Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
232/17.2YRLSB-4
Relator: SEARA PAIXÃO
Descritores: GREVE
SERVIÇOS MÍNIMOS
GUARDAS-PRISIONAIS
RECLUSOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: A definição de serviços mínimos no âmbito de uma greve determinada pelo Sindicato independente dos Trabalhadores da Guarda Prisional não se restringe aos serviços referidos no art. 15 do DL nº 3/2014 de 9.01, havendo que compatibilizar o exercício do direito à greve pelos elementos do Corpo da Guarda prisional, com os direitos constitucional e legalmente cometidos à população reclusa, nomeadamente em matéria de acesso ao trabalho, ao ensino e formação profissional e a visitas. Não se mostra desadequada e desproporcionada a definição de serviços mínimos estabelecida pelo colégio arbitral de 12.12.2016.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA –, com sede na Rua (…), , representada pelo Presidente da Direcção Nacional (…), tendo sido notificada no dia 12 de Dezembro de 2016, do acórdão proferido no âmbito da arbitragem necessária para definição de serviços mínimos, vem do mesmo interpor RECURSO de APELAÇÃO, cujas alegações termina com as seguintes CONCLUSÕES:
1.–A decisão de que o AAA recorre é o douto Acórdão proferido pelo Colégio Arbitral no pretérito dia 12 de Dezembro de 2016 no âmbito do processo de Arbitragem Obrigatória de Serviços Mínimos nº 4/2016/DRCT-ASM, que correu termos na DGAEP;
2.–Este processo de Arbitragem Obrigatória de Serviços Mínimos nº 4/2016/DRCT-ASM foi desencadeado na sequência do pré-aviso de greve nacional decretada pelo AAA para os períodos compreendidos entre as 00H00 do dia 15 de Dezembro e as 24H00 do dia 18 de Dezembro de 2016 e entre as 00H00 do dia 22 de Dezembro e as 24H00 do dia 25 de Dezembro de 2016;
3.–Neste Acórdão proferido em 12 de Dezembro de 2016 pelo Colégio Arbitral, e com o qual o AAA não se conforma, foram fixados os seguintes serviços mínimos e os seguintes meios para os assegurar:

1)-Quanto aos serviços mínimos:
a)-Assegurar, durante o fim-de-semana, uma visita de familiares directos ou das pessoas indicadas pelo recluso aquando da sua admissão, caso essas mesmas pessoas não tenham feito a visita durante os dias úteis da semana;
b)-Assegurar o trabalho dos reclusos ao trabalho exterior nos termos habituais;
c)-Assegurar o acesso dos reclusos ao trabalho no interior do estabelecimento durante o período de greve, nos casos de absoluta impossibilidade de o mesmo se realizar noutros períodos;
d)-Assegurar a presença dos reclusos na frequência de acções de formação profissional, quer no interior quer no exterior do estabelecimento, nos casos de absoluta impossibilidade de tais acções se realizarem noutros períodos;
2)-Quanto aos meios:
a)-Nos dias não úteis, deve ser assegurado o efectivo habitualmente escalado para o fim-de-semana;
b)-Nos dias úteis, deve ser escalado em número de efectivos igual ao habitualmente escalado para os dias não úteis, acrescido de 20%.

