Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
87/20.0T8CSC-A.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE RESTITUIÇÃO
PRAZO SUPLEMENTAR RAZOÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1–No procedimento a que se refere o artº 21º nº 7 do DL 149/95, na redacção dada pelo DL 30/2008, o juiz antecipa o juízo de solução definitiva do caso subsumindo os mesmos factos às mesmas previsões normativas da providência de restituição provisória do bem, para produzir os mesmos efeitos jurídicos daquela que seria a acção principal a interpor posteriormente que, assim, é dispensada.

2–Para efeitos de antecipação do juízo de solução definitiva do caso, nos termos do artº 21º nº 7 do DL 149/95, na redacção dada pelo DL 38/2008, não tem de se proceder, de novo, a uma análise crítica das provas e a uma fundamentação da convicção do juiz nos termos do artº 607º nº 4 do CPC. Ou seja, o juízo de antecipação produz-se subsumindo os mesmos factos às mesmas previsões normativas considerados na decisão provisória cautelar.

3–Do mesmo modo, não têm de ser apreciadas, em sede de juízo de antecipação da solução definitiva, quaisquer excepções que tenham sido opostas em sede de oposição ao procedimento cautelar.

4–Tendemos a considerar não ser exigível, para efeitos do artº 808º nº 1, 2ª parte do CC, que o credor esclareça, rectius, advirta de modo expresso o devedor que, se não cumprir a prestação durante aquele prazo suplementar concedido, a “simples mora” se converterá em “incumprimento definitivo”: a natureza peremptória do prazo suplementar pode ser apreendida do contexto da declaração nos termos gerais do artº 236º do CC.

5–A adequação ou razoabilidade do prazo suplementar peremptório afere-se atendendo às circunstâncias do caso, relevando a natureza da prestação (no caso pecuniária), o reiterado incumprimento das prestações/rendas mensais, a frequência com a locadora a interpelou para pagar, a persistência em não cumprir, a proposta e aceitação de plano de recuperação que também não foi cumprido, o número de rendas mensais em dívida e respectivo montante total e ainda a circunstância de o contrato de locação financeira em causa ser consequência de (re)negociação de um contrato anterior, sobre os mesmos bens, que havia sido, igualmente, incumprido. Assim, afigura-se-nos que o prazo suplementar concedido, por carta de dia 6, até ao dia 14, para que a locatária (peremptoriamente) cumprisse, apesar de só ter sido recebida aquela carta a 11, é um prazo razoável.

6–Depois de terminar o prazo suplementar sem que o devedor realize a prestação, a obrigação não cumprida aproxima-se, temporária e transitoriamente, de uma obrigação de faculdade alternativa a parte creditoris. Em consequência, o credor pode optar por exercer o direito subjectivo ao cumprimento, ou o direito subjectivo à indemnização, ou o direito potestativo à resolução.

7–Após o decurso do prazo suplementar peremptório e antes de o credor exercerqualquer desses direitos, o devedor tem a faculdade de oferecer ao credor a prestação em falta. Mas o credor tem a faculdade de a aceitar ou não.

8– Tendo sido feita transferência bancária, em data posterior ao termo daquele prazo, para a conta do credor, pela totalidade das rendas em falta que motivaram a fixação de prazo suplementar peremptório, no mesmo dia em que a credora emitiu a declaração de resolução contratual, para que pudesse considerar-se inválida a declaração de resolução, o devedor teria de alegar e provar que o credor aceitou aquele depósito a título de cumprimento (posterior) daquelas rendas.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO.


1–Caixa, Crl instaurou procedimento cautelar ao abrigo do artº 21º do DL 149/95, contra Engenharia, SA, pedindo:

- A restituição imediata das fracções autónomas dadas em locação financeira;
- Após decretamento da providência, seja ordenada a audição das partes e se antecipe o juízo sobre a causa principal.

Alegou, em síntese, ter comprado, por indicação da requerida, seis fracções autónomas, que identifica, com vista a dá-las em locação financeira à requerida, o que aconteceu mediante contrato celebrado a 02/01/2018, obrigando-se a locatária a pagar 66 rendas mensais e sucessivas, de 5 814,01€, até ao dia 5 de cada mês.
A 25/03/2018 a requerida tinha 7 meses de rendas em dívida no montante de 37 772€; notificada para regularizar a dívida apenas pagou parte das rendas mantendo-se em dívida, a 27/03/2018 pelo valor de 24 546€; em Maio de 2018 a requerida propôs plano de recuperação da dívida, que foi aceite, mas incumpriu.
Em 03/06/2019 notificou a requerida para pagar 29 374€ em dívida até ao dia 5, sob pena de iniciar procedimento de recuperação judicial das fracções. Como a requerida nada respondeu ou pagou, a requerente, por carta registada com A/R, de 06/06/2019 concedeu-lhe prazo, até ao dia 14/06/2019 para pagar os 29 377,86€ de rendas em dívida sob pena de considerar o contrato definitivamente incumprido e declarar a respectiva resolução. Como nada respondeu, a requerente remeteu carta registada com A/R, a 18/06/2019 a declarar resolvido o contrato.
A requerida não devolveu as fracções.

2–Foi ordenada a citação da requerida para deduzir oposição ao procedimento e para se pronunciar ara os efeitos do disposto no nº 7 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de Fevereiro.

3– Citada, a requerida deduziu oposição.
Invoca a inexistência dos pressupostos legais de que depende o decretamento da providência dizendo que em 18/06/2019, por email, comunicou à requerente que havia pago os 29 377,86€ por transferência bancária e, desde então, tem pago pontualmente todas as prestações.
A carta da requerente, de 18/06/2019, a declarar a resolução do contrato foi recebida a 21/06/2019 sendo que já havia efectuado o pagamento das prestações em dívida no dia 18/06/2021.
Nos termos da cláusula 18ª das condições gerais, considera-se mora o não pagamento das prestações no prazo de 7 dias seguidos a contar do vencimento e a requerida pagou as prestações em atraso no prazo de 7 dias após a notificação de 11/06/2019.
Invoca o disposto no artº 386º do CPC dizendo que o prejuízo que resulta da providência é consideravelmente superior ao dano que por ela se pretende evitar.
Mais invoca a excepção de abuso de direito, na modalidade de venire contra facto proprium, dizendo que a instauração deste procedimento cautelar quando as partes estão em negociações com vista à compra das fracções pela requerida é abusiva.

4–Realizada a audiência final, foi proferida sentença, datada de 10/06/2020 (conclusão de 02/06/2020) com o seguinte teor decisório:

V.-Decisão.
Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, julgo improcedente o presente procedimento e, em consequência, absolvo a requerida.
Custas pela requerente (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).

Na sentença, o tribunal da 1ª instância entendeu que havia fundamento para a resolução do contrato e considerou que foi validamente resolvido. Porém, indeferiu o procedimento cautelar baseando-se no artº 368º nº 2 do CPC considerando que o prejuízo para a requerida com o decretamento da providência é muito superior ao prejuízo que com o procedimento se pretende evitar.

5–Inconformada, a requerente interpôs recurso para esta Relação que, por acórdão de 10/09/2020, desta Secção, decidiu revogar a sentença e ordenou:
Determinar a restituição imediata pela requerida à requerente das fracções autónomas identificadas no art. 1º do requerimento inicial, livres e devolutas de pessoas e bens, e respectivas chaves.”

No essencial, esse acórdão da Relação fundou a sua decisão nos argumentos que sintetiza no seguinte sumário:
1-O procedimento cautelar especificado de entrega judicial do bem locado financeiramente e regulado no artº 21º do DL n.º 149/95, de 24 de Junho, encerra uma natureza claramente antecipatória, tendo por desiderato essencial antecipar provisoriamente a utilidade que apenas adviria para o requerente, a final, com a sentença da acção principal.
2- No seguimento e em coerência com o referido em 1., no procedimento cautelar especificado aludido mostra-se o requerente dispensado do ónus de alegação e prova do requisito alusivo ao fundado receio de lesão grave e de difícil reparação e, ademais, prescinde também o respectivo deferimento do requisito da proporcionalidade a que alude o nº2, do artº 368º, do CPC;
3- De resto, também o CPC, no artº 376º,nº2, vem expressis verbis estipular que o nº2, do artº 368º, do CPC, não é aplicável aos procedimentos cautelares especificados a seguir regulados.

6–Ouvidas as partes, nos termos do artº 21º nº 7 do DL 149/95, acerca da antecipação do juízo sobre a causa principal, veio a requerente pugnar para que seja considerada a antecipação do juízo sobre a causa principal, condenando-se a requerida a proceder à entrega, de forma definitiva, à requerente, das fracções autónomas.

Por sua vez, a requerida defende que se considere que o contrato se mantém em vigor e que a requerente se abstenha de qualquer acto relativamente à posse das fracções.

7–Em 22/07/2021, foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:

VI.– DISPOSITIVO
Antecipando o juízo da causa, nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 7, do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, de acordo com os fundamentos de facto supra referidos e de harmonia com o disposto nos preceitos legais citados julgo a acção totalmente procedente por provada e, em consequência, condeno a Requerida, ENGENHARIA, S.A.,
A) Na entrega definitiva à Requerente, CAIXA, CRL, das seguintes fracções autónomas:
i)-Fracção autónoma designada pelas letras “AE”, correspondente ao 9º andar … Algés, pelo valor de € 750.000,00 (setecentos cinquenta mil euros);
ii)-Fracção autónoma designada pelas letras “BQ”, …Algés, pelo valor de 10.000,00 (dez mil euros);
iii)-Fracção autónoma designada pelas letras “BR”, …Algés, pelo valor de 10.000,00 (dez mil euros);
iv)-Fracção autónoma designada pelas letras “CH”… Algés, pelo valor de 10.000,00 (dez mil euros);
v)-Fracção autónoma designada pelas letras “CI”, …Algés, pelo valor de 10.000,00 (dez mil euros);
vi)-Fracção autónoma designada pelas letras “CJ”, …Algés, pelo valor de 10.000,00 (dez mil euros);
B)No pagamento das custas do processo (cfr. art. 527.º n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

8–Inconformada, a requerida interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

I.–Entende a Apelante que a Sentença recorrida padece de várias nulidades, a saber:
i)-nulidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil,
ii)-de nulidade de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, e
iii)- erro de julgamento quanto à matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

