Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9706/20.7T8LSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE DELIBERAÇÃO
ASSOCIAÇÃO DE EMPREGADORES
EXTINÇÃO
DISTRIBUIÇÃO DE PATRIMÓNIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 – A declaração judicial de nulidade de uma deliberação aprovada na sequência da extinção de uma associação de empregadores é precedida de um procedimento administrativo.
2 – A inobservância do prazo de tramitação no âmbito de tal procedimento não tem como consequência a caducidade do direito de o Ministério Público promover a ação com vista àquela declaração.
3 – Uma associação empresarial pode constituir-se em associação de empregadores mediante um processo administrativo especial de reconhecimento junto do Ministério do Trabalho.
4 – Em caso de extinção judicial ou voluntária de associação sindical ou associação de empregadores, os respetivos bens não podem ser distribuídos pelos associados, exceto quando estes sejam associações.
5 – A impossibilidade de uma associação de empresas, em caso de extinção, distribuir património por entre os associados não inviabiliza a pretendida extinção, nem colide com a liberdade de iniciativa privada ou de associação; antes visa assegurar que o fim para os quais os bens foram adquiridos se cumpra.
(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

BBB com sede (…) Lisboa, Ré na ação declarativa, em processo especial supra identificado, em que é Autor o Ministério Público, notificada da douta sentença, vem apresentar recurso de apelação.
Pede que seja:
1. Declarada a caducidade do direito-dever de ação do Ministério Público, Autor da presente ação judicial, com os consequentes efeitos legais; ou, sem conceder, e se assim este Tribunal Superior o não entender, deve ser
2. Revogada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo de declaração de nulidade da deliberação tomada pelos associados da Recorrente quanto ao destino a dar aos bens no âmbito e nos termos consequente à deliberação da sua dissolução e liquidação, mais declarando a legalidade da deliberação de distribuição.
Formulou as seguintes conclusões:
I. CADUCIDADE DO DIREITO-DEVER DE ACÇÃO JUDICIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO – O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA.
Verifica-se a caducidade da ação de declaração de nulidade intentada pelo Ministério Público contra a Ré, aqui Recorrente, BBB, tendo por objeto a declaração “nulidade da deliberação aprovada na assembleia geral da ré realizada no 29 de Maio de 2019, sobre a distribuição dos bens da ré pelos associados, na sequência da sua extinção” e que foi julgada procedente pela douta sentença do Tribunal a quo objeto do presente recurso, conforme alegado, supra, nos artigos 1. a 54., de onde, sumariamente se conclui:
 (i) A ação intentada pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 456.º do CT, assentou em ostensiva e grave violação no procedimento legal da remessa pelo Ministério do Trabalho-DGERT prevista no n.º 5 do mesmo artigo, na medida em que o prazo de 8 dias fixado nessa norma para a dita remessa terminava no dia 23-07-2019, tendo o MT-DGERT remetido a informação no dia 29-03-2020, tendo sido rececionada pelo MP no dia 30-03-2020, portanto, aproximadamente, mais de 280 dias para lá da previsão legal, i.e., cerca de 9 meses e uma semana após o limite legal, o mesmo é dizer, mais de 40 vezes o prazo legal;
(ii) a douta sentença limitou-se a considerar o dito prazo de 8 dias como um prazo meramente ordenador, a constatar as referidas datas e a negar a declaração de caducidade pedida pela Ré-Recorrente na contestação, não tendo apreciado criticamente face ao direito aplicável, em particular ao princípio da segurança jurídica, considerando a grave violação da certeza e segurança jurídica da Recorrente; ora, era legalmente legítima a expectativa conferida pelas citadas normas, de que, ao fim de uma ou duas semanas, após o recebimento da deliberação pelo MT, que a Recorrente tomasse conhecimento da “apreciação fundamentada sobre a legalidade da deliberação”, emitida pelo serviço competente do ministério, e da sua remessa ao Ministério Público; efetivamente,
(iii) ainda que se conceda na natureza não preclusiva dos prazos estabelecidos no ns. 4 e 5 do artigo 456.º do CT, aceitando a natureza de prazos meramente ordenadores ou indicativos, cumpre aferir os limites da sua elasticidade! O legislador não estabeleceu, como o faz tantas vezes, prazos de 1 mês, 3 meses, 6 meses, 1 ano ou mais, sendo clara a ratio legis subjacente: a certeza e segurança jurídica do interessado, acrescido da estabilidade das deliberações sociais, no caso, especialmente importante por se tratar da extinção voluntária, por deliberação de dissolução-liquidação voluntária da Recorrente associação.