4.–Pese embora neste Acórdão proferido pelo Colégio Arbitral se tenha vindo sustentar que a decisão proferida quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios para os assegurar se mostra em consonância com o que decorre da Constituição da República Portuguesa, com o que decorre da Lei e com o que decorre de decisões arbitrais e judiciais anteriormente proferidas acerca desta matéria, tal entendimento não pode de forma alguma ser aceite pelo AAA, pela manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade de que se reveste a interpretação e a aplicação das normas que neste Acórdão foi feita, o que aqui se não pode desde já deixar de invocar;
5.–Impõe-se, no entanto, começar por referir que, naquele que é o muito modesto entendimento por parte do AAA, o Acórdão proferido pelo Colégio Arbitral, em 12 de Dezembro de 2016, e de que se recorre, padece do vício de falta de fundamentação, sendo nulo;
6.–Se analisado o Acórdão proferido pelo Colégio Arbitral é possível verificar que as referências sobre a questão dos serviços mínimos a serem prestados e quanto aos meios de os prestar são sempre feitas de forma geral e abstracta, tudo por referência aos preceitos legais aplicáveis e a anteriores decisões proferidas acerca da matéria, sendo impossível descortinar quais as concretas razões que motivaram e fundamentaram esta decisão em relação ao pré-aviso de greve nacional que esteve decretada pelo AAA para os períodos compreendidos entre as 00H00 do dia 15 de Dezembro e as 24H00 do dia 18 de Dezembro de 2016 e entre as 00H00 do dia 22 de Dezembro e as 24H00 do dia 25 de Dezembro de 2016;
7.–O AAA não pode aceitar de forma alguma a fixação dos serviços mínimos nos moldes em que estes têm sido decididos por parte do Colégio Arbitral, nomeadamente não pode aceitar a fixação de serviços mínimos que não estão expressamente previstos na letra da Lei, assim como não pode aceitar ainda a fixação de serviços mínimos que não estejam tipificados na Lei e que não sejam pacificamente considerados de “necessidade social impreterível” à luz do que decorre dos preceitos constitucionais vigentes nesta matéria, como foi o que sucedeu com o sentido da decisão proferida em 12 de Dezembro de 2016 pelo Colégio Arbitral e de que se recorre;
8.–Com efeito, naquela que foi a decisão proferida em 12 de Dezembro de 2016 o Colégio Arbitral foi do entendimento de que a realização do trabalho no interior ou no exterior dos Estabelecimentos Prisionais por parte dos reclusos constitui uma “necessidade social impreterível”, assim como considerou que a educação, a formação frequentada por reclusos e até mesmo as visitas aos reclusos também constituem uma “necessidade social impreterível” para efeitos dos serviços mínimos a serem observados no período de greve, circunstancialismo com o que o AAA não concorda e no qual não pode conceder de forma alguma;
9.–Face à amplitude e à indeterminação de que se reveste a decisão proferida pelo Colégio Arbitral quanto à fixação dos serviços mínimos no âmbito deste processo de Arbitragem Obrigatória de Serviços Mínimos nº 4/2016/DRCT-ASM, a verdade é que, com esta decisão, na prática, os trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional em greve acabariam por vir a ter que assegurar e por ter que realizar todas aquelas que são as normais tarefas do seu dia-a-dia, ou seja, teriam que realizar as normais tarefas como se não estivessem em período de greve;
10.–Doutro passo, da conjugação do que decorre dos artigos 57º da Constituição da República Portuguesa com o que se estabelece no artigo 15.º do DL nº 3/2014, de 03 de Janeiro, resulta inequívoco que os serviços mínimos a serem assegurados pelos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional com vista à satisfação de “necessidades sociais impreteríveis” devem ser os serviços necessários ao assegurar da alimentação, da higiene, da assistência médica e medicamentosa dos reclusos;
11.–Percorrido quer o texto como o espírito do que se estabelece nestes preceitos, quer no artigo 57º da CRP como no artigo 15º do DL nº 3/2014, de 03 de Janeiro, resulta inequívoco que o legislador não pretendeu que as visitas, o trabalho, a educação e a formação de reclusos fossem susceptíveis de ser considerados de “necessidades sociais impreteríveis” para efeitos de qualquer restrição ao exercício do direito à greve constitucionalmente consagrado;
12.–Ainda que seja pacífico que o exercício do direito à greve constitucionalmente consagrado seja susceptível de sofrer restrições, tais restrições não podem deixar de estar previstas na lei e não podem deixar de se limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, pois que tal é o que decorre de forma inequívoca do que se estabelece nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa;
13.–A fixação de serviços mínimos a serem observados no decurso do exercício do direito à greve não pode, por conseguinte, deixar de ser feita por referência às “necessidades sociais impreteríveis” que se encontram previstas quer no texto como no espírito das normas legais que as contemplam, sob pena do direito à greve constitucionalmente consagrado ficar completamente esvaziado de conteúdo em termos práticos;
14.–Ora, no caso concreto dos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional não sobrestam dúvidas de que no artigo 15º do DL nº 3/2014, de 03 de Janeiro, o legislador ordinário apenas veio contemplar que os serviços mínimos a serem observados com vista à satisfação das “necessidades sociais impreteríveis” seriam apenas os serviços necessários ao assegurar da alimentação, da higiene, da assistência médica e medicamentosa dos reclusos;
15.–Consentâneo com este entendimento foi, por exemplo, o que foi decidido no Acórdão proferido no processo nº 18/2015/DRCT-ASM, de 27.07.2015, no qual é possível verificar que o Colégio Arbitral entendeu, e muito bem quanto ao AAA, que o trabalho por parte da população reclusa quer no interior como no exterior dos estabelecimentos prisionais não integraria o conceito de “necessidade social impreterível”, muito menos integraria tal conceito o prejuízo eventualmente sofrido por entidades contratantes porque este inere a uma qualquer empresa numa situação de greve, tendo o Colégio Arbitral decidido pela não fixação de quaisquer serviços mínimos em relação ao assegurar do trabalho da população reclusa;
16.–Na senda do que antecede, aquela que foi a interpretação e a aplicação do que se estabelece neste artigo 57º da Constituição da República Portuguesa e neste artigo 15º do DL nº 3/2014, de 03 de Janeiro, em conjugação entre si, e que veio a ser feita pelo Colégio Arbitral na decisão que proferiu em 12 de Dezembro de 2016 quanto aos serviços mínimos a serem fixados por referência à satisfação de “necessidades sociais impreteríveis” viola de forma inequívoca o que decorre princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade subjacentes à razão de ser que motivou o legislador constitucional ao admitir a possibilidade de poderem vir a ser contempladas restrições em relação ao exercício do direito à greve constitucionalmente consagrado, pois que tais restrições não podem deixar de ser feitas nos termos que se encontram previstos no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa;
17.–Consequentemente, aquela que foi a interpretação e a aplicação das normas legais citadas por parte do Colégio Arbitral na decisão que proferiu em 12 de Dezembro de 2016 quanto aos serviços mínimos a serem fixados por referência à satisfação de “necessidades sociais impreteríveis” viola ainda de forma inequívoca o disposto no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa;
18.–É que o sentido, o alcance e a amplitude da interpretação e da aplicação de preceitos legais e constitucionais que vieram a ser vertidos neste Acórdão proferido em 12 de Dezembro de 2016 parece revelar que o Colégio Arbitral admite como hipótese, em bom rigor, que possa ser a Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a definir quais as concretas situações susceptíveis de poderem consubstanciar “necessidades sociais impreteríveis” enquanto serviços mínimos a serem fixados no âmbito de uma greve dos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional, sendo que esta não foi seguramente a vontade e a intenção por parte do nosso legislador constitucional ao consagrar o disposto nos artigos 57º e 18º da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, do nosso legislador ordinário ao estipular os serviços mínimos previstos no artigo 15º do DL nº 3/2014, de 03 de Janeiro;
19.–A interpretação e a aplicação das normas que veio a ser feita por parte do Colégio Arbitral e que resulta vertida no douto Acórdão proferido em 12 de Dezembro de 2016 viola o disposto nos artigos 57º e 18º da Constituição da república Portuguesa, em conjugação com o que se estabelece no artigo 15º do DL nº 3/2014, de 03 de Janeiro, pelo que a decisão deve ser revogada e substituída por outra que observe o que decorre da letra e do espírito destas normas legais;
Nestes termos, (…) deve ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão a que se reporta o Acórdão proferido pelo Colégio Arbitral no pretérito dia 12 de Dezembro de 2016 no âmbito do processo de Arbitragem Obrigatória de Serviços Mínimos nº 4/2016/DRCT-ASM, tudo com as legais consequências.

