Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1347/15.7YLPRT.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: ARRENDAMENTO
CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -O arrendatário que beneficie de apoio judiciário não está dispensado de prestar a caução a que se refere o n.º3 do art.º 15.º F do NRAU, para o efeito de deduzir oposição ao procedimento especial de despejo.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

                 
      I-RELATÓRIO:


N... apresentou requerimento de despejo no BNA contra a requerida Sapataria ..., Limitada.

Esta apresentou oposição ao requerimento de despejo apresentado pela Requerente. Nos termos do disposto no art.15ºF do NRAU, e tal como a Requerida foi advertida na notificação que lhe foi feita, tendo o pedido de despejo como fundamento a falta de pagamento de rendas, a Requerida deveria, com a oposição, apresentar comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas.

A requerida não pagou qualquer caução.

Assim foi proferida decisão nos seguintes termos:
Nos termos do nº4 do mesmo artigo, não se mostrando paga a caução, a oposição considera-se por não deduzida, o que se decide.
Em face do exposto, nos termos do disposto no art.15ºE, nº1, al.a) do NRAU, declaro resolvido o contrato e determino a desocupação do locado.
Custas pela requerida.”

Inconformada com esta decisão, a Sapataria ..., Limitada veio interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

A Ré, ora Recorrente, vem recorrer da decisão de resolução do contrato de arrendamento (no qual a Recorrente é arrendatária) e condenação á desocupação do local, por discordar da interpretação jurídica do Tribunal a quo.
A sentença do Tribunal a quo fundamentou-se no facto de a Ré, ora Recorrente, não haver pago a caução exigida pelo 15.ºF do NRAU, quando a acção tem como causa de pedir o não pagamento de rendas.
É verdade que o caso sub judice enquadra-se na previsão do art.º 15.ºF do NRAU, pelo que, nos termos desse artigo, a Ré deve proceder ao pagamento da caução sob pena de ser proferida sentença de resolução do contrato e desocupação do locado, como aconteceu.
Acontece, porém, que a obrigação de pagamento da caução deve ser compatibilizada com a possibilidade de ser conferido apoio judiciário na modalidade de isenção de custas e demais encargos do processo, em relação ao arrendatário.
O Tribunal a quo compatibilizou o exercício desse direito pela Recorrente, mas só o fez até ser proferida sentença sobre a impugnação judicial de indeferimento do pedido de apoio judiciário, desconsiderando o facto de haver sido admitido recurso (com efeito suspensivo) dessa decisão para o Tribunal Constitucional.
O erro do Tribunal a quo esteve, pois, em assumir que as razões que justificavam a suspensão do dever de pagamento da caução cessaram com a prolacção da sentença sobre a impugnação judicial da decisão da Segurança Social.
Com efeito, a decisão sobre o pedido de apoio judiciário encontra-se hoje tão pendente, tão suspensa, como se encontrava desde que a oposição ao requerimento de despejo foi apresentada.
Da mesma forma que o direito a requerer o apoio judiciário e a impugnar a decisão de indeferimento da Segurança Social não teriam quaisquer efeitos práticos se durante a pendência destas decisões a Requerente fosse despejada por não efectuar o pagamento da caução cuja isenção de pagamento pretende obter, através do requerimento e da impugnação, da mesma forma, dizíamos, o direito a recorrer para o Tribunal Constitucional da decisão de improcedência da impugnação judicial do indeferimento da Segurança Social a Requerente não teria qualquer efeito prático se durante a sua pendência, a Requerente fosse despejada por não efectuar o pagamento da caução cuja isenção de pagamento pretende obter, em último termo, através do recurso.
A admissão do recurso (da sentença no processo apenso) para o Tribunal Constitucional - em particular, o seu efeito suspensivo- não foi devidamente considerado pelo Tribunal a quo na decisão do processo principal.
O efeito suspensivo do recurso da decisão sobre o apoio judiciário deveria ter levado o Tribunal a quo a não decidir a causa com base no não pagamento da caução, porquanto ainda está suspensa a causa que há-de decidir se o pagamento da caução é devido.
Portanto, o Tribunal a quo não deveria ter resolvido o contrato e condenado a Ré ora Recorrente a desocupar o locado com fundamento no não pagamento da caução enquanto não estivesse estabilizada a decisão sobre o processo em apenso, relativo à concessão de apoio judiciário na modalidade de isenção de custas e demais encargos com o processo.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e revogar-se a decisão recorrida”.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II-OS FACTOS.

Os elementos com relevância para a decisão são os que constam do relatório supra.

III-O DIREITO.

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas, a questão que unicamente importa conhecer reside em saber se, não obstante estar ainda pendente a decisão sobre o pedido de apoio judiciário que foi indeferido, o Tribunal podia decretar o despejo, com fundamento na falta de depósito da caução prevista no art.º 15.ºF do NRAU. Ou colocada a questão de outro modo, está em questão saber se os beneficiários do apoio judiciário têm ou não de prestar a caução prevista no art.º 15.º F do NRAU (Lei n.º6/2006 de 27 de Fevereiro alterada pela Lei n.º31/2012 de 14 de Agosto).

Dispõe o referido artigo 15.ºF do NRAU o seguinte:

1.O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
(…)


3.Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa devida de justiça e, nos casos previstos nos nºs. 3 e 4 do artigo 1083.° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.”

