Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10547/20.7T8LSB.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA DO CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O caso julgado pode funcionar através da excepção dilatória de caso julgado, para assegurar que não há repetição de uma causa, nos termos do disposto nos artigos art.ºs 580º, n.º 1, 581º, n.º 1 e 577º, i) do Código de Processo Civil (função negativa), ou através do efeito de autoridade do caso julgado, para evitar a contradição de julgados (função positiva).
II – A autoridade do caso julgado impõe-se quando há lugar à figura do “contrário contraditório”, ou seja, o caso julgado de uma decisão pode ser oposto ao réu da acção, se este pretender obter, em acção autónoma posteriormente instaurada, um efeito contraditório ou incompatível com aquele que ficou abrangido pelo caso julgado, assim como tal proibição de contradição tem de actuar quando se trata de evitar que o caso julgado seja contrariado por uma decisão posterior, situações que não impedem a nova pronúncia do tribunal mas obrigam a que seja tido em conta o que resulta do anteriormente decidido.
III – O efeito preclusivo do caso julgado está relacionado com a preclusão decorrente de um ónus processual de praticar um acto; se referida a factos, a preclusão apresenta-se em correlação com um ónus de alegação e de concentração, ou seja, para evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado.
IV – Razões de lealdade e de segurança e certeza jurídicas determinam que a parte não possa alegar posteriormente nenhum meio de defesa que já pudesse ter alegado na contestação, de modo que os efeitos da sentença definitiva não podem ser afastados com base em novos argumentos que em tal acção não foram, mas poderiam ter sido, invocados. Tal ónus de concentração abarca ainda o ónus do réu de, em certas circunstâncias, deduzir contra o autor os direitos que eventualmente possa exercer contra ele em face do pedido formulado na acção.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A [ …. HOTÉIS, S.A.], com sede na Rua Braamcamp, N.º 10, 1250-050 Lisboa apresentou, em 20 de Maio de 2020, requerimento inicial de procedimento cautelar não especificado contra B [ AIR …, S.A.], com sede na Rua das Sesmarias, N.º 3, Quinta da Beloura, 2710-692 Sintra e C [ …., S.A. ] , com sede na Avenida da Liberdade, n.º 195, 1250-142 Lisboa requerendo que, sem prévia audição das requeridas, estas sejam condenadas a:
Respeitar a posse da requerente, por via do direito de retenção de que goza relativamente ao Estabelecimento Comercial “Hotel Astória”, instalado no prédio urbano composto por cave, rés-do-chão e oito andares, sito na Rua Braamcamp n.º 10 e 10A, em Lisboa, freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 44 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1007, de que é proprietário o C.
Alega para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 26239322):
A requerente dedica-se à exploração de hotéis com restaurante e bar e a primeira requerida é locadora financeira do prédio urbano composto por cave, rés-do-chão e oito andares, sito na Rua Braamcamp n.º 10 e 10A, em Lisboa, freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 44 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1007, de que o C é proprietário;
Em 14 de Agosto de 2014, a requerente e a “Evidência Astória, Lda.” celebraram um contrato denominado de “Cessão de Posição Contratual, Assunção de Dívida e Trespasse” por meio do qual esta declarou ceder àquela a posição contratual de locatária no contrato de locação financeira imobiliária n.º 2032427, celebrado em 22 de Agosto de 2007, sendo locador o actual C, tendo por objecto o aludido prédio urbano sito na Rua Braamcamp, n.º 10 e 10-A, em Lisboa e ainda posição de locatária no contrato de locação financeira mobiliária n.º 2052700, celebrado em 28 de Janeiro de 2010, tendo por objecto equipamento diverso; mais declarou ainda ceder à requerente a posição contratual de mutuária no contrato de financiamento n.º 2889/07, celebrado em 22 de Agosto de 2007, sendo mutuante o actual C e tendo por objecto a concessão de crédito para a finalidade de apoio à tesouraria;
Nesse contrato foi acordado o trespasse da “Evidência Astória, Lda.” para a requerente de todos os móveis, artigos de decoração, aviamento, clientela, marca “Hotel Astória” e licença de exploração da unidade hoteleira denominada “Hotel Astória”, que, à data, era por aquela explorado no imóvel objecto do contrato de locação financeira imobiliária, de que então tomou posse, assumindo o passivo bancário, com vista a compensar a dívida que a Evidência Astória, Lda. tinha para com a “ExpoMundo, S. A.”, no valor de cerca de € 1 750 000,00 (um milhão setecentos e cinquenta mil euros);
Na sequência da medida de resolução aplicada ao Banco Espírito Santo, S.A. e estando em curso um processo negocial com vista à aquisição do prédio, foram interpostas providências cautelares e um processo de insolvência, que travaram esse processo negocial com o BES/Novo Banco durante mais alguns meses;
O C fixou em 12 milhões de euros o valor do edifício e recusou o financiamento à requerente para a sua aquisição;
Foi proposto o negócio de aquisição do prédio através de uma sociedade veículo a constituir, e subsequente celebração de um contrato de arrendamento entre tal sociedade e a requerente, o que originou a constituição da sociedade “Air Barcelona, Lda.”, que teve como sócios Ali ……. (com a grande maioria do capital), Thomaz …. e Eugénio …..;
Para garantir o financiamento pelo C para a aquisição do prédio, a B carecia de um contrato de sublocação para assegurar o contrato de locação por 12 anos, junto do C, tendo ficado estabelecido (cláusula Décima Primeira do contrato de locação financeira celebrado entre os requeridos), que a B deu o prédio sublocado em sublocação à requerente;
Por via de negociações e investimentos que o sócio maioritário pretendia efectuar em Portugal, entre a requerente e aquele estabeleceu-se uma relação de confiança, o que levou a que os legais representantes da primeira nunca tivessem suspeitado da possibilidade de a cláusula atinente ao período de vigência da sublocação ser alterada sem o seu conhecimento;
Foi apresentada pelo sócio Ali ….. uma proposta de aquisição do Estabelecimento “Hotel Astória”, que continuaria a ser gerido pela A, mediante pagamento de 15% dos respectivos lucros, tendo o estabelecimento sido avaliado em 7 milhões de euros, negócio que não se concretizou porque, por carta de 5 de Abril de 2017, a B informou que o contrato de sublocação iria cessar em 27 de Maio de 2017, o que a requerente não aceitou, tendo depositado a renda, objecto de acção de impugnação do depósito (processo n.º 14150/17.0T8LSB) e subsequente procedimento especial de despejo, que correu os respectivos termos sob o nº 2556/17.0YLPRT, com fundamento na caducidade do contrato de sublocação;
Em 21 de Fevereiro de 2018, no processo nº 2556/17.0YLPRT, foi proferida sentença que, entre o mais, julgou cessado o contrato de sublocação celebrado em 27-05-2016 e condenou a aqui requerente a entregar o locado ao ali autor, livre e devoluto de pessoas e bens, decisão confirmada por acórdão de 11-7-2019;
O contrato de subarrendamento entre a requerente e a requerida B foi negociado durante os meses de Abril e Maio de 2016 e, inicialmente, com um período de 25 anos, depois acordado para 12 anos, o que teve como pressuposto a viabilidade financeira do investimento da requerente, mas não foi isso que ficou vertido na cláusula 2ª, nº 2, onde se refere o prazo de um ano, renovável, se não houver oposição, o que nunca poderia ter sido aceite pela requerente;
A requerente continuou a desenvolver a actividade e contraiu um empréstimo a reembolsar no prazo de 9 anos e realizou benfeitorias no prédio, na convicção de que teria assegurado os direitos de exploração do Hotel Astória por um período de 12 anos, pelo que deve ser ressarcida pelas perdas decorrentes da cessação do contrato de sublocação, designadamente, pela circunstância de não poder retirar do prédio todos os móveis e equipamentos que integram o estabelecimento Hotel Astória, sem perder o próprio estabelecimento, pelo que, sendo impossível separar o estabelecimento do prédio onde o Hotel está instalado, a requerente deverá ser por ele ressarcida, se outra via não houver, pelas regras do enriquecimento sem causa;
A requerente deve ser ressarcida à luz da responsabilidade civil decorrente do art. 227º do Código Civil, atendendo à violação dos deveres gerais de boa fé, por parte das requeridas no âmbito da negociação dos contratos de locação financeira e sublocação, celebrados em 27 de Maio de 2016, que decorre do facto de sempre ter sido negociado um prazo de sublocação correspondente ao prazo fixado na sublocação financeira, de 12 anos, alterado para 1 ano, “à última da hora” por um colaborador do C e sem que à requerente fosse prestada qualquer informação e pelos prejuízos decorrentes dos lucros cessantes por inviabilização da exploração o hotel e das indemnizações a que haja de proceder a trabalhadores e pelo encerramento do restaurante instalado no hotel;
Foram efectuadas obras no prédio para permitir o seu uso para o destino em vista, de que a requerente deve ser ressarcida, o que lhe confere o direito de retenção sobre o imóvel;
A requerida B foi constituída, exclusivamente, com o objectivo de aquisição do prédio, não tem qualquer outro activo que não o direito de arrendamento, a que acresce a expectativa de aquisição à data do termo da locação financeira celebrada com o C e, a tomar posse do prédio, poderá ceder a respectiva posição contratual, ou mesmo rescindir o contrato de locação financeira, caso em que a requerente perderá o único património detido pela requerida susceptível de garantir o pagamento dos créditos que detém.
Em 3 de Junho de 2020 foi proferido despacho a ordenar a citação das requeridas, nos termos do art. 366º, n.ºs 1 e 2 do CPC (cf. Ref. Elect. 396544038).
Citadas as requeridas estas deduziram oposição (cf. Ref. Elect. 26480648 e 26490249).
O C alegou, em síntese, o seguinte:
O requerido nada tem que ver com a factualidade alegada nos autos, com excepção da imputação que é feita a um seu funcionário quanto a uma alteração de um contrato em que nem sequer é parte;
Quando recebeu uma proposta da B para celebração de uma locação financeira quanto ao imóvel em causa nos autos, os financiamentos concedidos à Evidência Astoria, Lda. já se encontravam em incumprimento há três anos, existindo uma litigância desta com a requerente que impediu a solução de financiamento e a restituição do imóvel ao requerido para o poder rentabilizar;
As alterações às minutas contratuais foram efectuadas por Pedro ... na sequência das solicitações que lhe foram feitas, pelo facto de o requerido, na qualidade de proprietário, ter que autorizar qualquer sublocação para que esta lhe fosse oponível, daí que para que a B contratasse com a requerente a sublocação tinha de negociar com o requerido as condições da locação financeira, e com a requerente as condições da sublocação financeira, transmitindo os desenvolvimentos ao requerido, que centralizava a elaboração das minutas à medida que as negociações evoluíam;
A requerente não fundamenta, em nenhuma medida, qualquer urgência ou qualquer risco de ser colocado irremediavelmente em causa o direito indemnizatório de que se arroga titular perante o requerido;
Impugna, no mais, os factos alegado e conclui pela improcedência do procedimento cautelar e sua absolvição do pedido.