A DDD–, contra-alegou terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I)–O AAA Recorrente desconvocou, em momento posterior à notificação do douto acórdão agora sindicado e anteriormente à interposição do presente recurso, a greve decretada para o período compreendido entre as 00 horas do dia 22 de Agosto às 24 horas do dia 31 de Agosto de 2015, greve relativamente à qual o acórdão do Colégio Arbitral definiu serviços mínimos a prestar pelos elementos do Corpo da Guarda Prisional e os meios necessários para os assegurar;
II)–Dessa forma, o acórdão objecto de recurso não produziu qualquer tipo de efeito já que a greve para o qual o mesmo definiu os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar foi desconvocada pelo Sindicato Recorrente;
III)–E, ao não produzir qualquer efeito, haverá que concluir pela ausência de legitimidade do AAA Recorrente na interposição do presente recurso;
IV)–Não se verificando assim em relação ao AAA Recorrente qualquer “interesse direto em demandar” que se exprime “pela utilidade derivada da procedência da ação” nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 30º do CPC;
V)–Não podendo o AAA Requerente obter, por ter desconvocado a greve objecto do acórdão agora sindicado, com o recurso interposto qualquer benefício na sua esfera jurídica nem na execução e prosseguimento das suas atribuições enquanto estrutura representativa dos elementos do Corpo da Guarda Prisional já que os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar estipulados no referido Acórdão não foram cumpridos atenta a não realização da greve;
VI)–Efetivamente o AAA Recorrido, por ter desconvocado a greve cujos serviços mínimos e meios foram objecto de decisão pelo douto acórdão do Colégio Arbitral sob recurso não sofreu qualquer prejuízo directo e efectivo, nos termos do n.º 2 do artigo 691º do CPC, pelo que não se verifica qualquer interesse em agir tanto mais que o entendimento preconizado pelo Colégio Arbitral no que concerne ao objecto do recurso, a “realização de trabalho no interior e no exterior do Estabelecimento Prisional” é idêntico às bem fundamentadas decisões arbitrais fixadas no ano de 2015, designadamente pelos Colégios Arbitrais de 17 de Abril de 2015 – processo 6/2015/DRCT-ASM; de 27 de Abril de 2015 – processo 7/2015/DRCT-ASM; de 5 de Maio de 2015 – processo 8/2015/DCRT-ASM; de 17 de Junho de 2015 - processo 14/2015/DRCT-ASM; de 23 de Junho de 2015 – processo 15/2015/DRCT/ASM e de 10 de Julho de 2015 – processo 17/2015/DRCT/ASM e pelos doutos acórdãos da Relação de Lisboa de 14 de Janeiro de 2015, no processo n.º 625/14.7YRLSB
VII)–O que se reitera já que no recurso interposto o AAA Recorrente nunca se digna alegar e demonstrar um quadro circunstancial lesante dos direitos e interesses do mesmo que reclame ou demande o uso da tutela jurisdicional para a sua defesa inexistindo assim interesse em agir na propositura da presente ação;
VIII)A falta de legitimidade do AAA Recorrente na interposição do presente recurso é notória já que, e conforme se demonstrou, o facto do mesmo ter desconvocado a greve para a qual o Acórdão sobre recurso estipulou serviços mínimos e meios necessários, que não foram cumpridos atenta a não realização da mesma, configura, mutatis mutandis, uma excepção dilatória que obsta a que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa aprecie o recurso interposto ex vi alínea d) do n.º 1 do artigo 278º, do n.º 2 do artigo 576º e do n.º 6 do artigo 638º do CPC com as necessárias cominações legais;
IX)–Não observa o AAA Recorrente o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 639º do CPC, norma que prevê que o recorrente deve nas suas conclusões, já que estamos perante matéria de direito, indicar o sentido com que, no entender do mesmo, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
X)–Limitando-se a considerar no ponto 19.que a decisão deve ser revogada e substituída por outra que observe o que decorra da letra e do espírito destas normas legais – artigos 57º e 18º da Constituição da república Portuguesa, em conjugação com o que se estabelece no artigo 15º do DL n.º 3/2014, de 03 de Janeiro, não logrando todavia concretizar como se lhe impunha como as referidas normas deveriam ter sido aplicadas na conciliação do direito à greve pelos seus representados com os direitos constitucional e legalmente reconhecidos aos cidadãos em reclusão no que concerne, nomeadamente, às visitas, ao trabalho no interior e exterior do Estabelecimento Prisional e à frequência das ações de formação;
XI)–Devendo assim o AAA Recorrente, nos termos do n.º 3 do artigo 639º do CPC, ser convidado a completar e esclarecer as conclusões formuladas;
XII)–A matéria objeto do recurso interposto pelo AAA Recorrente foi já anteriormente objecto de decisão por parte do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa pelos doutos acórdãos de 15 de Janeiro de 2015, no processo n.º 625/14.7YRLSB e de 16 de dezembro, no processo nº 1239/15.0OYLSB;
XII)–Também conforme pronúncia apresentada por esta Direcção-Geral junto do Colégio Arbitral que proferiu o douto acórdão em crise, que se anexa como documento n.º 3, haverá que considerar que o direito à greve dos elementos do Corpo da Guarda Prisional tem de ser exercido em consonância com os direitos cometidos à população reclusa, direitos esses com reconhecimento constitucional e infra constitucional em diplomas como o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro e no Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de Abril e ainda de acordo com o estatuído na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas aprovada pela Lei n.º 35/2014 e no artigo 15.º do Decreto-Lei 3/2014;
XIII)–Acresce que Portugal está vinculado às normas emergentes das Nações Unidas e do Conselho da Europa, pelo que se tem também de atender às Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela) constantes da Resolução 70/175 da Assembleia Geral, anexo, adotada a 17 de dezembro de 2015 e às Regras Penitenciárias Europeias do Conselho da Europa constantes da Recomendação Rec (2006)2 do Comité de Ministros aos Estados Membros sobre as Regras Penitenciárias Europeias, adotada pelo Comité de Ministros na 952.º Reunião de Delegados dos Ministros de 11 de junho de 2006;
XIV) E é certo que no período de greve não se realizam todas as obrigações diárias do Corpo da Guarda Prisional em período normal de trabalho, vejam-se a mero título exemplificativo, em todo o sistema prisional, as transferências não urgentes de reclusos entre Estabelecimentos Prisionais as inúmeras situações de custódia de reclusos ao exterior em diligências não urgentes, o que na greve em causa se reitera pois em férias judicias, que decorreram durante o período de convocação desta greve só se realizam diligências processuais urgentes, não pode por isso haver o mesmo número de efetivos escalados que haveria se se fizesse a totalidade do trabalho previsto para esse período normal de trabalho;
XV)–Mas nada destas realidades estão vertidas nas Alegações do AAA que se limitam a citar doutrina no âmbito do direito à greve, sem proceder a qualquer enquadramento no âmbito do sistema prisional;
XVI)–Tem por isso de se ter presente que o direito às visitas da população reclusa está consagrado nas normas de direito internacional e nas normas de direito interno, acima identificadas;
XVII) Sendo de mencionar que o Regulamentos Geral dos Estabelecimentos Prisionais determina que os presos preventivos têm direito a visita diária sempre que possível e os condenados preferencialmente ao fim-de-semana – vide artigos 222.º, nº1 e 111.º, nº1;
XVIII)–Por sua vez, o n.º 1 do artigo 64º da Constituição da República Portuguesa refere que: “A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”, pelo que as referidas visitas para além de serem um direito fundamental dos reclusos são também um direito fundamental dos visitantes;
XIX)–E é aos fins-de-semana que as famílias têm mais condições para visitar os familiares em reclusão, pois que durante a semana trabalham;
XX)–E tendo a greve sido decretada para a quadra natalícia não se pode esquecer que é um período tradicionalmente festivo e de convívio familiar e por isso de visitas aos cidadãos reclusos, o que não podia ser impedido por esta greve;
XXI)–Com efeito, o recluso não pode ser privado das visitas semanais dos familiares e amigos sob pena de grave violação dos seus direitos, sendo de salientar que a não realização de visitas semanais colide em absoluto com a manutenção de vínculos familiares e de amizade de visitantes causando um incomensurável dano a todos aqueles que, por compreensíveis razões de disponibilidade ou de distância, só tem possibilidade de visitar familiares ou amigos em reclusão aos fins-de-semana, como acima mencionado;
XXII)–Acresce que, os familiares e amigos, ou seja os visitantes dos reclusos, também tem atividade laboral, pelo que, muitos deles estão, compreensivelmente, impossibilitados de realizarem visitas fora desse período;
XXIII)–Relativamente ao trabalho é necessário ter presente o trabalho de natureza empresarial prestado pelos reclusos, trabalho emergente de Protocolos celebrados entre a DDD e empresas e cuja não laboração poderá comprometer para futuro a vigência dos Protocolos, por incumprimento do aí previsto;
