Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
372230/08.0YIPRT.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
RECONVENÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE DO CONTRATO
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMIDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. “Os factos em que a excepção peremptória se funda, podem, por sua vez, fundar a reconvenção (art. 274-2-a do CPC) e, quando esta seja deduzida, o réu está simultâneamente a excepcionar e a reconvir”. Se a reconvenção não for admissível, subsiste a matéria da excepção peremptória que tem de ser apreciada, sob pena de omissão de pronúncia.
II. A falta de entrega de um exemplar do contrato de crédito ao consumo – prevista no art. 7/1 do Dec.-Lei 359/91 (= art. 13/1 do Dec.-Lei 133/2009) – deve ser tratada como uma questão de forma, cabendo ao financiador o ónus da prova desse requisito de validade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

“A” - Gestão e Recuperação de Créditos, SA, intentou em 11/11/2008, uma injunção contra “B”, pedindo a notificação deste no sentido de lhe pagar 2.976,88€ de capital, 2.382,07€ relativos a juros de mora vencidos, 672,64€ relativos a outras quantias e 48€ de taxa de justiça paga.
Segundo a requerente, o crédito reclamado fundamentava-se no seguinte: causa: utilização de cartão de crédito; contrato: ..., datado de 28/07/2005. cartão de crédito atribuído a pedido do requerido e utilizado para aquisição de bens e serviços, o qual tinha de cumprir uma prestação mensal, consoante o valor utilizado no mês a que se reporta, o que não sucedeu; o incumprimento sucessivo originou o saldo devedor reclamado; durante o período em mora, de 01/04/2006 a 07/11/2008, vigorou a seguinte taxa de juro anual: 24%. Em 04/07/2008, a requerente e o “C” celebraram um contrato escrito de cessão de créditos, a qual se converteu na legal representante dos créditos adquiridos. Apesar de interpelado várias vezes o requerido, nada fez.
O requerido excepcionou (embora em parte classificando a respectiva matéria como impugnação), dizendo, entre o mais que agora não interessa, nunca ter recebido cópia de qualquer contrato alegadamente celebrado com o “C”, pelo que, se existir qualquer contrato, o mesmo é inválido; que as cláusulas contratuais gerais deviam ser excluídas, porque qualquer cláusula normalmente inserida nos contratos tipo do “C” vem inserida depois da assinatura dos seus contraentes [art. 8d) do Dec. Lei 446/85, de 25/10, na redacção dada pelo DL 220/95 de 31/10 e pelo DL 249/996 de 07/07]; que se reserva “ao direito de vir invocar” depois de ser notificado do teor do contrato; excepciona ainda, nos termos do art. 19g) do mesmo diploma legal, a natureza de relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, das cláusulas contratuais gerais que envolvam graves inconvenientes para uma das partes.
Depois, numa parte epigrafada de reconvenção, alega, em resumo, que a “C” agiu com dolo e aproveitando-se da sua fragilidade e que ele incorreu em erro e que estava acidentalmente incapacitado; pelo que conclui que a adesão ao cartão “C” é nula, o que o desresponsabiliza dos reclamados pagamentos; termina dizendo que deve a reconvenção ser julgada procedente e declarar-se a nulidade do negócio jurídico e a extinção da responsabilidade — absolvição do réu. Indica o valor da reconvenção: 6034,59€.
A 07/07/2009 foi ordenada a notificação da requerente para em 10 dias se pronunciar quanto às excepções arguidas e à dedução do pedido reconvencional.
A requerente veio dizer, na parte que importa, que: as cláusulas contratuais gerais constam do verso da proposta assinada pelo réu, mas que, no sítio em que o mesmo apôs a sua assinatura, refere, em letras minúsculas, que o réu aceita as condições gerais anexas a esta proposta de adesão, das quais tomou conhecimento; diz que a reconvenção não deve ser admitida, tal como prevê o n.º 2 do art. 501 do CPC; não diz nada quanto à falta de entrega de cópia do contrato. Juntou então cópia do contrato celebrado entre cedente e o requerido.