II.–Veio a Sentença recorrida dar como provados os factos dados como indiciariamente provados na Sentença e Acórdão proferidos anteriormente, limitando-se a acrescentar o facto 73 que mais não é do que a reprodução de uma das cláusulas do contrato de locação financeira celebrado entre as partes, sem fundamentar a sua decisão.
III.–A total ausência de análise da prova produzida que se verifica consubstancia uma verdadeira falta de fundamentação da Sentença, feriando-a de nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil.
IV.–Os factos provados 41 a 44, e alegados pela Apelante na Oposição, consubstanciam factos principais para a suscitada questão do abuso de direito. No entanto, além destes, resultaram da instrução da causa outros factos que, por serem complementares e concretizadores daqueles, deveriam ter sido também considerados na matéria de facto provada, nos termos do artigo 5.º do Código de Processo Civil.
V.–São ainda relevantes para a boa decisão da causa os factos alegados pela Apelante, na Petição Inicial do processo principal, nos artigos 62 a 66, que ficaram provados, não só da prova documental, em concreto dos Docs. 27 e 28 juntos com a Petição Inicial, como da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento (da providência cautelar), nomeadamente do depoimento das testemunhas RA e IC, bem como das declarações de parte.
VI.–Não poderia o Tribunal a quo vir conhecer o mérito da causa, a título definitivo, sem atender aos documentos e às peças processuais que compõem o processo principal, sob pena de se por em causa o direito de defesa da Requerida, bem como o princípio da igualdade das partes, em violação do artigo 4.º do Código de Processo Civil.
VII.–Face ao exposto, é por demais evidente que o sentido que o legislador pretende dar à norma, quando permite a decisão antecipada da causa desde que tenham sido trazidos ao procedimento os elementos necessários à sua resolução definitiva, é o de aqui se incluir também a análise da documentação do processo principal, quando este já tiver sido instaurado.
VIII.–Atendendo, então, à prova documental e testemunhal produzida, deverá este douto Tribunal ad quem ampliar a matéria de facto, acrescentando aos Factos Provados, os seguintes:
viii.-No final do verão de 2017 a Requerida tinha dois contratos em atraso para com a Ré e para os quais já a empresa tinha sido interpelada:
- Contrato de Locação Financeira Imobiliária nº 100.608, com rendas em atraso de cerca de 61 mil euros, aos quais acresciam juros de mora, indemnização e outros encargos que perfaziam um total de € 137.726,06 conforme carta registada da Ré de 20/09/2017;
- Contrato de Mútuo referente a um PME Invest cujo valor em dívida ascendia a cerca de 71 mil euros, aos quais acresciam Juros e comissões que perfaziam um total de € 79.583,63, conforme execução entretanto colocada pela Ré.
ix.-Após diversas reuniões, foi aceite pela Requerente a desistência das acções executivas e a retoma do contrato de locação financeira imobiliária mediante o pagamento a pronto de € 149.206,48 (cento e quarenta e nove mil duzentos e seis euros e quarenta e oito cêntimos), que correspondia a todos os valores solicitados pela Ré nas suas acções judiciais (adicionado de mais alguns juros e despesas judiciais), deduzido apenas do valor da indemnização de cerca de 72 mil euros, que tinha sido solicitado na carta de incumprimento do Contrato de Locação Financeira de 20/09/2017.
x.-Foi imposição da Requerente à Requerida o pagamento do mútuo referente ao PME Invest para aceitação de renegociação e retoma do contrato de locação financeira imobiliária.
xi.-Assim, para não se perder o imóvel e como a Requerida não disponha de tesouraria para tal pagamento, foi o seu acionista FEA, S.A. quem, em 06/12/2017, liquidou o valor à deixando de existir o Contrato de Mútuo e retomando-se (através de um novo contrato) a Locação Financeira Imobiliária do edifício.
IX.–Os factos referidos são fundamentais para que o Tribunal possa conhecer da alegada questão do abuso de direito e, em geral, da causa como um todo, pelo que não poderão de forma nenhuma deixar de integrar a Decisão final da causa.
X.–Dir-se-á ainda que, mesmo entendendo-se que apenas a documentação e prova produzida em sede cautelar deveriam ser atendidas nestes autos, o que apenas por cautela se admite, sempre deveria o Tribunal a quo ter dado como provada a matéria referida, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
XI.–Todos os factos cuja adição à matéria de facto se pretende foram alegados pela Apelante em sede de Oposição, ou estão diretamente relacionados e dependentes de factos por si alegados, conforme artigos da Oposição já identificados.
XII.–Estes mesmo factos foram relatados em audiência de discussão e julgamento e foram alvo de contraditório, tendo a Apelada a oportunidade de contra inquirir as testemunhas e pronunciar-se sobre os documentos que os sustentam.
XIII.–Estão, portanto, reunidos todos os requisitos para que sejam os factos supra identificados levados à matéria provada e passem a integrar a Decisão final da causa, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 e 5.º, ambos do Código de Processo Civil.
XIV.–Tal como acontece com os factos descritos supra, entende a Apelante que os factos por si alegados nos artigos 53., 54. e 138. da sua Oposição consubstanciam factos principais para a suscitada questão do abuso de direito, dos quais derivam outros, trazidos à causa na audiência de discussão e julgamento, e que deveriam ter sido também considerados na matéria de facto provada, nos termos do artigo 5.º do Código de Processo Civil.
XV.–Resultou da prova testemunhal, nomeadamente do depoimento de IC e RA que a Apelante ficou surpreendida com a carta que lhe foi enviada pela Apelada em junho de 2019 e que à data da audiência todas as rendas estavam pagas, não existindo incumprimento.
XVI.–Por outro lado, o pagamento da totalidade das rendas vencidas, ao abrigo do contrato de locação financeira, pelo menos até à data da audiência de discussão e julgamento, resultava já demonstrado do documento junto pela Apelante na audiência de discussão e julgamento (sessão do dia 9.01.2020) e do próprio contrato de locação de financeira imobiliária n.º 101.419.
XVII.–Deverão, então, ser aditados aos factos provados os seguinte:
xii.-À data da audiência de discussão e julgamento, os valores correspondentes às rendas devidas pelo contrato de locação financeira n.º 101.419 estavam totalmente depositadas na conta bancária indicada no contrato, na disponibilidade da Requerente.
xiii.-A resolução do contrato de locação financeira n.º 101.419 surpreendeu a Requerida.
xiv.-A Requerida ficou surpreendida com a devolução dos valores das rendas de julho, agosto e setembro e com a informação da Requerente de que o contrato já não estava em vigor.
XVIII.–Do depoimento da testemunha RA, bem como do Doc. 9 junto com a Oposição ficou demonstrado que as rendas vencidas entre junho e setembro apenas foram devolvidas em setembro.
XIX.–Naturalmente, não é irrelevante constar dos factos assentes qual o momento exato em que a Apelada devolveu as quantias entregues a título de renda à Apelante, na medida em que também a dilação entre o momento do pagamento e o momento da devolução é um elemento relevante para a boa apreciação do alegado abuso de direito.
XX.–Termos em que deverá este douto Tribunal ad quem alterar o facto provado n.º 57, de forma a dele constar a localização temporal da devolução do valor das rendas de junho a setembro, sugerindo-se dar-lhe a seguinte redação:
“57-A requerida facultou/disponibilizou à requerente os montantes referentes às rendas vencidas e respeitantes aos meses de junho, agosto e setembro de 2019, os quais foram pela requerente devolvidos em setembro;”.
XXI.–A Sentença recorrida peca ainda na apreciação da carta enviada pela Apelada à Apelante, em 6 de junho de 2019, porque, na verdade, esta comunicação não cumpre todos os requisitos exigidos pelo artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil e não é uma interpelação admonitória.
XXII.–Nunca poderia ser considerado razoável um prazo de 3 dias úteis para pagamento de uma quantia avultada, como a que estava em causa, como porque, em concreto, a Apelada sabia que a Apelante tinha dificuldades financeiras que a faziam, no mais das vezes, cumprir as suas obrigações pecuniárias tardiamente (factos provados 40, 53, 54 e 56).
XXIII.–O pagamento efetuado pela Apelante em 18 de junho de 2019 bem demonstra que esta sempre teve, e continua a ter, interesse em cumprir o negócio e que, mesmo envidando todos os esforços para o efeito, um prazo inferior a 8 dias para pagamento de uma quantia de cerca de € 30.000,00 é evidentemente irrazoável.
XXIV.–A questão da razoabilidade do prazo interpelatório fixado nos termos do artigo 808.º do Código Civil, deve ser conhecida pelo Tribunal, quer tenha sido alegada ou não, visto tratar-se de uma questão meramente jurídica.
XXV.–O terceiro requisito apontado pela doutrina para que uma comunicação se possa ter como interpelação admonitória, é que esta contenha “c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo”.
XXVI.–Da comunicação recebida em 11 de junho de 2019 resulta que se a Apelante não fizesse o pagamento até ao dia 14 de junho de 2019, iria a Apelada resolver o contrato. Não diz quando. Tal como não diz que, findo o prazo concedido, perde o interesse no negócio e considera a mora automaticamente convertida em incumprimento definitivo.
XXVII.–Na esteira daquilo que é a jurisprudência constante, era essencial ter sido referido que a consequência do não pagamento das rendas em dívida dentro do prazo concedido seria a conversão automática da mora em incumprimento definitivo, sob pena de se considerar esta comunicação como uma simples interpelação para pagamento – igual a todos os e-mails, telefonemas e comunicações trocadas nos meses anteriores entre as partes.
XXVIII.–Face ao exposto, há que concluir que mal andou o Tribunal a quo ao julgar a comunicação melhor identificada no facto provado 53 como uma verdadeira interpelação admonitória, para todos os efeitos legais, devendo por isso este douto Tribunal ad quem revogar aquela decisão e substituí-la por outra que julgue aquela comunicação como uma simples interpelação, reconhecendo a ineficácia da resolução que se lhe seguiu e, bem assim, a manutenção do contrato de locação financeira imobiliária n.º 101.419.
XXIX.–Compulsada a Sentença recorrida, verifica-se que a questão do abuso de direito nem sequer foi abordada pelo douto Tribunal a quo, o que, sem, mais, vicia esta Decisão de nulidade por omissão de pronuncia, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil.
XXX.–São requisitos do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium:
1.a-Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2.a-Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
3.a-Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4.a-A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.”
XXXI.–Face aos factos provados 55 a 59, 70, 71, bem como aos factos provados que a Apelante requer supra sejam aditados à matéria provada, fica claro que esta tinha realmente confiança que a Apelada não iria resolver o contrato de locação financeira apenas pelo atraso no pagamento de € 29.377,86.
XXXII.–Acresce ainda que é indubitável que a situação de confiança em que a Apelante se encontrava, de que o contrato não seria resolvido, foi justificada pela própria Apelada. Tal resulta claramente dos factos provados 20 a 30, 40 a 44 e dos factos que a Apelante requer supra sejam aditados à matéria provada.
XXXIII.–Ademais, face à situação precedente, ocorrida em 2017, seria expectável que o incumprimento de € 29.377,86 estivesse ainda longe do ponto de rutura da relação negocial entre as partes, visto que em 2017 – quando o primeiro contrato de locação financeira foi resolvido, estava em dívida o valor de € 61.000,00 (facto provado i))
XXXIV.–Em 2017, a Apelada aceitou renegociar o contrato de locação financeira imobiliária respeitante ao mesmo imóvel, sendo, que nessa data, impôs como condição para a negociação o pagamento da totalidade do empréstimo PME Invest, também por regularizar, o que a Apelante aceitou num ato de confiança na postura de parceria que acreditou estar a ser criada também para situações futuras.
XXXV.–Sucede, porém, que em junho de 2019, a Apelante não tinha outras dívidas para com a Apelada e os valores já pagos no decurso do contrato eram muito próximos do valor de mercado do imóvel, o que levou a Apelada a aproveitar-se ilicitamente da sua situação de vantagem, atuando em abuso de direito e resolvendo o contrato de locação financeira sem mais, assim contrariando a legitima expetativa que criou em 2017 na Apelante.
XXXVI.– Em suma, a decisão de resolução do contrato de locação financeira pela Apelada é ilícita, por revestir um caracter usurário e por contrariar as suas condutas anteriores, constituindo um verdadeiro abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil
XXXVII.–A confiança depositada pela Apelante na manutenção do contrato de locação financeira, mesmo após a interpelação, foi ainda justificada e reforçada pela Apelada quando, após receber a totalidade do valor em falta em menos de oito dias corridos após a interpelação, nada disse, não respondeu, nem ao e-mail, nem à carta enviada pela mandatária da Apelante, e nem devolveu imediatamente as rendas dos meses de julho a setembro (factos 55 e 57 a 59).
XXXVIII.– Mais, a esta data, a Apelante nada deve, mantendo o pagamento atempado de todas as prestações / rendas contratadas (facto provado n.º 60 e facto provado v)).
XXXIX.–Acresce também que a Apelante tem intenção de vender o imóvel locado, o que lhe permitirá fazer face a todas as suas dívidas e reequilibrar-se financeiramente (factos provados 70 e 71). Planos estes que são, e sempre foram, do conhecimento da Apelada.
XL.–Esta confiança que a Apelante depositou na manutenção do contrato em apreço é justificada, lícita e, por isso, merece a tutela do Direito, ao abrigo do artigo 334.º do Código de Processo Civil, pelo que a resolução do contrato de locação financeira é ilícita, por ter sido realizada em situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra a factum proprium.
XLI.–Em conclusão, mal andou a Sentença recorrida, por: i) padecer de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, quanto ao que à matéria de facto diz respeito, ii) ter incorrido em erro de julgamento quanto à matéria de facto, devendo esta ser alterada por este douto Tribunal ad quem nos termos supra expostos, conforme impõe o artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, iii) estar ferida de nulidade de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil e em violação do artigo 334.º do Código Civil, iv) por incorrer em verdadeiro erro de julgamento da matéria de Direito, quando faz uma errada interpretação e qualificação da missiva enviada pela Apelada à Apelante, em 6 de junho de 2019, em clara violação do artigo 808.º do Código Civil
XLII.–Deve, portanto, a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, que sane os vícios alegados, amplie a matéria de facto, nos termos do artigo 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e julgue estes autos de procedimento cautelar, em sede de antecipação do juízo sobre a causa principal, totalmente improcedentes, por não provados, quer se julgue a resolução do contrato de locação financeira ineficaz, nos termos do artigo 808.º do Código Civil, ou assim não se entendo o que apenas à cautela se admite, quer por se julgar a exceção de abuso de direito procedente, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:
a)-Ser ampliada a matéria de facto nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, conforme referido nesta Alegação de Recurso;
b)-Ser alterado o artigo 57. da matéria de facto, nos termos descritos na Alegação de Recurso;
c)-Ser a Sentença recorrida julgada nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, als. b) e d) do Código de Processo Civil e, em consequência, substituída por outra que julgue a ação de procedimento cautelar, em sede de antecipação do juízo final, nos termos do artigo 21.º, n.º 7 do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, totalmente improcedente por não provada, por se julgar a resolução do contrato de locação financeira n.º 101.419 ilícita e ineficaz, nos termos do artigo 808.º do Código Civil;
Ou, assim não se entendendo, o que apenas à cautela se admite,
d)-Ser a Sentença recorrida julgada nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil e, em consequência, substituída por outra que julgue a ação de procedimento cautelar, em sede de antecipação do juízo final, nos termos do artigo 21.º, n.º 7 do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, totalmente improcedente por não provada, por se julgar procedente a exceção de abuso de direito, nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do Código Civil.