XXIV)–E isto porque a realização do trabalho por parte da população reclusa é um fator de aquisição de competências potenciadoras da ressocialização e posterior integração no mercado de trabalho, após o cumprimento da pena de prisão, conforme previsto, entre outros, nas Regras 4 e 96 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos;
XXV)–Os reclusos também frequentam módulos de formação profissional que lhe conferem certificados, pelo que deve ser garantida a frequência dos reclusos a essas ações de formação, sempre que possa ser posta em causa a obtenção de certificação, conforme previsto, entre outros, na Regra 99 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos;
XXVI)–A decisão arbitral em crise não padece de qualquer vício de interpretação e aplicação da Lei devendo assim ser integralmente confirmada tanto mais que acompanhou e louvou quer o entendimento dos anteriores Colégios Arbitrais como o profícuo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo n.º 625/14.7YRLSB, os quais se deixam integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
XXVII)–Com efeito, como já dito, para definir o âmbito dos serviços mínimos a prestar pelos elementos do Corpo da Guarda Prisional releva considerar o quadro normativo constitucional e legal que consagra aos cidadãos em reclusão um conjunto de direitos, quadro normativo esse que tanto o acórdão em crise como o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo n.º 625/14.7YRLSB reconheceram de forma expressa e inequívoca;
XXVIII)–Improcedendo dessa forma a pretensão apresentada pelo Sindicato Recorrente no sentido de que os serviços mínimos devem observar apenas o disposto no artigo 15º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional desconsiderando que, a conciliação do exercício do direito à greve deve ter presente não apenas o exercício desse direito pelos elementos do Corpo da Guarda prisional, mas também os direitos constitucional e legalmente cometidos à população reclusa conspicuamente reconhecidos quer no acórdão do Colégio Arbitral em crise quer no douto aresto do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo n.º 625/14.7YRLSB.
XXIX)–Tanto mais que a referida norma legal representa acima de tudo um conteúdo de natureza programática que tem merecido a adequada interpretação e concretização, no que concerne à definição de serviços mínimos e de meios necessários à sua realização, por parte dos Colégios Arbitrais no presente ano de 2015, em consonância com os direitos cometidos aos cidadãos em reclusão;
XXX)–Ao contrário do que pretende fazer crer o AAA Recorrente, os serviços mínimos decretados são pela sua natureza mínimos, não englobando todas as obrigações diárias dos elementos do Corpo da Guarda Prisional em período normal de trabalho, vejam-se a mero título exemplificativo, em todo o sistema prisional, as inúmeras situações de custódia de reclusos ao exterior em diligências não urgentes, transferências não urgentes de reclusos entre Estabelecimentos Prisionais, actividades desportivas e visitas que não são realizadas, sendo que nos períodos de greve ocorridos em férias judiciais só se realizam diligências processuais urgentes;
XXXI)–Não sendo também digna de qualquer merecimento a referência que o Sindicato Recorrente faz a decisões dos Colégios Arbitrais porque configura uma interpretação errónea e desfasada do contexto em que as mesmas foram proferidas;
XXXII)–Com efeito, o acórdão proferido no âmbito do processo 18/2015/DRCT-ASM foi proferido para greve decretada apenas e tão só para um Estabelecimento Prisional, o Estabelecimento Prisional da Carregueira, e não uma greve de carácter nacional como a relativa ao acórdão em crise, e que ocorreu num período no qual não se verificavam, por exemplo actividades de ensino e formação, isto é 31 de Julho a 9 de Agosto de 2015;
XXXIII)–Tanto mais que o referido acórdão não exclui liminarmente o trabalho no interior e exterior do Estabelecimento Prisional do âmbito das necessidades sociais impreteríveis dignas de realização em sede de serviços mínimos, considerando sim que nas alegações das partes não se encontrava tal realidade suficientemente alegada e demonstrada;
XXXIV)–Ficando assim suficientemente claro que a jurisprudência referida pelo Sindicato Recorrente, para além de se afigurar de aplicação errónea e desfasada do contexto em que foi proferida, não tem presente as decisões arbitrais proferidas em 2015 e 2016 pelos Colégios Arbitrais que entenderam que o trabalho no interior e no exterior dos Estabelecimentos Prisionais, bem como o ensino e formação profissional dos cidadãos em reclusão, configuravam necessidades sociais impreteríveis dignas de tutela em sede de serviços mínimos a realizar pelos elementos do Corpo da Guarda Prisional;
XXXV)–Na verdade, o entendimento sedimentado relativamente ao objecto do recuso interposto, é o que consta da jurisprudência constante dos acórdãos proferidos pelos sucessivos Colégios Arbitrais no ano de 2015 no âmbito dos processos n.os 1/2015/DRCT-ASM, 3/2015/DRCT-ASM, 4/2015/DRCT-ASM, 6/2015/DRCT-ASM, 7/2015/DRCT-ASM, 8/2015/DRCT-ASM, 14/2015/DRCT-ASM, 15/2015/DRCT-ASM, 16/2015/DRCT-ASM e 17/2015/DRCT-ASM, de 10 de Julho de 2015;
XXXVI)–Sendo assim absolutamente descontextualizada e errónea a interpretação que o Sindicato Recorrente faz quando se refere ao n.º 5 do artigo 30º da Constituição da República Portuguesa, quando pretendem que sejam estipulados como serviços mínimos os previstos no artigo 15º do seu Estatuto já que desconsidera que aos cidadãos em reclusão são reconhecidos direitos, que a privação da liberdade não impede de exercer, conforme considerou o douto arresto do Tribunal da Relação de Lisboa supra mencionado;
XXXVII)–O direito à greve não se afigura como sendo um direito absoluto, podendo ser regulamentado de forma a ser exercido em consonância com os direitos cometidos à população reclusa, direitos esses com reconhecimento constitucional, nos termos do n.º 3 do artigo 30º da Constituição da República Portuguesa, e infra constitucional em diplomas como o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro e no Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de Abril, de forma a salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos como no caso dos autos ocorre;
XXXVIII)–Dessa forma, as necessidades sociais impreteríveis a que se refere o nº 3 do artigo 57º da Constituição são aquelas necessidades cuja não satisfação se traduz na violação dos direitos e interesses constitucional e legalmente protegidos, no caso concreto dos cidadãos em reclusão, e que o acórdão do Colégio Arbitral acolheu e reconheceu de forma expressa e inequívoca com os serviços mínimos determinados no seguimento do arresto do Tribunal da Relação de Lisboa já referido;
XXXIX)–A ponderação para a resolução de conflitos entre o exercício do direito da greve e a salvaguarda de outros direitos constitucionalmente garantidos faz-se através da ideia de cautela de bens, ou como descreve o Professor Gomes Canotilho, pelas ideias de "ponderação" (Abwägung) ou de "balanceamento" (Balancing);
XL)–Assim, a prevalência de um direito sobre o outro concretiza-se pela conciliação dos dois direitos em colisão, atendendo às circunstâncias concretas da questão prática;
XLI)–Ora, essa prevalência foi adequadamente concretizada pelo douto acórdão proferido pelo Colégio Arbitral objecto de recurso o qual não merece assim qualquer reparo já que logrou conciliar o direito do exercício à greve dos representados do Sindicato Recorrente com os direitos dos cidadãos em reclusão às visitas, ao trabalho, ensino e formação profissional;
XLII)–Salientando-se, mais uma vez, que, e conforme reconheceu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo n.º 625/14.7YRLSB, no direito penitenciário o recluso mantém a titularidade dos direitos fundamentais, salvo as limitações resultantes da sentença condenatória, ou seja, os reclusos encontram-se sujeitos a um estatuto especial, jurídico-constitucionalmente credenciado, que lhes assegura, a titularidade de direitos fundamentais, à excepção daqueles que seja indispensável limitar ou sacrificar para realização dos objectivos e finalidades institucionais inerentes a esse estatuto, direitos esses como o acesso ao ensino, formação profissional e ao trabalho que constituem contributos relevantes para a reinserção dos mesmos e que contribuem assim para a delimitação do exercício do direito à greve;
XLIII)–As alegações do SICGP nada mencionam quanto aos meios.
XLIV)–Ficando assim demonstrada a falta de plausibilidade da argumentação expendida pelo AAA Recorrente no recurso apresentado com a consequente rejeição do mesmo por falta de pertinência e de sustentação legal, devendo assim o acórdão em crise ser integralmente confirmado.
Nestes termos (…) deverá o recurso interposto pelo AAA Recorrente ser rejeitado em função da falta de legitimidade para a interposição do mesmo e da falta de pertinência e sustentação da argumentação expendida confirmando-se assim o acórdão recorrido.