Foi então proferido um despacho, de 08/10/2009, em que se indeferiu a excepção da ineptidão do requerimento inicial, relegou para final o conhecimento das demais excepções e indeferiu o pedido reconvencional, por entender que o mesmo não é admissível nas AECOP. O requerido interpôs recurso contra este último despacho, mas o mesmo foi julgado improcedente pelo TRL.
Entre 24/02/2011 e 19/03/2012, os mandatários das partes assinaram a seguinte declaração: prescindem da inquirição das testemunhas e das alegações orais, nada tendo a opor à prolação da sentença com os elementos constantes dos autos (fls. 127, 130 e 136).
A 29/03/2012 foi então proferida sentença, julgando a acção procedente e, em consequência condenando “o requerido a pagar à requerente 2.976,88€ (por ser a quantia pedida), acrescida de juros à taxa legal para as operações bancárias em causa nos autos (porque acordada), contados desde a data de vencimento do extracto de fls. 115 e 124, ou seja, 06/04/2006, até integral pagamento, acrescidas, ainda, de 20€ euros relativa a comissão de atraso e do imposto de selo, no valor de 4,42€ - vd. fls. 124.” Com custas pelo requerido.
O requerido interpôs recurso desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que se pronuncie em relação a tudo quanto o requerido alegou na contestação -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) Invocando dolo do “C”, erro e incapacidade por parte do requerido, este pediu, na contestação, a declaração de nulidade do negócio jurídico.
b) Invocou o requerido, doença mental grave e incapacitante das suas capacidades de exercício e de agir.
c) O requerido alegou ser doente maníaco-depressivo, não dispondo de capacidade para conhecer, querer e determinar-se, ao ponto de não ter qualquer capacidade para conseguir compreender o sentido, alcance e limites contratuais do contrato alegadamente celebrado com o “C”.
d) O requerido alegou também que, todas as cláusulas inseridas depois da assinatura das partes se têm por não escritas, como resulta da lei e como vem sendo jurisprudência pacífica.
e) Tais factos, tempestivamente alegados pelo arguido, não constam, sequer, dos factos não provados.
f) Tais factos, apesar de alegados, não constam sequer da sentença condenatória.
g) Ao não ter sequer aludido aos factos vertidos pelo requerido na contestação, a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia, em violação do disposto no arts 659 e 668 do CPC, preceitos que deveriam ter sido interpretados mediante a prolação de decisão fundamentada que, aludindo aos factos vertidos por ambas as partes, decidisse do mérito da causa.
A requerente não apresentou contra-alegações.
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Questões que cumpre solucionar: se a sentença incorre nas nulidades apontadas e se deve ser substituída por outra que se pronuncie quanto às questões colocadas pelo requerido.
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Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1. A requerente, por força de uma acordo escrito, que as partes denominaram de contrato de cessão de créditos, sucedeu ao “C”, uma instituição de crédito autorizada a emitir cartões de crédito, nos direitos e deveres que esta tinha por força de um outro acordo escrito para utilização de cartão de crédito celebrado com o requerido, em 28/07/2005, a que foi dado o nº ....
2. No exercício da sua actividade o “C” emitiu cartão de crédito do tipo “Visa ”, a favor do requerido.
3. Através de uma proposta de adesão o “C” contratou com o requerido a emissão de um cartão de crédito Visa.
4. O referido cartão podia ser utilizado na aquisição de quaisquer bens ou serviços, em qualquer estabelecimento aderente ao sistema Visa.
5. O requerido obrigou-se a pagar ao “C”, após a emissão do extracto, o valor da dívida indicado no extracto mensal que lhe fosse remetido.
6. Na falta de pagamento ficava o requerido obrigado a pagar os juros legais, calculados à taxa legal fixada no acordo estabelecido entre as partes.
7. O contrato teve início em 28/07/2005, data em que foi aprovada a proposta de adesão.
8. O requerido utilizou o referido cartão na aquisição de bens e serviços, mas não procedeu ao pagamento dos montantes em dívida, nem no prazo contratado, nem posteriormente.