9–A requerente contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
I-Em cumprimento do art. 21º do Dec./Lei n.º 149/95 de 24 de Junho a Apelada carreou para os autos toda a prova sumária, e a Apelante no exercício do contraditório, respondeu e produziu toda a prova, permitindo ao Tribunal a quo formar a sua convicção e proferir uma sentença devidamente fundamentada e antecipar o juízo sobre a causa final.
II-Competia à Apelante invocar e/ou provar a falta de preenchimento dos requisitos, que impedisse o Tribunal a quo antecipar o juízo sobre a causa final.
III-Os fundamentos invocados pela Apelante, além de não terem base legal, não justificam as nulidades e muito menos a verificação de abuso de direito.
IV-Todos os fundamentos, que no entendimento da Apelante, são motivo para a nulidade da sentença, deveriam ter sido discutidos e alegados, no âmbito do recurso da sentença do Tribunal a quo que negou dar provimento à providência cautelar
V-Se a Apelante não concordava com a matéria de facto fixada e se o Tribunal a quo não se pronunciou sobre determinadas questões, competia Apelante recorrer da primeira sentença.
VI-O actual recurso não é a sede própria para a Apelante pedir a nulidade nos termos em que o faz.
VI-A sentença proferida pelo Tribunal a quo e o Acordão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa fixaram a matéria de facto, indicaram os meios de prova e fundamentaram os factos provados.
VII-Tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decretado a providência cautelar e determinado a restituição dos imóveis à Apelada, a questão do abuso de direito não se coloca.
VIII-Foi produzida toda a prova que determinou a resolução do contrato de locação financeira, muito embora o Tribunal a quo na primeira sentença não deu provimento à providência cautelar, fixou e bem o facto n.º 35: Apelante, em 18 de Junho de 2019, remeteu carta registada com aviso de recepção a declarar a resolução do contrato de locação financeira.
IX-Outros factos, para além dos fixados pelo Tribunal de 1ª Instância e pelo Tribunal da Relação Lisboa, devem advir de factos supervenientes.
X-Não impendia sobre o Tribunal a quo na sentença que antecipou o juízo sobre a causa principal, apreciar a matéria de facto, indicar os meios de prova e os fundamentos. (Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 699/17.9T8STR.L1-6 de 15-03-2018)
XI-Não existindo qualquer facto superveniente que implique uma alteração da matéria de facto, esta só poderá ser alterada mediante impugnação em sede própria, ou seja, mediante recurso interposto da decisão que não decretou a providência, com impugnação da matéria de facto ao abrigo do artigo 640º do CPC.
XII-Se a Apelante pretende colocar em crise os prazos legais, o seu descontentamento deve ser direcionado para o Tribunal Constitucional, o Tribunal da Relação de Lisboa não é a sede própria para reclamar/contestar prazos legais.
XIII-Os factos que a Apelante pretende adicionar e constantes nos i, ii, iii, iv da alegações, dizem respeito a outros contratos, que não são objecto da presente acção, tendo sido executados no passado, devido a incumprimentos da Apelante.
XIV-Os factos v., vi, vii indicados nas alegações da Apelante são despojados de qualquer interesse, o facto v. é um replica do facto 60 e os factos vi, vii são caracterizadores de um estado de alma da Apelante e “juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios e valorações de factos“ são irreconhecíveis como base instrutória.
XV-Sem se conceder, por mero dever de patrocínio, caso fosse possível adicionar/alterar a matéria de facto, os factos indicados pela Apelante não alterariam a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
XVI-Nem condenariam a Apelada em abuso de direito.
XVII-No quinto parágrafo da pág. 28 das alegações, a Apelante refere o seguinte:
“ (…) face à mora que existia, há muito que a Apelada podia ter resolvido o contrato de locação financeira, o que bem sabia a Apelante. Isto é, notificar a Apelante para o pagamento, informando-a que, após decurso do prazo, o contrato será resolvido, representa apenas informá-la que o credor está disposto a lançar mão de uma prorrogativa legal que ambas as partes conheciam há muito.
XVIII-Ou seja, ao contrário do alegado pela Apelante, a resolução do contrato de locação financeira não foi uma surpresa, pelo contrário há muito que a Apelante aguardava a resolução do contrato.
XIX-A data de transferência desses valores pela Apelada não é merecedor de qualquer destaque, muito menos será aquele que a Apelante pretende assacar.
XX-A interpelação admonitória efectuada pela Apelada cumpre os requisitos legalmente exigidos, pelo que é validamente eficaz.
XXI-Não tendo a Apelante regularizado os valores em dívida, a Apelada enviou a carta de interpelação admonitória por carta registada com aviso de recepção, tendo sido igualmente remetida no dia 7 de Junho de 2019 por email, conforme facto provado n.º 33.
XXII-A concepção de prazo razoável varia de processo para processo
XXIII-Desde Fevereiro de 2018, data do primeiro incumprimento, a Apelada foi concedendo prazos para regularização do valor em dívida, não tendo a Apelante cumprindo nenhum dos prazos e/ou regularizado o seu incumprimento, inclusivamente incumpriu o acordo que havia proposto.
Pelo que,
XXIV- O prazo concedido na carta de interpelação admonitória é um prazo razoável para a Apelante proceder ao pagamento do montante em dívida.
Até porque,
XXV- Conforme alega a Apelante, esperava a qualquer momento a carta de interpelação admonitória e a resolução do contrato de locação financeira.
XXVI-Notoriamente a Apelada fez transparecer na interpelação admonitória a sua falta de interesse na manutenção do contrato.
XXVII-A Apelada na carta de interpelação admonitória refere que a obrigação se terá por definitivamente incumprida, quando explicitamente refere, se a Apelante não proceder ao pagamento das rendas até ao 14 de junho de 2019, iria resolver o contrato.
XXIX-Recorrer da sentença que determinou a antecipação do juízo sobre a causa principal não será a sede própria para alegar o abuso de direito.
XXX-Conforme referido pela Apelante na pág. 28 das alegações, quinto parágrafo:
“ (…) face à mora que existia, há muito que a Apelada podia ter resolvido o contrato de locação financeira, o que bem sabia a Apelante. Isto é, notificar a Apelante para o pagamento, informando-a que, após decurso do prazo, o contrato será resolvido, representa apenas informá-la que o credor está disposto a lançar mão de uma prorrogativa legal que ambas as partes conheciam há muito.
XXXI-A Apelante não ficou surpresa, bem sabendo, que face à mora existente, era motivo para a Apelada, a qualquer momento, resolver o contrato.
XXXII-A pedido dos seus clientes, tenta chegar acordo e altera as condições de pagamento dos empréstimos, consoante as possibilidades de pagamento dos clientes, sempre em cumprimento das regras do Banco de Portugal.
XXXIII-O mesmo sucedeu-se com a Apelante, após os sucessivos incumprimentos da Apelante, a Apelada aceitou um acordo proposto pela Apelante, que esta incumpriu.
XXXIV-A Apelada sempre agiu de boa fé tendo dado todas as possibilidades à Apelante para regularizar o valor em dívida.
XXXV-Conforme atesta os factos provados, após um mês da data de formalização do contrato de locação financeira, Fevereiro de 2018, a Apelante esteve sempre em incumprimento.
XXXVI-Forçosamente impõe-se à Apelada alegar, que é a Apelante que age de má fé, reflectindo, que foi desmerecedora dos prazos concedidos pela Apelante para pagamento, bem como ter aceite um acordo proposto pela Apelante, que nunca chegou a cumprir.
XXXVII-Foi a Apelada que ficou surpreendida com os incumprimentos da Apelante, advindo o contrato de locação financeira objecto da presente acção da resolução de um contrato anterior por incumprimento do pagamento das prestações, a Apelada estava convicta que a Apelante iria cumprir com o presente contrato, pois bem sabia, que a Apelada iria resolver o contrato no caso de não proceder ao pagamento das rendas e caso fosse necessário recorreria ao Tribunal para reaver os imóveis.
XXXVIII-A Apelada resolveu o contrato de locação financeira após sucessivos incumprimentos e após o incumprimento do acordo proposto pela Apelante.
XXXIX-A Apelante refere os imóveis objectos do contrato de locação financeira como um activo seu e que tem interesse em vender, o que lhe permitirá reequilibrar-se financeiramente.
XL-A Apelante deturpa a realidade, uma vez que não pode vender imóveis que pertencem à Apelada.
XLI-A resolução do contrato de locação financeira é lícita, válida e eficaz
XLII- Tendo o contrato de locação financeira sido validamente resolvido, a questão do abuso de direito não se coloca, nem será no recurso da sentença que antecipou o juízo sobre a causa principal.
XLIII-A sentença proferida pelo Tribunal a quo não está ferida de nulidades.
XLIV-Andou bem o Tribunal a quo ao decidir antecipar o juízo sobre a causa principal.