Remetidos os autos a este tribunal foram colhidos os vistos legais.

A Sr. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da confirmação do acórdão do colégio arbitral.
A questão que emerge das conclusões do recurso consiste em saber se as visitas, o trabalho, a educação e a formação de reclusos são susceptíveis de ser considerados de “necessidades sociais impreteríveis” para efeitos de definição de serviços mínimos na greve dos guardas prisionais.
Previamente, porém, suscita-se a questão da falta de legitimidade e de interesse em agir por parte do AAA recorrente uma vez que desconvocou a greve em causa, a qual não se chegou a realizar.

Fundamentação de facto.
1.–O AAA, no dia 25.11.2016, emitiu aviso prévio de greve nacional do Corpo da Guarda Prisional para o período das 00:00 Horas do dia 15/12/2016 às 24 horas do dia 18/12/2016 e do período das 00:00 horas do dia 22/12/2016 às 24 horas do dia 25/12/2016.
2.–No dia 2.12.2016 reuniram-se os representantes da DDD e os representantes do AAA e da (…), com vista à negociação de um acordo quanto á definição dos serviços mínimos e dos meios necessários para os assegurar, não tendo sido possível obter um acordo.
3.–Foi constituído o Colégio Arbitral, que após as alegações das partes, proferiu acórdão, em 12 de Dezembro de 2016, fixando os seguintes serviços mínimos e os seguintes meios para os assegurar:

1)-Quanto aos serviços mínimos:
a)-Assegurar, durante o fim-de-semana, uma visita de familiares directos ou das pessoas indicadas pelo recluso aquando da sua admissão, caso essas mesmas pessoas não tenham feito a visita durante os dias úteis da semana;
b)-Assegurar o trabalho dos reclusos ao trabalho exterior nos termos habituais;
c)-Assegurar o acesso aos reclusos ao trabalho no interior do estabelecimento durante o período de greve, nos casos de absoluta impossibilidade de o mesmo se realizar noutros períodos;
d)-Assegurar a presença dos reclusos na frequência de acções de formação profissional, quer no interior quer no exterior do estabelecimento, nos casos de absoluta impossibilidade de tais acções se realizarem noutros períodos;
2)-Quanto aos meios:
e)-Nos dias não úteis, deve ser assegurado o efectivo habitualmente escalado para o fim-de-semana;
f)-Nos dias úteis, deve ser escalado em número de efectivos igual ao habitualmente escalado para os dias não úteis, acrescido de 20%.