A requerida B alegou, em síntese, o seguinte:
Por decisão já transitada em julgado proferida em procedimento especial de despejo a requerente foi condenada na restituição imediata do imóvel à requerida, com fundamento na caducidade, pelo decurso do prazo, do contrato de sublocação;
Com a presente providência a requerente visa apenas a manutenção da posse sobre o imóvel, o que, ainda que pela via de um alegado direito de retenção, consiste na repetição de tudo quanto alegado, controvertido e provado no âmbito do referido procedimento especial de despejo (a caducidade do contrato e a obrigação de restituição), pelo que ocorre identidade dos sujeitos (as partes contratantes), pedido (manutenção da posse sobre o imóvel) e causa de pedir (contrato de sublocação), verificando-se a excepção de caso julgado;
Se assim se não entender, sempre se terá de concluir pela relação de prejudicialidade entre os objectos do outro processo e deste procedimento e, desse modo, pela autoridade de caso julgado, considerando-se adquirida e processualmente indiscutível a caducidade do contrato de sublocação;
Face à decisão já transitada em julgado, a presente providência é destituída de fundamento, fazendo a requerente um uso manifestamente reprovável do processo;
O requerimento inicial padece de ineptidão porquanto a requerente não requer qualquer providência em concreto, mas apenas a manutenção da sua posse do estabelecimento, por via do direito de retenção, sem esclarecer o que seja a posse do estabelecimento, nem a impossibilidade de separação dos móveis e equipamentos do estabelecimento e transferência dos trabalhadores para outro estabelecimento ou imóvel, para além da contradição de reconhecer que a requerida apenas é titular do imóvel e não do estabelecimento, invocando um direito de retenção que teria de recair necessariamente sobre coisa pertencente ao devedor, ou seja, no caso, a requerida;
De todo o modo, da sentença proferida nos autos de despejo resulta provado que as partes acordaram no prazo de duração de apenas 1 (um) ano para o contrato de sublocação, que assim caducou pelo decurso do prazo, e não provado quaisquer dos investimentos e/ou compromissos alegadamente realizados ou assumidos pela requerente, pelo que invoca o valor extraprocessual da prova, ao abrigo do disposto no artigo 421.º do CPC;
Impugna os demais factos alegados, referindo que assumiu a qualidade de locatária e não locadora, tendo sublocado o prédio em causa nos autos à requerente, pelo período de um ano, com início em 27 de Maio de 2016 e termo em 27 de Maio de 2017, tendo sido acordada a renda mensal de € 55 000,00 (cinquenta e cinco mil euros), não tendo as partes logrado alcançar um acordo quanto à sua renovação;
Não foram demonstrados quaisquer dos investimentos e/ou compromissos alegadamente realizados ou assumidos pela requerente, não havendo lugar a qualquer direito de indemnização ou qualquer urgência na respectiva tutela, desde logo porque excluída no contrato de sublocação, assim não resultam sequer indiciados prejuízos ou lucros cessantes;
Além disso nem se verifica qualquer responsabilidade pré-contratual que decorre da não conclusão do contrato com vista ao qual as partes encetaram e desenvolveram negociações, em virtude do (abrupto e inesperado) rompimento destas, quando no caso o contrato de sublocação foi efectivamente concluído.
Conclui pela procedência da excepção de caso julgado e, subsidiariamente, pela procedência da autoridade de caso julgado da sentença proferida no procedimento especial de despejo e consequente absolvição do pedido e, assim não se entendendo, pela procedência da excepção de nulidade de todo o processo, com a sua absolvição da instância, ou ainda pelo indeferimento liminar da providência e, sempre, em qualquer caso, pela improcedência do procedimento cautelar.
Mais requereu a condenação da requerente como litigante de má fé.
Foi concedida à requerente a oportunidade de se pronunciar sobre as excepções deduzidas, o que fez referindo que o instituto do caso julgado não abrange os fundamentos da decisão e que, nesta situação, a questão da nulidade do contrato por vício da vontade não foi sequer discutida na anterior acção, sustentando que a presente providência cautelar visa assegurar direitos de crédito cujo pressuposto são os prejuízos causados pela nulidade do contrato de subarrendamento por vício na formação da vontade, sendo que nunca foi discutida a validade do contrato mas a interpretação da respectiva cláusula 2ª e a caducidade do contrato (cf. Ref. Elect. 26608030).
Com data de 9 de Julho de 2020 foi dispensada a realização de produção de prova e proferida decisão final em que foi julgada improcedente a excepção de ineptidão do requerimento inicial e, bem assim, a excepção de caso julgado pela circunstância de o efeito pretendido neste procedimento cautelar ser o respeito pela posse do estabelecimento comercial por via de direito de retenção, enquanto no processo nº 2556/17.0YLPRT estava em causa a cessação do contrato de sublocação e a entrega (apenas) do prédio locado e considerou não verificados os pressupostos do diferimento da providência, desde logo a probabilidade do crédito, louvando-se na autoridade do caso julgado, não podendo a requerente voltar a discutir o prazo do contrato ou a (in)existência de tal caducidade, seja por via da nulidade da cláusula relativa ao prazo ou do contrato (com base nos mesmos factos) ou por qualquer outra causa (cf. Ref. Elect. 397490090).
Desta decisão, interpõe a requerente o presente recurso cujas alegações conclui do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 26767389):
« A obrigação de indemnizar é um efeito do dolo, autónomo relativamente à anulabilidade do negócio, surgindo mesmo quando não se verifiquem todos os requisitos do direito de anular ou este já tenha caducado.» e « Tal situação configura-se como de responsabilidade pré-negocial, nos termos do art. 227 do C.C., pois quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos causados à outra parte.».
A decisão recorrida está nos antípodas desta concepção, ao sustentar-se no pressuposto da inaplicabilidade do «disposto no art. 227º do Cód. Civil, voltado para a responsabilidade précontratual» entendendo que «Por força da autoridade do caso julgado, é inequívoco que a Requerente não pode voltar a discutir o prazo do contrato ou a (in)existência de tal caducidade, seja por via da nulidade da cláusula relativa ao prazo ou do contrato (com base nos mesmos factos) ou por qualquer outra causa. Nenhum sentido faria discutir a nulidade de um contrato depois de o mesmo ter sido declarado cessado por caducidade o que pressupõe a sua validade.».
Acresce que, não ocorre qualquer violação (da autoridade) do caso julgado, pois na acção de despejo – até pela sua natureza – não foi nem podia ser discutida a validade do contrato de (sub)arrendamento, mas tão só, a interpretação a dar a uma das suas cláusulas (que lhe fixava o termo), assentando a defesa da ora Requerente, nessa acção de despejo, num pressuposto totalmente diverso daquele que a Sentença ora Recorrida, parece, conclui ter ocorrido: a interpretação a dar à cláusula que a Requerida à “socapa”, alterou.
Na acção de despejo – até pela sua natureza – não foi nem podia ser discutida a validade do contrato de (sub)arrendamento, mas tão só, a interpretação a dar a uma das suas cláusulas (que lhe fixava o termo).
A referência ao processo pré-negocial (em que no dia anterior a Requerida B enviou por email à Requerente a minuta do contrato com um prazo de 12 anos…) constituiu, portanto, elemento interpretativo quanto ao sentido a dar ao texto desta cláusula (De redação esconsa: «Um — A sublocação é realizada com prazo certo, pelo período de um ano, com início em 27 de maio de 2016 e termo em 27 de maio de 2017 (…) podendo, no entanto, renovar-se por períodos de cinco anos, caso a primeira outorgante não se oponha à sua renovação, mediante comunicação escrita, por carta (…) com uma antecedência mínima de um ano com relação à data da sua renovação»; nunca foi discutida a validade do contrato.
O fundamento da presente providência cautelar, assenta precisamente na “definitividade” dessa caducidade, judicialmente declarada, não fazendo qualquer sentido a referência à impossibilidade de «voltar a discutir o prazo do contrato ou a (in)existência de tal caducidade» que constitui precisamente o facto concretizador do dano sofrido pela Requerente/Recorrente, tão pouco, considerar, como faz a sentença recorrida, que a presente providência cautelar, a ser decretada, constituiria um modo de impedir a produção de efeitos de uma sentença de despejo transitada em julgado, invertendo completamente o silogismo judiciário.
A Requerida – e isso está demonstrado! – negociou com a Requerente a celebração de um contrato com o prazo de 12 anos, que depois, à última hora (literalmente – e após no dia anterior ter remetido à Requerente a minuta desse contrato com um prazo de 12 anos), alterou para 1 ano, sem disso dar conhecimento aos legais representantes da Requerente.
A actuação da Requerida foi ardilosa e manifestamente subsumível ao dolo, ao convencer a Requerente de que pretendia celebrar um contrato pelo prazo de 12 anos, vindo depois, minutos antes da sua celebração, alterar tal prazo para 1 ano, deixando intactas todas as demais cláusulas contratuais (maxime, aquelas em que a Requerente assumiu compromissos financeiros de monta).
No caso concreto, ocorre efectivamente aquilo que se designa por dupla causalidade, ou seja, o dolo é determinante do erro, e o erro é determinante do negócio jurídico, o que se conclui pelo facto de o próprio condicionalismo do negócio em causa, em que a Requerente assumiu avultados compromissos financeiros relativamente a um prédio onde já explorava um estabelecimento comercial de hotel, não é sequer compatível com o aludido prazo de 1 ano de vigência do contrato de subarrendamento, que nunca permitiria a rentabilização do investimento.
A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 580° e 581° ambos do CPC, bem como, o disposto no do art. 227º do Código Civil.
Seja como for, bem andou o Tribunal a quo em dispensar a produção de prova adicional, que mais não visaria do que reforçar a prova documental já produzida e que demonstra, à saciedade, os graves prejuízos sofridos pela Requerente em consequência deste “negócio”, prejuízos que são a prova evidente de que nunca a Requerente poderia ter pretendido celebrar o subarrendamento pelo prazo de apenas 1 ano - em que era impossível rentabilizar/sequer amortizar o investimento efectuado – encontrando-se o periculum in mora também demonstrado, por constituir uma consequência directa e imediata do despejo, agravando o prejuízo sofrido em consequência do encerramento imediato de estabelecimento e causando a perda, pela Requerida, da única garantia do seu crédito.
Termos em que o presente recurso ser julgado procedente, sendo a decisão recorrida revogada e a providência requerida declarada.
A requerida/recorrida B contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
*
II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1] é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação da requerente/recorrente há que apreciar as seguintes questões:
A aplicabilidade, no caso, da autoridade do caso julgado;
A probabilidade do crédito assente na responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de boa fé e demais pressupostos da procedência do procedimento cautelar inominado.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A decisão recorrida não elencou os factos considerados provados pelo que este Tribunal passará a enunciar a matéria de facto provada considerando aqueles que foram os factos atendidos pela 1ª instância e que decorrem dos elementos de prova carreados para os autos:
Com data de 27 de Maio de 2016, foi celebrado entre Novo Banco, SA, como primeiro outorgante e B, como locatária, representada por Tomás …. e Guimarães ….. e Eugênio de ….. um contrato de locação financeira imobiliária (proposta n.º 2065987), tendo por objecto o prédio urbano composto por cave, de rés-do-chão e seis andares, tendo na parte posterior, quintais que servem os primeiros andares, destinado a serviços, sito na Rua Braamcamp, n.º 10 e 10A, Freguesia de São Mamede, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha número quarenta e quatro da mencionada Freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1007 da Freguesia de Santo António, com o valor de onze milhões setecentos e noventa e dois mil cento e catorze euros e cinquenta e um cêntimos, tendo o contrato a duração de doze anos, mediante o pagamento de renda mensal, sendo o valor da primeira de três milhões trezentos e noventa e três mil cento e catorze euros e cinquenta e um cêntimos, e as restantes cento e quarenta e três rendas no valor de cinquenta mil e sessenta e quatro euros e setenta e três cêntimos, cada, podendo ser dado ao imóvel o uso que for permitido pela Licença de Utilização (documento n.º 2 junto com o requerimento de 21-05-2020 com a Ref. Elect. 26254782).