9. O último extracto relativo ao cartão foi emitido pelo “C” em 06/04/2006 e o valor da dívida era de 3.654,01€, montante que o requerido não pagou, tendo sido este crédito o que foi cedido à requerente.
Na fundamentação dos factos provados o tribunal recorrido consignou o seguinte: “formou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, como requerido pelas partes.”
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Dos meios de defesa oponíveis
Antes de mais diga-se que o cedido (requerido) podia opor à cessionária (requerente) os meios de defesa que se vão analisar de seguida (ao abrigo do art. 585 do CC: O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão).
Note-se que no recurso não está posta em causa a cessão do crédito e a sua oponibilidade ao cedido.
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Da excepção e da reconvenção
A actuação dolosa da contraparte e o erro e a incapacidade acidental, com influência na formação do contrato, conduzindo à nulidade ou anulabilidade do mesmo, são matéria de excepção peremptória impeditiva (art. 487/2 do CPC: “o réu defende-se por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido).
Sendo julgada procedente, a excepção impede a produção do efeito jurídico pretendido pelo autor, determinando a improcedência do pedido.
A forma utilizada na conclusão pelo réu, quando invoque a nulidade do contrato numa contestação, pode consistir mesmo num pedido de declaração de nulidade do contrato (Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. III, 3ª edição, Coimbra Editora, 1981, pág. 41); ou de que o tribunal reconheça e declare o vício alegado [nulidade] e a inexistência do direito do autor; e poderá mesmo pedir-se a condenação do autor a restituir a prestação que dele recebeu. Está-se ainda no âmbito de uma excepção peremptória. “Não há ainda pedido reconvencional, porque a pretensão deduzida pelo réu (contra o autor) não passa de uma pura consequência da excepção invocada e, por conseguinte, da carência de fundamento da pretensão do autor” (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 323/324; no mesmo sentido, Montalvão Machado e Paulo Pimenta, O novo processo civil, TSE Editores, Porto, 1997, págs. 205/206).
Querendo o réu algo mais, ou seja, se quiser tirar consequências da nulidade, para obter algo mais dessa decisão – para obter um efeito económico que não se traduzisse apenas no impedimento do direito do autor (parafraseando Remédio Marques, A acção declarativa à luz do código revisto, Coimbra Editora, 2007, págs. 287 a 289 e 293 a 296) -, teria de formular um pedido reconvencional (arts. 274 e 501, ambos do CPC).
Se a reconvenção, por alguma razão não puder ser admitida, a parte que não é admitida é a parte deste último pedido, isto é, a pretensão autónoma que o réu quis tirar para além da matéria da excepção peremptória. Esta matéria subsiste. A excepção peremptória, que estava consumida pela reconvenção (parafraseou-se Remédio Marques, obra citada, pág. 305), renasce.
Ou, como diz Lebre de Freitas (A acção declarativa comum à luz do código revisto, 2ª edição, 2011, Coimbra Editora, pág. 118, nota 101): “os factos em que a [excepção peremptória] se funda, podem, por sua vez, fundar a reconvenção (art. 274-2-a) e, quando esta seja deduzida, o réu está simultâneamente a excepcionar e a reconvir”.
Subsistindo a matéria da excepção peremptória, a excepção é uma das questões de que a decisão tem de conhecer, sob pena de omissão de pronúncia [arts. 660/2 e 668/1d), ambos do CPC].
O facto de a matéria da excepção ter sido toda acantonada numa parte sob a epígrafe de reconvenção é apenas um erro de qualificação do réu, que tratou a matéria de excepção como se fosse apenas matéria de reconvenção. De resto, o requerido nem sequer tinha formulado um pedido autónomo com um efeito económico que não se traduzisse apenas no impedimento do direito do autor. Ou seja, materialmente não deduziu qualquer reconvenção.
Aquele erro não deve implicar a desconsideração da matéria substantiva da excepção peremptória impeditiva (nulidade ou anulabilidade por vício na formação da vontade ou falta da mesma). Tal como também não se desconsidera, num processo, matéria de excepção quando os réus a qualificam erroneamente como matéria de impugnação.