4.–O AAA requereu esclarecimento e aclaração do referido acórdão, que foi rejeitada – Fls. 131 a 137.
5.–A greve nacional agendada para os períodos compreendidos entre os dias 15.12.2016 a 18.12.2016 e 22.12.2016 a dia 25.12.2016, foi desconvocada pelo AAA, no dia 14.12.2016 - fls. 127.

Fundamentação de direito.

Questão prévia.
A Recorrida, DDD, veio nas suas contra-alegações invocar a falta de legitimidade processual do recorrente, em virtude do sindicato ter desconvocado a greve, não podendo obter com o recurso interposto qualquer benefício na sua esfera jurídica, nem na execução e prosseguimento das suas atribuições enquanto estrutura representativa dos elementos do Corpo da Guarda Prisional, já que os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar estipulados no acórdão recorrido não foram cumpridos atenta a não realização da greve.

Quanto à legitimidade do recorrente, afigura-se-nos que face ao disposto no art. 631º do CPC o mesmo não pode deixar de ser considerado como tendo legitimidade para recorrer, uma vez que o acórdão recorrido não acolheu a sua pretensão quanto à definição dos serviços mínimos.

Relativamente à questão de saber se o sindicato recorrente tem interesse em agir, uma vez que face à desconvocação da greve não sofreu qualquer prejuízo directo e efectivo, nos termos do n.º 2 do artigo 691º do CPC, entendemos, de acordo com o que já foi afirmado no Acórdão deste tribunal de 16.12.2015, proferido no processo nº 1239/15.0YRLSB, o Recorrente mantém interesse em agir pelo menos para efeitos do disposto no art. 402º nº 5 da L. 35/2014, de 20/6 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), onde se refere: “Após três decisões no mesmo sentido, em casos em que as partes sejam as mesmas e cujos elementos relevantes para a decisão sobre os serviços mínimos a prestar e os meios necessários para os assegurar sejam idênticos, e caso a última decisão tenha sido proferida há menos de três anos, o tribunal arbitral pode, em iguais circunstâncias, decidir de imediato nesse sentido, dispensando a audição das partes e outras diligências instrutórias”.

O recorrente continua a ter interesse em recorrer, com vista a evitar que se formem três decisões coincidentes num sentido que contraria aquele que entende ser o correcto, já que essa situação lhe pode ser desfavorável, visto permitir a dispensa da sua audição sobre os serviços mínimos em futuras greves por si decretadas.

Entendemos, por isso, que improcede a referida questão prévia.

Quanto ao objecto do recurso.
O recorrente discorda do acórdão do colégio arbitral de 12.12.2016, por entender que o mesmo sofre do vício de falta de fundamentação, sendo nulo.
Ora, convém desde logo esclarecer que a arguição de nulidades em direito laboral tem um regime específico previsto no art. 77º do Código de Processo de Trabalho e que também aqui tem plena aplicação, segundo o qual “a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”. E a jurisprudência tem entendido que o incumprimento deste ónus, e a arguição da nulidade apenas no texto da alegação de recurso, torna-a inatendível por intempestiva – Ac. do STJ de 17.05.2007, em AD 551, 2009; de 6.06.2007, proc. 07S670.dgsi.pt; 21.05.2008, proc.07S4116.dgsi.pt.
Fica, pois, afastada, por intempestiva, a arguição da nulidade invocada pelo Recorrente.
No entanto, sempre se dirá que, embora o dever de fundamentação seja um imperativo constitucional, previsto no nº 1 do art. 205º da CRP, certo é que a lei, porém, não define nem delimita o âmbito do dever de fundamentar as decisões judiciais, nem estabelece qual o nível e extensão da fundamentação exigível.
E já Alberto dos Reis ensinava que “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto…” (Alberto dos Reis, CPC anotado, volume V, reimpressão, pág. 140).
Também a jurisprudência tem unanimemente entendido que só a falta absoluta de fundamentação é causa de nulidade da sentença, não assim a fundamentação “incompleta, errada, medíocre, insuficiente ou não convincente, que apenas afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão e sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em sede de recurso” (Ac STJ de 08-03-2001 – Proc 00A3277, de 21-06-2011 Proc 1065/06.7 TBESP.P1.S1).

No caso em análise, o acórdão do colégio arbitral de 12.12.2016, está suficientemente fundamentado, tanto de facto como de direito, nomeadamente no que toca aos pontos objecto de divergência por parte do sindicato recorrente, a saber, as visitas aos reclusos, o acesso ao trabalho no interior e exterior dos estabelecimentos e acções de formação profissional, tendo os respectivos destinatários, nomeadamente o ora recorrente, compreendido perfeitamente o sentido da decisão, como se evidencia pelo recurso que interpôs.

Improcede, assim, a arguição de nulidade do acórdão em causa.

O AAA recorrente (SICGP) impugna a decisão proferida em 12 de Dezembro de 2016 pelo Colégio Arbitral por não aceitar que a realização do trabalho no interior ou no exterior dos Estabelecimentos Prisionais por parte dos reclusos, a formação profissional destes e até mesmo as visitas aos reclusos constituam uma “necessidade social impreterível” para efeitos dos serviços mínimos a serem observados durante o período de greve.

O direito à greve é um dos direitos liberdades e garantias dos trabalhadores, reconhecido no art. 57º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que estabelece:
1.-É garantido o direito à greve.
2.-Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.
3.-A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
4.-(…)

Por sua vez o art. 18º nº 2 da CRP afirma:
“A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Rui Medeiros ([1] ) refere que “o direito à greve como qualquer direito subjectivo, é um direito limitado. Tratando-se de um direito fundamental, o direito à greve não pode deixar de coexistir com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cabendo ao legislador ordinário legitimado democraticamente, ponderar direitos e interesses em jogo e forjar soluções conforme com o princípio da proporcionalidade”.
E mais adiante refere que o nº 3 do art. 57º da CRP veio expressamente reconhecer que “a garantia do direito à greve não obsta especificamente a que a lei defina as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”.