De acordo com a cláusula Segunda do contrato referido em 1. “Salvo autorização prévia e escrita do Locador, o imóvel objecto do presente contrato será exclusivamente afecto ao exercício da actividade da Locatária, nos termos do seu actual objecto social.”
Dispõe a cláusula Sexta do contrato o seguinte: “Um - A Locatária poderá instalar no imóvel os equipamentos necessários ao exercício da sua actividade, sem prejuízo do respeito pelas condições de segurança do prédio. […] Três - A Locatária realizará as obras de conservação do imóvel, custeando as respectivas despesas e comunicando por escrito ao Locador a intenção de realizar tais obras com a antecedência mínima de quinze dias. […] Sete - As construções ou quaisquer benfeitorias realizadas, quando incorporadas no prédio, passam a fazer parte integrante do mesmo e são propriedade do Locador, não podendo, por esse facto, a Locatária exigir qualquer indemnização, compensação ou exercer direito de retenção.”
Com data de 27 de Maio de 2016 foi celebrado entre B, como primeiro outorgante ou sublocadora e A. um contrato denominado de “Sublocação” mediante o qual a primeira, como Locatária Financeira, em virtude do Contrato de Locação Financeira n.º 2065987 celebrado com o C e tendo o gozo temporário do prédio urbano, composto por cave, de rés-do-chão e seis andares, tendo na parte posterior, quintais que servem os primeiros andares, destinado a Serviços, sito na Rua Braamcamp, n.º 10 e n.º 10A, em Lisboa, freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 44 da mencionada freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1007, da Freguesia de Santo António, declarou dar de sublocação à Segunda Outorgante, que aceitou, o prédio Sublocado no seu todo, relativamente ao qual foi emitido o Alvará de Licença de Utilização, nº 17, sendo a segunda outorgante titular e legítima possuidora de um estabelecimento comercial, o qual foi objecto do Alvará nº 6.081, emitido pela Câmara Municipal de Lisboa em 30 de Janeiro de 1960, para efeitos de instalação e exploração de estabelecimento de Hotel, que se encontra instalado e a funcionar no prédio sublocado, equipado e disponível para o exercício da actividade objecto do licenciamento referido, dispondo o prédio de um sistema de ar condicionado, marca Mitsubishi, que dele faz parte integrante, destinando-se o prédio exclusivamente ao exercício da actividade turística de alojamento, restauração e estabelecimento de bebidas, enquanto actividades de aluguer temporário de locais de alojamento, a título oneroso, com ou sem fornecimento de refeições e de outros serviços acessórios, mediante o pagamento da renda mensal de € 55 000,00 (documento n.º 3 junto com o requerimento de 21-05-2020 com a Ref. Elect. 26254782).
Consta da cláusula Segunda do contrato referido em 4. o seguinte: “UM - A sublocação é realizada com prazo certo, pelo período de 1 ano, com início em 27/05/2016 e termo em 27/05/2017, renovável por iguais períodos desde que exista acordo entre ambas as partes, podendo, no entanto, renovar-se por períodos de 5 (cinco) anos, caso a Primeira Outorgante não se oponha à sua renovação, mediante comunicação escrita por carta registada com aviso de recepção endereçada à Segunda Outorgante, com uma antecedência mínima de 1 (um) ano, com relação à data da sua renovação, sem prejuízo do disposto na cláusula Oitava infra. DOIS - A Segunda Outorgante obriga-se a cumprir um prazo mínimo de 1 (um) ano do presente Contrato, só o podendo denunciar através de carta registada com aviso de recepção endereçada à Primeira Outorgante, com uma antecedência mínima de 180 (cento e oitenta) dias sobre a data em que pretende que os seus efeitos operem. […]”
Por sua vez, consta da cláusula Quarta o seguinte:
“UM - À Segunda Outorgante são, desde já, permitidas todas as obras exigidas por lei ou regulamento, bem como as requeridas pelo fim do presente Contrato, cuja realização a Primeira Outorgante autoriza expressamente desde que essas obras sejam sempre realizadas de acordo com a legislação aplicável e que não prejudiquem ou alterem a estrutura e a segurança do Prédio Sublocado, suportando a Segunda Outorgante todos os custos inerentes à execução dessas obras. A Segunda Outorgante obriga-se a comunicar à Primeira Outorgante e, simultaneamente ao C, antes da realização das referidas obras, a necessidade de executar as mesmas, com indicação expressa da lei ou regulamento ou entidade que as exige. DOIS - Caberá, ainda, à Segunda Outorgante a execução das obras de conservação do Prédio Sublocado, a suas expensas. TRÊS - A Segunda Outorgante obriga-se a concluir a suas expensas as obras no 8.º piso do Prédio Sublocado exigidas pela Câmara Municipal de Lisboa no âmbito do processo de licenciamento de alterações com o n.º 8951/OTR/2014 e, bem assim, a proceder ao pagamento das respectivas taxas de urbanismo ou quaisquer outras que sejam devidas por conta da realização das indicadas obras. […] SETE - As obras ou benfeitorias autorizadas e efectuadas no Prédio Sublocado ficarão a pertencer ao mesmo, não podendo a Segunda Outorgante, findo que seja este Contrato, exigir à Primeira Outorgante ou ao C, qualquer indemnização, compensação ou alegar o direito de retenção por causa destas ou com fundamento nelas.”
E da cláusula Sétima o seguinte:
UM - A Segunda Outorgante aceita o Prédio Sublocado no estado em que o mesmo se encontra, reconhecendo que está em adequado estado de conservação e de limpeza, satisfazendo os fins a que se destina. DOIS - A Segunda Outorgante obriga-se a restituir o Prédio Sublocado no final do presente Contrato ou do Contrato de Locação Financeira identificado no considerando a) supro em igual estado de conservação e limpeza, salvaguardadas as deteriorações inerentes a um prudente uso, livre de pessoas e bens que não se encontrem adstritos ou que façam parte integrante do Estabelecimento, incluindo as respectivas chaves. TRÊS - Quando a sublocação cessar, por qualquer causa, a Segunda Outorgante obriga-se à desocupação e entrega imediata do Prédio Sublocado. No caso de, findo o presente Contrato, a Segunda Outorgante, em incumprimento da sua obrigação legal, não restituir o Prédio Sublocado, livre e desocupado e em perfeito estado de conservação, no indicado prazo, a mesma ficará obrigada a, a título de indemnização, pagar à Primeira Outorgante, por cada mês ou fracção que decorrer até à mencionada restituição, o dobro da renda estipulada, bem como as despesas Judiciais e/ou extrajudiciais, incluindo honorários de Advogados, decorrentes desse Incumprimento. QUATRO - Quando o presente Contrato cessar, por qualquer causa, a Segunda Outorgante não terá direito a qualquer indemnização, nem a qualquer compensação - que a elas expressamente renuncia, ainda que por facto seu, o Prédio Sublocado tenha aumentado de valor locativo.”
Na cláusula Décima ficou consignado o seguinte: “UM - Para garantia do integral e pontual cumprimento pela Segunda Outorgante das obrigações e responsabilidades para si resultantes do presente Contrato, esta constitui a favor da Primeira Outorgante penhor sobre o Estabelecimento, nos mais amplos termos em direito permitidos. DOIS - O Penhor sobre o Estabelecimento abrange todos os elementos constitutivos do mesmo, incluindo, nomeadamente: a) O alvará do Hotel e outras licenças administrativas, bem como a direito ao trespasse e sublocação do local em que funciona o Hotel; b) Todos os demais direitos, bens e equipamentos que integrem o Hotel. […] QUATRO - O presente penhor torna-se imediatamente exequível logo que se verifique incumprimento definitivo de qualquer obrigação cujo cumprimento garanta ou, ainda, quando qualquer dos elementos constitutivos do Estabelecimento ora empenhados for penhorado, arrestado ou objecto de qualquer forma de apreensão judicial. O incumprimento definitivo supra mencionado só se verifica se, tendo a Primeira Outorgante interpelado a Segunda Outorgante, por escrito, para esta última pôr termo à situação de incumprimento, a obrigação contratual em causa não for cumprida no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar dessa interpelação. […]”.
Com data de 5 de Abril de 2017, a B. dirigiu à A. uma carta com o seguinte teor: “Reportamo-nos ao Contrato de Sublocação celebrado com V. Exas., em 27 de Maio de 2016, na qualidade de entidade Sublocadora do prédio urbano sito na Rua Braamcamp, nº 10 e 10A, freguesia de São Mamede, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 44 da mencionada freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1007 da freguesia de Santo António. Tendo em consideração que o aludido Contrato de Sublocação foi celebrado com prazo certo, pelo período de 1 (um) ano, com Início em 27 de Maio de 2016 e termo em 27 de Maio de 2017, e não tendo as partes logrado chegar a acordo quanto à renovação do mesmo, o Contrato de Sublocação tem o seu termo na referida data de 27 de Maio de 2017. Assim, deverão V. Exas., no próximo dia 27 de Maio de 2017, proceder à restituição imediata do prédio sublocado, em igual estado de conservação e limpeza, salvaguardadas as deteriorações inerentes a um prudente uso, livre de pessoas e bens que não se encontrem adstritos ou que façam parte integrante do Estabelecimento, incluindo as respetivas chaves, nos termos da legislação aplicável e do número dois da Cláusula Sétima do mencionado Contrato. Deverão, ainda, V. Exas., nesse sentido e com a devida antecedência, comunicar à ora signatária a hora para procederem à restituição do locado, por forma a poder verificar-se o estado e as condições do prédio sublocado, com a assinatura do respetivo Auto de Entrega. Por último, relembramos que, em conformidade com o disposto no número três da Cláusula Sétima do Contrato de Sublocação, no caso de V. Exas. não restituírem o prédio sublocado, livre e desocupado e em perfeito estado de conservação, na indicada data, em incumprimento da Vossa obrigação legal, ficarão obrigados a, a título de indemnização, pagar à B, por cada mês ou fração que decorrer até à mencionada restituição, o dobro da renda estipulada, bem como as despesas judiciais e/ou extrajudiciais, incluindo honorários de Advogados, decorrentes desse incumprimento.” (documento n.º 4 junto com o requerimento inicial de 20-05-2020 com a Ref. Elect. 26239322).
Com data de 26 de Abril de 2017, a Air Barcelona, Lda. dirigiu à A. uma carta com o seguinte teor: “Acusamentos a recepção da Vossa carta datada de 13 de Abril p.p., recebida em 18 de Abril p.p., cujo conteúdo nos causou uma enorme surpresa, porquanto não tem qualquer correspondência com o vertido no Contrato de Sublocação celebrado com V.Exas., em 27 de Maio de 2016, Contrato esse que foi formalizado na sequência das negociações alcançadas entre a A. e a ora signatária. Pelo exposto, damos por integralmente reproduzido o teor da nossa anterior comunicação a respeito deste assunto, reiterando, nomeadamente, que deverão V. Exas., no próximo dia 27 de Maio de 2017, proceder à restituição imediata do prédio sublocado.” (documento n.º 5 junto com o requerimento inicial de 20-05-2020 com a Ref. Elect. 26239322).
B apresentou junto do Balcão Nacional de Arrendamento requerimento de despejo contra a A. visando obter a desocupação do locado identificado em 4., com fundamento na caducidade do contrato de subarrendamento e, bem assim, o pagamento da indemnização devida de acordo com a cláusula Sétima, n.º 3, processo que recebeu o n.º 2556/17.0YLPRT (documento n.º 10 junto com o requerimento inicial com a Ref. Elect. 26239322).