Assim, tem razão o requerido ao concluir no sentido da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia [art. 668/1d) do CPC].
No entanto, não se tirarão, desta questão, as consequências processuais previstas no art. 712/4 do CPC, por inúteis, face ao que se dirá já de seguida.
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Outra das nulidades da sentença apontadas pelo recurso era a da falta de consideração da questão da nulidade do contrato por falta de entrega de um exemplar do contrato.
A sentença não se pronuncia, realmente, sobre tal questão, levantada na contestação, nem diz porque é que não o faz. Verifica-se, pois, a nulidade invocada [art. 668/1d) do CPC], que tem de ser suprida aqui (art. 715/1 do CPC), o que agora se faz.
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Da nulidade do contrato
A sentença recorrida qualificou o contrato dos autos – aquele que foi celebrado com a cedente e o requerido - como um contrato de utilização de cartão de crédito e disse que a tal contrato é aplicável o regime jurídico previsto no Dec.-Lei 359/91 de 21/09, alterado pelo DL 101/2000 de 02/06, que regula o crédito ao consumo – cfr. art. 2º nº1 al. a) do referido diploma legal [que tem o seguinte teor: Para os efeitos da aplicação deste diploma entende-se por: a) «Contrato de crédito», o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante;].
E com razão, sendo que ainda não era aplicável o novo regime do Dec.-Lei 133/2009, de 02/06, dada a data do contrato (arts. 34/1 deste Dec.-Lei, de acordo aliás com o art. 12/2 do CC).
O art. 6/1 do Dec.-Lei 359/91 dispõe (sob a epígrafe de: Requisitos do contrato de crédito) que: O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura.
O artigo 7 (Invalidade do contrato de crédito) acrescenta, na parte que interessa aos autos:
1 - O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no n.º 1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 2, nas alíneas a) a e) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo anterior.
4 - A inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor.
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Do ónus da prova
Parte da jurisprudência, apoiada por parte da doutrina, tem lido esta norma como impondo o ónus da prova da entrega do exemplar do contrato ao financiador (vejam-se os acs. do TRP de 10/05/2010, 674/08.4TBSJM-A.P1, do TRL de 15/10/2009, 59659/05.4YYLSB-A.L1-6, do TRP de 26/01/2009, 0852451, e do TRC de 12/02/2008, 366/05.6TBTND-A.C1, e Fernando Gravato Morais, Contratos de crédito ao consumo, pág, 99, todos citados por Jorge Morais de Carvalho, Os contratos de consumo, Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, Almedina, Junho 2012, notas 1010 e 1012, págs. 379/380).
Jorge Morais de Carvalho, naquelas páginas, entende que é ao consumidor que cabe a prova da não entrega do exemplar do contrato: “Em relação a este ponto, note-se que a primeira parte do n.º 5 do artigo 13 do Decreto-Lei n.º 133/2009 [= art. 7/4 do Dec.-Lei 359/91] apenas estabelece que “a inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor […]”, o que significa que, se se concluir que, por exemplo, não foi entregue um exemplar do contrato de crédito, presume-se que a omissão é imputável ao financiador, não isentando o consumidor de, previamente, provar que não lhe foi entregue uma cópia do contrato. Temos, portanto, dois momentos distintos: em primeiro lugar, o consumidor tem de provar que não lhe foi entregue o exemplar do contrato de crédito; depois, o financiador pode ilidir a presunção de imputabilidade, provando que não é responsável pela omissão”.
Prefere-se a primeira posição porque se considera que a observância de uma formalidade que a lei impõe sob pena de nulidade, deve ser tratada como uma questão de forma e que “o réu não tem o ónus de provar que a forma legal não foi observada, ocorrendo nulidade, mas sim o autor que deve provar que as partes observaram esse requisito de validade. É que, ao alegar que uma declaração negocial teve lugar, nas circunstâncias concretas em que foi produzida, o autor não pode deixar de dizer qual a forma que ela revestiu; a negação, pelo réu, do facto constitutivo alegado pelo autor (a emissão das declarações negociais) constitui uma impugnação […]” (Lebre de Freitas, A acção…, págs. 113/114, nota 86).