Também a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “…o direito à greve não é absoluto visto o seu nº 3 (do art. 57º da CRP) introduzido no texto constitucional pela Revisão de 1997, autorizar que a lei ordinária defina "as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis", o que constitui uma limitação ao seu exercício irrestrito, como também o n.º 2 do seu art.º 18º consente que esse exercício possa ser constrangido quando seja "necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos". O que quer dizer que, apesar fundamental, o direito à greve pode ser regulamentado e esta regulamentação pode constituir, objectivamente, numa restrição ao seu exercício sem que tal possa ser considerado como uma violação inconstitucional do direito à greve. Ponto é que ela se destine a ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a promover a segurança e manutenção de equipamentos e instalações e se limite ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos - Ac. do STA de 26/06/2008 (in www.dgsi.pt).

E ao nível legal, o exercício do direito à greve está regulado nos art. 530º a 543º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12.02, aqui aplicáveis por efeito da remissão constante do nº 1 al l) do art. 4º da Lei nº 35/2014 de 20.06 (Lei geral do trabalho em funções públicas).

O art. 537º dá-nos uma noção do que sejam “necessidades sociais impreteríveis”.

Mas, como diz Monteiro Fernandes “embora a noção de “necessidades sociais impreteríveis”, referida no art.º 537.º e elencada, exemplificativamente, no seu n.º 2, venha sendo sobretudo correlacionada com a problemática dos direitos fundamentais, a concretização daquela noção pode também resultar das perturbações e incómodos inerentes a qualquer descontinuidade de uma prestação de bens ou serviços que se possam considerar “essenciais ao desenvolvimento da vida individual ou colectiva” ou correspondentes a uma “necessidade primária” da vida social (A lei e as Greves”, Almedina, pág. 123).
Por sua vez, o art. 538º nº 5 do CT estabelece que “a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade”, princípios estes que também decorrem do nº 3 do art. 18º da CRP.

No que respeita especificamente aos serviços prisionais, o art. 15º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo DL 3/2014 de 9 de Janeiro, sob a epígrafe “Direito à greve”, estabelece o seguinte:
1—Os trabalhadores do CGP têm direito à greve, nos termos da Constituição e demais legislação aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas.
2—No decurso da greve são sempre assegurados serviços mínimos, nomeadamente a vigilância dos reclusos, a segurança das instalações prisionais e a chefia dos efectivos que estiverem ao serviço, a qual é da responsabilidade do comissário prisional ou, na sua ausência ou impedimento, do seu substituto legal, assegurando o direito ao descanso e o exercício efectivo do direito à greve.
3—No decurso da greve é sempre assegurada a apresentação imediata de recluso ou detido ao juiz, quando ordenado nos casos de habeas corpus, nos prazos legais estipulados pelo mesmo, e em todos os casos em que possa estar em causa a libertação de recluso ou detido, bem corno a apresentação, no prazo de 24 horas, à autoridade judicial de pessoas que se apresentem em estabelecimentos prisionais e que declarem ter cometido um crime ou que contra eles haja ordem de prisão.
4—São também assegurados os serviços mínimos de alimentação, higiene, assistência médica e medicamentosa dos reclusos.
Alega o Recorrente que no caso concreto do exercício do direito à greve por parte dos trabalhadores do CGP o legislador veio, no nº 4 do art.15º, definir de forma expressa e inequívoca que “as necessidades sociais impreteríveis” susceptíveis de restringirem o exercício desse direito à greve constitucionalmente consagrado se deveriam limitar apenas e só à “alimentação, higiene, assistência médica e medicamentosa dos reclusos”.

Porém, como bem refere o acórdão recorrido, no que merece a nossa concordância “…o art. 15º do DL n.º 3/2014, de 9/1, ao enumerar vários serviços mínimos, não faz senão fixar os mínimos dos mínimos, ou seja, aqueles serviços que o legislador, geral e abstractamente, pôde desde logo vislumbrar como absolutamente essenciais. Mas, precisamente porque a lei é geral e abstracta, a sua aplicação em concreto implica várias ponderações, nomeadamente as circunstâncias de cada caso e a pormenorização que não cabe na norma mas se impõe aquando da sua aplicação. O art. 15º, referido, não tem nem pretende ter carácter exaustivo pelo que a novidade desta norma está, sobretudo, em prescrever que, no caso de greve do Corpo da Guarda Prisional, há sempre lugar ao estabelecimento de serviços mínimos, o que não acontece nas greves de outros trabalhadores.”

Concordamos que a enumeração constante do referido art. 15 do DL nº 3/2014 é meramente exemplificativa, o que se depreende do advérbio “nomeadamente”, que consta do nº 2 desse preceito.

É que “o conceito de serviços mínimos, é indeterminado e depende de ponderações concretas de oportunidade e relatividade, sendo o núcleo essencial do seu conteúdo constituído pelos serviços que se mostrem necessários e adequados para que necessidades impreteríveis sejam satisfeitas sob pena de irremediável prejuízo.» (Parecer do CCMP, relatado por Henriques Gaspar, homologado em 27/01/1999 e publicado em 03/03/1999).

No caso concreto, o AAA decretou uma greve nacional para os períodos de 15 a 18 e de 22 a 25 de Dezembro de 2016, ou seja dois períodos de 4 dias cada, que recaíam na época do Natal.

Face à época do ano em que recaía a grave justificava-se a fixação de serviços mínimos para assegurar as visitas aos reclusos durante o fim de semana, por parte de familiares directos ou das pessoas indicadas pelo recluso, tanto mais o acórdão em causa restringiu esse direito caso essas mesmas pessoas não tenham feito a visita durante os dias úteis da semana.

As visitas de familiares são também um direito fundamental quer dos reclusos quer dos visitantes, porquanto “a família é um elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectividade de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros” – art. 67º nº 1 da CRP.

E note-se que na época natalícia mais premente se mostra a necessidade de facultar a reunião da família, como é tradicional na nossa sociedade.

Por isso, mostra-se adequada a proporcionada a fixação de serviços mínimos prevista no nº 1 al. a) da decisão do acórdão do Colégio Arbitral acima referida.