A A deduziu oposição ao procedimento especial de despejo referido em 11. alegando, em síntese, que a comunicação de 5 de Abril de 2017 não respeitou o prazo de 60 dias a que alude o art. 1097º do Código Civil, nem o vertido na cláusula Segunda, número Um do contrato de sublocação, de onde decorre a renovação automática por períodos de cinco anos, para além do ano inicial, e a possibilidade de apenas a sublocatária fazer cessar o contrato ao final de cada ano de vigência; mais alegou que o procedimento especial de despejo não é aplicável a situações de resolução, denúncia ou revogação de um contrato de locação financeira; sustentou ainda que as partes nunca pretenderam ou negociaram previamente a estipulação do prazo de um ano para a sublocação, mas antes, e inicialmente, um prazo de 25 anos e depois de 12 anos; mais considerou que não é equilibrado interpretar o contrato como se tivesse pretendido fixar o prazo de um ano e com a obrigação de realizar obras, sem direito a indemnização, fazendo corresponder à postura da ali autora uma reserva mental, por ter emitido declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar a sublocatária e que esta actuou em erro, acreditando na informação de que o contrato seria revisto quanto ao prazo, assim como convocou a verificação de negócio simulado, para concluir pela inexistência da caducidade do contrato de sublocação e rejeição do despejo (documento n.º 11 junto com o requerimento inicial com a Ref. Elect. 26239322).
Realizada a audiência de julgamento no âmbito do processo n.º 2556/17.0YLPRT, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa – J3, em 21 de Fevereiro de 2018 foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição e procedente a acção e, por consequência, julgou cessado por caducidade o contrato de sublocação celebrado em 27 de Maio de 2016 e condenou a ré a entregar o prédio à autora (B), livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a pagar-lhe uma indemnização de valor correspondente ao dobro da renda convencionada, por cada mês ou fracção que decorra desde a data do termo do contrato (27 de Maio de 2017), até efectiva entrega (documento n.º 12 junto com o requerimento inicial com a Ref. Elect. 26239322).
Na sentença referida em 13. foram dados como provados os seguintes factos:
A Autora, como locatária financeira, em virtude de contrato de locação financeira com o nº 2065987, celebrado com o C detém o gozo temporário do prédio urbano composto por cave, rés-do-chão e seis andares, sito na Rua Braamcamp, nº 10 e 10 A, em Lisboa, descrito na conservatória do registo predial de Lisboa sob o nº 44, da freguesia de S. Mamede e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1007, da freguesia de Santo António.
Na qualidade de locatária financeira a Autora celebrou com a Ré, em 27 de Maio de 2016, um contrato que foi designado de Contrato de Sublocação através do qual lhe cedeu o gozo do prédio urbano supra identificado destinado exclusivamente ao exercício de actividade turística de alojamento, restauração e estabelecimento de bebidas, enquanto actividades de aluguer temporário de locais de alojamento, a título oneroso, com ou sem fornecimento de refeições e de outros serviços acessórios, mediante o pagamento da renda mensal de € 55.000,00;
A cláusula segunda desse contrato tem a seguinte redacção: Um – A sublocação é realizada com prazo certo, pelo período de um ano, com início em 27 de maio de 2016 e termo em 27 de maio de 2017, renovável por iguais períodos desde que exista acordo entre ambas as partes, podendo, no entanto, renovar-se por períodos de cinco anos, caso a primeira outorgante (ora autora) não se oponha à sua renovação, mediante comunicação escrita, por carta registada com aviso de recepção endereçada à segunda outorgante (ora Ré), com uma antecedência mínima de um ano com relação à data da sua renovação, sem prejuízo do disposto na cláusula oitava infra.
A Autora, por carta registada com aviso de recepção, datada de 5 de Abril de 2017, interpelou a Ré no sentido de a informar de que o Contrato de Sublocação iria cessar em 27 de Maio de 2017 por não terem as partes logrado alcançar um acordo quanto à renovação do Contrato de Sublocação.
A cláusula sétima do referido contrato tem a seguinte redacção: Dois - Três – Quando a sublocação cessar por qualquer causa, a segunda outorgante obriga-se à desocupação e entrega imediata do prédio sublocado. No caso de, findo o presente contrato, a segunda outorgante, em incumprimento da sua obrigação legal, não restituir o prédio sublocado, livre e desocupado e em perfeito estado de conservação, no indicado prazo, a mesma ficará obrigada a, a título de indemnização, pagar à primeira outorgante, por cada mês ou fracção que decorrer até à mencionada restituição, o dobro da renda estipulada, bem como as despesas judiciais e/ou extrajudiciais incluindo honorários de advogado, decorrentes desse incumprimento.
Apesar de, por carta registada com aviso de recepção, datada de 26 de Abril de 2017, a Requerente ter reiterado a aludida interpelação para que a Requerida restituísse o Prédio Sublocado, a Requerida não o fez.
Resulta da cláusula quarta, número três do contrato: «A segunda outorgante obriga-se a concluir a suas expensas as obras no 8º piso do Prédio Sublocado exigidas pela Câmara Municipal de Lisboa no âmbito do processo de licenciamento com o nº 8951/OTR/2014 e bem assim, a proceder ao pagamento das respectivas taxas de urbanismo ou quaisquer outras que sejam devidas por conta da realização das indicadas obras.».
Nos termos da referida cláusula quarta, número sete: «As obras ou benfeitorias autorizadas e realizadas no Prédio Sublocado, ficarão a pertencer ao mesmo, não podendo a segunda outorgante, findo que seja este contrato, exigir à Primeira Outorgante ou ao C., qualquer indemnização, compensação, ou alegar o direito de retenção por causa delas ou com fundamento nelas.»
O contrato de sublocação em crise foi celebrado pela Requerida, ora Opoente, tendo como perspectiva manter a exploração, que já era sua, no imóvel sublocado, de um hotel.
Em 21/05/2017, a A. (através do seu Administrador Eugénio ….) remeteu à Ré (representada pelo seu Administrador, Paulo …..), uma minuta de contrato de arrendamento, da qual consta o referido prazo de 12 anos.
Em 24/05/2017, a A. (através do seu Administrador Eugénio …..) remeteu à Ré (representada pelo seu Administrador, Paulo ….), comunicação via email em que se refere que o C propôs a celebração de contrato de sublocação, pelo prazo de 12 anos.
O referido prazo de doze anos permitiria à requerida rentabilizar o investimento que efectuou;
A redacção do contrato, na sua versão final, foi remetida à Requerida no dia anterior à sua celebração.;
E como factos não provados os seguintes:
Resulta, do conjunto do clausulado do Contrato de arrendamento, que nunca as partes pretenderam, ou previamente negociaram, estipular um prazo para a sublocação que se cingisse ao hiato temporal de 1 (um) ano.
O prazo de 1 ano nunca foi negociado, nem contratualizado, entre as partes.
As obras que a requerida realizou ascenderam a cerca de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros);
A requerida suportou taxas de urbanismo que ascenderam a cerca de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
E sobre a questão trazida a juízo consignou-se na aludida sentença o seguinte:
O Autor invoca como fundamento do pedido de despejo a caducidade do contrato de arrendamento e a recusa de entrega do locado pelo Réu após a sua notificação para o fazer, enviada com a antecedência de um mês.
O Réu defende-se dizendo que a intenção das partes nunca foi celebrar um contrato pelo prazo de um ano, facto que resulta do conjunto das cláusulas contratuais, defendendo que o contrato se deve manter, pelo menos, por seis anos, por não ter sido denunciado com a antecedência de um ano. […]
Atendendo ao disposto no nº 2 do art 236º CC verifica-se que o primeiro critério de interpretação da declaração negocial é a vontade subjectiva comum das partes, ou seja, de acordo com esta norma, prevalecerá o sentido subjectivo comum, mesmo quando o sentido objectivo seja divergente.
Ainda que o sentido objectivo das declarações negociais não coincida com o seu sentido subjectivo, é de acordo com este – sentido subjectivo- que a declaração negocial deve valer, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante.
A vontade real do declarante só poderá ser desconsiderada quando o sentido objectivo da declaração for diferente do seu sentido subjectivo e o declaratário não conhecer o seu real sentido subjectivo.
Neste caso a declaração negocial será interpretada de acordo com o seu sentido objectivo, mas com uma limitação subjectiva: salvo se o declarante não puder razoavelmente contar com ele.
O sentido objectivo da declaração é determinado pelo sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, possa deduzir do comportamento do declarante. […]
Em primeiro lugar, há que realçar o facto do Réu não ter demonstrado que as partes não tenham querido estipular o prazo de um ano para a duração do contrato, ou seja, não há prova da existência de um sentido subjectivo comum para a declaração, diferente do seu sentido objectivo.
Com efeito, não obstante se tenham provado que as negociações tenham decorrido quase até ao fim no pressuposto de que o contrato de sublocação teria a mesma duração do contrato de locação financeira, o próprio Réu admite que a última versão do contrato tem a redacção relativa ao prazo que ficou a constar do contrato que veio a ser assinado por ambas as partes e que teve conhecimento dessa última versão um dia antes da assinatura.
Pretende o Réu que a sua vontade real nunca teria sido a de aceitar o estabelecimento do prazo de um ano, na medida em que tal não é compaginável com as obrigações assumidas de realizar obras no locado, sem direito a reclamar por elas qualquer indemnização, compensação ou a invocar direito de retenção e as suas expectativas de retorno do investimento realizado, sendo certo que o contrato em apreciação foi por si celebrado tendo como perspectiva manter a exploração, que já era sua, do estabelecimento de hotel aí instalado.
Pretende ainda o Réu que o contrato estabelece a sua renovação automática, por períodos de cinco anos, para além do ano inicial, desde que a primeira outorgante, ora Autora, não se oponha à sua renovação com a antecedência mínima de um ano, o que na prática equivaleria à sua celebração pelo prazo de seis anos, pois que a oposição à renovação referida, para poder produzir efeitos, teria que ser coincidente com a data da celebração do contrato.
Depreende-se ainda do teor das alegações que o Réu pretende que essa sua vontade real era do conhecimento da outra parte, remetendo para o teor da minuta em que se baseou a negociação e da qual consta o prazo de doze anos.
Esta alegação não corresponde exactamente, nosso entender, à afirmação de um sentido subjectivo comum relativamente ao conteúdo da referida cláusula, no que ao prazo respeita e ainda que este sentido comum tenha sido alegado, não resultou o mesmo demonstrado.
A este propósito, teremos ainda que atender para a interpretação da cláusula segunda ao teor do art. 238º, nº 1 CC que estabelece que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do próprio documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Ora, o sentido objectivo da cláusula, não permite, quanto a nós qualquer dúvida, face ao texto da primeira parte da mesma: “A sublocação é realizada com prazo certo, pelo período de um ano, com início em 27/05/2016 e termo em 27/05/2017, renovável por iguais períodos, desde que haja acordo das partes”.
O sentido objectivo da cláusula em questão, pese embora a sua segunda parte não pareça em conformidade com a primeira, é a de estabelecer o prazo de um ano para o contrato, com a possibilidade de renovação, desde que haja acordo das partes, o que aponta para o afastamento da renovação automática do contrato, sendo assim que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, a entenderia.
Em nosso entender, a segunda parte da cláusula segunda, na qual se prevê a possibilidade de renovação do contrato pelo prazo de cinco anos, desde que a tal não se oponha a primeira outorgante com a antecedência de um ano em relação à data da sua renovação, apesar de lançar alguma dúvida sobre aquilo que as partes poderão ter querido contratar quanto à renovação do contrato, não é suficiente para dar outro sentido à estipulação de prazo e à estipulação de afastamento da renovação automática, pelo menos na primeira renovação.