***

IIFUNDAMENTAÇÃO

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)-As invocadas nulidades da sentença;
b)-Impugnação da Matéria de Facto com aditamento de novos factos;
c)-A revogação da sentença, com indeferimento da antecipação de juízo, por:
i)-Falta de verificação dos requisitos legais;
ii)-Exercício abusivo do direito de resolução do contrato.

Vejamos estas questões.

Previamente, importa considerar a factualidade decidida pela 1ª instância.

***

2Matéria de Facto

A 1ª instância decidiu a seguinte factualidade:

FACTOS PROVADOS
Tendo em conta o teor da sentença proferida e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, mostram-se assentes os seguintes factos:
1–A Caixa Central no âmbito da sua actividade bancária, em 5 de Junho de 2008, adquiriu à sociedade denominada D – Sucursal em Portugal, por indicação da Locatária Engenharias, SA, ora Requerida:
- A fracção autónoma designada pelas letras “AE”, …de Algés, pelo valor de € 750.000,00 (setecentos cinquenta mil euros);
- A fracção autónoma designada pelas letras “BQ”,… Algés, pelo valor de 10.000,00 (dez mil euros);
-A fracção autónoma designada pelas letras “BR”,… Algés, pelo valor de 10.000,00 (dez mil euros);
-A fracção autónoma designada pelas letras “CH”,… Algés, pelo valor de 10.000,00 (dez mil euros);
- A fracção autónoma designada pelas letras “CI Algés, pelo valor de 10.000,00 (dez mil euros);
- A fracção autónoma designada pelas letras “CJ”,… Algés, pelo valor de 10.000,00 (dez mil euros);
2À Caixa crl pertencem as fracções autónomas supra identificadas.
3O referido prédio encontra-se registado a favor da Caixa crl pela inscrição Ap. 33 de 2008/07/01.
4Em 2 de Janeiro de 2018, Caixa crl celebrou com a Requerida um acordo que denominaram de “contrato de locação financeira imobiliária n.º 101.419”.
5Através do referido acordo, a Caixa crl cedeu à Requerida a utilização das fracções autónomas supra identificadas.
6Pelo mesmo acordo, foi fixado o preço de € 360.327,97 (trezentos sessenta mil trezentos vinte sete euros e noventa sete cêntimos), correspondendo a cada uma das fracções, os valores que que se indicam:
- Fracção AE foi fixado o valor de € 337.807,47
- Fracção BQ foi fixado o valor de € 4.504,10
- Fracção BR foi fixado o valor de € 4.504,10
- Fracção CH foi fixado o valor de € 4.504,10
- Fracção CI foi fixado o valor de € 4.504,10
- Fracção CJ foi fixado o valor de € 4.504,10
Total: € 360.327,97 (trezentos e sessenta mil trezentos vinte sete euros e noventa sete cêntimos);
7–A Requerida comprometeu-se a pagar 66 rendas, com periodicidade mensal, sendo a 1ª no valor de € 5.814,01 (cinco mil oitocentos e catorze euros e um cêntimos), e da 2ª à 66ª no valor unitário de € 5.814,01 (cinco mil oitocentos e catorze euros e um cêntimos). (Doc. n.º 9, cláusulas n.ºs 5 e 6 das condições particulares);
8–Foi entregue uma livrança à Caixa crl, para garantir o integral cumprimento pela Requerida, de todas as responsabilidades emergentes do contrato de locação financeira;
9–A livrança foi devidamente subscrita pela Locatária, ora Requerida, e avalizada pela Sociedade Fi…, S.A., actualmente denominada TG, S.A., com data e importância em branco;
10–As rendas tinham que ser pagas até ao dia 5 de cada mês.
11–Desde o início do contrato de locação financeira n.º 101.419, a Requerida liquidava as rendas após o prazo de pagamento.
12–Foram trocados diversos emails entre a Requerente e a Requerida a solicitar a regularização das rendas em atraso.
13– O primeiro atraso da Requerida, regularizado após o prazo de pagamento, teve início em Fevereiro de 2018.
14–Os pagamentos das rendas ocorreram após o termo de pagamento, ou seja, após o dia 5 de cada mês.
15–Embora os emails remetidos pela Requerente fossem direccionados para endereços que constam a designação de outras sociedades, nomeadamente GIBB , S.A.; e Fi…, S.A., actualmente designada por TG, S.A., os administradores são comuns a todas as sociedades pertencentes ao mesmo Grupo de Empresas, em que faz parte a requerida.
16–Note-se que JMMC é presidente do conselho de administração da Requerida e da GI…, denominada como GI…e membro do concelho de administração das Sociedades GI…Internacional, S.A. e Fi…, S.A., e o mesmo acontece com Lvm que são administradores da Requerida, GI…Portugal, GI…Internacional e da avalista Tg, S.A.
17–A Requerida e a Sociedade GI…Portugal, também denominada como GI…g, têm a sede na mesma morada – …
18–Os emails foram remetidos para os endereços dados pela Requerida, como meio de contacto entre a Requerente e Requerida.
19–A Requerente enviou diversos emails a solicitar o pagamento das prestações em atraso.
20–Em 25 de Março de 2019, a Requerente remete novo email a informar que a Requerida estava em incumprimento desde Setembro de 2018, estando acumuladas 7 rendas em atraso e o valor do IMI, no total estava em dívida cerca de € 36.722,00 (trinta seis mil setecentos e vinte dois euros).
21–Referiu ainda, que atendendo ao histórico recente da Requerida junto da Requerente, esta situação de incumprimento era insustentável, não sendo aceitável a sua manutenção do protelamento dos pagamentos e a acumular valores em dívida.
22–Pelo que, aguardava a regularização dos valores vencidos até ao final do mês de Março de 2019, caso contrária dava-se início ao processo de recuperação judicial.
23–Em 27 de Março de 2019, a Requerida procede ao pagamento de algumas rendas e informou a Requerente que não conseguiam liquidar a totalidade da dívida.
24–Na sequência do email remetido pela Requerida, a Requerente informou que os valores depositados foram aplicados no pagamento das rendas mais antigas respectivos juros de mora e IMIs, ficando por pagar o valor de € 24.546,04 (vinte quatro mil quinhentos quarenta seis euros e quatro cêntimos), conforme consta no email remetido pela Requerente em 28 de Março de 2019.
25–Avisou, ainda, que existia um excessivo incumprimento, registando-se um atraso superior a 120 dias, e que seria urgentemente regularizar a fim de evitar a resolução do contrato.
26–Em 4 de Abril de 2019, a Requerente insiste no pagamento dos valores em dívida com a máxima urgência e que indicassem a data de pagamento, alertando que a ausência de resposta e a manutenção do incumprimento terá como consequência o envio do processo para contencioso.
27–No dia 3 de Maio de 2019, a Requerente volta a insistir no pagamento referindo, que face à ausência de resposta ao email remetido em 4 de Abril de 2019 e mantendo-se a situação de incumprimento iriam iniciar os necessários procedimentos judiciais para a recuperação do bem e cobrança dos montantes em dívida relativos ao contrato de leasing n.º 101.419 celebrado com a En., S.A.
28–Em 3 de Maio de 2019, a Requerida informa que regularizou a renda n.º 12 decorrente do contrato de locação financeira n.º 101.419, encontrando-se regularizadas as rendas referentes ao ano de 2018;
29–Posteriormente a Requerida remeteu um plano de pagamento das rendas em atraso, que foi aceite pela Requerente e não foi cumprido pela Requerida;
30–A Requerente, em 3 de Junho de 2019, avisou a Requerida que: “Atendendo a que mais uma vez os prazos indicados não foram cumpridos, vimos desde já informar que caso os valores vencidos não sejam integralmente regularizados até ao próximo dia 5 de Junho, num total de € 29.374,00, o processo seguirá para a recuperação judicial sem novo aviso.”;
31–Mantendo a Requerida a situação de incumprimento desde Fevereiro de 2019 e não tendo regularizado o pagamento de € 29.374,00 (vinte nove mil trezentos setenta quatro euros) até ao dia 5 de Junho de 2019, a Requerente enviou no dia 6 de Junho de 2019, carta registada com aviso de recepção, a conceder o prazo até ao dia 14 de Junho de 2019, para proceder ao pagamento das rendas em atraso no valor de € 29.377,86 (vinte nove mil euros e trezentos setenta sete euros e oitenta seis cêntimos), caso contrário a Requerente resolvia o contrato, sendo exigíveis os valores vencidos em dívida, acrescidos do valor de IMI relativo ao ano de 2018 e do valor de indemnização, que na data da carta ascendia a € 57.255,81 (cinquenta sete mil duzentos cinquenta cinco euros e oitenta um cêntimos);
32–A carta foi igualmente remetida para a avalista Fi…, S.A, actualmente denominada TG, S.A.;
33–Além da Requerente ter remetido a carta datada de 6 de Junho de 2019 registada com aviso de recepção, remeteu-a igualmente por email para a Requerida, no dia 7 de Junho de 2019;
34–Apesar de a Requerida ter sido notificada, a Requerente não obteve qualquer resposta ou pagamento da quantia até ao prazo fixado - 14 de Junho de 2019;
35–A Requerente, em 18 de Junho de 2019, remeteu carta registada com aviso de recepção a declarar a resolução do contrato de locação financeira;
36–A Caixa crl procedeu ao registo da referida locação financeira, tendo requerido o seu cancelamento, nos termos do art. 21.º do Dec./Lei n.º 149/95 de 24/6, com a redacção actualizada pelo Dec./Lei n.º 30/2008 de 25-02;
37–Apesar de instada pela Requerente, a Requerida não entregou os imóveis, nem procedeu ao pagamento do capital vincendo no valor de € 269.046,09 (duzentos e sessenta nove mil quarenta seis euros e nove cêntimos) e uma indemnização no valor de € 57.255,81 (cinquenta sete mil duzentos cinquenta cinco mil e oitenta um cêntimos) e restantes valores em dívida, nomeadamente, juros de mora, IMI e despesas;
38–Até à presente data, não lhe entregou voluntariamente o imóvel;
39–A Requerente encontra-se impedida de usar, fruir e dispor livremente, dos imóveis supra referidos, nomeadamente vendendo-os ou dando-os de novo em locação financeira;
40–Nas situações em que a renda foi paga após a data de vencimento, a Requerida sempre teve o cuidado de comunicar previamente à Requerente a sua dificuldade em cumprir as suas obrigações, mantendo a Requerente a par da sua situação financeira, que, como é do seu conhecimento, é de grande dificuldade há anos;
41–Sendo disso exemplo a negociação do Contrato de Locação Financeira n.º 100.608, em consequência do seu não cumprimento, e que tinha como objecto o mesmo imóvel que está em causa nos presentes autos;
42–Tal negociação culminou na cessação do Contrato de Locação Financeira n.º 100.608, relativo ao mesmo imóvel, e na reestruturação do financiamento da Requerida;
43–Tendo sido acordada a formalização da operação de (re)locação imobiliária do imóvel em causa, que originou posteriormente o Contrato de Locação Financeira n.º 101.419, objecto dos presentes autos;
44–Que implicou a estipulação de 66 rendas, que corresponde à duração de 5 anos e meio, ao invés dos 15 anos relativos ao Contrato de Locação Financeira n.º 100.608;
45–A Requerida iniciou, junto do Juiz 2 do Juízo de Comércio de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, um processo especial de revitalização – que originou o processo n.º 13583/16.4T8SNT –, por se encontrar em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, apesar de ser susceptível de recuperação, pretendendo estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir esses acordos conducentes à sua revitalização;
46–Tendo sido nomeado para o efeito um Administrador Judicial Provisório, uma vez “Reunidos os pressupostos para que se tramite o processo especial de revitalização”;
47–Posteriormente, foi elaborada a lista provisória de credores;
48–O Plano em causa não foi aprovado;
49–Situação semelhante teve a Gi…, S.A., no âmbito do Processo Especial de Revitalização com o n.º 15177/16.5T8SNT, que correu termos no Juiz 4 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, em que viu o seu plano de revitalização ser homologado – ao invés da Requerida;
50–As dificuldades financeiras da Requerida tiveram origem noutras sociedades comerciais do Grupo, fundamentais para a sua subsistência, bem como ao não cumprimento por parte dos seus fornecedores das obrigações assumidas perante si, com os consecutivos atrasos de pagamento;
51–Por isso, nesse referido e-mail de 03.05.2019, foi solicitado pela Requerida que lhe fosse concedido «mais algum tempo para resolver a situação», uma vez que tinham «todo o interesse em regularizar a situação e ficar em dia com a vossa instituição», aqui
Requerente;
52–Após o envio do mencionado e-mail de 03.05.2019, pelas 13:17, nesse mesmo dia – e conforme resulta, uma vez mais, do doc. n.º 20.º do RI –, cerca de uma hora e meia depois, a Requerida voltou a enviar um e-mail à Requerente (14:59) juntamente com o comprovativo de transferência bancária;
53–A Requerente enviou uma comunicação à Requerida – cf. doc. n.º 22 do RI – a solicitar o pagamento da quantia de € 29.377,86 até ao dia 14.06.2019, sob pena de resolução do contrato;
54–Comunicação essa que foi recebida pela Requerida apenas a 11.06.2019;
55–A Requerida respondeu a 18.06.2019, através de mensagem de correio electrónico, a juntar o comprovativo do pagamento de € 29.377,86, efectuado por transferência bancária;
56–O pagamento do valor em causa não foi efectuado mais cedo em consequência das dificuldades económicas acima descritas, bem como pelo escasso tempo que mediou a recepção da comunicação em causa, 11.06.2019, e o prazo limite de pagamento conferido pela Requerente, 14.06.2019, sendo que dia 13 de Junho é feriado municipal em Lisboa;
57–A requerida facultou/disponibilizou à requerente os montantes referentes às rendas vencidas e respeitantes aos meses de Junho, Agosto e Setembro de 2019, os quais foram pela requerente posteriormente devolvidos;
58–A 27.06.2019, a Requerida, através da sua mandatária, respondeu à comunicação de resolução do contrato de locação financeira celebrado entre as Partes, por carta registada esta, com a ref.ª RH252727240PT, que foi recebida pela Requerente no dia 28.06.2019;
59–A Requerente não respondeu à referida comunicação da Requerida;
60–Na sequência do referido em 57, passou a requerida a proceder doravante ao depósito – em conta bancária titulada n.º 9..0 4.........0 que dispõe junto da Requerente - mensal de um montante de igual valor ao das rendas vincendas e referentes ao Contrato de Locação Financeira n.º 101 419;
61–O imóvel objecto do Contrato de Locação Financeira em causa corresponde ao único activo relevante presente no Balanço (individual e consolidado) da Requerida em 30.06.2019;
62–O passivo da Requerida, a essa data, é de € 2.337.670,57;
63–O valor do Contrato de Locação Financeira é de € 360.327,97, de acordo com a Cláusula 3 das Condições Particulares do doc. n.º 9 do RI;
64–O valor da renda é de € 5.814,01;
65–À data da entrada da acção em juízo encontravam-se pagas 22 rendas, o que perfaz o total de € 127.908,22;
66–Foi pago o valor de € 127.908,22 de € 360.327,97;
67–Sendo, assim, a diferença de € 232.419,75;
68–O imóvel em discussão encontra-se avaliado em Quinhentos e Oitenta e Nove Mil Euros;
69–E, no que diz respeito à locação financeira em causa (2513), conforme resulta da pág. 3 do Balanço junto, o saldo credor é de € 269.046,09;
70–É intenção da Requerida proceder à venda do imóvel objecto do Contrato de Locação Financeira;
71–Na hipótese da Requerida vender o imóvel em causa, liquidando imediatamente o valor em dívida junto da Requerente, referente às restantes 44 rendas, aquela terá um encaixe financeiro de € 319 953,91, lucro este que a Requerida não terá se a presente providência for decretada;
72–A Requerida não tem praticamente actividade;