(iv) Na decisão contida na douta sentença recorrida, foi ainda declarada a aplicação da mesma interpretação e aplicação decorrente da qualificação do prazo como meramente ordenador, ao prazo concedido ao Ministério Público, no n.º 6 do artigo 456.º do CT, de 15 dias, considerando que se este tivesse sido extravasado, também não haveria caducidade pela mesma razão, o conduziria a que a ação de declaração judicial de nulidade da deliberação pudesse ser intentada cerca de 20 meses depois, portanto, em 600 dias, i.e., num prazo, também, mais de 40 vezes o legalmente previsto;
(v) a interpretação e aplicação das citadas normas legais pelo Tribunal a quo são contrárias ao direito, dada a situação de incerteza da Recorrente quanto à sua situação jurídica, quanto a saber sobre se o controlo de legalidade previsto pelo legislador para cerca de um mês (aceitavelmente, pela natureza ordenadora dos prazos, para 2, 3 ou 4 meses…) poderia arrastar-se por um período (mínimo) de 24 meses – e, por via do acolhimento dessa mesma tese, portanto, o mesmo ou com prazos muito mais agravados pode acontecer a qualquer entidade ou cidadão que se encontre sujeito ou integrado em procedimentos regidos por prazos meramente ordenadores ou indicativos;
(vi) é ostensivo que a interpretação e aplicação dos prazos previstos nos ns. 4 e 5 do artigo 456º do CT, nos termos que foram realizadas pela douta sentença, constituem frontal violação ao Estado de Direito no que respeita à tutela da paz e seguranças jurídicas, portanto, a violação do Princípio da Segurança Jurídica ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa – tudo, apesar e independentemente da massiva corrente jurisprudencial em que se sustentou a douta sentença recorrida, a qual tem sido fortemente posta em causa pela doutrina, por violação de direitos fundamentais dos cidadãos (lato senso) e, timidamente, por alguns tribunais; efetivamente,
(vii) no presente caso, a requerida caducidade deve ser reconhecida sem reservas, pelo menos, pelas seguintes razões:
(a) Pela brutal violação do prazo indicado pela lei, na medida em que o MT procedeu à comunicação ao fim de 281 dias, em vez de 8 dias, numa situação em que ao serviço competente apenas cabia e coube uma mera subsunção dos termos da deliberação à letra de uma norma legal, a saber do n.º 5 do artigo 456.º do CT – o que bem resulta do teor do ofício remetido ao MP;
 (b) pelo interesse público em causa, que não se vislumbra, estando em causa um mero aspeto patrimonial, diversamente dos interesses ou valores subjacentes ao procedimento disciplinar e ao processo penal que, sem conceder, justificam a bondade das soluções que não consideram quaisquer limites aos ditos prazos meramente ordenadores nos inquéritos;
(c) pela ratio legis subjacente ao estabelecimento pelo legislador do CT dos mencionados para intentar a ação judicial de declaração de nulidade de uma deliberação social, a qual, em regra, é invocável a todo tempo e por qualquer interessado, alinhando pelo princípio da preservação das deliberações sociais, de resto, característico do regime previsto no Código das Sociedades Comerciais quanto à invalidade das deliberações – tendo consagrado equivalente solução (expedita), no artigo 447.º do CT, quanto aos estatutos das associações; se o legislador do Código do Trabalho aceitasse manter indefinidamente em crise a validade da deliberação, não teria fixado os mencionados prazos, i.e., não teria estabelecido os prazos mencionados nos artigos 447.º e 456.º do CT como pressuposto da intervenção judicial da referida declaração de nulidade.
II. A BBB, EM SUBSTÂNCIA, NÃO É UMA ASSOCIAÇÃO DE EMPREGADORES
(i) Conforme a cláusula estatutária do seu objeto, a APC nunca teve por objeto atividade de natureza laboral, de representação dos associados como “empregadores”, nunca tendo participado em quaisquer iniciativas ou funções relativos ao fenómeno jurídico-económico do “emprego”, desde logo, a participações em sede de concertação social, de negociação ou de celebração de convenções coletivas de trabalho, o que bem resultados registos mantidos pela Ministério do Trabalho e reforçado pelas deliberações da associação pelo que não tem aplicação o disposto no n.º 5 do artigo 450.º do CT; da cláusula estatutária que estabelece o objeto resulta, tão-só, uma atividade de participação e promoção das atividades de intermediação próprias das sociedades corretoras e das sociedades financeiras de corretagem (no momento inicial), depois, por força da alteração legal da estrutura conceptual-institucional do mercado de valores mobiliários, das “empresas de investimento”;
 (ii) No Decreto-Lei n.º 215-C/75, que previa o regime estabelecido para a constituição de associações patronais, no contexto do qual, como provado, se constituiu a APC, não se encontra qualquer previsão sobre o regime de partilha dos ativos da associação no caso de extinção, apenas para as associações sindicais, então, regidas por diploma aprovado no mesmo “pacote legislativo”, a saber, o Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, que no seu artigo 19.º estabelecia: “Em caso de dissolução de uma associação sindical, os respetivos bens não poderão ser distribuídos pelos associados.”; o n.º 5 do artigo 450.º do atual CT, veio alargar a previsão, passando a estabelecer que “em caso de extinção judicial ou voluntária de associação sindical ou associação de empregadores os respetivos bens não podem ser distribuídos pelos associados, exceto quando estes sejam associações, não estabelecendo qual o destino a dar aos bens quando não existam associados que sejam associações; pelo direito-regra ou direito comum, estabelecido no Código Civil, que se deveria considerar aplicável à Recorrente, não existe impedimento à distribuição do ativo pelos associados, sendo respeitada a deliberação dos associados.
III.1. O N.º 5 DO ARTIGO 450.º DO CT E OS ESTATUTOS DA RECORRRENTE.