Após o decurso do prazo inicial de um ano, havendo acordo das partes no sentido da renovação do contrato, parece que o que as partes quiseram convencionar foi a possibilidade de renovação por iguais períodos, se a segunda outorgante assim o desejasse ou por cinco anos, caso a primeira outorgante a tal não se opusesse.
Não é pelo facto de tal sentido não ser conveniente aos interesses económicos do Réu, o que bem se compreende, que este pode vir dizer, de boa fé, que não podia razoavelmente contar com este entendimento sobre a cláusula segunda do contrato, atenta a redacção da mesma cláusula.
É de referir quanto a este aspecto que o próprio Réu admite no artigo 62º da oposição que a cláusula relativa ao prazo, para valer com o sentido que o Réu lhe atribui, teria que ser alterada em revisão e aditamento ao contrato, alegando que foi com a promessa feita pelo Autor, de o contrato ser revisto e aditado quanto ao prazo, que aceitou a sua celebração.
No entanto, o regime do erro vício impõe diferentes resultados daqueles que são pretendidos pelo Réu, gerando a invalidade do contrato, caso sejam demonstrados os respectivos pressupostos – art.s 247º, 252º, 253º CC.
E a reserva mental, prevista no art. 244º CC não se mostra espelhada na situação dos autos, posto que não foi alegado ou demonstrado que a declaração emitida pelo Autor quanto ao prazo não corresponda à sua vontade real, atendendo à versão dos factos que nos é apresentada pelo Réu.
O que o Réu nos diz é que o Autor o convenceu a celebrar o contrato por prazo inferior àquele que era pelo primeiro pretendido, com a promessa falsa de proceder posteriormente à sua revisão.
Em conclusão, dos autos retira-se que o contrato foi celebrado pelo prazo de um ano e que não houve acordo das partes no sentido da sua renovação, vindo o mesmo a caducar pelo decurso do prazo.”
Foi interposto recurso da decisão referida em 13. vindo a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de Julho de 2019, que o julgou improcedente e confirmou a decisão em referência (documento n.º 13 junto com o requerimento inicial com a Ref. Elect. 26239322).
Interposto recurso de revista excepcional, em 7 de Maio de 2020 foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que o julgou inadmissível (documento n.º 14 junto com o requerimento inicial com a Ref. Elect. 26239322).
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A requerente/recorrente pretende obter a sujeição da requerida/recorrida, em sede cautelar, à obrigação de respeitar a sua posse sobre o Estabelecimento Comercial “Hotel Astória”, instalado no prédio urbano sito na Rua Braamcamp n.º 10 e 10A, em Lisboa, freguesia de São Mamede, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 44, louvando-se num alegado direito de retenção sobre aquele estabelecimento, como garantia do crédito que alega deter sobre a recorrida e que advém da cessação do contrato de subarrendamento por caducidade, tal como decidido no processo nº 2556/17.0YLPRT, o que lhe causou diversos prejuízos, cuja responsabilidade deve ser imputada aos legais representantes da requerida por terem violado os deveres de boa fé nas negociações do contrato e porque este é nulo.
Com o presente recurso, visa a recorrente que se afira se, tal como se decidiu na sentença recorrida, a questão atinente a um qualquer vício da vontade ou causa de nulidade da cláusula Segunda, número Um do contrato de subarrendamento está abrangida pelo âmbito da autoridade do caso julgado decorrente da decisão proferida no processo n.º 2556/17.0YLPRT, já transitada em julgado, e se tal impede que agora seja apreciada, como fundamento da indemnização a que refere ter direito, uma qualquer responsabilidade pré-contratual da recorrida.
Com efeito, a recorrente sustenta que a sentença incorreu em erro porque se baseou na impossibilidade de considerar a anulabilidade do contrato por este ter cessado por caducidade, quando a questão essencial era aferir da obrigação de indemnizar com base no dolo verificado em sede de negociações, nos termos do art. 227º do Código Civil, para além do que errou ao invocar a autoridade de caso julgado, pois que é precisamente a impossibilidade de voltar a ser discutido o prazo do contrato que origina o dano sofrido pela requerente, estando demonstrado que a requerida Air Barcelona, Lda. negociou o prazo do contrato por 12 anos e depois alterou-o para um ano, sem disso dar conhecimento à requerente, sendo que na sentença transitada em julgado apenas foi discutida a interpretação da cláusula e o processo pré-negocial foi considerado apenas para esse efeito.
Por sua vez, a recorrida entende que não pode deixar de ser reconhecida a autoridade do caso julgado precisamente porque o alegado direito de crédito depende da demonstração de que o prazo de duração do contrato acordado pelas partes não era aquele que ficou consignado, o que sempre implicaria apreciar a questão já definitivamente resolvida na acção pretérita e que contende com a vontade subjectiva comum das partes, sendo que a força do caso julgado abrange não só o dispositivo da sentença mas a sua motivação, assim como determina a preclusão de todos os meios de defesa invocáveis contra a pretensão deduzida.
A sentença sob recurso, depois de ter julgado improcedente a excepção de caso julgado (designadamente, pela não verificação da identidade do pedido - o efeito jurídico pretendido incide sobre o respeito pela posse do estabelecimento comercial por via de direito de retenção, que não sobre o prédio locado e subsistência do contrato de sublocação, como na acção anterior), apreciou estas questões nos seguintes termos:
“Quanto ao primeiro dos requisitos: a probabilidade séria da existência do direito, ou se quisermos, o fumus bonis iuris, ele supõe a “existência de um certo juízo positivo por parte do juiz de que o resultado do processo principal será provavelmente favorável ao autor” (cfr. a propósito do art. 387º do anterior C.P.C. Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol., pág. 209).
Ora, a autoridade do caso julgado formado na acção 2556/17.0YLPRT tem a virtualidade de abalar a verificação deste requisito e assim contribuir para a manifesta improcedência do procedimento cautelar.
É sabido que, ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (“autoridade do caso julgado”), e uma função negativa (“exceção do caso julgado”) acima analisada.
Como se pode ler no sumário do acórdão do S.T.J. de 05/12/2017 (proferido no processo nº 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 in www.dgsi.pt): “III - A função positiva opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida. IV - A função negativa opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. V - Objetivamente, a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença; porém, estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado.”.
Não é consensual a qualificação a dar à autoridade do caso julgado, havendo quem a trate como excepção dilatória inominada (cfr. inter alia acórdão da Relação de Guimarães de 05/01/2017 proferido no processo nº 97/14.6T8VPA.G1 in www.dgsi.pt), e quem considere que verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objeto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido (cfr. ac. do STJ de 28/03/2019 proferido no processo nº 6659/08.3TBCSC.L1.S in www.dgsi.pt), posição a que aderimos. […]
Isto posto, vemos que no requerimento inicial a Requerente assenta o seu alegado direito a ser ressarcida por lucros cessantes pelo período correspondente ao prazo de vigência da sublocação de 12 anos e demais prejuízos decorrentes da cessação do contrato de sublocação na nulidade do contrato de sublocação, na parte em que o mesmo previa um prazo de duração de um ano (arts. 56º e segs. do requerimento inicial).
Ora, a matéria relativa à duração do contrato de sublocação foi definitivamente decidida na acção nº 2556/17.0YLPRT, e aí se concluiu que, face ao clausulado e não tendo a ali Ré demonstrado que as partes não quiseram estipular o prazo de um ano, “o contrato foi celebrado pelo prazo de um ano” e “não houve acordo das partes no sentido da sua renovação, vindo o mesmo a caducar pelo decurso do prazo” […]
Como tal, sendo até certo que na oposição ao procedimento de despejo a Requerente, ali Ré, já tivesse recorrido, ainda que de forma algo confusa, às figuras da reserva mental, erro, e simulação (cfr. arts. 59º a 69º da sua oposição junta como doc. nº 11 ao req. inicial – fls. 99 e segs.), para defender que as partes quiseram na verdade estipular o prazo de 12 para a sublocação, a matéria relativa a um qualquer vício da vontade ou causa de nulidade da cláusula em que assentou a verificação da caducidade do contrato de sublocação decidida por decisão transitada em julgado está coberta pela autoridade do caso julgado e não mais pode ser invocada pela Requerente, ainda que agora se limite a invocar a “nulidade do contrato de sublocação” mas sempre repetindo que o prazo de 12 anos foi o negociado e foi unilateralmente reduzido pela 1ª Requerida a um ano (arts. 56º a 73º do requerimento inicial).
Por força da autoridade do caso julgado, é inequívoco que a Requerente não pode voltar a discutir o prazo do contrato ou a (in)existência de tal caducidade, seja por via da nulidade da cláusula relativa ao prazo ou do contrato (com base nos mesmos factos) ou por qualquer outra causa. Nenhum sentido faria discutir a nulidade de um contrato depois de o mesmo ter sido declarado cessado por caducidade o que pressupõe a sua validade.
Como se sumariou no ac. do STJ de 28/03/2019 (já acima citado), a “I. A autoridade do caso julgado material implica o acatamento de uma decisão de mérito transitada cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de outra ação a julgar posteriormente, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. II. Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado. III. Além disso, ficam precludidas todas as questões pertinentes não oportunamente suscitadas pela defesa e que o devessem ser, seja como efeito preclusivo autónomo, como entendem uns, seja como efeito integrante do próprio caso julgado, como sustentam outros.” […]
A Requerente procura disfarçar a autoridade do caso julgado apelando à protecção do estabelecimento comercial ali instalado de que é possuidora.
Afirma que da carta remetida à Requerente em 05 de Abril de 2017 (portanto há mais de 3 anos), junta como doc. nº 4 (fls. 91), se retira que a 1ª Requerida tenciona “apoderar-se do estabelecimento comercial”.
Sucede que, nesta carta a 1ª Requerida limita-se a reproduzir o teor do nº 2 da cláusula sétima do contrato de sublocação. O contrato de sublocação, cujo teor literal não oferece discussão entre as partes, é claro ao prever na respectiva cláusula sétima, no seu nº 2, que, no final do contrato a sublocatária obriga-se a restituir o prédio “livre de pessoas e bens que não se encontrem adstritos ou que façam parte integrante do Estabelecimento, incluindo as respectivas chaves”. Da carta não resulta outra coisa que não o exercício pela 1ª Requerida das prerrogativas que já resultavam do contrato findo o mesmo.
A Requerente, enquanto mera sublocatária do prédio, já estava ciente que os riscos inerentes à maior ou menor dificuldade em desinstalar o estabelecimento comercial aí acomodado findo o contrato, corriam por sua conta, e são os riscos próprios decorrentes de não ser proprietária do edifício. Consta das alíneas f) e g) do elenco de afirmações feitas pela Requerente e apostas no contrato em jeito de considerações iniciais anteriores ao clausulado – fls. 237 verso – que a Requerente é “titular e legítima possuidora de um estabelecimento comercial”, e que este se encontra “instalado e a funcionar no prédio sublocado”, donde, o despejo do locado não envolve a entrega do estabelecimento à 1ª Requerida, e nem a circunstância de se prever no contrato, em garantia das obrigações assumidas, a constituição de um penhor sobre o estabelecimento comercial (cláusula décima), tolda esta conclusão, antes evidencia que o mesmo não estava abrangido pela sublocação: uma coisa é executar a garantia de penhor, o que é direito da 1ª Requerida, outra é, pretender por via do mero despejo do edifício apoderar-se do estabelecimento comercial hotel. O estabelecimento comercial hotel é composto por um conjunto de bens corpóreos e incorpóreos (que vão desde a marca, à clientela, ao recheio, etc.) destinados à actividade hoteleira, que não se confundem com o edifício (o concreto espaço físico) onde se encontra implantado, não estando a Requerente juridicamente impedida de o instalar noutro edifício (não sendo aqui relevantes os respectivos custos, pois, como se disse, trata-se de um risco inerente à condição de não ser a proprietária do edifício e de ter acordado na sublocação por tal período reduzido).