Mais resulta dos autos,
73–Do teor do contrato de locação financeira celebrado e junto com o Requerimento Inicial como doc. 9, consta:
Condições Gerais
Cláusula 18.ª – Mora no pagamento das rendas
Considera-se existir mora no pagamento das rendas quando qualquer uma das suas prestações não for integralmente liquidada no prazo máximo de 7 dias seguidos, contados a partir do dia seguinte ao da data do seu vencimento.
Cláusula 19.ª – Resolução do contrato
1.- O Contrato pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, designadamente em resultado da mora no pagamento das rendas, conforme previsto na cláusula 18.ª.
(…)
3.-Verificados os pressupostos referidos nos números anteriores, a resolução do Contrato por iniciativa do Locador considera-se efectuada, sem qualquer outra formalidade no oitavo dia posterior à notificação, nesse sentido, pelo Locador ou Locatário por meio de carta registada.
4.-A notificação prevista no número anterior considera-se efectuada desde que tenha sido enviada para a última morada que o Locatário tenha indicado ao Locador e no quinto dia útil posterior ao da data de registo do correio.
5.- Em consequência da resolução efectuada nos termos dos números anteriores, fica o Locatário obrigado a:
a)- Desocupar o Imóvel focado e a restitui-lo ao locador em bom estado de conservação, devoluto e livre de pessoas e bens, no prazo máximo de quinze dias a contar da data da resolução;
b)- Pagar as prestações vencidas e não pagas, acrescidas dos Juros de mora contados desde a data do seu vencimento até à data do pagamento efectivo e calculadas nos termos previstos no n.º 2 da Cláusula 20.ª;
c)- Pagar, a título de indemnização uma importância igual a 20% da soma das rendas ainda não vencidas à data da resolução, com Valor Residual, acrescido dos juros de mora contados desde a data de resolução até à data do pagamento efectivo e calculados nos termos previstos no n.º 2 da Cláusula 20.ª..
6.- Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o Locatário não proceder à restituição do Bem dentro do prazo fixado pelo Locador, pode este requerer ao Tribunal as medidas necessárias à recuperação do Imóvel, designadamente providência cautelar consistente na sua entrega imediata e no cancelamento do registo e ao exercido pleno dos seus direitos de proprietário, sem prejuízo de ser devida pelo Locatário ao Locador uma indemnização correspondente a 1/30, 1/90 ou 1/180 do valor da última renda, conforme esta tenha periodicidade mensal, trimestral ou semestral, por cada dia que decorrer entre o termo do Contrato e efectiva restituição do Bem.
7.-Em alternativa à resolução do Contrato, prevista nos números anteriores, poderá o Locador exercer os seus direitos de crédito sobre o Locatário que se considerarão todos vencidos no momento em que ocorra algum dos pressupostos referidos nos números 1 e 2 desta Cláusula. Nesta hipótese, todos os créditos vencerão juros a partir desse momento nos termos previstos no n.º 2 da Cláusula 20.ª. (…)”

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3As Questões Enunciadas

3.1- Questão Prévia: o enquadramento jurídico e a caracterização da antecipação de juízo (definitivo) no procedimento cautelar de entrega judicial de bem objecto de contrato de locação financeira.

Este procedimento processual foi instaurado ao abrigo do artº 21º do DL 149/95, de 26/04, com as alterações introduzidas pelo DL 30/2008, de 25/02, relativo à providência cautelar de entrega judicial de bens objecto de locação financeira, tendo sido requerida, logo no requerimento inicial, a posterior antecipação de juízo sobre a solução definitiva da pretensão de restituição dos bens nos termos do artº 21º nº 7 do DL 149/95, de 24/06, na redacção dada pelo DL 30/2008, de 25/02.

Como é sabido, o regime jurídico do contrato de locação financeira foi introduzido, no nosso ordenamento jurídico, pelo DL 171/79, de 06/06. Posteriormente, esse regime foi profundamente alterado pelo DL 149/95, de 26/04, que, além do mais, veio alargar o leque de bens susceptíveis de serem dados em locação financeira, simplificando a forma do contrato, reduzindo os prazos mínimos da locação e esclarecendo/explicitando os direitos e deveres das partes. Para além disso o legislador, com vista a reduzir os riscos do locador com a perda o deterioração dos bens locados, instituiu a providência cautelar, com natureza antecipatória, consistente na entrega judicial do bem locado ao locador e cancelamento do registo – este nas situações aplicáveis – nos casos em que o locatário não proceda à entrega voluntária do bem locado depois de extinta a relação contratual, por resolução ou por caducidade. Ainda posteriormente, pelo DL 30/2008, de 25/02, o legislador procedeu a novas alterações de fundo ao regime da entrega judicial do bem locado, estatuindo que o tribunal pode antecipar a apreciação do mérito da causa no próprio procedimento cautelar evitando-se, desse modo, a propositura desnecessária de acções judiciais com vista ao reconhecimento do incumprimento e da resolução do contrato de locação financeira (Cf. Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 3ª edição, pág. 148).

Efectivamente, determina o artº 21º nº 7 do DL 149/95 na redacção dada pelo DL 30/2008, que:
7-Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso.” (sublinhado nosso).

E por sua vez, o nº 2 e o nº 1 do mencionado artº 21º estabelecem que:
1-Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efectuar por via electrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata
ao requerido.

2-Com o requerimento, o locador oferece prova sumária dos requisitos previstos no número anterior, excepto a do pedido de cancelamento do registo, ficando o tribunal obrigado à consulta do registo, a efectuar, sempre que as condições técnicas o permitam, por via electrónica.”

Pois bem, destes normativos decorre que se ao processo foram trazidos os “elementos”/factos necessários à solução definitivado caso, o juiz, ouvidas as partes, antecipa o juízo sobre a causa principal, ou seja, sobre a restituição definitiva do bem dado em locação.

Ora, como se mencionou, trata-se de procedimento cautelar com natureza antecipatória. Na verdade, o objecto da causa principal é julgado no procedimento cautelar obtendo o requerente a satisfação da pretensão material que, em regra, apenas com a sentença numa acção viria a alcançar. Ou seja, através deste tipo de providências antecipam-se efeitos próprios da decisão da acção principal, sendo, por conseguinte, satisfeita a pretensão do requerente, o que, supostamente, sem intervenção cautelar, apenas seria possível através da conclusão da acção principal. (Rita Lynce de Faria, A Tutela Cautelar Antecipatória no Processo Civil Português – Um difícil equilíbrio entre a Urgência e a Irreversibilidade, Dissertação de Doutoramento, Universidade Católica Editora, 2016, pág. 225).
A tutela antecipatória nos procedimentos cautelares pressupõe que exista identidade de partes e de objecto do procedimento cautelar e o da acção principal e que a utilidade seja a mesma entre ambas. A antecipação traduz-se, pois, na realização, no próprio procedimento, dos efeitos inerentes à acção principal, em momento anterior ao percurso temporal e processual normal.
Como resume Rita Lynce de Faria (A Tutela Cautelar Antecipatória…, cit., pág. 230) “…a antecipação da tutela pode ocorrer em vários planos diferentes – o processual/formal, o jurídico/material e o concreto/de facto – sendo legítimo afirmar que, em sentido rigoroso, apenas existe tutela antecipatória quando se verifique uma equivalência no que toca às três dimensões. Quando a identidade ocorra somente parcialmente, a antecipação apenas existirá num sentido atécnico.
Em primeiro lugar, no plano processual ou formal, a antecipação manifesta-se pela obtenção da mesma tutela que se obteria mais tarde, antes do momento potencialmente previsto. O que implica que através da tutela antecipatória, seja declarado o direito nos mesmos termos da decisão que se antecipa. No plano jurídico material, a antecipação identifica-se pela “aplicação das mesmas normas para os mesmos factos, de que se retira o direito subjectivo”. Finalmente, no plano concreto ou de facto, a antecipação traduz-se na obtenção precoce, pelo autor, do mesmo efeito útil executivo que apenas a tutela que se antecipa lhe asseguraria.”
Em suma, neste tipo de procedimento, o juiz antecipa o juízo de solução definitiva do caso subsumindo os mesmos factos às mesmas previsões normativas para produzir os mesmos efeitos jurídicos, de modo definitivo, daquela que seria a acção principal a interpor posteriormente que, assim, é dispensada.