(i) Em conformidade com a alínea c) do n.º 1 do artigo 450.º do CT, no n.º 2 do artigo 30.º dos Estatutos da BBB, cuja redação originária não foi objeto de quaisquer alterações, é estabelecido que “a liquidação e a partilha efetuar-se-ão como for deliberado em assembleia geral ou for de direito”;
(ii) a norma jurídica fundamento da declaração de nulidade decretada na douta sentença recorrida, assente no citado n.º 5 do artigo 450.º do CT, é inaplicável à Recorrente ou a qualquer associação que por força de lei ou dos estatutos relativamente às quais não se conceba que uma (ou mais) “associação” assuma a qualidade de associado, sendo esta qualidade circunscrita a pessoas singulares ou pessoas coletivas que se dediquem à atividade económica visada pelo objeto da associação, como é o caso da Recorrente que se constitui no contexto da reforma legislativa operada pelo Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril, que no seu artigo 15.º extinguiu a figura dos corretores de bolsa em nome individual, consagrando a manutenção do monopólio de bolsa a favor de sociedades corretoras e sociedades financeiras de corretagem e prevendo a possibilidade de criação de associação representativa; à situação de inexistência de associados com a natureza de associações, a propósito da liquidação e partilha, refere-se com acuidade o douto Acórdão do Tribunal de Lisboa, de 12-03-2014, proferido no Proc. n.º 303/13.4TTLSB.L1-4; sem conceder na conclusão pela não aplicação da limitação prevista no n.º 5 do art. 456.º do CT à Recorrente,
(iii) n.º 5 do artigo 450.º do CT constitui norma especial face ao regime geral das associações estabelecido no Código Civil, uma norma imperativa proibitiva, limitando-se a consagrar uma delimitação negativa do regime da partilha dos bens das associações sindicais e de empregadores, não se encontrando qualquer outra norma especial, no CT ou noutro instrumento legislativo, qualquer delimitação positiva, portanto, não se encontrando injunção legal quanto aos termos em que a partilha se deve realizar, em termos de permitir a extinção definitiva da associação, pelo que, seja por via de colmatação de lacuna, seja por via interpretativa, há-de alcançar-se na lei e pela lei uma solução para o destino dos bens, a saber, seja, sem mais, por aplicação do direito-regra, do Código Civil, que confere à deliberação a validade e eficácia para determinar tal destino, seja por via do artigo 30.º dos estatutos da Recorrente que estabelece que esse destino dever ser o que “for deliberado em assembleia geral ou for de direito”;
(iv) no que respeita ao “direito especial”, i.e., as normas previstas no Código do Trabalho, aí não são não estabelecidas quaisquer regras de partilha – esta é, por natureza, um ato ou operação “ativa”, “positiva”, que visa manter a integração dominial, a propriedade dos bens numa ou mais esferas jurídicas, princípio essencial do direito das coisas, não se concebendo como um ato ou uma operação passiva ou omissiva, que é o que resulta do n.º 5 do artigo 456.º do CT, implicando uma condenação à permanência da “associação em liquidação” por tempo indefinido, ilimitado, impedindo a sua extinção, que é um direito que cabe aos associados, não podendo resultar da lei que os bens acabem por se exaurir por via do pagamento de despesas de manutenção da associação em tal condição jurídica, desde logo, por via da remuneração devida ao liquidatário, entre outros encargos como os relativos a serviços necessários ao cumprimento de obrigações legais, máxime declarativas, em particular, fiscais;
(v) afigura-se pertinente a aplicação do regime do direito-regra ou comum, do Código Civil, seja no âmbito da integração de lacuna, seja por via interpretativa, de acordo com a conclusão referida, supra, a qual vai de encontro à solução do citado n.º 2 do artigo 30.º dos estatutos da Recorrente, a qual, para além do determinado por deliberação dos associados considera, prioritariamente, “o que for de direito” e cuja validade é indiscutível, uma vez que de acordo com o disposto nos artigos 447.º e seguintes do CT, qualquer ilegalidade dos estatutos que pudesse fundamentar uma declaração judicial de invalidade estatutária, total ou parcial, no presente caso, do disposto no citado n.º 2 do artigo 30.º (v.g. por não incluir uma previsão “positiva” explícita do destino a dar aos bens em caso de partilha), está absoluta e definitivamente sanada, dada a constituição da associação por deliberação de associados tomada em 24 de Novembro de 1993 e registados no Ministério do Emprego em 29 e Abril de 1994 e publicados no Boletim do Trabalho e do Emprego em 15 de Maio de 1994. Seria inconcebível num Estado de Direito e pelas razões de segurança jurídica mencionadas que os prazos previstos para o exercício de um qualquer direito-dever de ação judicial por parte do Ministério Público, ainda que meramente “ordenadores” ou “indicativos”, pudessem fundamentar qualquer invalidade ao fim de mais de vinte e cinco anos!