Com efeito, a Requerente assenta o seu direito (grosso modo a uma indemnização pelo valor do estabelecimento, lucros cessantes, e prejuízos em consequência de indemnizações que a própria tiver de pagar a terceiros) na nulidade ou anulação do contrato de sublocação, que jamais obterá, uma vez que este contrato já foi previamente declarado extinto por caducidade. Assim como, inexistindo qualquer ilicitude na invocação da caducidade do contrato de sublocação que assim foi declarada por sentença transitada em julgado, e portanto, julgada válida, não pode configurar-se responsabilidade civil da 1ª Requerida por tê-lo feito e querido pôr-lhe termo, nem se compreende o apelo ao disposto no art. 227º do Cód. Civil, voltado para a responsabilidade pré-contratual, quando o contrato foi celebrado, produziu efeitos, e terminou pelo decurso do prazo. Não pode falar-se em responsabilidade pré-contratual da Requerida quando se mostra validado o rompimento de uma relação contratual estabelecida, por via da declaração de caducidade, julgada lícita por decisão transitada em julgado. O (novo) conhecimento da (i)licitude da cessação do contrato noutra acção autónoma, como pressuposto de um direito a uma indemnização por banda da Requerente, afrontaria a autoridade do caso julgado formado na acção de despejo.
O procedimento cautelar não pode constituir uma forma enviesada de obstar à execução de uma sentença transitada em julgado, sendo que, na execução para entrega de coisa certa, o executado até pode deduzir oposição à execução com fundamento em benfeitorias a que tenha direito (cfr. art. 860º nº 1 do C.P.C.), todavia, a oposição não será admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas (nº 3 do art. 860º do C.P.C.). Em todo o caso, o nº 7 da cláusula quarta do contrato de sublocação exclui o direito a indemnização ou compensação por obras ou benfeitorias autorizadas e efectuadas no prédio e prevê que a Requerente não possa “alegar o direito de retenção por causa delas ou com fundamento nelas”.
Não existe assim probabilidade séria da existência do invocado direito ou pretensões indemnizatórias da Requerente relativamente à 1ª Requerida.”
Adianta-se, desde já, que não se vê como não acompanhar a decisão recorrida no que concerne à apreciação do primeiro pressuposto da providência requerida – a probabilidade séria da existência do direito -, necessariamente alocada, como ali se considerou, à necessária ponderação do alcance do caso julgado que decorre da decisão proferida no processo n.º 2556/17.0YLPRT.
Para tanto, atente-se nos fundamentos alegados pela requerente/recorrente para demonstrar a existência do alegado crédito cuja satisfação estaria em risco de ser alcançada, justificando a providência solicitada (que identifica como sendo a de obter a condenação das requeridas a respeitar a posse, por via do direito de retenção de que goza quanto ao estabelecimento comercial Hotel Astória, instalado no prédio em causa nos autos):
Descrita a relação estabelecida entre os requeridos e entre a requerida B e a requerente, esta, sob o título “a nulidade do contrato de sublocação” (artigo 56º e seguintes do requerimento inicial), aludiu à negociação do contrato de subarrendamento que celebrou com aquela, em que o prazo da locação foi estabelecido tendo por base a viabilidade financeira do investimento por si efectuado, acordando as partes no prazo de 12 anos;
Na cláusula Segunda, n.º Um, ficou, contudo, fixado o prazo de um ano, com início em 27-05-2016 e termo em 27-05-2017, renovável por iguais períodos desde que exista acordo entre as partes, cláusula que nunca foi negociada e foi introduzida por um colaborador do C. e apenas na presença da B;
Na acção n.º 2556/17.0YLPRT foi reconhecida a caducidade do contrato de sublocação e ordenada a entrega do imóvel locado;
Foi no pressuposto de que o contrato de subarrendamento duraria por 12 anos que a requerente assumiu o encargo de concluir as obras no edifício e contraiu um empréstimo;
A entrega do imóvel não permite que sejam retirados todos os bens que integram o estabelecimento comercial Hotel Astória, pelo que tal entrega equivaleria para a requerente à perda do estabelecimento;
A vontade da requerente foi viciada porque não foi esclarecida sobre a alteração do prazo de duração do contrato;
A anulação do contrato de sublocação determina a destruição dos pressupostos em que assentaram as prestações realizadas pela requerente quanto ao estabelecimento comercial, pelo que há lugar a enriquecimento sem causa;
A requerida B e o C violaram os deveres gerais de boa fé no âmbito da negociação do contrato, introduzindo um prazo não acordado, pelo que devem responder pelos prejuízos – lucros cessantes – entre a data da entrega e o termo do prazo previsto para o subarrendamento, que era de 12 anos;
Os créditos que a requerente reclama estão relacionados com a valorização da coisa (o prédio do hotel) e prejuízos que dela advêm para aquela, e a requerida apenas tem como activo o direito de arrendamento sobre esse prédio e expectativa de aquisição à data do termo da locação financeira, sendo que a indemnização fixada na acção n.º 2556/17.0YLPRT não será sequer devida face à invalidade do contrato de sublocação.
Daqui se retira que a recorrente envereda por diversas vias para lograr demonstrar que, não obstante o decidido no procedimento especial de despejo, tem direito a obter o ressarcimento quer dos valores que investiu nas melhorias efectuadas no prédio, quer dos valores que deixará de auferir por força da impossibilidade de prosseguir a exploração do Hotel Astória se tiver de proceder à entrega do prédio locado onde este funciona, quer ainda pelas indemnizações que haverá de pagar a trabalhadores e a outras entidades por força do encerramento do hotel.
Assim, tanto alude à nulidade do contrato de sublocação, que parece fundar na falta de negociação sobre o prazo de duração do contrato vertido na cláusula Segunda, n.º Um (não deduzindo, contudo, a final, qualquer pedido que pressuponha essa declaração de nulidade), como sustenta a sua anulabilidade radicada num erro-vício que afecta a validade da declaração ou no dolo, para concluir, por via da destruição do contrato, pelo direito a obter o invocado ressarcimento, invocando para o efeito tanto o estatuído no art. 289º do Código Civil, como o instituto do enriquecimento sem causa, para, a final, imputar às requeridas uma responsabilidade civil pré-contratual assente na violação dos deveres gerais de boa fé no contexto das negociações havidas entre as partes.
A convocação simultânea de diversos institutos jurídicos, alguns deles contraditórios entre si (posto que não deduzidos subsidiariamente), para fundamentar a probabilidade do crédito que alega deter sobre os requeridos (pressuposto da providência solicitada) é por si só reflexo da inconsistência da alegação da requerente que parece não conseguir delinear de modo escorreito o fundamento da sua pretensão.
De todo o modo, seja qual for o instituto jurídico que devesse merecer acolhimento ou devesse aqui ser considerado, há um dado factual intransponível e no qual se louva toda a argumentação jurídica da requerente, qual seja a circunstância de a estipulação do prazo de um ano para a duração do contrato de subarrendamento vertida na respectiva cláusula Segunda, n.º Um, não ter sido negociada entre as partes, sendo introduzida no contrato sem o seu conhecimento, prazo que nunca teria aceitado porque inviabilizaria o investimento financeiro efectuado.
Ora, o ponto é exactamente este: seja qual for a fundamentação jurídica que a recorrente pretenda agora esgrimir, o pressuposto factual assentará sempre na alegada inexistência de negociação sobre o prazo de duração de um ano, questão que, como se torna fácil verificar, foi concretamente apreciada no âmbito do processo n.º 2556/17.0YLPRT, onde obteve aliás pronúncia expressa em sede de decisão de facto – cf. pontos 14. e 15. da matéria de facto.
Na decisão recorrida foram aduzidas diversas considerações sobre os pressupostos da verificação da excepção de caso julgado e, bem assim, quanto à autoridade de caso julgado, para concluir pelo funcionamento desta última no caso concreto, com necessária improcedência da pretensão deduzida pela requerente, o que se fez com acerto e com as quais se concorda.
De todo o modo sempre se dirá que o caso julgado material para além de se formar sobre a decisão relativa ao objecto da acção, em certos casos, abrange ainda as decisões preparatórias, sendo pelo teor da decisão que se determinará a respectiva extensão objectiva. Como refere o Prof. J. Alberto dos Reis, citando Manuel Andrade, in Código de Processo Civil Anotado, “Se ela não estatuir de modo exaustivo sobre a pretensão do autor (o thema decidendum), não excluindo portanto toda a possibilidade de outra decisão útil, essa pretensão poderá ser novamente deduzida em juízo.” – cf. pág. 174.
E esclarece:
“Se a sentença transitada não esgotou o thema decidendum, se uma parte da pretensão ficou ainda em aberto, não há dúvida de que essa parte pode, de novo, ser submetida à consideração do tribunal. Mas uma coisa é não ter sido apreciada uma parte da pretensão deduzida em juízo, outra, completamente diferente, não terem sido apresentados ou deduzidos alguns meios de defesa do réu, ou algumas razões ou fundamentos do autor. A este respeito o Prof. Andrade afirma: O caso julgado preclude todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele poderia ter deduzido, mas não deduziu, assim como preclude todas as possíveis razões do autor. Desde que a sentença reconhece o direito do autor, ficam precludidos, fica fechada a porta a todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir. É a significação da máxima tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat.
Por outro lado, a sentença que julga improcedente a acção preclude incontestavelmente ao autor a possibilidade de, em novo processo, invocar outros factos instrumentais, ou outras razões (argumentos de direito) não produzidas nem consideradas no processo anterior (Andrade, Noções, págs. 120 e 130).”
É sabido que autoridade do caso julgado impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas e que a excepção do caso julgado supõe uma tríplice identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir.
Mas a análise do “caso julgado” pode ser perspectivada através dessa vertente de excepção dilatória com constatação da aludida tríplice identidade ou, ao invés, pela força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão.
É neste contexto que se distinguem as mencionadas funções positiva (que opera através do efeito de autoridade do caso julgado, ao vincular o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga) e negativa (que funciona por via da excepção dilatória do caso julgado, nos termos previstos nos artigos 577º, alínea i), 580º e 581º do CPC, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objecto e entre as mesmas partes).
Sobre esta matéria esclarece o Prof. M. Teixeira de Sousa, tal como se transcreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5-12-2017, relator Pedro de Lima Gonçalves, processo n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 disponível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça em www.dgsi.pt, mencionado na decisão recorrida[2]:
“«O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, respeitam) o que foi decidido anteriormente (…).» (in «Preclusão e "contrario contraditório"», Cadernos de Direito Privado, n.º 41, p. 24-25).
E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, «a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente» (in "O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.).
Também José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pp. 599-600 alertam para esta distinção aduzindo:
“A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito […]. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida […], ou o fundamento da primeira decisão […] é também questão prejudicial na segunda acção […]. Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objeto da primeira e da segunda ações: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela proferida deva, excecionalmente, ser invocável […]) ou se a primeira ação, cujo objeto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por exceção […]”
A jurisprudência tem acompanhado esta distinção, como se constata, a título meramente de exemplo, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-09-2011, relatora Desembargadora Judite Pires, processo n.º 816/09.2TBAGD.C1:
“[…] tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “... em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas [] O alcance e autoridade do caso julgado não se pode, pois, limitar aos estreitos contornos definidos nos artºs 497º e seguintes para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente. [] O Acórdão desta Relação de 28.09.2010 distingue deste modo a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado: “A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art. 498º do Código de Processo Civil.”