Dito isto, entremos agora na apreciação das questões enunciadas.

3.2As Nulidades da Sentença.

A apelante argui que a sentença padece de três nulidades:
i)-Por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC;
ii)-Por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC; e
iii)-Erro de julgamento quanto à matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC.

Vejamos.

3.2.1- A invocada nulidade por falta de fundamentação.
Diz a apelante que a 1ª instância não fundamentou a sentença, considerando provados os mesmos factos da providência sem fundamentar a decisão de facto e, que a ausência de análise de prova consubstancia falta de fundamentação da sentença.
Será assim?

Vejamos.

Ora bem, embora exista o entendimento no sentido de a nulidade por falta de fundamentação de facto dizer respeito, apenas, ao julgamento de provado/não provado, face ao que menciona o artº 607º nº 3, 1ª parte e, 607º nº 4, 1ª parte do CPC, e não à motivação ou convicção do juiz (artº 607º nº 4, 2ª parte, do CPC), sendo que esta falta de motivação constituiria uma deficiência de fundamentação quanto à matéria de facto que consubstancia uma nulidade processual prevista no artº 195º nº 1 do CPC (Cf. ac. RP, de 29/09/2014 (Alberto Ruço); e ac. RL, de 29/10/2015 (Olindo Geraldes); e que o dever de fundamentação da matéria de facto previsto no artº 607º nº 4 do CPC não se confunde com o dever de fundamentação da decisão final nos termos do artº 615º nº 1, al. b) do CPC (ac. RP, de 19/06/2017 (Miguel Baldaia de Morais)A verdade é que, entendemos, que a nulidade da sentença, por falta de fundamentação nos termos do artº 615º nº 1, al. b) do CPC diz respeito tanto ao julgamento de provado/não provado (artº 607º nº 3, 1ª parte do CPC), como à motivação ou convicção (artº 607º nº 4, 2ª parte, do CPC) que os sustenta. (Cf., na doutrina, Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL, 2020, pág. 80 e segs; na jurisprudência, ac. RP, de 17/04/2012 (Carlos Gil), apud Rui Pinto, Manual do Recurso…, cit., pág. 81; e, ac. RG, de 18/01/2018 (António Barroca Penha) www.dgsi.pt).

Assim, à primeira vista, poderia parecer que face a este nosso entendimento, no caso em apreço, ocorreria a invocada nulidade da sentença por falta de motivação dos factos elencados. Porém, não é assim. E não é assim porque o juízo de antecipação constitui um procedimento especialíssimo – de resto, com semelhanças com o regime processual civil experimental  do artº 16º do DL 108/2006 e, com o regime previsto para o processo administrativo no artº 121º do CPTAF (cf. Rui Pinto Duarte, O Contrato de Locação Financeira – Uma síntese, pág. 115, edição online) - a que se aplicam as referidas regras do artº 21º nºs 1 e 2 e 7 do DL 149/95, na redacção dada pelo DL 30/2008.

Ora, como se demonstrou supra, o juízo de antecipação produz-se subsumindo os mesmos factos às mesmas previsões normativas considerados na decisão cautelar. O que significa que o juiz tem de considerar, rectius, só pode considerar o conjunto de factos que foram apurados na providência que decretou a entrega judicial (provisória) do bem dado em locação. Ou dito de outro modo, para efeitos de antecipação do juízo de solução definitiva do caso, nos termos do artº 21º nº 7 do DL 149/95, na redacção dada pelo DL 38/2008, não tem de ser apreciada, de novo, a matéria de facto nem de proceder a uma análise crítica das provas e a uma fundamentação da convicção do juiz nos termos do artº 607º nº 4 do CPC (Cf., em sentido idêntico, o acórdão da RL, de 15/03/2018 (Maria Teresa Pardal), in www.dgsi.pt). Isto porque aquela análise crítica das provas e fundamentação da convicção do juiz já tiveram lugar em sede própria: a sentença do procedimento cautelar que, provisoriamente, ordenou a entrega (judicial) dos bens dados em locação.
Pois bem, a esta vista, resta concluir que não se verifica a pretendida nulidade da sentença por falte de motivação da matéria de facto.

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3.2.2Alegada nulidade da sentença por invocado erro de julgamento.
A apelante invoca que a sentença é nula por (alegado) erro de julgamento quanto à matéria de facto, invocando o artº 662º do CPC porque, segundo diz, deveria ter considerados os pontos de factos 41 a 44, que invocou na oposição ao procedimento e que consubstanciam facto principais relativamente à excepção de abuso de direito, bem como os pontos 62 a 66 são relevantes para a decisão da causa e que foram demonstrados pelos documentos juntos e pelos depoimentos de RA e de IC; propõe o aditamento de quatro pontos de facto, que especifica. E o mesmo refere relativamente aos pontos 53, 54 e 138 da oposição e propõe se aditem mais três pontos de factos, que igualmente especifica.

Vejamos.

Pois bem, como é fácil de perceber, o eventual erro de julgamento de facto não se confunde com nulidades da sentença.
As nulidades da sentença resultam da violação da lei processual, pelo juiz, no momento da decisão, nos expressos casos previstos no artº 615º nº 1 do CPC. Assim, será nula a sentença se o juiz não a assinar (al. a); se não especificar os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão (al. b); se ocorrer oposição entre fundamentos e a decisão ou se verifique alguma obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível (al. c); ou se o juiz conhecer questões que não devia ou deixe de conhecer questões que tinha de conhecer (al. d); ou condene em objecto diverso ou em quantidade superior ao pedido (al. e).

O erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto não consta do mencionado elenco taxativo das nulidades da sentença. E, como bem explica o acórdão do STJ, de 23/03/2017 (Tomé Gomes, in www.dgsi.pt) “I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5º, nº 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607º, nº 4, 2ª parte (…) III. O mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis, necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.”.
Tanto basta para se concluir que não se verifica esta pretendida nulidade da sentença.
Isto sem prejuízo de as pretendidas alterações sobre a matéria de facto ser apreciada infra, em sede de impugnação sobre a decisão da matéria de facto.

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3.2.3A nulidade da sentença por alegada omissão de pronúncia.
Pretende a recorrente que a sentença padece de nulidade, por omissão de pronúncia, por não ter conhecido da questão do abuso de direito da requerente na resolução do contrato.
Pois bem, como é sabido, quando no artº 615º nº 1, al. d) do CPC se comina com nulidade a sentença, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” está a referir-se às questões que constituem o objecto da sentença.Ou seja, o artº 615º nº 1, al. d) deve ser conjugado com o artº 608º, relativo às questões a resolver na sentença. E essas questões, que se impõem ao juiz que resolva na sentença são, em primeira linha, por uma ordem de precedência lógica, as questões de forma, susceptíveis de conduzir à absolvição da instância (artº 608º nº 1) e, principalmente, as questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedidoou como fundamento das excepções e, ainda, as que o juiz possa, rectius, deva conhecer ex officio (artº 608º nº 2).

No caso em apreço, a sentença sob impugnação, efectivamente, não conheceu da alegada excepção de abuso de direito. E a questão que se coloca é a de saber se essa sentença, ora sob recurso, tinha de conhecer essa excepção. Ou dito de outro modo, se a excepção de abuso de direito fazia parte das questões a apreciar em sede de sentença que antecipou o juízo definitivo sobre a entrega judicial das fracções.

A resposta é negativa.

Em primeiro lugar, importa salientar que estamos em sede de recurso da sentença que procedeu ao juízo de antecipação da solução definitiva do caso.

Ora, como decorre do artº 21º nº 7 do DL 149/95 (na redacção dada pelo DL 30/2008) a sentença que envolve o juízo de antecipação da solução definitiva tem, somente, de verificar se estão reunidos/demonstrados os requisitos de que o artº 21º nºs 1 e 2 do DL 149/95 faz depender a decisão (provisória) de entrega judicial de bem dado em locação financeira: (i) cessação do contrato, por resolução ou pelo decurso do prazo – neste caso sem ter sido exercido o direito de compra - e, (ii) o locatário não proceder à restituição do bem ao locador.

Não têm de ser apreciadas, em sede de juízo de antecipação da solução definitiva, quaisquer excepções que tenham sido opostas em sede de oposição ao procedimento cautelar (Cf. ac. RL, 15/03/2018 (Maria Teresa Pardal) www.dgsi.pt).

De resto, se a requerida, ora apelante, entendia que se verificava a excepção de abuso de direito, obstativa da eficácia da resolução do contrato, deveria ter reagido, em sede de recurso da decisão que decretou a restituição provisória das fracções dada em locação financeira, através de ampliação o âmbito do recurso, nos termos do artº 636º do CPC. Na verdade, como é sabido, a ampliação do âmbito do recurso, pode ocorrer quando o decaimento respeite apenas a algum dos fundamentos, de facto ou de direito, da acção ou da defesa sem, no entanto, afectar o resultado da decisão que permanece totalmente favorável à parte. Ou seja, apesar de obter vencimento, nem todos os argumentos da parte vencedora foram aceites e, precavendo-se contra eventual acolhimento, pelo tribunal de recurso, dos fundamentos invocados pelo recorrente, nesse caso, a parte recorrida/apelada pode ampliar o objecto do recurso, nos termos do artº 636º nº 1. Porém, a ora apelante não o fez.

Saliente-se ainda que, mesmo que se considerasse que essa falta de pronúncia sobre a excepção de abuso de direito, em sede de decisão sobre a providência cautelar propriamente dita, constituía uma nulidade daquela sentença, por omissão de pronúncia, a verdade é que tinha de ser invocada em sede de recurso daquela sentença. Na verdade, as nulidades da sentença não são de conhecimento oficioso, pelo que se não forem arguidas pela parte, sanam-se como decurso do prazo para a sua arguição. (Cf. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil…cit., pág. 77).
Em suma, não se verifica a pretendida nulidade por omissão de pronúncia.