IV. A CRP E O DIREITO DE ASSOCIAÇÃO.
(i) Viola a estatuição da CRP da “Liberdade de Associação”, prevista no artigo 46.º, a interpretação e aplicação dos mencionados prazos estabelecidos nos ns. 4 e 5 do artigo 456.º do CT, e em normas próximas relativas à constituição das associações e seus estatutos, ou em quaisquer outras instrumentos legislativos que consagrem prazos meramente ordenadores em situações análogas, que inibam a cessação da atividade associativa, a qual constitui um direito dos interessados, integrando, naturalmente, o direito constitucional de associação;
 (ii) No direito constitucional de associação, a “liberdade de associação”, bem como o da livre iniciativa económica-empresarial inclui-se, natural e necessariamente, o direito a cessar as atividades subjacentes a tais atividades, portanto o direito, a liberdade de cessar as atividades e extinguir as pessoas coletivas de natureza associativa ou societária, o que se retira do artigo 46.º da CRP, em particular no seu n.º 1, que consagra o direito à constituição de associações, e do n.º 3 que estabelece que “ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação”, pelo que a Recorrente não pode resultar condenada, por via da douta sentença recorrida, a manter-se indefinidamente como “associação em liquidação”;
(iii) portanto, viola a “liberdade de associação”, consagrada nos ns. 1 e 3 do artigo 46.º da Constituição a interpretação das normas contidas nos ns. 5 e 6 do artigo 456.º do CT, pela qual, partindo da qualificação dos prazos aí previstos, respetivamente, de 8 dias, para a remessa pelo MT ao MP, do documento relativo à ata da assembleia que delibere a extinção, acompanhada de apreciação fundamentada sobre a ilegalidade da deliberação, e, sucessivamente, de 15, para o magistrado do MP, no caso de a deliberação ser desconforme coma a lei e os estatutos, promover a declaração judicial da deliberação, em termos dos quais resulte a proibição de distribuição dos bens em execução da partilha deliberada e se conclua pela inexistência de uma solução para esse bens na legislação ordinária.
(iv) Viola o Princípio da Segurança Jurídica, ínsito no Estado de Direito, com consagração expressa no artigo 2.º do CRP, a interpretação e aplicação do disposto nos citados ns, 5 e 6 do artigo 456.º do CT, com o teor enunciado no parágrafo anterior, constante da douta sentença recorrida, que não reconheça limites aos prazos aí indicados por terem a natureza de meramente ordenadores e a cuja violação corresponda apenas o efeito da responsabilidade disciplinar do agente que não praticou os atos de remessa ou equivalentes neles previstos.
   O Ministério Público apresentou Resposta ao recurso interposto, ali sustentando:
-Inexiste a caducidade do direito-dever da ação intentada pelo Ministério Público, bem como a violação de qualquer princípio de natureza constitucional, uma vez que o prazo de oito dias previsto no art. 456.º nº 5 do C. Trabalho é um prazo ordenador/indicativo, não revestindo natureza preclusiva;
- A apreciação dos limites da elasticidade do prazo previsto no art. 456.º nº 5 do C. Trabalho não tem qualquer suporte legal que o justifique;
- A Recorrente foi constituída ao abrigo do disposto no art. 16.º do Decreto-Lei nº 215-C/75, de 30 de abril, ou seja, adquirindo o estatuto das associações patronais.
- Sendo a Recorrente uma associação está sujeita à regra geral, prevista no art. 450.º nº 5 do C. Trabalho, não podendo distribuir os bens pelos associados;
- In casu, não existe qualquer lacuna a preencher, quanto à distribuição dos bens da Recorrente;
- A interpretação dada pela douta sentença à norma contida no art. 450.º nº 5 do C. Trabalho, não viola o direito de “liberdade de associação” consagrado nos nºs 1 e 3 do art. 46.º da CRP, ou qualquer outro direito consagrado pela Constituição.
Exaramos, abaixo, um breve resumo da discussão submetida a juízo:
O Ministério Público intentou ação declarativa, sob a forma de processo especial, contra BBB, pedindo que se declare a nulidade da deliberação sobre a distribuição de bens da ré pelos associados, na sequência da sua extinção.
Alega para o efeito, em suma, a violação de norma imperativa que proíbe a distribuição de bens pelos associados aquando da extinção da associação.
Contestou a ré por exceção, invocando a caducidade do direito de propor a ação e, por impugnação, alegando não ser uma associação de empregadores.
O Ministério Público respondeu à matéria de exceção.
Foi proferido despacho saneador que julgou a ação procedente e, em consequência, decidiu:
1 – Declarar a nulidade da deliberação aprovada na assembleia geral da ré realizada no 29 de Maio de 2019, sobre a distribuição dos bens da ré pelos associados, na sequência da sua extinção.
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – Verifica-se caducidade do direito de ação?
2ª – A BBB não é, em substância uma associação de empregadores?
3ª – O Art.º 450º/5 não é aplicável?
OS FACTOS:
 Com relevância para a discussão da causa, estão provados por documento os seguintes factos:
1 – A BBB, inicialmente (…), constituiu-se em 1994, tendo os seus estatutos iniciais sido publicados no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 3ª série, n.º 9, de 8 de Março e as subsequentes alterações no BTE n.º 46/2005, de 15 de Dezembro, n.º 26/2006, de 15 de julho, n.º 23/2011, de 22 de Junho e n.º 37/2011, de 8 de Outubro.
2 – A ré realizou uma assembleia geral extraordinária em 29 de Maio de 2019 que deliberou a sua extinção voluntária da associação, conforme ata, folhas de presença e respetivos termos de abertura e encerramento, juntos a fls. 4 a 7 vs. cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, aí tendo sido proposto e decidido, entre outros, assinaladamente o seguinte:
“Aos 29 dias do mês de maio do ano de dois mil e dezanove, pelas dezassete horas, reuniu (…), a Assembleia Geral Extraordinária da «BBB», (…),
com a seguinte ordem do dia:
(…).
Ponto seis: Deliberar sobre a dissolução da Associação com entrada em liquidação;
Ponto sete: Deliberar sobre o destino do património da associação e nomeação do liquidatário;
(…).
Em seguida, e no âmbito do ponto seis da ordem de trabalhos, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral deu a palavra ao Presidente da Direção que fez uma breve exposição do nascimento da associação, da sua atividade durante a sua existência, assim como informou a Assembleia que, tendo em consideração que nos últimos anos a associação não tem exercido a sua atividade em resultado de razões de diversa origem e natureza, em particular da evolução do enquadramento legislativo, é a direção do entendimento que, deve a associação ser dissolvida, visto já não estar a cumprir o seu propósito, nos termos da proposta da direção enviada aos associados.
