5).

    Da parca factualidade ora apurada, em contraposição com a factualidade dada como provada na sentença de alimentos referenciada em 4.1.2.1), datada de 11/05/2012, constata-se que as principais alterações radicam no seguinte:
    Ø O valor de rendimento disponível por parte da Apelada progenitora não aumentou, antes se afigurando ter diminuído ;
    Ø Atentas as despesas apresentados e os parcos rendimentos apurados, certamente que continuará a beneficiar do apoio económico da sua progenitora (avó materna das menores), reformada da função pública, que na altura possuía rendimento mensal superior a 1.000,00 € ;
    Ø Diminuiu a despesa que a progenitora Apelada tinha com a renda de casa (terá passado de 620,00 € para 300,00 € mensais) ;
    Ø O valor auferido pelo Apelante, próximo do salário mínimo nacional, traduziu-se, ainda assim, num aumento do rendimento disponível pois, aquando da sua anterior fixação, apenas se lhe conhecia o benefício do subsídio social de desemprego inicial, no montante diário de 11,18 € ;
    Ø Deixou de ter as despesas de vivência juntamente com a sua avó, passando a residir com uma companheira, profissionalmente activa, pois desempenha as funções de médica veterinária ;
    Ø Foi pai (juntamente com esta companheira) de uma outra filha, presentemente com aproximadamente 3 anos e meio.  

    Perante tal factualidade, a decisão Apelada equacionou um valor de orçamento das despesas obrigatórias das filhas Ma e Id, que as mesmas deveriam ser assumidas pelos progenitores em idêntica proporção, atentas as idênticas possibilidades ou potencialidades de ganho de cada um deles, e ponderou os encargos obrigatórios de cada um dos progenitores, nomeadamente do Apelante pai, decorrente da existência de uma terceira filha menor, ainda que admitindo, no que a esta concerne, uma maior quota-parte de responsabilidade por parte da progenitora mãe, atenta a sua presumível maior capacidade de ganho, decorrente das suas qualificações e profissão.

    Ora, na ponderação daqueles critérios, que a decisão Apelada explicitou e fundamentou, cremos que o determinado (por redução) valor mensal de 125,00 €, para cada uma das menores, a título de prestação alimentícia, ainda se configura como um valor adequado, equilibrado e consentâneo quer com as necessidades da Ma e Id, atenta a idade destas, quer com as possibilidades do Apelante pai.
    Nem se diga, conforme referente o Recorrente, que para a determinação do valor da prestação deverá ponderar-se a quantia de 200,00 € mensais que se lhe encontra a ser penhorada (descontada) no vencimento, conforme decisão proferida no apenso A.
    Efectivamente, ocorrendo tal não será certamente pelo espírito cumpridor do ora Apelante, mas decorrerá, por necessidade, pelo seu reiterado incumprimento. Assim, acaso tivesse pago tais valores nas datas determinadas, inexistiria dívida a demandar coercibilidade judicial, pelo que, sendo-lhe imputável tal circunstancialismo de incumprimento, não poderá, logicamente, beneficiar do mesmo para a fixação do quantum da pensão alimentícia às filhas.
    Por fim, não pode deixar ainda de ponderar-se o facto de, em tal valor, conforme decorre da decisão apelada, ter sido englobado, parcialmente, as despesas de educação das menores filhas (livros, material, equipamento e de actividades curriculares), cuja partilha apenas foi determinada na parte excedente ao valor anual de 300,00 € por cada uma.
    Donde, sem ulteriores delongas, se confirma a bem decidida sentença, assim improcedendo, na totalidade, a presente apelação.

    *
                   Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, a tributação nos presentes autos de recurso fica a cargo do Apelante.

    ***

    IV. DECISÃO

    Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, na total improcedência do recurso interposto, em:
    a) Manter, nos seus precisos termos, a sentença recorrida, que ora se confirma.
    b) Custas a cargo do Apelante – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.
    ***


    Lisboa, 02 de Novembro de 2017



    Arlindo Crua - Relator
    António Moreira – 1º Adjunto
    Lúcia Sousa – 2ª Adjunta
    (Presidente)



    [1]Na redacção introduzida pela Lei nº. 122/2015, de 01/09.
    [2]Com correspondência no artº. 180º  da OTM, vigente à data da instauração do presente processo tutelar cível.
    [3]Nas palavras do Ac. R.C. de 2-11-94 in Cj 1994/5/34.
    [4]Apud Ac. de 3-10-1996 in BMJ 460º-796.
    [5]Maria de Nazareth Lobato Guimarães, Alimentos, in Reforma do Código Civil, Lisboa, Ordem dos Advogados, 1981, pág. 178.
    [6]Adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990.
    [7]Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959.
    [8]RLJ, Ano 102º, págs. 98 e 262.
    [9]Assim, o sumariado no douto aresto da RC de 21/06/2011 – Relator: Jorge Arcanjo, Processo nº. 11/09.0TBFZZ.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
    [10]A Criança e a Família – Uma questão de direito(s), 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 228 e 229.
    [11]Relator: Carvalho Martins, Processo nº. 1339/11.5TBTMR.A.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf .
    [12]Nas palavras dos doutos arestos do STJ de 7/5/80 - BMJ 297º-342 – e da Relação do Porto de 26/1/78 - Colectânea de Jurisprudência, 1978, 3º138 -, “a medida da prestação alimentar destina-se pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidade serem actuais. Na fixação dos alimentos há que ter em conta em cada caso concreto, não só as necessidades primárias do alimentado, mas também as exigências decorrentes do nível de vida e posição social correspondentes à sua situação familiar”.
    [13]Nas palavras do douto aresto do STJ de 20/11/2003 - in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, “para se aquilatar da maior ou menor capacidade do devedor de alimentos terá de se tomar em linha de conta não só com os seus meios de rendimento como também com os encargos a que se encontre adstrito, para além daqueles que possam decorrer da própria prestação alimentícia a determinar. Mas tais encargos, obviamente, que carecem de ser hierarquizados de modo a que só sejam tomados em consideração os que se mostrem justificados pelas necessidades de uma condigna subsistência do prestador de alimentos, excluindo-se todos aqueles que promanem de uma obrigação que não possa, ou não deva, prevalecer sobre a obrigação alimentar. É que se assim não fosse, bastaria ao devedor de alimentos assumir os encargos voluptuários e desnecessários que lhe aprouvesse para ficar desobrigado de prestar alimentos, o que a ética e o direito não aceitam” (sublinhado nosso).