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3.3A impugnação da matéria de facto.
A apelante pretende seja alterada a matéria de facto em termos de serem considerados os pontos de factos 41 a 44 que invocou na oposição ao procedimento e que consubstanciam, segundo elas, factos principais relativamente à excepção de abuso de direito, bem como invoca que os pontos 62 a 66 são relevantes para a decisão da causa e que foram demonstrados pelos documentos juntos e pelos depoimentos de RA e de IC; propõe o aditamento de quatro pontos de facto - viii.- No final do verão de 2017 a Requerida tinha dois contratos em atraso para com a Ré e para os quais já a empresa tinha sido interpelada: - Contrato de Locação Financeira Imobiliária nº 100.608, com rendas em atraso de cerca de 61 mil euros, aos quais acresciam juros de mora, indemnização e outros encargos que perfaziam um total de € 137.726,06 conforme carta registada da Ré de 20/09/2017; - Contrato de Mútuo referente a um PME Invest cujo valor em dívida ascendia a cerca de 71 mil euros, aos quais acresciam Juros e comissões que perfaziam um total de € 79.583,63, conforme execução entretanto colocada pela Ré. ix.- Após diversas reuniões, foi aceite pela Requerente a desistência das acções executivas e a retoma do contrato de locação financeira imobiliária mediante o pagamento a pronto de € 149.206,48 (cento e quarenta e nove mil duzentos e seis euros e quarenta e oito cêntimos), que correspondia a todos os valores solicitados pela Ré nas suas acções judiciais (adicionado de mais alguns juros e despesas judiciais), deduzido apenas do valor da indemnização de cerca de 72 mil euros, que tinha sido solicitado na carta de incumprimento do Contrato de Locação Financeira de 20/09/2017.
x.- Foi imposição da Requerente à Requerida o pagamento do mútuo referente ao PME Invest para aceitação de renegociação e retoma do contrato de locação financeira imobiliária. xi. Assim, para não se perder o imóvel e como a Requerida não disponha de tesouraria para tal pagamento, foi o seu acionista FI…, S.A. quem, em 06/12/2017, liquidou o valor à deixando de existir o Contrato de Mútuo e retomando-se (através de um novo contrato) a Locação Financeira Imobiliária do edifício.”

E o mesmo refere relativamente aos pontos 53, 54 e 138 da oposição e propõe se aditem mais três pontos de factos, que igualmente especifica - xii.- À data da audiência de discussão e julgamento, os valores correspondentes às rendas devidas pelo contrato de locação financeira n.º 101.419 estavam totalmente depositadas na conta bancária indicada no contrato, na disponibilidade da Requerente. xiii.- A resolução do contrato de locação financeira n.º 101.419 surpreendeu a Requerida. xiv. A Requerida ficou surpreendida com a devolução dos valores das rendas de julho, agosto e setembro e com a informação da Requerente de que o contrato já não estava em vigor.”.
Ora bem, conforme já abundantemente se mencionou, para efeitos de antecipação do juízo de solução definitiva do caso, nos termos do artº 21º nº 7 do DL 149/95, na redacção dada pelo DL 38/2008, não tem de ser apreciada, de novo, a matéria de facto. (Ac. RL, de 15/08/2018 (Maria Teresa Pardal), www.dgsi.pt). Aliás, a antecipação caracteriza-se pela “aplicação das mesmas normas para os mesmos factos, de que se retira o direito subjectivo”.

A apelante, se não concordava com a factualidade apurada em sede sentença de procedimento cautelar de restituição provisória dos bens dados em locação, devia ter impugnado essa decisão sobre a matéria de facto mediante ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artº 636º nº 3 do CPC. Já vimos que não o fez.
Assim, somos a concluir que não é admissível a pretendida alteração da matéria de facto, indeferindo-se o recurso nesta parte.

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3.4.A revogação da sentença, com indeferimento da antecipação de juízo, por:
i)-Falta de verificação dos requisitos legais;
ii)-Exercício abusivo do direito de resolução do contrato.
A apelante pretende que a sentença que antecipou o juízo de entrega definitiva das fracções seja revogada, invocando aqueles dois argumentos.
Cumpre apreciá-los.

3.4.1Começando pelo segundo: Exercício abusivo do direito de resolução do contrato.
Segundo a apelante, a resolução do contrato constitui o exercício abusivo porque tinha adquirido a confiança de que a requerente não resolveria o contrato.
Pois bem, esta invocada excepção de abuso de direito não pode proceder por três razões.
Primeira, conforme já se afirmou supra, não é admissível, em sede de juízo de antecipação da solução definitiva, a discussão de excepções invocadas em sede de oposição à providência de entrega provisória dos bens dados em locação.
Tanto bastaria para não conhecer desta questão.
Segunda: a apelante alicerça o invocado abuso de direito na factualidade que pretendia ver aditada aos factos provados. Ora, como vimos, não é admissível, nesta fase de antecipação do juízo de solução definitiva do caso, que seja reapreciada a matéria de facto considerada em sede de providência cautelar de restituição provisória do bem dado em locação financeira. Deste modo, falhando o pretendido aditamento de pontos de facto, fica a faltar fundamento (de facto) à alegada excepção de abuso de direito na resolução do contrato. Dito de outro modo: não sendo atendidas as alterações à matéria de factos e baseando-se a pretensão de revogação da sentença, por via da alegada excepção de abuso de direito, nessas pretendidas alterações de facto, fica sem fundamento o recurso. Digamos que ocorre uma situação de inviabilidade do recurso: os pressupostos de facto em que se baseia não se verificam.
Também por aqui improcederia a pretendida revogação da sentença com base na alegada excepção de abuso de direito.
Terceira: a apelante parece confundir o instituto do abuso de direito, previsto no artº 334º do CC, com o instituto da culpa in contrahendo referido no artº 227º do CC. Na verdade, invocou circunstâncias que seriam típicas da responsabilidade pré-contratual, visto dizer que a instauração do procedimento cautelar quando as partes estavam em negociações com vista à compra das fracções pela requerida é abusiva.
Ora, como é sabido, a lei admite, expressamente, no artº 227º do CC, a responsabilidade pré-contratual, ao estabelecer que quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte. E a justificação para assim ser radica na circunstância de, ao entrarem em negociações, as partes saíram do círculo de deveres puramente negativo de contactos extracontratuais, entrando na vinculação positiva da esfera contratual, tendo por isso de evitar actuar de modo a provocar danos à contraparte. Digamos que a lei impõe a observância das regras de boa-fé durante todo o processo de formação do contrato, entendendo que a simples circunstância de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança da outra parte, confiança essa que é tutelada pelo direito. E esses deveres de boa-fé corporizam-se em deveres de protecção, que determinam que as partes, na fase de negociações devem evitar qualquer actuação susceptível de causar danos à outra parte; deveres de informação, em especial quanto às circunstâncias que possam ser relevantes para a formação do consenso da outra parte; deveres de lealdade, que se opõem a que uma parte rompa as negociações quando a outra tinha adquirido, justificadamente, a confiança de que elas iriam conduzir à celebração do contrato.
Ora, quanto à ruptura das negociações, entende a doutrina que não se pode considerar as partes vinculadas a uma obrigação de concluir o contrato apenas pelo facto de terem entrado em negociações. Somente quando na outra parte tenha sido criada a confiança justificada de que o contrato iria ser concluído e ocorre uma ruptura das negociações sem motivo legítimo, é que se pode considerar que tenha havido uma violação das regras da boa-fé, caso em que a responsabilidade pré-contratual se aplica. (Cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 7ª edição, pág. 361). A esta luz, actua ilicitamente a parte que se recusa a concluir um contrato, quando lhe é imputável uma confiança justificada em que o contrato se conclua, por exemplo, por terem as partes acordado todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo e só faltar formalizá-lo (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito do Contratos, pág. 218).”
Como se referiu, não se pode considerar as partes vinculadas a uma obrigação de concluir o contrato apenas pelo facto de terem entrado em negociações. Com efeito, como é sabido, o princípio da liberdade contratual reporta-se à competência de cada pessoa para conformar livremente as suas relações jurídicas. Analisa-se em dois subprincípios: de liberdade de conclusão do contrato e de liberdade de conformação do contrato: o primeiro está explicitamente consagrado nos artºs 232º e 233º e implicitamente no artº 405º e, o segundo, está explicitamente consagrado no artº 405º, todos do CC. A expectativa de que o negócio se concluiria não é sinónimo de confiança justificada na conclusão do negócio, pelo que a ruptura das negociações, nessa situação, não gera responsabilidade civil nem obrigação de indemnizar.
No caso dos autos, apenas veio invocada a existência de contactos com vista à aquisição das fracções pela ora apelante sem, no entanto, ser concretizado ou indicado o estado dessas negociações, o seu grau de desenvolvimento ou o aprofundamento dos pontos em discussão. O mesmo é dizer que não se pode falar de negociações cujo estadio fosse gerador de confiança justificada cuja ruptura seja fonte de responsabilidade.
Em suma, não há fundamento para considerar que a apelada actuou em abuso de direito na declaração de resolução do contrato.

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3.4.2A falta de verificação dos requisitos legais de resolução do contrato.

Entende a apelante que não estão verificados os requisitos de resolução do contrato, por falta de interpelação admonitória nos termos do artº 808º nº 1 do CC, porque não foi dado um prazo razoável para pagar, visto que recebeu a notificação no dia 11 e o prazo terminava a 14, sabendo a apelada que a apelante atravessava dificuldades financeiras; além disso, na interpelação não disse que se não pagasse perdia interesse no contrato nem que a mora se transformava em incumprimento definitivo; e ainda que quando foi enviada, no dia 18, a carta a resolver o contrato a apelada já tinha pago todas as prestações em dívida.

Vejamos.

3.4.2.1-Breve nota sobre os requisitos de deferimento da antecipação de juízo definitivo.
Como referimos e resulta do artº 21º nº 7 do DL 149/95, na redacção do DL 30/2008, o tribunal antecipa o juízo sobre a causa principal “… excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso”. Ou seja, se tiverem sido demonstrados os requisitos para restituição judicial (provisória) dos bens dados em locação, então o tribunal antecipa o juízo de restituição definitiva desses bens (Cf. Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares…, cit., pág. 149 e seg.; Rui Pinto Duarte, O Contrato de Locação Financeira…, cit., pág. 115; ac. RL, de 09/11/2011 (Maria do Rosário Barbosa); ac. RL, de 20/05/2010 (Ascensão Lopes); ac. RL, de 30/11/2017 (Luís Correia de Mendonça) - com a concordância de Miguel Teixeira de Sousa, in Blog do IPPC, 02/04/2018 (jurisprudência, 824).

Ora, são requisitos do procedimento de restituição provisória do bem e, por conseguinte, requisitos da antecipação de juízo de restituição definitiva do bem dado em locação financeira: i)-a resolução do contrato pelo locador; ou, (ii)- a caducidade do contrato pelo decurso do prazo sem que o locatário exerça o direito de aquisição do bem; (iii)- a não restituição do bem pelo locatário financeiro (Cf., entre outros, Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares…, cit., pág. 143; Fernando de Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, 2ª edição, 2011, pág. 312).

No caso em apreço, vem invocada a resolução do contrato de locação financeira e a falta de entrega das fracções autónomas dadas em locação. E esses requisitos foram considerados provados no âmbito do procedimento cautelar de restituição (provisória) das fracções autónomas.

A locatária, apelante, pretende colocar em causa a “validade” da resolução do contrato, invocando que não pode considerar-se verificada a interpelação admonitória, por:
-(i)- o prazo de três dias não ser razoável; e
-(ii)- a locadora não ter referido que perdia interesse no contrato se não fossem pagas as prestações em dívida até ao dia 14 e, que a apelada não declarou que se não fosse paga a quantia no prazo fixado, a mora se converteria em incumprimento definitivo.

Será assim?