Nos termos dos artigos 30.º, 16.º n.º 3 e 14.º e) dos estatutos é possível a dissolução da associação, desde que deliberado por três quartos de todos os associados, estando os mesmos presentes e sendo suficientes para a presente votação.
Posta à votação, foi a proposta de dissolução aprovada, por unanimidade dos presentes que representam 82,35% dos associados.
Em seguida, e no âmbito do ponto sete da ordem de trabalhos o Presidente da Mesa da Assembleia Geral deu a palavra ao Presidente da Direção que informou que a associação não tem passivo, detendo um ativo: saldo bancário no montante de € 538.450,85.
Foi ainda proposto que o valor do ativo deverá ser repartido de forma igual por todos os 17 associados, após deduzidas as despesas administrativas e honorários devidos pelo processo de dissolução.
(…).
Posta à discussão a proposta de destino do ativo da associação e nomeação de liquidatário, este remunerado nos termos da proposta anexa, foi a mesma aprovada por unanimidade dos presentes. (…).
3 - Por requerimento entrado na Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) em 19 de Junho de 2019, o presidente da mesa da assembleia geral da ré comunicou a extinção da associação de empregadores, juntando para o efeito, a cópia certificada da ata da assembleia geral extraordinária, realizada em 29 de Maio de 2019, que deliberou a extinção voluntária da ré.
4 – Na sequência do que a DGERT procedeu ao cancelamento do registo e à publicação do respetivo aviso do BTE n.º 26, de 15 de Julho de 2019.
5 – Os associados da ré não são associações.
6 – O Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social remeteu ao Ministério Público do Juízo de Trabalho de Lisboa cópia certificada da ata da assembleia que deliberou a extinção da ré, acompanhada de “Apreciação fundamentada sobre a legalidade da deliberação de extinção da APC – Associação Portuguesa de Empresas de Investimento” por oficio que deu entrada na Procuradoria deste Juízo em 30.04.2020.
7 – A presente ação deu entrada em Juízo no dia 05.05.2020.
O DIREITO:
A 1ª questão a que importa dar resposta prende-se com a caducidade do direito de ação.
Defende a Apelante que a ação intentada assentou em ostensiva violação no procedimento de remessa pelo Ministério do Trabalho da documentação ao Ministério Público; que a sentença não ponderou o princípio da segurança jurídica, sendo legítima a sua expectativa de que, ao cabo de duas semanas após o recebimento da deliberação no serviço competente, pudesse ter tomado conhecimento sobre a legalidade da deliberação; que o prazo de que o Ministério Público dispõe para intentar a ação, ainda que ordenador, deve ser aferido na sua elasticidade.
Conclui, assim, pela brutal violação do prazo indicado pela lei (violação pelo Ministério do Trabalho); que a interpretação e aplicação dos prazos efetuada constitui frontal violação do Estado de Direito, devendo, por isso, a caducidade do direito de ação ser reconhecida.
Contrapõe o Ministério Público que a norma em apreço contém um prazo meramente ordenador, sem natureza preclusiva, por não ser um prazo processual. A eventual apreciação dos limites da elasticidade do prazo previsto no Artº. 456.º nºs 4 e 5 do C. Trabalho teria como consequência desvirtuar a natureza da norma e não tem qualquer suporte legal.
Que dizer?
Tendo por base o disposto no Artº 456º/6 do CT, o Ministério Público instaurou a presente ação cujo objeto consiste na declaração de nulidade de uma deliberação tomada na sequência da extinção da R.. No caso, uma deliberação sobre a distribuição dos respetivos bens pelos associados.
O Artº 456º debruça-se sobre um procedimento relativo à extinção de associações sindicais ou de empregadores, procedimento esse que comporta, para além de um procedimento de natureza civil, uma fase administrativa finda a qual pode ocorrer uma fase judicial.
Para esta fase atribui-se legitimidade ativa ao Ministério Público.
É assim que se dispõe no Artº 456º/6 do CT que no caso de a deliberação de extinção da associação ser desconforme à lei ou aos estatutos, o magistrado do Ministério Público promove, no prazo de 15 dias a contar da receção, a declaração judicial de nulidade da deliberação.
O Ministério Público, tal como se diz na decisão recorrida, e não está posto em causa, submeteu a petição inicial a juízo “dentro do prazo de 15 dias que a lei concede a partir da receção da cópia certificada da ata da assembleia que deliberou a extinção da ré”.
O que está em causa na presente ação é o processamento durante a fase administrativa, mais propriamente, o incumprimento do prazo concedido ao Ministério do Trabalho, ou seja, o envio da cópia certificada ao Ministério Público para que pudesse apreciar e decidir sobre a instauração da ação.
A propósito desta questão estabelece o Artº 456º do CT que o ministério responsável pela área laboral cancela o registo dos estatutos da associação e promove a publicação imediata de aviso no BTE (nº 4) e, por outro lado, nos oito dias posteriores à publicação do aviso, remete ao Ministério Público a documentação necessária a avaliar a legalidade da deliberação (nº 5).
No caso concreto a DGERT procedeu ao cancelamento do registo e à publicação do respetivo aviso do BTE n.º 26, de 15 de Julho de 2019 e a documentação destinada á apreciação da legalidade da deliberação deu entrada na Procuradoria em 30.04.2020.