Quanto ao trabalho dos reclusos no interior e no exterior do estabelecimento, durante o período de greve, bem como a presença dos reclusos na frequência de acções de formação profissional, a que aludem as al. b), c) e d) da decisão do Colégio Arbitral, também entendemos que os direitos como o acesso ao ensino, à formação profissional e ao trabalho, constituem importantes contributos para a reinserção social dos reclusos e para a dignificação destes enquanto pessoas, pelo que podem constituir uma delimitação ao exercício do direito à greve.

Tanto mais que o n.° 5 do art. 30.° da Constituição da República Portuguesa estabelece que os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução.

E o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro densifica tal princípio, prescrevendo, nomeadamente:
-A execução das penas e medidas privativas da liberdade assegura o respeito pela dignidade da pessoa humana e pelos demais princípios fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa, nos instrumentos de direito internacional e nas leis (art. 3.°/1);
-A execução respeita a personalidade do recluso e os seus direitos e interesses jurídicos não afectados pela sentença condenatória ou decisão de aplicação de medida privativa da liberdade (art. 3.°/2);
-O recluso mantém a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da sentença condenatória ou da decisão de aplicação de medida privativa da liberdade (art. 6.°);
-A execução das penas e medidas privativas da liberdade garante ao recluso, nomeadamente, os direitos:
a)-à protecção da sua vida, saúde, integridade pessoal;
(...)
h)-A participar nas actividades laborais, de educação e ensino, de formação, religiosas, sócio-culturais, cívicas e desportivas em programas orientados para o tratamento de problemáticas específicas (art. 7.°, n.° 1).

O ensino, formação profissional e trabalho encontram-se tutelados no Título VIII do mesmo diploma, bem como no Título V do Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, e no Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de Abril.

Valoriza-se o trabalho prisional, com consequências na flexibilização da execução da pena e aproximando-se o mais possível do regime geral das relações de trabalho, em especial no que concerne aos direitos e deveres, horários, regalias sociais e acidentes de trabalho.

Promove-se a integração dos reclusos em programas específicos, visando a aquisição ou reforço de competências pessoais e sociais, e reforça-se a participação da comunidade na execução das penas, através do dever imposto à administração prisional de incentivar e promover o contacto com instituições particulares.

Assim, nos termos do artigo 76.° do Regulamento, a frequência de acção de formação profissional pressupõe a celebração de contrato de formação, e, nos termos do artigo 84.° do mesmo diploma, em caso de suspensão da actividade laboral não há lugar ao pagamento da remuneração.

É, ainda, evidente que, se não for a Administração Prisional a assegurar essas valências, o recluso não consegue, pelos seus meios, continuar a frequentar o ensino ou a formação profissional ou a apresentar-se ao trabalho, garantindo as prestações que condicionam o respectivo aproveitamento ou retribuição, para além do prejuízo para as demais partes envolvidas nos contratos celebrados. ([2])

E, no presente caso, pretendeu-se assegurar e compatibilizar o direito ao ensino e à formação profissional dos reclusos, direitos estes também constitucionalmente garantidos, com o direito à greve dos trabalhadores do corpo da guarda prisional.

E essa compatibilização mostra-se adequada e proporcionada, pois que a decisão delimitou esses serviços mínimos aos casos de absoluta impossibilidade de realizar os mesmos noutros períodos.

E note-se que o acórdão do Colégio Arbitral seguiu a este respeito o contributo dos acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa de 14.01.2015 no proc. nº 625/14.7YRLSB e de 16.12.2015 no proc. Nº 1239/15.0YRLSB.

Neste último acórdão refere-se o seguinte:
“Tendo em atenção o historial de greves efectuadas pelo Corpo da Guarda Prisional no decurso do ano de 2015 (o que só por si leva a excluir que os serviços mínimos não compreendessem o trabalho dos reclusos no interior e exterior, a formação profissional e o ensino), atenta a necessidade de assegurar o direito fundamental dos reclusos a que o cumprimento de uma pena não envolva perda de direitos civis, como o direito ao trabalho ou à formação profissional, afigura-se-nos mais conforme ao disposto pelo art. 18º nº 2 da CRP, com vista à harmonização dos direitos conflituantes dos eventuais grevistas e dos reclusos, uma fixação dos serviços mínimos nos termos definidos nos ac. nº 1/2015/DRCT-ASM, 2/2015/DRCT-ASM e 3/2015/DRCT-ASM atrás mencionados,  ou seja:
-Assegurar o acesso ao trabalho no exterior do estabelecimento prisional nos termos habituais;
-Assegurar o acesso dos reclusos ao trabalho no interior do estabelecimento durante o período de  greve, nos casos de absoluta impossibilidade de o mesmo se realizar noutros períodos;
-Assegurar a presença dos reclusos na frequência de acções de formação profissional e ensino, quer no interior, quer no exterior do estabelecimento nos casos de absoluta impossibilidade de tais acções se realizarem noutros períodos.”

Não se pode criticar o acórdão recorrido por ter assumido a sugestão dada pelo citado acórdão desta Relação.

Afigura-se-nos, assim, que a decisão do Colégio Arbitral encontrou um justo equilíbrio entre o direito à greve do corpo dos guardas prisionais, por um lado, e os direitos da população reclusa de igual relevância constitucional, por outro.

Na verdade, as necessidades sociais impreteríveis da população reclusa estão dependentes dos serviços que lhe são prestados pelos trabalhadores do corpo da guarda prisional, não sendo susceptíveis de auto satisfação, o que justifica a fixação dos serviços mínimos nos termos em que foram fixados pelo Colégio Arbitral.

Improcede, dessa forma, a pretensão apresentada pelo Sindicato Recorrente no sentido de que os serviços mínimos devem observar apenas o disposto no artigo 15º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional desconsiderando que, a conciliação do exercício do direito à greve deve ter presente não apenas o exercício desse direito pelos elementos do Corpo da Guarda prisional, mas também os direitos constitucional e legalmente cometidos à população reclusa.

Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pelo AAA, e, em consequência, confirma-se a decisão do Colégio Arbitral de 12.12.2016. 
Sem custas, por delas estar isento o recorrente.


Lisboa, 5 de Abril de 2017



Claudino Seara Paixão
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes



[1](Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 580s.)
[2]Cfr. Ac. desta Relação de 16.12.2015, proc. 1239/15.0YRLSB.