No seu paper (199) Preclusão e caso julgado, entrada de 3-05-2016, Blog do IPPC acessível em https://blogippc.blogspot.com/2016/05/paper-199.html o Prof. M. Teixeira de Sousa demonstra que a estabilização das situações processuais que advém do caso julgado é aquela que resulta da preclusão dos factos ou das ocorrências supervenientes verificadas até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas não alegadas em juízo até esse momento (cf. art. 611º, n.º 1 do CPC), daí que a preclusão não seja reversível mas o caso julgado possa ser afectado por um facto não precludido, ou seja, o caso julgado apenas impede a alteração da decisão transitada com base num fundamento precludido – cf. pág. 10.
No mencionado texto, o referido Professor procura demonstrar que a excepção de caso julgado pode funcionar não só para assegurar que não há uma repetição de uma causa (cf. art.ºs 580º, n.º 1, 581º, n.º 1 e 577º, i) do CPC), mas também para evitar a contradição de julgados, o que sucede quando a diferença entre o objecto da primeira acção e o da segunda acção deriva da alegação nesta última de um fundamento não invocado naquela (cf. pág. 15), ou seja, neste caso, a excepção de caso julgado realiza uma função positiva obstando à contradição do decidido numa causa anterior inviabilizando a apreciação de um aliud com base num facto precludido (e exemplifica com a situação de improcedência da oposição à execução deduzida com um certo fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda, que preclude a invocação de um fundamento distinto que já se verificasse ao momento da dedução dos embargos).
É neste ponto que se divide a função negativa do caso julgado (a funcionar pela excepção de caso julgado) e a sua função positiva (a actuar pela autoridade do caso julgado), sendo que nesta cabe ainda a figura do “contrário contraditório”, ou seja, a situação em que o caso julgado de uma decisão pode ser oposto ao réu da acção, se este pretender obter, em acção autónoma posteriormente instaurada, um efeito contraditório ou incompatível com aquele que ficou abrangido pelo caso julgado (cf. pág. 17 do paper).
Quando o caso julgado relativo a um objecto prejudicial é invocado numa acção posterior releva nesta segunda acção uma proibição de contradição daquele caso julgado, proibição que não impede a nova pronúncia do tribunal sobre o que é pedido, antes vincula o tribunal a utilizar o caso julgado como base da apreciação sobre o que lhe é solicitado.
Além das situações de questão prejudicial, a proibição de contradição tem de actuar quando se trata de evitar que o caso julgado seja contrariado por uma decisão posterior.
Assim, sintetiza o Prof. M. Teixeira de Sousa, in paper mencionado, pp. 19-20:
“[…] a proibição de contradição pode justificar quer a autoridade de caso julgado, quer a excepção de caso julgado, tudo dependendo da relação do objecto da primeira acção com o objecto da segunda acção. Em concreto […] há que considerar três hipóteses:
- O objecto da segunda acção é dependente do objecto (prejudicial) da primeira acção; nesta situação, importa vincular o tribunal da segunda acção à pronúncia prejudicial do tribunal da primeira acção, ou seja, há que evitar que o tribunal da segunda acção possa contrariar aquela pronúncia; este desiderato é atingido através da proibição de contradição da decisão anterior e da autoridade de caso julgado;
- O objecto da segunda acção é contraditório com o objecto da primeira; nesta hipótese, importa afastar uma pronúncia contraditória com a anterior; este efeito é conseguido através da proibição de contradição da decisão anterior e da excepção de caso julgado;
- O objecto da segunda acção é igual ao objecto da primeira acção; nesta situação, o que importa excluir é uma repetição da pronúncia do tribunal da primeira acção; para conseguir este desiderato há que impor a proibição de repetição da decisão anterior e a aplicação da excepção de caso julgado.”
No caso em apreço, tem-se como decisão transitada em julgado a proferida no processo n.º 2556/17.0YLPRT que apreciou o pedido de despejo deduzido pela B contra a A. visando obter a desocupação do locado, com base na caducidade do contrato de subarrendamento.
Tal como se considerou na decisão recorrida o objecto dessa pretérita acção não pode ser tido como um idem relativamente ao objecto do presente procedimento cautelar, pois que ali estava em causa a celebração de um contrato de subarrendamento que teve por objecto o prédio urbano identificado em 1. (e que havia sido objecto também de um contrato de locação financeira) e a sua cessação por caducidade, com obrigação de entrega do locado pela ali ré (aqui requerente) à autora (ora requerida/recorrida), questão que não está aqui em causa, pois que a requerente o que aqui pretende ver reconhecido é a sua posse, não sobre o prédio urbano mas sobre o estabelecimento comercial “Hotel Astória” nele instalado, para o que convoca um direito de retenção com base em benfeitorias realizadas no imóvel e uma alegada impossibilidade de manter o estabelecimento se tiver de entregar o prédio, o que faz para garantir a satisfação de um crédito indemnizatório decorrente dos prejuízos que alegadamente suportou por força da violação das regras da boa fé no decurso das negociações por parte da recorrida.
Daqui decorre que, de facto, não pode reconhecer-se uma identidade de objecto entre a acção n.º 2556/17.0YLPRT e o procedimento cautelar e o direito que este visa assegurar face à diversidade do pedido e, em parte, da causa de pedir, o que justifica o afastamento da excepção de caso julgado, na perspectiva da proibição de repetição da decisão anterior.
Por outro lado, também não se configura a excepção de caso julgado através da proibição da contradição da decisão anterior, porque, em rigor, o objecto do presente procedimento cautelar (tendo em vista a acção que a requerente pretenderia instaurar, tal como esta o identifica no artigo 154º do seu requerimento inicial[3]) tem subjacente e como pressuposto a caducidade do contrato de sublocação reconhecida na decisão anterior, sendo esse o facto que, segundo a versão trazida aos autos pela recorrente, foi determinante dos danos que alega ter suportado e que pretende ver ressarcidos.
Significa isto que a recorrente, apesar da patente desordem e desalinho do seu articulado inicial para fundamentar a pretensão que deduz, acaba por não solicitar ou pretender ver reconhecida qualquer invalidade da cláusula Segunda, n.º Um do contrato de sublocação, nem tão-pouco afastar a caducidade de tal contrato, já julgada procedente pela decisão transitada em julgado, partindo, aliás, desse pressuposto para justificar os danos que alega, pelo que não se trata de uma situação de “contrário contraditório”.
Todavia, importa ter presente, tal como se realçou na decisão recorrida, que parte dos argumentos agora invocados no procedimento cautelar foram já alegados pela requerente na acção n.º 2556/17.0YLPRT, em que era ré, onde, entre o mais, sustentou que as partes nunca pretenderam ou negociaram previamente a estipulação do prazo de um ano para a sublocação, mas sim o de 12 anos e onde também entendeu que teria existido reserva mental por parte da então autora, por ter emitido declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar a sublocatária, que acabou por actuar em erro, acreditando na informação de que o contrato seria revisto quanto ao prazo, assim como convocou a verificação de negócio simulado, para concluir pela inexistência da caducidade do contrato de sublocação e rejeição do despejo – cf. ponto 12. da matéria de facto.
Ora, a decisão proferida no processo n.º 2556/17.0YLPRT apreciou os factos alegados nessa sede, entre os quais, os atinentes à intenção das partes quanto à estipulação do prazo e à ausência de negociação do prazo fixado (julgados não provados – cf. ponto 14.) e procedeu, é certo, por via disso, à interpretação do contrato e, designadamente, da cláusula Segunda, n.º Um, mas aí considerou não ter ficado demonstrado que as partes não tenham querido estipular o prazo de um ano para a duração do contrato, assim como não ficou provado que a vontade real da A (tendo por base a perspectiva de manter a exploração do estabelecimento para assegurar o investimento financeiro efectuado) fosse conhecida da B, tendo ainda sido afastados os erro-vício e reserva mental, concluindo que o sentido objectivo da cláusula em questão era o de estabelecer o prazo de um ano, com possibilidade de renovação, caso houvesse acordo das partes, o que não houve, pelo que o contrato caducou.
Daqui se retira que a apreciação da actual pretensão da recorrente, ainda que partindo do pressuposto do reconhecimento da caducidade do contrato de sublocação, conforme decisão transitada em julgado, a desatender o já julgado naquela outra acção, levaria a que o tribunal se pronunciasse sobre uma questão já abrangida pelo alcance dessa decisão, ou seja, ainda que sob a perspectiva da responsabilidade pré-contratual, a recorrente pretenderia voltar a discutir a ausência de negociação entre as partes quanto ao prazo de duração do contrato de subarrendamento, quando é certo que na acção pretérita foi já apreciado e decidido não ter sido demonstrado que tal negociação não tenha existido (ainda que enquanto pressuposto da interpretação a efectuar da aludida cláusula).
Assim, em face do acima expendido, e porque o tribunal não pode ser colocado na posição de contrariar uma questão que foi já julgada e decidida, sendo certo que tal questão constitui agora pressuposto essencial da pretensão deduzida, impõe-se reconhecer a autoridade de caso julgado para evitar que o tribunal desta segunda acção seja colocado numa situação que possa contrariar aquela pronúncia, ou seja, há que fazer actuar a autoridade do caso julgado através da proibição de contradição da decisão anterior.
E assim é porque, ainda que, por em regra, o caso julgado não abranja aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado, sendo que o afastamento da vontade subjectiva das partes e a consideração do sentido objectivo que emerge da cláusula Segunda, n.º Um do contrato de subarrendamento tiveram como pressuposto a validade dessa cláusula (que não foi afastada face à não demonstração da alegada falta de negociação do prazo).
Assim, a decisão proferida no processo n.º 2556/17.0YLPRT definiu um efeito jurídico – a caducidade do contrato de subarrendamento – o que teve como premissa a cláusula Segunda, n.º Um, com o sentido objectivo dela decorrente (fixação do prazo de um ano), o que consubstancia decisão de questão fundamental com autoridade de caso julgado, nos termos do art. 621º do CPC e constitui pressuposto indiscutível do efeito-prático-jurídico que neste procedimento se pretende fazer valer no quadro da relação material controvertida aqui invocada.
Sucede, ainda, que no alcance desse caso julgado devem ter-se por incluídas as questões suscitadas em sede de defesa que não mereceram procedência, nomeadamente, o alegado vício da vontade da declarante (ora recorrente) seja por falta de negociação da cláusula em referência, seja por reserva mental ou erro, assim como precludidas resultam as questões que incumbia à defesa alegar e provar face ao direito invocado pela ali autora, o que necessariamente se repercute na inviabilidade da consideração da actuação dolosa imputada à requerida como pressuposto do direito indemnizatório invocado – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-03-2019, relator Tomé Gomes, processo n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1.
Certo é, como alega a recorrente, que tendo invocado a existência de dolo por parte da recorrida como fundamento da formação da sua vontade viciada por erro dele decorrente, o que fez para fundamentar a responsabilidade que imputa a esta última, nos termos do art. 227º do Código Civil, tal não contende com a decisão de caducidade do contrato e com a validade deste.