Como é bom de ver não é de caducidade do direito de ação que se trata, visto o direito de ação ter sido exercido por quem dispõe de legitimidade no tempo legalmente prescrito.
O que está aqui em causa é a inobservância do prazo de tramitação pela entidade administrativa na pendência da fase administrativa.
Como se menciona na sentença o Ministério do Trabalho “não cumpriu o prazo de comunicação ao Ministério Público”.
Remetendo-nos, de novo à sentença, “O prazo é definido como “o período de tempo dentro do qual um ato pode ser realizado (…) ou a partir do qual um outro prazo começou a correr (prazo dilatório ou suspensivo”[1].1
Os prazos podem ser dilatórios, perentórios ou meramente ordenadores. Os prazos perentórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o ato pode ser praticado sendo que se o ato não for praticado nesse prazo, também apelidado de preclusivo, não poderá mais, em regra ser praticado.
Os prazos ordenadores estabelecem um limite de tempo para a prática de atos, mas nem por isso perdem validade, se praticados após esse limite.

O prazo para o Ministério do Trabalho remeter ao Ministério Público os elementos para este promover a declaração judicial é um prazo meramente indicativo, pelo que nenhuma consequência podemos retirar da falta do seu cumprimento a não ser a eventual responsabilidade disciplinar de quem não remeteu atempadamente. No caso dos autos o Ministério Público cumpriu o prazo de quinze dias pelo que não pode a ré invocar a caducidade do direito de propor a ação.
Subscrevemos o entendimento assim expendido.
É evidente a ostensiva violação, no procedimento administrativo, da remessa pelo Ministério do Trabalho da documentação ao Ministério Público.
Trata-se, porém, de tramitação procedimental relapsa cuja apreciação não cabe nesta ação. Aliás, a pretendida segurança adveniente daquele procedimento era ali controlável, não sendo legítimo invocar aqui a frustração de expectativas para fundamentar uma situação de caducidade do direito de ação. Os prazos legalmente estipulados para o envio da documentação que potencia a ação judicial são prazos meramente indicativos, ordenadores, nenhuma consequência extintiva se podendo retirar da sua inobservância.
A pretendida aferição da elasticidade do prazo em causa poderia ser analisada numa perspetiva de exercício abusivo do direito, questão que não se evidencia por não se revelarem manifestamente excedidos os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
É certo que do disposto no Artº 456º/6 do CT se retira a necessidade de acautelar que o exercício do direito de ação aconteça num prazo próximo do da publicação do aviso no BTE. E que no caso tal prazo se desencadeou muito para além do tempo previsível. Porém, daqui não se extrai a cominação pretendida – caducidade do direito de ação.
E muito menos que a interpretação e aplicação dos prazos previstos nos ns. 4 e 5 do Artº456º do CT, nos termos que foram realizadas pela sentença, constitua frontal violação ao Estado de Direito no que respeita à tutela da paz e segurança jurídicas, a violação do Princípio da Segurança Jurídica ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no Artº 2.º da CRP.
Esta tutela, numa situação em que a Apelante não podia, legitimamente contar com a estabilização da deliberação, pois não havia evidência do encerramento do procedimento administrativo, não sai beliscada. Muito embora fosse desejável, em presença da lei, uma célere tramitação, o atraso na mesma não é de molde a ferir os princípios invocados.
Também não belisca a liberdade de associação, pois, tendo-se criado um entrave à estabilização da deliberação, não se inibiu a cessação da atividade associativa.
A liberdade de associação, prevista no Artº 46º da CRP, traduzindo-se num direito de conteúdo positivo e negativo – constituir e não constituir ou integrar associações- comporta em si mesma procedimentos institucionais aos quais é inerente o estabelecimento de prazos. A inobservância dos mesmos por parte das entidades administrativas envolvidas no procedimento, não podendo inviabilizar o direito, pode ter o efeito de retardar a produção dos efeitos desejados, sem que, com isso, se macule a CRP. Nem toda a violação da lei constitui uma violação de direitos constitucionais.
Termos em que improcede a questão em apreciação.
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E chegamos à 2ª questãoA APC não é, em substância uma associação de empregadores?
Designam-se associações de empregadores “aquelas que agrupam e representam empregadores (pessoas físicas ou coletivas) tendo por fim a defesa e promoção dos seus interesses coletivos enquanto tais, nomeadamente na celebração de convenções coletivas de trabalho”, distinguindo-se este conceito do de associações de empresários porque o que leva à associação “são os interesses dos empresários enquanto empregadores” e “não os interesses comerciais ou industriais desses empresários enquanto tais (ou seja, agentes económicos) (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª Ed., Almedina, 699).
Ponderou-se na sentença que “contrapõe a ré que não é uma de empregadores porquanto, “inicialmente “(…)” e, depois “BBB”, foi constituída em 24.11.1993, em aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 215-C/75, de 30 de Abril …”.
Como a própria ré diz, fê-lo ao abrigo do artigo 16º do diploma legal citado, adquirindo como aí se diz o estatuto das associações patronais, pelo que é irrelevante o que refere quanto ao seu objeto.
Certo é que a ré adquiriu o estatuto de entidade patronal ao constituir-se ao abrigo e beneficio do citado decreto-lei…
Provou-se que a BBB, inicialmente (,,,) Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 3ª série, n.º 9, de 8 de Março e as subsequentes alterações no BTE n.º 46/2005, de 15 de Dezembro, n.º 26/2006, de 15 de julho, n.º 23/2011, de 22 de Junho e n.º 37/2011, de 8 de Outubro.