3.4.2.2- Os requisitos de fixação do prazo suplementar.
Em primeiro lugar, o artº 808º nº 1 do CC prevê duas situações em que a mora do devedor se transforma em incumprimento definitivo:
(i)-Perda do interesse creditório no cumprimento, apreciada objectivamente (1ª parte do nº 1 e nº 2 do artº 808º do CC) decorrente de a prestação não ter sido cumprida, quando devia tê-lo sido;
(ii)-A fixação, pelo credor, de um prazo razoável para cumprimento sem que o devedor cumpra dentro desse prazo (2ª parte do artº 808º nº 1 do CC).
Interessa-nos, para o caso em apreciação, a segunda situação: fixação de um prazo razoável para cumprimento.
Em termos práticos, a 2ª parte do nº 1 do artº 808º do CC quer significar que o credor tem de fixar ao devedor, que não cumpriu à primeira, um prazo adicional ou suplementar para que (o devedor) realize a prestação à segunda.
Como refere Nuno Pinto Oliveira (Princípios de Direito dos Contratos, 2011, pág. 811)Em termos mais rigorosos: depois de o prazo suplementar terminar, sem que o devedor realize a prestação, a obrigação não cumprida aproxima-se (temporária e transitoriamente) de uma obrigação de faculdade alternativa a parte creditoris.” Ou seja, depois de ser fixado o prazo adicional sem que o devedor realize a prestação, o credor pode optar por exercer o direito subjectivo ao cumprimento, ou o direito subjectivo à indemnização, ou o direito potestativo à resolução (A e ob. cit., pág. 813).

3.4.2.2.1-A advertência da conversão da simples mora em incumprimento definitivo.
Quanto aos requisitos desse prazo suplementar, Batista Machado (Pressupostos da Resolução por Incumprimentos, in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Jurídica, 1991, pág. 164 e 165)dizia serem três: a)- que o credor intime o devedor para que realize a prestação; b)- que o credor fixe um prazo ou um termo peremptório para que o devedor a realize; c)- que o credor advirta o devedor “de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo”.
No entanto, de acordo com Nuno Pinto Oliveira (Princípios de Direito dos Contratos, cit., pág. 814), os dois primeiros requisitos são necessários, mas já não o terceiro requisito. E adianta este autor que, em termos práticos, os não juristas tendem a desconhecer a diferença entre mora simples e mora qualificada e, por isso, não se pode exigir que façam aquela advertência. Além disso, se o credor concede um prazo suplementar de cumprimento, significa que ainda está disposto a esperar pela satisfação da prestação durante aquele lapso de tempo, evitando assim, de modo hostil, colocar logo em causa as relações contratuais com o devedor.
O problema consiste em saber quem deve esclarecer-se sobre as consequências da não realização da prestação dentro do prazo adicional suplementar: se o credor há-de esclarecer-se a si próprio, se o devedor tem de se esclarecer a si mesmo. Ora, se foi o devedor quem se atrasou na prestação, constituindo-se em mora, há-de ter o ónus de se esclarecer a si próprio sobre as consequências do seu atraso (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito…cit., pág. 815).

Tendemos para aderir à posição deste autor e considerar não ser exigível que o credor esclareça, rectius, advirta de modo expresso o devedor que, se não cumprir a prestação durante aquele prazo suplementar concedido, a “simples mora” se converterá em “incumprimento definitivo”. De resto, a própria norma (2ª parte do artº 808º nº 1 do CC) não exige essa declaração cominatória. Nem impõe palavras sacramentais ou fórmulas para o efeito. A natureza peremptória do prazo suplementar pode ser apreendida do contexto da declaração nos termos gerais do artº 236º do CC.
No caso, a locadora concedeu o prazo suplementar e advertiu a devedora que se não fossem satisfeitas as prestações em atraso – que especificou – naquele prazo suplementar, resolveria o contrato. A declaração é clara e o respectivo alcance perfeitamente inteligível.
Assim sendo, não se pode reconhecer razão à apelante quando pretende não existir verdadeira interpelação suplementar admonitória por alegada falta de declaração de perda de interesse do credor e de falta de declaração de transformação da simples mora em incumprimento definitivo.

3.4.2.2.2-A alegada desrazoabilidade do prazo suplementar concedido.
Por outro lado, defende a apelante que o prazo suplementar concedido não pode considerar-se razoável porque recebeu a interpelação a 11 e o prazo terminava a 14.
Será assim?
Como se verificou, o artº 808º nº 1, 2ª parte, do CC determina que o credor há-de fixar um prazo adicional ou suplementar para que o devedor realize a prestação e que esse prazo há-de ser um prazo razoável.
O legislador não definiu o que deve entender-se por prazo razoável. Usa um conceito indeterminado porque seria impossível fixar um prazo legal certo para a generalidade das situações moratórias, pela compreensível razão de que esse prazo não pode ser sempre o mesmo, devendo variar conforme as circunstâncias de cada caso (Cf. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, pág. 312)tantas são as diversidades de tipos e complexidade das prestações em que pode ocorrer a mora debitória.
Baptista Machado (Pressupostos da resolução por incumprimento, Obra dispersa…, cit., pág. 16) dizia que “…prazo razoável será aquele que o for para o aprestamento da prestação”.
Nuno Pinto Oliveira (Princípios de Direito dos Contratos…, cit., pág. 816) acrescenta que “ …o prazo adicional ou suplementar será adequado, côngruo ou razoável, sempre que seja suficiente para que o devedor possa completar a prestação já iniciada.”.
O prazo adicional ou suplementar requerido pelo artº 808º nº 1, 2ª parte, do CC, destina-se a conceder ao devedor uma segunda oportunidade para que realize a prestação conforme se vinculou contratualmente. Assim, o prazo contratual para que o devedor realize a prestação à primeira e o prazo (suplementar) para que o devedor realize a prestação à segunda são, ou podem ser prazos diferentes. O primeiro, terá de ser o suficiente para que o devedor realize a prestação ainda não iniciada; o segundo não terá de o ser. O credor pode razoavelmente esperar que o devedor actue com a diligência acrescida para completar a prestação. (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direitos dos Contratos…, cit., pág. 816).

Continuando na lição deste autor, refere ele que “O aplicador do direito deverá apreciar a adequação ou razoabilidade do prazo atendendo às circunstâncias do caso, designadamente: 1º, ao conteúdo da relação contratual; 2º à dificuldade prestação: 3º, aos interesses do credor e do devedor; 4º, à causa do não cumprimento; 5º, à gravidade do não cumprimento; 6º, a hipótese de o devedor não ter realizado prestação nenhuma e à gravidade do atraso; 7º, à hipótese de o devedor ter realizado uma prestação defeituosa, imperfeita ou inexacta e à gravidade do defeito; 8º, à frequência com que o devedor foi interpelado; 9º, à intensidade com o que o devedor foi interpelado; 10º, aos prejuízos que o caso causa ao credor; e (sobretudo) ao risco de que a prestação se torne inútil para o credor”. (A e ob. cit., pág. 816 e seg.)

E continua este autor: “ O prazo adicional ou suplementar para cumprimento de uma obrigação pecuniária poderá ser mais breve”; e, referindo doutrina alemã menciona que “…o devedor deve responder pela sua situação patrimonial”; e, “…se a prestação consistir numa soma em dinheiro, será mais breve…” (A e ob. cit., pág. 817, notas 1114 e 1115).

No caso dos autos, releva a circunstância de ser recorrente e reiterado o incumprimento das prestações pecuniárias/rendas mensais pela locatária; releva ainda a frequência com a locadora a interpelou para pagar (sendo certo que se tratavam de prestações sujeitas a prazo certo) e, ainda assim, a persistência em não cumprir; importa ter presente que a própria locatária propôs plano de recuperação que também não cumpriu; releva o número de rendas mensais em dívida e respectivo montante total; e também a circunstância de o contrato em causa ser consequência de (re)negociação de um contrato anterior, sobre os mesmos bens, que havia sido, igualmente, incumprido.

Enfim, face a estas circunstâncias, afigura-se-nos que o prazo suplementar concedido pela carta de dia 6 até ao dia 14, para que a locatária (peremptoriamente) cumprisse, apesar de só ter sido recebida a carta a 11, é um prazo razoável.

Note-se que a locatária, perante esta interpelação admonitória e na eminência da informada resolução do contrato foi “à pressa” transferir os valores em dívida, o que significa que, com o mínimo de diligência e com boa fé podia/devia ter cumprido até ao termo do prazo suplementar concedido.

Em suma: não nos parece que se deva considerar desrazoável o prazo suplementar peremptório concedido pela locadora à locatária para cumprir.

3.4.2.3-A ineficácia da declaração de resolução.

Segundo a locatária apelante, não pode considerar-se válida a resolução do contrato porque quando a locadora emitiu a declaração de resolução, no dia 18, a locatária tinha comunicado que nesse dia havia transferido/pago o valor das rendas em dívida.
Será assim?
A resposta à questão passa por se perceber quais são os efeitos da fixação de um prazo suplementar.
De acordo com o artº 808º nº 1, 2ª parte, do CC, se a prestação (em mora) não for realizada dentro do prazo (razoavelmente) fixado pelo credor “…considera-se para todos os efeitos não cumprida a prestação.”
Essa interpelação tem por efeito transformar a obrigação em absolutamente fixa. (Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. II, nota 4197, págs. 1477 a 1479, concretamente a pág. 1478).

Ora, segundo referimos acima, depois de terminar o prazo suplementar sem que o devedor realize a prestação, a obrigação não cumprida aproxima-se, temporária e transitoriamente, de uma obrigação de faculdade alternativa a parte creditoris. Em consequência, não tendo o devedor cumprido dentro desse prazo, o credor pode optar, rectius, é ao credor que cabe optar por exercer o direito subjectivo ao cumprimento,ou o direito subjectivoà indemnização, ou o direito potestativo à resolução. (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, cit., pág. 811; Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual…cit., nota 4197, págs. 1477 a 1479, concretamente a pág. 1478).

Apesar de deter esta faculdade alternativa a parte a creditoris, o credor tem de comunicar por qual das soluções opta, visto a tanto estar adstrito, conforme decorre do dever geral de boa , nos termos do artº 762º nº 2 do CC.
Além disso, o devedor tem a possibilidade de “assinar” ao credor um prazo razoável para que actue ou exerça o direito potestativo de resolução do contrato, sob pena de caducidade (artº 436º nº 2 do CC); e, ainda, o devedor tem a faculdade de oferecer ao credor a prestação em falta (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios do Direito dos Contratos, cit., pág. 824). Mas o credor tem, como se referiu, a faculdade de a aceitar ou não. Se a aceitar, a relação obrigacional extingue-se pelo cumprimento no caso de contrato de prestação única; tratando-se de contrato de execução continuada, a relação contratual mantém-se.

Ora, no caso dos autos, a locatária/apelante não alegou que a locadora/apelada aceitou a quantia depositada a título de cumprimento/pagamento das prestações/rendas em dívida que motivaram a interpelação admonitória. De resto, provou-se que restituiu rendas que foram sendo pagas posteriormente.

Por conseguinte, somos a concluir que aquele depósito do valor correspondente às rendas em atraso que motivaram a interpelação admonitória, realizado após o termo do prazo suplementar concedido, não teve por efeito impedir a resolução do contrato.

Em suma: não se vislumbra fundamento para considerar a ineficácia/invalidade da declaração de resolução do contrato de locação financeira. E, dada a não restituição voluntária dos bens locados, ao abrigo do artº 21º nº 7 do DL 149/95, na redacção dada pelo DL 30/2008, confirma-se a sentença de antecipação de juízo sobre a restituição definitiva dos bens dados em locação.
O mesmo é dizer que o recurso improcede.

***

IIIDECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas, no recurso, na vertente de custas de parte, pela apelante.



 Lisboa, 06/01/2022


(Adeodato Brotas)
(Vera Antunes)
(Aguiar Pereira)