Com efeito, tal como elucida o Prof. Mota Pinto, ao principal efeito do dolo que é a anulabilidade do negócio (art. 254º, n.º 1 do Código Civil), acresce a responsabilidade pré-negocial do autor do dolo, por ter originado a invalidade, com o seu comportamento contrário às regras da boa fé, durante os preliminares e a formação do negócio (art. 227º do Código Civil). Acrescentando que, “a obrigação de indemnizar é um efeito do dolo, autónomo relativamente à anulabilidade, surgindo mesmo quando não se verifiquem todos os requisitos do exercício do direito de anular ou este tenha já caducado. O fundamento legal da obrigação de indemnização radica, além do artigo 227º, no artigo 253º, n.º 2, do qual resulta «a contrario» ser o dolo um acto ilícito.” – cf. Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Actualizada, pág. 521, nota (1).
No mesmo sentido, o Prof. Menezes Cordeiro afirma que a anulação por dolo pode ser cumulada com a indemnização dos danos causados, podendo convocar-se, em simultâneo, as regras da culpa in contrahendo – cf. Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral Tomo I 2ª Edição 2000, pág. 626; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2000, CJ (STJ) Tomo I, pág. 45.
Significa isto, que poderia a requerida, não obstante não estarem verificados os requisitos da anulação com base no dolo ou até precludida a possibilidade de a suscitar, alcançar a reparação dos prejuízos sofridos por via dessa actuação dolosa, convocando a violação dos deveres da boa fé, como ora faz.
Sucede, todavia, que o momento próprio para o fazer encontra-se precludido.
Na verdade, a preclusão está estritamente conexionada com um ónus processual de praticar um acto e, quando referida a factos, a preclusão apresenta-se em correlação com um ónus de alegação e de concentração, ou seja, para evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado.
Isto mesmo é referido pelo Prof. Castro Mendes quando afirma:
«Fora da hipótese de factos objetivamente supervenientes – e esta hipótese reconduz-se à ideia dos limites temporais do caso julgado: a sentença só é válida "rebus sic stantibus" - cremos que os "contradireitos" que o réu podia fazer valer são ininvocáveis contra o caso julgado. O fundamento essencial do caso julgado não é de natureza lógica, mas de natureza prática; […] «A paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto. Outro problema que se põe é o de saber se esta figura do efeito preclusivo pertence ao instituto do caso julgado, ou lhe é estranha. A dogmática tradicional e dominante integra-o no caso julgado. Uma regra clássica diz-nos aqui que tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, o caso julgado abrange aquilo que foi objeto de controvérsia, e ainda os assuntos que as partes tinham o ónus (não o dever) de trazer à colação; neste último caso, estão os meios de defesa do réu. (…) Outros autores vêem este efeito preclusivo como efeito da sentença transitada, mas efeito distinto do caso julgado. […] A indiscutibilidade de uma afirmação, o seu carácter de res judicata, pode resultar pelo contrário tanto de uma investigação judicial, como do não cumprimento dum ónus que acarrete consigo vi legis esse efeito. (…) Sucede ainda a respeito das questões que as partes têm o ónus de suscitar, sob pena de serem ulteriormente irrelevantes para impugnar ou defender uma situação jurídica acertada ou rejeitada em termos de caso julgado.»” – apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5-12-2017, processo n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 acima mencionado.
É assim que, tal como se reconhece neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o réu tem o ónus de alegar na contestação toda a defesa que queira deduzir contra o pedido formulado pelo autor (cf. art. 573º, n.º 1 do CPC), ou seja, tem o ónus de concentração da sua defesa na contestação, de tal modo que não pode alegar posteriormente nenhum meio de defesa que já pudesse ter alegado nesse articulado, quer por razões de lealdade na litigância processual, quer por razões de segurança e de certeza jurídicas que impedem que, tornada definitiva uma sentença, os seus efeitos possam vir a ser postergados com base em novos argumentos que em tal acção não foram, mas poderiam ter sido, invocados.
Esta argumentação é ainda extensível a um determinado ónus do réu de, em certas circunstâncias, deduzir contra o autor os direitos que eventualmente possa exercer contra ele em face do pedido formulado na acção.
A este propósito tem-se por elucidativo o vertido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2017, relatora Rosa Tching, processo n.º 3074/16.9T8STR.S1:
“[…] se é certo ter a reconvenção, em regra, natureza facultativa, o que constitui entendimento pacífico na doutrina […] e parece resultar claro da letra do artigo 266º, n.º 1 do NCPC, na medida em que ao estabelecer que «o réu pode, em reconvenção deduzir pedidos contra o autor», inculca a ideia de que ao réu, demandado em determinada acção, assiste a liberdade de optar entre aproveitar a mesma instância processual para formular uma pretensão contra o autor ou fazer valer essa pretensão através da propositura de uma ação autónoma, também não deixa de ser verdade que, por vezes, após o trânsito em julgado da sentença, o réu fica impedido de exercer, através de ação separada e distinta o seu direito.
E porque assim acontece, segundo Luís Miguel de Andrade Mesquita [Cfr. In “Reconvenção e Excepção no Processo Civil [O dilema da escolha entre a reconvenção e a excepção e o problema da falta de exercício do direito de reconvir], Almedina, págs. 439 e 450], importa estabelecer a distinção entre a reconvenção facultativa (permissive counterclaim) e a reconvenção necessária ou compulsiva (compulsory counterclaim).
É que, enquanto que, no primeiro caso, o não uso da faculdade de dedução de reconvenção não tem, em princípio, qualquer interferência negativa na consistência do direito material de que o réu seja titular, já no segundo, «a faculdade de reconvir transforma-se num ónus, na medida em que o réu necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor» [Cfr. Luís Miguel de Andrade Mesquita, […] págs. 440 e 441].
Trata-se, entre outras, de situações em que, no dizer de Manuel de Andrade [In, RLJ, ano 70º, págs. 232 e segs.], «uma vez julgada procedente uma acção, nela se afirmando competir ao autor certo direito, com base em certo acto ou facto jurídico, a força e autoridade do caso julgado impedirá mais tarde, por qualquer motivo não superveniente se possa vir impugnar aquele direito, com isto negando ou por qualquer forma se intentando prejudicar bens correspondentes por aquela decisão reconhecidos ao autor»
E, daí concluir este mesmo autor que, nestes casos, o réu «tem de invocar todos os meios de defesa que lhe possam assistir, quer dizer, todos os factos susceptíveis de comprovarem que o direito do autor não se constituiu validamente (factos impeditivos), ou que sofreu alteração ou mesmo deixou de subsistir (factos modificativos ou extintivos)», e até mesmo os que poderia ter deduzido com base num direito seu, valendo, neste sentido, a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat» [Cfr. Manuel de Andrade , in, “Noções Elementares de processo civil” , Coimbra Editora , pág. 324].
No mesmo sentido, Miguel Mesquita […] adverte o réu, que se considere titular de qualquer pretensão contra o autor, para o facto de, no momento em que contesta, não deixar de formular, para si mesmo, a seguinte pergunta: «o caso julgado que eventualmente venha a incidir sobre uma decisão favorável ao demandante será susceptível de se transformar num obstáculo ao futuro exercício do meu direito através de uma acção independente?
Sendo a resposta afirmativa, necessita de reconvir para afastar o risco da futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor. O réu reconvirá para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo da preclusão do seu direito».”
Na situação sub judice, confrontada a recorrente, no processo n.º 2556/17.0YLPRT, com a pretensão da ali autora (aqui recorrida) de ver reconhecida a validade da cláusula Segunda, n.º Um do contrato de subarrendamento e a sua consequente caducidade, competia-lhe reagir, em sede de defesa, convocando todos os fundamentos que pudesse opor à consideração da validade dessa cláusula, deduzindo mesmo os direitos que entendesse deter sobre aquela - em concreto, aqueles que aqui ora pretende exercer -, pois que logo ali apontou a falta de negociação entre as partes sobre o teor da cláusula Segunda tal como veio a ser fixado no contrato, não tendo convocado todos os elementos que ora introduziu nestes autos, nem deduzido, com base nisso, a pretensão que aqui formula.
É que os factos em que ora estriba a pretensão indemnizatória, enquanto provável crédito sobre a requerida e pressuposto da providência solicitada, são factos já conhecidos pela recorrente no momento da contestação e revestem carácter de defesa, pelo que sobre esta recaía o ónus de deduzir reconvenção para afastar o risco da futura preclusão, por força do caso julgado que viesse a constituir-se sobre a decisão favorável à ali autora.
Não o tendo feito, obtendo a recorrida a sentença transitada em julgado que julgou a caducidade do contrato com base na validade de tal cláusula Segunda, n.º Um, tornou-se inquestionável a autoridade de caso julgado que se projecta dessa sentença e que impede que a requerente venha agora, com base em factos que podiam ter sido deduzidos na sua defesa, mas não foram, afectar o seu teor, pelo que resulta precludido o direito de ora demonstrar um qualquer crédito com base numa actuação dolosa em fase pré-negocial por parte da recorrida.
Assente o sentido da cláusula 2ª, número Um e determinada, com base nela, a caducidade do contrato de subarrendamento, e julgada improcedente a oposição deduzida pela recorrente, impõe-se, na presente acção, como efeito substantivo impeditivo, a inviabilidade da apreciação de uma ausência de negociação entre as partes e de uma actuação dolosa por parte da requerida/recorrida, não convocada em momento próprio para afastar a valia daquela cláusula, que agora não pode ser sindicada, o que implica, necessariamente, um juízo de improcedência do presente procedimento cautelar por falta de demonstração de um seu necessário pressuposto, qual seja, a probabilidade do direito tido por ameaçado.
Tal determina, por consequência, a improcedência do procedimento cautelar e o não decretamento da providência requerida.
Em face do expendido, improcede a apelação, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A recorrente decai em toda a extensão quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo da apelante.
                                                          *
Lisboa, 15 de Setembro de 2020[4]
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro
_______________________________________________________
[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se disponíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça em www.dgsi.pt.
[3] Artigo 154º - “Tendo em conta a factualidade supra alegada, pretende a ora Requerente EA instaurar contra as aqui Requeridas, “B” e “C”, acção declarativa de condenação, na qual será peticionado:
a) A condenação solidária das RR. a pagar à A. a quantia de 7.000.000,00 (sete milhões de euros), correspondente ao valor do estabelecimento comercial identificado como “Hotel Astória”.
b) A condenação solidária das RR. a pagar à A. a quantia que, em liquidação de sentença, vier a apurar-se como correspondente aos lucros cessantes da A., pelo período correspondente ao prazo de vigência da sublocação inicialmente acordada, de 12 anos, relativamente ao imóvel no qual está instalado o estabelecimento hoteleiro supra
identificado;
c) A condenação solidária das RR. a pagar à A. a quantia que, em liquidação de sentença, vier a apurar-se como correspondente aos prejuízos sofridos pela A. em consequência das indemnizações que vier a pagar aos respectivos trabalhadores;
d) A condenação solidária das RR. a pagar à A. a quantia que, em liquidação de sentença, vier a apurar-se como correspondente aos prejuízos sofridos pela A. em consequência das indemnizações que vier a pagar à “EXPOFOOD”, em consequência do encerramento do restaurante instalado no estabelecimento hoteleiro “Hotel Astória”;
e) A condenação solidária das RR. a pagar à A. juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação, até integral e efectivo pagamento;
f) A condenação solidária das RR. a respeitar a posse da A., sobre o prédio urbano composto por cave, rés-do-chão e oito andares, sito na Rua Braamcamp n.º 10 e 10A, em Lisboa, freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 44 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1007, de que é proprietário o 2º R. C, por via do direito de retenção de que esta goza relativamente ao Estabelecimento Comercial “Hotel Astória”, instalado no prédio, até efectivo e integral pagamento das quantias supra elencadas.”
[4] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.