Alegou-se, a este propósito na contestação:
1. 11. A BBB, inicialmente, “(…)”, depois, (…), foi constituída em 24/11/1993, em aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 215-C/75, de 30 de Abril, diploma que conferia às entidades patronais “o direito de se constituírem em associações patronais para defesa e promoção dos seus interesses empresariais”, tendo sido registada no Ministério do Emprego, em 29/04/1994. A constituição foi objeto de publicação no Boletim do Trabalho e do Emprego (BTE).
2. 12. A BBB não tendo por objeto atividades relacionadas com o estatuto de entidade “patronal” ou de entidade “empregadora”, mas, antes, relativas à especificidade da atividade desenvolvida pelos seus associados (a título principal, a corretagem de bolsa), portanto, por natureza, uma “associação empresarial”,
3. 13. no entanto, constituiu-se de acordo com a opção prevista no art. 16.º do citado Decreto-Lei de 1975 que estabelecia a possibilidade de “as associações de empresários constituídas ao abrigo do regime geral do direito de associação” poderem adquirir o estatuto de associações patronais, nos termos previstos nesses mesmo decreto-lei.
4. 14. Certo é que a BBB não revestiu, desde a sua constituição, em substância, a natureza de associação representativa de “entidades patronais” ou de “entidades empregadoras”, sendo, também, certo que, no caso concreto, não se verificou a constituição da associação, exclusivamente, ao abrigo do regime geral do direito de associação (previsto no Código Civil), mas, a criação, talvez por equívoco ou erro de enquadramento legal, deu-se ab initio de acordo com o mencionado regime relativo às “associação patronais ou empregadoras”.
5. 15. Nesse contexto, aquando da aprovação do Código do Trabalho de 2009, em razão da previsão da “revisão dos estatutos existentes”, a APC foi notificada pelo Ministério do trabalho para proceder a revisão dos Estatutos, ao que deu cumprimento.
6. 16. Certo é que, quanto ao objeto da associação, os fins para que foi criada, deve considerar-se que a BBB reveste a natureza de associação empresarial, não cumprindo qualquer função da natureza patronal ou empregadora, assim, de acordo com os respetivos estatutos:
“A Associação tem por objeto:
a) Representar os interesses dos seus associados junto das autoridades monetárias e financeiras, dos parceiros sociais e de quaisquer outras entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras;
b) A promoção no mercado de capitais e junto do público em geral das empresas de investimento;
c) Contribuir para o aperfeiçoamento técnico-profissional dos seus associados;
d) Promover ações de índole cultural e desportiva destinadas ao pessoal dos seus associados.”
Compulsado o DL 215-C/75 de 30/04 verificamos que se estabelecia no Artº 1º o direito de associação patronal, dispondo-se que as entidades patronais têm o direito de constituir associações patronais para defesa e promoção dos seus interesses empresariais, entendendo-se como entidade patronal a pessoa, individual ou coletiva, de direito privado, titular de uma empresa que tenha, habitualmente, trabalhadores seu serviço.
Deve dizer-se que “se uma agremiação empresarial pode constituir-se, nos termos gerais do direito de associação, uma associação de empregadores só surge mediante um mecanismo especial de reconhecimento que estreitamente se relaciona com a atribuição de autonomia coletiva no campo das relações laborais” (Ob. citada).
Não diz a Apelante quem são os seus associados, o que melhor nos capacitaria a afirmar a sua natureza de associação patronal.
De todo o modo, tal como também alegou, o Artº 16º dispunha que as associações de empresários – como pretende ser a R. – constituídas ao abrigo do regime geral do direito de associação poderão adquirir o estatuto de associações patronais, pelo processo definido no Artº 7º, desde que preencham os requisitos constantes deste decreto-lei.
Este processo era o que se prendia com o registo, aquisição de personalidade e extinção de associações patronais junto do Ministério do Trabalho.
Benefício que, a fazer fé no alegado em sede de contestação, a R., ora Apelante, abraçou.
É, assim, irrelevante que não tenha revestido, desde a sua constituição, em substância, a natureza de associação representativa de “entidades patronais” ou de “entidades empregadoras”, porquanto certo é que, como alega aproveitou do regime consagrado no mencionado Artº 16º assim adquirindo o estatuto de associação patronal ou de empregadores na linguagem atual.
Mas já é relevante saber se a certo passo alterou o seu estatuto de modo a ser apenas uma associação empresarial, matéria invocada nos Artº 15º e 16º da contestação.
Sobre tal matéria não fez prova.
Consultados os BTE referenciados no acervo fático resultam dos mesmos alterações estatuárias não evidenciados do alegado, pois reportam-se à qualidade de associados[2], a uma alteração da denominação e de objeto limitada a uma nova redação do Artº 3º dos seus estatutos (o de 2006), ao âmbito e ao funcionamento da assembleia geral.
Donde, não provada a alteração estatutária subsequente a 2009 – e mantida a submissão ao especial regime aplicável às associações de empregadores, só assim se explicando as sucessivas publicações em BTE-, falece a questão em apreciação.
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Resta a 3ª questãoO Artº 450º/5 não é aplicável?
Alega a Recrte. que não se encontrando injunção legal quanto aos termos em que a partilha se deve realizar em termos de permitir a extinção definitiva da associação, seja por via de colmatação de lacuna, seja por via interpretativa, há-de alcançar-se na lei o destino dos bens: seja por via do estatuído no CC que confere à deliberação a validade e eficácia para determinar tal destino, seja por via do Artº 30º dos estatutos, que preveem a possibilidade de deliberação em assembleia geral.
Antes de avançarmos, uma nota – não cabe no âmbito desta ação determinar o destino a dar aos bens.
O objeto da ação é a invalidade da deliberação.
Ponderou-se na sentença: “A dissolução da Associação e nome de liquidatários estava acometida, no caso da ré e de acordo com os seus Estatutos, à Assembleia Geral (artigo 14º, alínea e), fazendo-se a liquidação e partilha de acordo com o que for deliberado nesta última (artigo 30º, n.º 2).
Ora, no caso foi deliberado na assembleia geral da ré que se realizou no dia 29 de Maio de 2019, que o valor do ativo - € 538.450,85 - fosse repartida de forma igual por todos os dezassete associados.
Os associados da ré não eram associações, pelo que temos de concluir pela violação de imperativo legal contido no artigo 450º, n.º 5, do Código de Trabalho o que determina a nulidade da deliberação aprovada pela assembleia geral da ré.
Que dizer?
O Artº 441º/1 do CT dispõe que as associações sindicais e as associações de empregadores estão sujeitas ao regime geral do direito de associação em tudo o que não contrarie este Código ou a natureza específica da respetiva autonomia.
Por sua vez, decorre do disposto no Artº 450º/1-c) que com os limites dos artigos seguintes, os estatutos de associação de empregadores devem regular a extinção e consequente liquidação da associação, bem como o destino do respetivo património.
Todavia, do nº 5 desta disposição resulta que em caso de extinção judicial ou voluntária de associação sindical ou associação de empregadores, os respetivos bens não podem ser distribuídos pelos associados, exceto quando estes sejam associações.
Em presença desta estatuição não podemos falar de lacuna legal, dado que a lei expressamente previu a impossibilidade de distribuição dos bens pelos associados que não tenham a natureza de associações.
Também é uma evidência que o regime geral que comina à assembleia a livre deliberação sobre a matéria está intencionalmente afastado, pelo que não pode aplicar-se supletivamente.
Como já dissemos, a constituição de uma associação de empregadores obedece a um especial mecanismo de reconhecimento, pelo que não surpreende que também a sua extinção esteja sujeita a princípios não coincidentes com os do regime geral.
Neste circunstancialismo, não podemos senão concluir pela invalidade da deliberação em apreciação nos autos, visto a mesma ser contrária à lei.
Teremos, não obstante, que equacionar a violação da liberdade de associação com a interpretação propugnada na medida em que dela pode resultar a manutenção indefinida da Apelante como associação em liquidação.
Tal como invocado, no direito constitucional de associação, a “liberdade de associação”, bem como o da livre iniciativa económica-empresarial inclui-se, natural e necessariamente, o direito a cessar as atividades subjacentes a tais atividades, portanto o direito, a liberdade de cessar as atividades e extinguir as pessoas coletivas de natureza associativa ou societária.
Efetivamente decorre do Artº 46º/1 da CRP o direito dos cidadãos a, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações cujos fins não sejam contrários à lei penal, sendo que nos termos do nº 3, ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação, nem coagido por qualquer meio a permanecer nela. E do Artº 61º /1 emana o direito à livre iniciativa privada que integra o direito a reger livremente a organização da empresa. Ambos os direitos comportam tanto a constituição, quanto a extinção, e deles emerge a necessidade de a lei não conter obstáculos inultrapassáveis à sua materialização.
As pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza, nos termos do disposto no Artº 12º/2 da CRP.
Ocorre, porém, que a impossibilidade de uma associação de empresas distribuir património por entre os associados não inviabiliza a pretendida extinção. Ou, para usar as palavras da Apelante, não impele à manutenção indefinida da condição de liquidatária. A proibição em causa apenas impede a distribuição do património pelos associados. Donde, não está posta em causa nem a liberdade de iniciativa privada, nem a de associação relativamente às quais a CRP não impede a imposição de certos limites ao respetivo exercício, como, aliás, é próprio de um Estado de Direito.
Nas palavras de Pedro Romano Martinez “a solução prescrita… justifica-se tendo em conta o facto de os bens se encontrarem afetos a determinado fim, como resulta do disposto no nº 1 do Artº 166º do CC”, solução que, aliás, mesmo quando não estava legalmente consagrada, já era defendida (Código do Trabalho Anotado, 2ª Ed. revista – 2004, Almedina, 738).
Improcede, assim, a questão em apreciação.
As custas serão suportadas pela Apelante, visto a mesma ter ficado vencida (Artº 527º/1 do CPC)
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Notifique.

Lisboa, 2021-03-24
MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES
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[1] Antunes Varela, Manuel de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 63.
[2] Podem ser membros da Associação as empresas de investimentos domiciliadas em Portugal, incluindo as sucursais de empresas não residentes, autorizadas à prestação de pelo menos um dos seguintes serviços de investimentos sobre instrumentos financeiros, negociados em qualquer mercado, regulamentado ou não: receção, transmissão e execução de ordens para terceiros; negociação por conta dos clientes; consultoria para investimentos; negociação por conta própria, e tomada firme e ou colocação em ofertas públicas ou privadas