Por sua vez, a Portaria nº 9/2013, de 10 de janeiro, no seu art.º 10, veio estabelecer:

“1-O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do nº 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.° da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.
2-O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.”

E o artigo 1083º do Código Civil, para que remete o art.º15 F do NRAU, que prevê os fundamentos da resolução do contrato de arrendamento, estipula:

1.Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais do direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2.É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio:
(…).
3.É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.
4.É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte.”

É perante este quadro legislativo que se estabeleceu a divergência na nossa jurisprudência, quanto à questão da obrigatoriedade do beneficiário de apoio judiciário ter de prestar caução, como condição necessária para ser considerada a oposição deduzida em procedimento de despejo.

Existe uma corrente jurisprudencial que defende que, beneficiando de apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução a que alude o referido art.º 15.º F do NRAU, exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo[1].

Porém, noutro sentido, tem sido defendido que a concessão do apoio judiciário ao arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida e não também do depósito da caução no valor das rendas em atraso.[2]

Afigura-se-nos que este entendimento é o mais adequado e que melhor se harmoniza com o sistema jurídico no seu conjunto.

Vejamos porquê:

Se bem analisarmos o disposto no art.º 15.ºF n.º3 do NRAU, a ressalva que se faz em relação ao benefício do apoio judiciário só poderá referir-se à obrigação do pagamento da taxa de justiça e não à obrigação de prestar caução no valor das rendas em atraso. Com efeito, o apoio judiciário só abrange o pagamento de custas e encargos referentes ao processo, não abrange, por conseguinte outras dívidas que não as relativas aos processos. Ora, o pagamento da caução de valor equivalente ao das rendas em atraso, destina-se a garantir um direito do respectivo titular às rendas que não foram pagas. O apoio judiciário não isenta o arrendatário da obrigação de pagar as rendas pelo que não faria sentido que o mesmo estivesse isento do pagamento da caução correspondente ao valor das rendas em dívida, no caso de beneficiar do apoio judiciário. Ora, se esta interpretação, cremos, já decorre da leitura do preceito legal supra mencionado, embora reconhecendo que a respectiva redacção não é a mais feliz, então o n.º2 do art.º 10.º da Portaria 9/2013 de 10 de janeiro veio esclarecer e não contrariar tal sentido ao dispor que “o documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário”.

Em abono desta tese invoca-se ainda o facto de o n.º3 do art.º 15.ºF do RAU limitar o valor da caução “ até ao valor máximo correspondente a seis rendas”. Entende-se que a preocupação do legislador foi precisamente prevenir a hipótese desta obrigação ser demasiado onerosa para os inquilinos de menores recursos de modo a que a mesma não inviabilizasse o seu direito de defesa. Caso o apoio judiciário abrangesse a obrigação da prestação de caução, qual seria a necessidade de o legislador tomar o cuidado de a limitar ao valor máximo de seis rendas?

Também o teor do disposto no n.º5 do mesmo artigo 15.º F, nos permite chegar a essa conclusão. Ali se estipula que “A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efectue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação de decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário (…).” A redacção do n.º5 demonstra que , efectivamente, no n.º3 não se dispensa o beneficiário do apoio judiciário do pagamento da caução. Na verdade, se assim fosse, no n.º5, pressupondo essa dispensa, após a decisão definitiva do indeferimento do pedido de apoio judiciário, referir-se-ia que, no prazo de cinco dias, o requerido deveria efectuar o pagamento de taxa de justiça e ainda da caução. Ora, o legislador não o diz. E se o não diz é porque pressupõe que o requerido já apagou a caução.

Portanto, se algumas dúvidas fossem suscitadas pela redacção do n.º3 do art.º 15.ºF do NRAU elas ficam necessariamente esclarecidas face à redacção do n.º5, sendo certo que n.º2 do art.º 10.º da Portaria 9/2013 de 10 de janeiro vem apenas confirmar o que já decorre do referido preceito legal.

São estas as razões que nos levam a concluir como concluiu o citado acórdão proferido no Tribunal da Relação de Évora que “em incidente de oposição ao despejo por falta do pagamento de rendas, a concessão do apoio judiciário ao arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida e não também do depósito da caução no valor das rendas em atraso, pelo que se o não fizer, a oposição tem-se por não deduzida.”

Por conseguinte, no caso que ora nos ocupa, estando ainda pendente de decisão a concessão ou não do benefício do apoio judiciário à Apelante, tal nada influencia a decisão recorrida, pois como supra ficou demonstrado, ainda que viesse a ser deferido tal benefício, o mesmo não abrange a obrigação de prestar caução.

Improcedem pois, as conclusões do recurso nenhuma censura merecendo a decisão recorrida que deve manter-se.

IV-DECISÃO.

Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.



Lisboa, 2 de Junho de 2016


Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal



[1]Neste sentido foi decidido nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-02-2015 (Relatora Isabel Fonseca), 19-02-2015 ( Relator Ezaguy Martins), de 28-04-2015 ( Relatora Rosa Ribeiro Coelho) e de 26-04-2016( Relatora Cristina Coelho). Também no mesmo sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-03-2016 (Relator Leonel Serôdio)
[2]Neste sentido vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora  de 25-09-2014( Relator Canelas Brás) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-2015 ( Relator Jorge Leal).

Decisão Texto Integral: