Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1412/13.5TYLSB-B.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- A ação de impugnação da resolução em benefício da massa é uma ação de simples apreciação negativa, uma vez que com ela se pretende, apenas, obter a declaração da inexistência do direito à resolução exercido pelo administrador de insolvência.
2- No que se refere ao ónus da prova compete ao administrador da insolvência a prova dos factos que invocou como fundamento da resolução do contrato – artº 343º, nº1, do C. Civil -, enquanto que o demandante fica onerado com a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, de acordo com o princípio geral estabelecido no n.º 2 do art.º 342.º do mesmo Código.
4- Não existindo prova plena de demonstração do pagamento do preço por parte do comprador e incumbindo ao mesmo, como impugnante da resolução declarada pelo administrador de insolvência em benefício da massa insolvente, a demonstração de tal pagamento, se para além do documento autêntico (escritura pública) não apresentar outro meio probatório que comprove a entrega, será de concluir que não foi demonstrado o pagamento.
5- A compra e venda ocorrida nos dois anos anteriores à data do processo de insolvência, sem o consequente recebimento do respectivo preço devida pelo comprador à Insolvente e o conhecimento por aquele que a vendedora estava numa situação de insolvência, constituem circunstancialismos que integram o conceito legal de «acto prejudicial à massa» e por isso a resolução do mesmo é perfeitamente lícita.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-Relatório
J…, intentou por apenso ao processo especial em que foi declarada a insolvência de C…, Lda, acção especial de impugnação da resolução em benefício da massa contra a Massa insolvente pedindo a revogação da resolução em benefício da massa insolvente, relativa ao contrato de compra e venda celebrado por escritura pública datada de 15 de novembro de 2012, das Frações …, do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º 982.  
Para tanto alegou, em suma, que efetivamente adquiriu os prédios que identificou e pagou pelos mesmos a quantia de 175.000,00 €.
Mais alegou ter sido um valor equilibrado, considerando os ónus hipotecários que sobre os mesmos impendem. 
A massa insolvente contestou, pedindo a improcedência da ação e a absolvição do pedido. 
Sustentou, em síntese, que o autor não procedeu ao pagamento da quantia de 175.000,00 € e que este e a sociedade agiram de má-fé por ambos conhecerem, à data da celebração do contrato resolvido, o estado iminente de insolvência.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.
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Inconformado o autor interpôs recurso dessa decisão, apresentando as seguintes CONCLUSÕES, que se reproduzem:
“I) No dia 15 de Novembro de 2012 o Recorrente, e a devedora/insolvente (…) celebraram uma escritura de compra e venda relativamente a cinco frações;
II) Sobre estes prédios existia já uma hipoteca voluntária anterior, a favor do Banco…;
III) Estes imoveis faziam parte integrante do acervo patrimonial da insolvente, existindo muitos outros imoveis;
IV) A 31 de Julho de 2013 foi declarada a insolvência da …, Lda, tendo sido nomeado como Administrador da Insolvência o Exmo. Sr. Dr. …;
V) Em 16 de Maio de 2014, o AI por Carta Registada com Aviso de Recepção resolveu a supra referida escritura de compra e venda em BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE, por se encontrarem, desde logo, verificados os condicionalismos previstos nos art.ºs. 120.º e 121.º e 123.º do CIRE;
VI) O que deu origem à Acção de Impugnação nos termos do 125.º do CIRE no douto tribunal “a quo” e consequentemente à sentença que agora se recorre;
VII) Ora, salvo a bondade de melhor opinião, a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea c) do art.º 615.º do C.P.C. que determina a nulidade da sentença sempre que os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
VIII) Denota-se, in casu, a existência de uma oposição dos fundamentos relativamente à decisão, ou seja há uma contradição intrínseca, ou mais designadamente denota-se a existência de um vício de estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão;
IX) Porquanto, é valorado um depoimento de parte, quando na realidade nada mais é provado, na verdade, o depoimento de parte visa obter a prova através da confissão judicial, o que se traduz no reconhecimento em juízo, pela parte, de um facto que lhe é desfavorável e favorável à parte contrária (art.ºs 352.º e 335.º n.º 2 do C.C.);
X) E na verdade, se por um lado o Tribunal a quo, dá como provado o pagamento nos pontos 5 a 8, em conclusão considera não ter existido o pagamento;
XI) Ora, quer da prova testemunhal quer da prova documental resulta exatamente o contrário, o pagamento foi feito e recebido pelo gerente da insolvente;
XII) Resultou igualmente provado, que a insolvente quando realizou esta escritura era possuidora de muitos outros bens;
XIII) E assim, em harmonia com o preceituado no art.º 616.º n.º 2 al. b) do C.P.C., (a contrario senso) há lapso manifesto do juiz quando “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida;
XIV) Pelo que o negócio realizado não foi prejudicial à própria insolvente assim como a todos os seus credores naquela data, o que é facilmente percetível aos olhos de qualquer cidadão comum, sem necessidade de recurso a raciocínios complicados ou de estrutura lógica muito complexa;
XV) Até do depoimento do perito ouvido, resultou que o preço declarado na escritura de compra e venda, resulta em consonância com o valor das frações em causa;
XVI) O AI em posse dos direitos que a lei lhe concede para defesa do interesse superior da massa insolvente e seus credores, resolveu a sobredita escritura em crise, por carta fundamentada e motivada, registada com AR, nos termos previstos no art.º 123.º do C.I.R.E., contudo só com base na sua convicção, uma vez que nada mais indagou;
XVII) Na realidade resultou provado, que o pagamento foi efetuado, pelo que o negócio foi ilicitamente resolvido;
 XVIII) Nem mesmo pelo preceituado no art.º 120.º n.º 1, 2, 4 e 5 do CIRE, o negócio podia ser resolvido, uma vez que, não resultou provada qualquer má-fé das partes envolvidas no negócio;
XIX) Assim e sem prescindir, dir-se-á que a escritura de compra e venda outorgada, não foi um negócio prejudicial, pois que o ora recorrente efetuou o pagamento do preço, e reitere-se que o Recorrente não sabia ou estava em condições de saber da insolvência da devedora, assim como da prejudicialidade do negócio para os seus credores naquela data;
XX) Assim, por tudo o exposto, concluímos que o negócio não foi prejudicial, pois não diminui, não dificultou, não frustrou e/ou retardou e pós em perigo a satisfação dos credores da insolvente, nos termos do prevenido no art.º 120.º n.º 2 do CIRE;
XXI) Pelo que não pode o Recorrente conformar-se com o decidido na douta Sentença “a quo” por violar o preceituado nos art.ºs 120.º n.ºs 1, 2, 4 e 5 alíneas a) e b) e ainda o art.º 121.º n.º 1 al. g) e 123 todos do C.I.R.E., assim como viola o preceituado no art.º 615.º n.º 1 al c) do C.P.C.
 Termos em que se requer Venerandos Desembargadores, seja a Sentença recorrida alterada e a Resolução em Beneficio da Massa Insolvente determinada inválida e ineficaz, assim se fazendo a já acostumada JUSTIÇA”.
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A R. contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
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O Mmo Juiz a quo proferiu despacho admitindo o recurso, não se tendo pronunciado relativamente à nulidade da sentença invocada pelo recorrente com fundamento no disposto no nº1, alíneas b) e c), do artigo 615º.
Dispõe o nº 4 do artigo em referência que:
“As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”
Nos termos do art.º 617º, n.º 1 do Código de Processo Civil “(…) compete ao juiz apreciá-la [à nulidade] no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso (…)”; não o tendo feito, como é o caso, “(…) pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido” – n.º 5 do art.º 617º do Código de Processo Civil.
Sucede no presente caso, atento o que consta da fundamentação da sentença e o invocado pelo A./recorrente para sustentar a nulidade da mesma, não se julga indispensável a baixa do processo à 1ª instância para os efeitos supra referidos, pelo que não se determinou tal procedimento.
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Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
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II – Questões a decidir:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, face das conclusões apresentadas pela recorrente são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a) Da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão;
b) Da admissibilidade do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
c) Se a resolução do contrato de compra e venda das Frações P, Q, R, AX levada a cabo pelo senhor administrador de insolvência é válida e deve ser confirmada.  
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III - Fundamentação
A) Matéria de Facto decidida na 1ª Instância
Na sentença sob recurso foi considerada como provada a seguinte factualidade:
1. No dia 15 de novembro de 2012 no Cartório Notarial …, a insolvente celebrou com o autor escritura pública de compra e venda, em que aquela declarou vender e este declarou comprar do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º …, as seguintes frações pelos seguintes preços:
a) Fração … – 47.500,00€
b) Fração … -  47.500,00€
c) Fração …– 47.500,00€
d) Fração … – 32.500,00€
e) Fração … – 47.500,00€.
 2. Na escritura a que se alude em 1., não obstante tenha declarado já ter recebido os valores indicados, dando quitação, a insolvente nada recebeu.
 3. As últimas contas publicadas na Conservatória do Registo Comercial, reportam--se ao exercício de 2006.
 4. O senhor administrador de insolvência não encontrou elementos contabilísticos da insolvente posteriores a 2007, nem encontrou refletido por movimentos em qualquer conta bancária da insolvente, total ou parcialmente, os valores indicados em 1. 
5. Por escrito datado de 05 de agosto de 2012 e assinado apenas pela insolvente, esta prometeu vender e o autor prometeu comprar, pelo valor global de 222.500,00€ as frações identificadas em 1, acordando na Cláusula Segunda, o seguinte quanto ao pagamento:
 “(…) A) Como sinal e princípio de pagamento é entregue nesta data pelo Segundo Outorgante à Primeira Outorgante a quantia de setenta e dois mil e quinhentos euros (72.500,00€), de aqui é dado por esta quitação. B) Como reforço de sinal e continuação de pagamento o Segundo Outorgante entregará à Primeira Outorgante até cinco de Setembro de dois mil e doze a quantia de cinquenta mil euros (50.000,00€). C) Como reforço de sinal e continuação de pagamento o Segundo Outorgante entregará à Primeira Outorgante até cinco de Outubro de dois mil e doze a quantia de cinquenta mil euros (50.000,00€). D) A restante parte do preço no montante de cinquenta mil euros (50.000,00€), será pago no dia de outorga da escritura de compra e venda. 
 6. Por escrito datado de 5 de agosto de 2012 e assinado pela insolvente, esta declarou ter recebido do autor a quantia de 72.500,00€.
 7. Por escrito datado de 5 de setembro de 2012 e assinado pela insolvente, esta declarou ter recebido do autor a quantia de 50.000,00€.
 8. Por escrito datado de 5 de outubro de 2012 e assinado pela insolvente, esta declarou ter recebido do autor a quantia de 50.000,00€.
 9. A insolvência foi requerida em 31 de julho de 2013 e declarada no dia 13 e março de 2014.
 10. As frações identificadas nas alíneas a) a d) do ponto 1, à data da declaração da insolvência tinham averbado no respetivo registo predial os seguintes ónus:
 a) Hipoteca voluntária constituída a favor do Banco … para garantia de pagamento de capital máximo assegurado de 1.787.400,00€, inscrita mediante a apresentação 29 de 07 de junho de 2006.
b) Hipoteca legal a favor da Fazenda Nacional para garantia de pagamento de 52.989,46€, inscrita mediante a apresentação 3808 de 10 de dezembro de 2009.
c) Penhora a favor do Banco … para garantia de pagamento da quantia exequenda de 967.985,31€, inscrita mediante a apresentação 3056 de 21 de janeiro de 2010.
d)  Hipoteca legal constituída a favor do Instituto de Segurança Social, IP para garantia de pagamento de capital máximo assegurado de 72.428,67€, inscrita mediante a apresentação 5404 de 12 de março de 2010.  
11. Para além dos ónus identificados em 10, a fração identificada no ponto 1 d) tem averbada penhora a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para garantia de pagamento de quantia exequenda de 16.601,60€, inscrita mediante a apresentação 7 de 04 de novembro de 2008. 
12. Por carta constante a fls. 22 a 25, datada de 16 de maio de 2014, enviada pelo senhor administrador de insolvência ao autor que a recebeu, comunicou a resolução em benefício da massa da massa da compra e venda das frações indicadas nas alíneas a) a d) do ponto 1, lendo-se, além do mais o seguinte:
“(…) A resolução do negócio de transmissão da propriedade é incondicional, com o fundamento previsto na alínea h) do n.º 1 do artigo 121.º do CIRE, (…), com os fundamentos que de seguida sumariamente se indicam:
1. É patente a qualificação da resolução ora operada da transmissão da propriedade como incondicional, designadamente com o fundamento previsto na alínea h) do n.º 1 do artigo 121.º do CIRE, uma vez que:
(i) A celebração do negócio em 15 de novembro de 2012 – ocorreu dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência, mais concretamente 08 meses e 15 dias antes.
(ii) Do negócio de venda não resultou a correlativa vantagem patrimonial para a insolvente, evidenciando o modus como o negócio foi celebrado e um claro e manifesto desequilíbrio entre as obrigações assumidas por cada um dos contraentes, pois
a) A insolvente perde um ativo substancial enquanto mantém sobre si a responsabilidade pela totalidade do passivo, com claro benefício apenas para V. Exa.
b) O preço de € 175.000,00 (…) cujo recebimento foi declarado na escritura, assim dando-se quitação, não foi efetivamente pago, tão pouco tendo entrado nas contas da insolvente
(iii) Adicionalmente, e pese embora não tenha ocorrido qualquer pagamento por parte de V. Exa, sempre se dirá que a venda declarada pelo valor de € 175.000,00 (…), não reflete em absoluto o valor comercial dos imóveis ao tempo da concretização do negócio, que era substancialmente superior, sendo curioso constatar que entre o valor patrimonial dos imóveis € 173.542,62 e o valor pelo qual são transacionadas as quatro frações resulta o saldo irrisório de € 1.457,38.
(iv) Na presente data os ónus antes existentes mantêm-se, pelo que não serviu a quantia alegadamente recebida para proceder ao seu cancelamento.(…)”       
 13. O autor quando celebrou a escritura a que se alude em 1, sabia que a sociedade … Lda., não tinha atividade geradora de rendimentos que lhe permitisse efetuar o pagamento das obrigações vencidas aos seus credores.
14. O autor sabia igualmente que ao celebrar a escritura de compra e venda a que se alude em 1 estava a limitar de forma relevante a probabilidade dos credores da insolvente verem ressarcidos os seus créditos.
 15. À data da escritura as frações no complexo turístico em que se encontravam as indicadas no ponto 1 valiam a preços de mercado cerca de 45.000,00€ um T0 e 80.000,00€ um T1, reduzido em cerca de 20.000,00€ a 30.000,00€ se não tivessem cozinha e casa de banho.
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Relativamente aos factos não provados ficou a constar o seguinte:
Não se provaram os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
a) Que os valores acordados para pagamento do preço das frações identificadas em 1 alíneas a) a d) tenham sido pagos por qualquer forma que justificasse a ausência de registo nas contas da sociedade, designadamente em numerário.
b) Que o autor tenha laços familiares com o gerente da insolvente.
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B) – Da invocada nulidade da sentença
Sustenta o recorrente que a sentença enferma de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, em virtude de ser valorado um depoimento de parte, quando na realidade nada mais é provado. Diz ainda que, se por um lado o Tribunal a quo dá como provado o pagamento nos pontos 5 a 8, em conclusão considera não ter existido o pagamento. Quer da prova testemunhal, quer da prova documental resulta exactamente o contrário - o pagamento foi feito e recebido pelo gerente da insolvente.
De acordo com o artº 615º nº 1, al. c) do CPC:
1 - É nula a sentença quando:
a) (…);
b) (…);
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d)(…);
e)(…).”
Como é sabido, neste preceito o legislador refere-se, em primeiro lugar, à invalidade da sentença provocada por uma contradição entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa porque os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam, em termos lógicos, a uma decisão de sentido oposto ou diferente daquela que foi expressa na sentença. Trata-se de um vício de lógica na construção da sentença. A contradição entre os fundamentos e a sentença não se confunde com erro de julgamento.
Do mesmo modo, o não atendimento de um meio de prova ou a consideração de um outro que não devesse ser atendido, não consubstancia vício gerador de nulidade da sentença. Quando muito, poderão traduzir-se em erros de julgamento.
Sustentou o recorrente que o tribunal valorou um depoimento de parte, quando na realidade nada mais é provado. Diz ainda que quer da prova testemunhal, quer da prova documental resulta exactamente o contrário do que foi dado como provado – que o pagamento foi feito e recebido pelo gerente da insolvente.
O vício que o apelante atribui à sentença reconduz-se a uma discordância com a decisão sobre a matéria de facto e sobre a valoração dos meios de prova, que não são causa de nulidade da sentença.
Invocou ainda que, se por um lado o Tribunal a quo dá como provado o pagamento, nos pontos 5 a 8 e em conclusão, considera não ter existido tal pagamento.
O que consta dos pontos 5- e 8- é que a insolvente declarou ter recebido as quantias ali referidas, o que é diferente de tais quantias terem efectivamente sido entregues e recebidas pela mesma.
Não se verifica a contradição invocada.
Assim, improcede a invocada nulidade da sentença.
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C) – Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Nos termos do artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Resulta desta norma que ao apelante se impõem diversos ónus em sede de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova  produzida.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.5.2016, Maria Amélia Ribeiro, 1393/08, «É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum».
No que toca à especificação dos meios probatórios, estabelece o artigo 640º, nº2, alínea a), que: «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
No Acórdão de 21.4.2016, Ana Luísa Geraldes, 449/10, defendeu-se que servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, deverão nelas ser identificadas com precisão os pontos de factos que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos do ónus impugnatório, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. As conclusões do recurso não têm de reproduzir todos os elementos do corpo da alegação.
Ana Luísa Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”, http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf , defende que:
« (…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos.
E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afectados por perjúrio.
Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.
Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada» (sublinhado nosso).
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.9.2011, Álvaro Rodrigues, 1079/07, afirmou-se que:            
«A lei impõe ao recorrente que indique (concretamente) os depoimentos em que se funda, não sendo suficiente indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado a facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente.
Incumbe ao impugnante alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que os depoimentos contrariam a conclusão do Tribunal recorrido relativa à matéria de facto.
Por sua vez, no Acórdão do mesmo Tribunal de 9.2.2012, Abrantes Geraldes, 1858/06, afirmou-se que:
 «Insurgindo-se contra uma decisão fundada em determinados meios de prova que ficaram concretizados na motivação, era suposto que se aprimorasse na enunciação dos reais motivos da sua discordância traduzidos na análise crítica (e séria) da prova produzida e não na genérica discordância quanto ao facto de o tribunal de 1ª instância ter dado mais relevo a umas testemunhas do que a outras. Ónus esse que deveria passar pela análise conjugada dos diversos meios de prova, relevando os que foram oralmente produzidos e os de outra natureza constantes dos autos.
Em face de tantas e tão graves distorções em relação aos trâmites impostos pela lei, não seria exigível que a Relação desse seguimento à referida pretensão genérica, justificando-se a rejeição do recurso na parte respeitante à decisão da matéria de facto.
Com efeito, o regime legal instituído não acolhe de forma alguma a impugnação genérica e imotivada de todos os pontos inscritos na base instrutória, do mesmo modo que se afastou de um modelo alternativo que impusesse à Relação a realização de um segundo julgamento. O que está subjacente ao regime vigente é a impugnação especificada e motivada dos pontos relativamente aos quais existe discordância, levando a que a Relação repondere a decisão que foi tomada sobre determinados pontos de facto, servindo-se dos meios de prova que se mostram acessíveis.»
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.9.2017, Tomé Gomes, 959/09, refere-se que: « O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspectiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure.»
Resulta de tudo o que ficou referido que o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida não é observado quando o apelante se limita a invocar que existe um meio de prova, v.g., testemunha, que diverge dos factos tidos como provados pelo tribunal a quo.
O A./recorrente impugna a decisão da matéria de facto da 1ª instância, afirmando nas suas alegações que, quer da prova testemunhal, quer da prova documental, resulta o contrário do que o tribunal considerou provado, ou seja, resulta que o pagamento foi feito e recebido pelo gerente da insolvente. Diz que da referida prova resultou igualmente que a insolvente quando realizou esta escritura era possuidora de muitos outros bens e que não resultou demonstrado que o A. soubesse, aquando da celebração da escritura de compra e venda, que a sociedade …, Lda, se encontrava numa situação de insolvência eminente.
Alegou que ao “contrário do depoimento das testemunhas arroladas pelo Autor, ora recorrente, nomeadamente quanto à testemunha …, pessoa que mediou todo o negócio, o mesmo reconheceu expressamente que, aquando da celebração da escritura de compra e venda, que o recorrente desconhecia qual a situação económica e financeira da Insolvente …, Lda”.
 Conforme resulta da decisão da matéria de facto e da respectiva fundamentação, o tribunal a quo elaborou uma motivação em que explicou as razões que permitiram, ou não, aceitar os factos alegados como verdadeiros. Valorou, de forma crítica e conjugada, os meios de prova carreados para os autos, tendo referido as razões pelas quais, atentos os demais meios de prova referidos, o depoimento da testemunha … não logrou convencer. Também consta da motivação, as razões pelas quais o Meritíssimo Juiz a quo não considerou credível o depoimento do gerente da insolvente.
Relativamente às declarações de parte do Administrador da Insolvência (e não depoimento de parte como refere o recorrente), o tribunal também fez referência às mesmas como elemento que foi ponderado, em conjunção com a demais prova produzida, o que está em consonância com o disposto no artigo 466º, nº3, do C.P.Civil, segundo o qual: “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.
Como se referiu supra, cabia ao apelante, para efeitos de cumprimento do ónus de fundamentar a discordância relativamente à decisão da matéria de facto, argumentar e justificar os fundamentos concretos, ou seja, os meios de prova carreados para os autos, apreciados em conjunto e de forma crítica, que impunham uma decisão diversa. Para tal, não basta afirmar que uma testemunha referiu o contrário do que o tribunal considerou provado, nem de forma genérica e conclusiva, que da prova produzida resulta o contrário daquilo que o tribunal entendeu que ficou demonstrado.  
Do exposto, resulta que o recorrente não observa o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão da matéria de facto, uma vez que se limitou a invocar, de forma genérica e não circunstanciada, a existência de meios de prova que diz apontarem em sentido diverso daquele que foi aceite pelo tribunal
Por outro lado, os depoimentos supra referidos encontram-se gravados e o recorrente também não indica, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
O legislador optou por rejeitar a admissibilidade de recursos genéricos contra errada decisão da matéria de facto e não existe despacho de aperfeiçoamento em relação ao recurso da matéria de facto (cfr Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª edição, pág. 157).
As circunstâncias supra referidas são determinativas da rejeição do recurso quanto à matéria de facto.
Pelo exposto, rejeita-se a impugnação da matéria de facto.
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D) O Direito
Invocou o A./recorrente que o constante da escritura pública de compra e venda outorgada em 15 de Novembro de 2012 e objecto de resolução em benefício da massa insolvente, bem como os documentos de quitação referidos nos pontos 5 a 8 dos factos provados da sentença fazem prova plena do pagamento do preço por banda do mesmo.
Os argumentos invocados podem consubstanciar erro na aplicação do direito por parte do tribunal a quo.
Vejamos.
Refere aquele tribunal na fundamentação da sentença: “A escritura pública de compra e venda não faz prova plena do pagamento declarado, quando o mesmo não é presenciado pelo notário, apenas podendo fazer prova plena de que as partes declararam nesse sentido. Veja-se acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães datado de 14 de setembro de 2017, processo 51/14.8T8VFL.G1, Desembargadora Lina Castro Baptista, consultável in www.dgsi. Conforme é referido no acórdão, as declarações na escritura pública poderão servir de prova plena quando assumam uma confissão, designadamente do vendedor confessando que recebeu, cabendo-lhe a prova da inveracidade da declaração confessória. É assim por regra, mas não o é no caso excecional do processo de insolvência, pois que o vendedor não tem interesse em contrariar a pretensão do comprador quando a compra e venda se tenha realizado em conluio com vista a dissipar património conforme afirma o senhor administrador de insolvência ter ocorrido neste caso”.
In casu, o que consta do documento apenas faz prova plena de que, nesse acto, o vendedor declarou já ter recebido o preço.
Como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-04-2018, relator: Manuel Capelo, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: «Em verdade, tem-se entendido de forma pacífica que, a declaração de que numa determinada data se é devedor de uma concreta quantia, prestada perante o que se diz credor e o notário, ficando a constar em escritura, não pode ser desconsiderada ao ponto de o mutuário ser pura e simplesmente dispensado da demonstração da sua inveracidade. A força probatória plena emergente de um documento exarado pelo notário não corresponde apenas aos factos que o mesmo presenciou e que fez constar do acto, podendo envolver, noutro campo, a valoração de declarações a que seja atribuído valor confessório. E isto porque uma declaração feita por alguma das partes à contraparte que envolva o reconhecimento de um facto que lhe seja desfavorável e favoreça a parte contrária é qualificada como declaração confessória, nos termos e para efeitos dos arts. 352º e 358º, nº 2, do CC Vd. acs. STJ de 15-4-15; de 13-4-13; de 9-7-14; de 6-12-11; de 17.12.2015 no proc. 940/10.9TVPRT.P1.S1 e de 31.5.2011 no proc. 4716/10.5TBMTS - A.S1, (todos in dgsi.pt), sendo que neste último caso se tratava de um empréstimo, em que os mutuários se declararam devedores sem que se atestasse a entrega do dinheiro na escritura.
(…) a veracidade das declarações efectuadas pelas partes e exaradas na escritura nem sequer se encontra coberta ou abrangida pela força probatória plena do documento – quanto às declarações atribuídas às partes, o documento autêntico apenas prova plenamente que as mesmas foram feitas –, podendo ser impugnadas, nos termos gerais, as declarações documentadas, sem que o impugnante careça de arguir a falsidade do documento - Vd, Adriano Vaz Serra, op. cit. págs. 131 e 136 - já que a discrepância entre a vontade real e a declarada integrará antes ou um vício na formação da vontade ou uma simulação Para Lebre de Freitas, quando, perante um negócio jurídico, se põe o problema de saber se certa declaração negocial constante do documento que o formaliza – e abrangida pela força probatória – foi realmente feita, a questão é de falsidade; mas quando se formula a questão de saber se essa declaração, que foi de facto emitida, corresponde a uma vontade negocial real do declarante e se, não correspondendo, entre este e o declaratário foi feito um acordo no sentido de a declaração ser feita em prejuízo de terceiro, o problema é de simulação “A Falsidade no Direito Probatório”, Almedina 1984, págs. 40 e 41, nota .
Limitando-se o Ccivil a definir a força probatória dos documentos autênticos, na parte em que têm força de prova plena, sendo omisso quanto ao seu valor na parte restante, a doutrina vem entendendo que, na parte não abrangida pela força probatória plena, a força probatória dos documentos autênticos não poderá ficar aquém da atribuída pelos ns. 1 e 2, do artigo 376º, do CC, aos documentos particulares cuja autoria se mostre reconhecida, ou seja, de prova plena quanto às declarações (de ciência ou de vontade) atribuídas ao seu autor e de prova plena dos factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, sendo a declaração indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão Vd. Lebre de Freitas, op.cit. pág. 38..
Em concluo, na parte em que configurem uma declaração confessória reconhecendo um facto que lhe seja desfavorável e que favorece a parte contrária (artigo 352º CC), esta considerar-se-ia provada nos termos aplicáveis aos documentos autênticos e, se feita à parte contrária ou a quem a represente, teria força probatória plena (nº2 do artigo 358º).
(…)
Configurada como declaração confessória, na verificação de qual a sua força probatória sindicada nos termos do art. 358 nº2 do Ccivil, uma das respostas mais evidentes é a de lhe atribuir eficácia plena contra o confitente por ter sido feita perante a parte contrária, com a consequência acrescida de, em princípio quem confessou não poder invalidar a confissão, o beneficiário dela não carece de fazer outra prova do facto confessado e o juiz fica vinculado à confissão devendo considerar esse facto (a confissão) como verdadeiro. É este mesmo o sentido, no seguimento da lição de Vaz Serra - Neste sentido, Adriano Vaz Serra, BMJ nº 111, pág. 17, - dos dois acórdãos citados na nota anterior. E na decorrência lógica deste entendimento conjugado com o art. 359 nº1 do Ccivil, tal implicaria que a declaração confessória inserta num documento autêntico só poderia ser impugnada pelo confitente por via da falsidade (questionando-se o facto de a mesma ter sido proferida) ou pela prova da falta ou vícios de vontade (questionando-se a sua veracidade), não se permitindo ao confitente impugnar a confissão mediante a simples alegação de não ser verdadeiro o facto confessado, tendo, pelo contrário, que alegar a falta ou vícios de vontade, nomeadamente qualquer erro essencial.
Não bastaria, para realizar uma impugnação válida alegar a simples desconformidade entre o que é afirmado e a realidade, qual seja, caso o mutuário tenha confessado ser devedor do mutuante (por haver recebido o montante mutuado) não seria suficiente provar que tal entrega de dinheiro não teve lugar, sendo também necessária a prova de que o confitente estava em erro quanto à verificação desse facto ou que emitiu tal declaração sob coacção -Vd. Lebre de Freitas, “A Falsidade no direito probatório”, pág. 40, nota 70.
A contrastar com este entendimento, embora aceitando que as declarações de confissão de dívida constantes de escritura publica se revestem do valor de confissão extrajudicial, tem-se também defendido que “podendo o documento autêntico conter declarações de vontade relativas a factos desfavoráveis ao declarante e que beneficiam ou favorecem a parte contrária e constituindo uma declaração desse tipo uma verdadeira confissão (art. 352.º do Cód. Civil) (…) a força probatória da confissão será plena na parte em que o documento autêntico forma ou constitui prova plena e na parte remanescente (isto é, não abrangida pela força probatória plena emergente do documento) a confissão estará sujeita à livre apreciação do tribunal. Com uma particularidade ou especialidade: se a confissão for feita à parte contrária (no documento) ou a quem a represente, a força probatória que lhe corresponde é plena, ou seja, só é afastada mediante prova da sua falsidade ou mediante a prova de algum vício da vontade juridicamente relevante.” Vd. ac. da RP de 27-9-2017 no proc. 1654/09.8TBAMT-E.P1 citado pelos recorrentes e que se baseia num outro da RP de 26.06.2014, Processo n.º 1040/12.2TBLSD-C.P1, ambos in dgsi.pt».
Ora, a ação de impugnação da resolução é uma ação de simples apreciação negativa, uma vez que com ela se pretende, apenas, obter a declaração da inexistência do direito à resolução exercido pelo administrador de insolvência – cfr artº 343º, nº1, do C. Civil.
Como refere Marisa Vaz Cunha, in Garantia Patrimonial e Prejudicialidade, Almedina, 2017, pág.  288: «Com efeito, não existem dúvidas quanto à qualificação da acção com acção declarativa de simples apreciação. Nos termos da al. a) do nº 3 do artigo 10º do CPC, estas acções visam obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto.” É o que está em causa no disposto no artigo 125º: saber se pode ser resolvido em benefício da massa o acto prejudicial invocado pelo administrador da insolvência.»
Assim, no que se refere ao ónus da prova compete ao administrador da insolvência a prova dos factos que invoca como fundamento da resolução do contrato, que são constitutivos do direito de o resolver, enquanto que o impugnante fica onerado com a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 342.º do mesmo Código.
Conforme Gravato de Morais, in A resolução em benefício da massa insolvente no CIRE, pág. 167, seguido pelos Acs do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.09.2009, proc. 725/06.7TbTVD- I. L1-8 (Relator António Valente) e 09.03.2010, proc. 520/06.3TBLNH-F.L1-7 (Relator Pires Robalo), cabe ao Autor a prova dos factos extintivos do direito à resolução e esses factos concretizam-se naqueles que demonstram que não se verificou o direito arrogado pelo administrador da insolvência, conforme o disposto no nº 2 do artigo 342º do CC.
E mesmo a entender-se que a não verificação dos pressupostos para o exercício do direito de resolução (não existência de prejudicialidade ou de má fé) não constitui matéria de excepção peremptória mas defesa por impugnação – cfr Marisa Vaz Cunha, ob. cit., pág,. 289 -, uma realidade é certa - não existe prova plena da demonstração do pagamento do preço por parte do comprador e sempre incumbia ao mesmo, como impugnante da resolução declarada pelo administrador de insolvência em benefício da massa insolvente, demonstrar tal pagamento, para afastar a prova da má fé pela sua parte e a prejudicialidade.
Se para além do documento autêntico (escritura pública) não for apresentado outro meio probatório que demonstre a entrega, será de concluir que não foi demonstrado o pagamento.
Não logrou o A., para efeitos do cumprimento do ónus que lhe incumbia, aportar aos autos, para além dos citados documentos – a escritura de compra e venda e as declarações ali efectuadas pela insolvente no que concerne ao facto de já ter recebido o preço e os documentos em que esta declara que já recebeu as quantias referidas nos pontos 5. a 8. dos Factos Provados -, qualquer outra prova, nomeadamente documental – cheques, transferências bancárias ou outros documentos, pois não é razoável ou verosímil que quantias tão avultadas fossem todas entregues em numerário.
Pelo contrário, resultou demonstrado, tal como resulta dos factos provados, que a insolvente nada recebeu a título de preço.
De tudo o exposto resulta que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, as declarações efectuadas pela vendedora insolvente na escritura pública de compra e venda e nos documentos referidos nos pontos 5. a 8. dos Factos Provados não fazem prova plena no que concerne ao pagamento do preço por parte do mesmo.
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2- Sustentou também o recorrente que não se encontram preenchidos os requisitos previstos nos artigos 120º e 121º do CIRE para que fosse declarada a resolução em benefício da massa insolvente.
Conforme consta da sentença e pelos fundamentos que ali se referem, foi julgada procedente a impugnação no que concerne à resolução incondicional da escritura de compra e venda, a qual não foi “validada”.
Não tendo existido recurso pela massa insolvente, este segmento da sentença transitou em julgado e apenas nos cumpre verificar do preenchimento dos requisitos para a resolução efectuada a título condicional.
Estabelece o artigo 120º do CIRE:
“1- Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2- Consideram-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência. 
(…) 
4-Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má-fé do terceiro, (…) 
5- Entende-se por má-fé o conhecimento, à data do ato, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência.
b) Do caráter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente.
c) Do início do processo de insolvência.” 
Para que seja válida a resolução é necessário que se encontrem verificados os seguintes pressupostos:
1. Que o acto praticado pelo insolvente seja prejudicial à massa.
2. Que tenha sido praticado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e 
3. Que o terceiro tenha agido de má-fé.
Atenta a matéria provada, o primeiro pressuposto está verificado, pois ficou demonstrado que o preço não foi pago à insolvente. Como se refere na sentença em recurso: “Alienar 4 frações de prédio constituído em propriedade horizontal sem receber o respetivo preço é um ato muito lesivo aos interesses da massa insolvente”.
O segundo pressuposto encontra-se igualmente verificado, uma vez que a escritura pública de compra e venda foi realizada 8 meses e 15 dias antes do início do processo de insolvência.
No que concerne ao requisito da má fé relativo à pessoa do A., ele demonstra-se pelo mero conhecimento da situação de insolvência – artº 120º nº5 al.a) supra citado – e no caso sub judice ficou provado este, quando celebrou a escritura, sabia que a sociedade … Lda., não tinha atividade geradora de rendimentos que lhe permitisse efetuar o pagamento das obrigações vencidas aos seus credores. Ficou também provado que sabia igualmente que, ao celebrar a escritura de compra e venda a que se alude, estava a limitar de forma relevante a probabilidade dos credores da insolvente verem ressarcidos os seus créditos. Ficou demonstrado que o mesmo nada pagou sequer à sociedade como contrapartida pela aquisição das fracções.
Encontram-se preenchidos os requisitos para a resolução condicional do negócio declarada pelo administrador de insolvência, pelo que deve ser mantida a sentença que absolveu a R. Massa Insolvente do pedido de impugnação da resolução da escritura pública de compra e venda realizada no dia 15 de novembro de 2012 referente às frações …, do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …
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IV- Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar a presente apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelo apelante.
Registe e Notifique.
Lisboa,                                              
Manuela Espadaneira Lopes
Fernando Barroso Cabanelas
Paula Cardoso