Para além desta, ainda se aceita parte inicial da fundamentação do ac. do TRP de 10/05/2010, contra a qual é insuficiente a acusação de ‘forçada’ que lhe é feita por Jorge Morais de Carvalho: “Resulta dos autos que estamos perante um contrato de adesão, que se encontra sujeito ao regime jurídico do DL 446/85, de 25/10. Dentro da ideia ou conceito de comunicação adequada e efectiva das cláusulas, já que de sinal máximo, por respeitar à totalidade do contrato e sua directa apreensão aquando da contratação e controle do clausulado, há que considerar a entrega de um exemplar escrito do contrato ao consumidor. Donde resulta que se não houver essa entrega, existe violação dos deveres impostos pelos arts 5/1 e 2, e 6 do DL 446/85. E do disposto no art. 5/3 do DL 446/85 há que concluir que o ónus de prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submetera a outrem as cláusulas contratuais gerais, isto é não cabe ao consumidor. Para que haja coerência e uniformidade no sistema jurídico, este ónus abrange, quando estamos, pelo menos, perante um contrato de adesão, a necessidade de o aplicar em relação à exigência de entrega prevista no art. 6/1, do DL 133/2009. Estas normas, como especiais, afastam a aplicação, no caso concreto, do disposto no art. 342/2, do CC. Atente-se que uma coisa é o ónus de alegar e outra é o ónus de provar. Ao consumidor incumbe o ónus de alegar que não lhe foi entregue um exemplar do contrato, por força do disposto no art. 7/4, parte final, do DL 359/91; ao mutuante incumbe o ónus de provar que ocorreu a entrega.”
Ora, se se seguir a primeira posição, a requerente destes autos devia ter alegado e provado que tinha sido entregue ao requerido um exemplar do contrato no momento da respectiva assinatura. Ónus que não cumpriu. Assim, nesta hipótese, tinha-se que concluir pela invalidade do contrato, por falta de prova de um dos requisitos da sua validade, o que implica a sua nulidade.
Mas se se seguisse a segunda posição, a requerente tinha que ter impugnado a afirmação feita pelo requerido de que não lhe tinha sido entregue nenhum exemplar do contrato [afirmação que foi classificada, no relatório deste acórdão, como de excepção porque a requerente nada tinha dito sobre o assunto]. Ónus que não cumpriu. Assim, nesta hipótese, existia nos autos – admitido por acordo (art. 490/2 do CPC) – um facto que permitia concluir pela invalidade do contrato, o que implicaria também a sua nulidade.
Em suma, pode ser declarada a nulidade do contrato por qualquer das posições que se siga.
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Das consequências da nulidade
Por força do art. 289 do CC (efeitos da declaração de nulidade e da anulação), tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
O ac. do STJ de 28/03/1995 (085202) uniformizou a jurisprudência neste sentido: Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico, invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no n. 1 do artigo 289 do Código Civil.
Este acórdão é aplicável, por maioria de razão, quando a declaração de nulidade tem por base o pedido feito pela contra-parte.
Em consequência, o requerido deve ser condenado a restituir à requerente, a quantia que vier a ser liquidada como o valor do crédito, sem juros, concedido, em execução do contrato de crédito em causa, com o limite de 2.976,88€ que é o valor do pedido a título de capital, pois que dos factos provados não é possível extrair esse valor (art. 661/2 do CPC): no ponto 9 dos factos provados fala-se em dívida, não se discriminando entre capital emprestado e juros.
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A procedência desta questão torna inútil o conhecimento da questão das cláusulas contratuais gerais surpresa, que o recurso também levantava.
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Sumário (da responsabilidade do relator):
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, declarando-se a nulidade da sentença e substituindo-se a mesma por este acórdão que declara a nulidade do contrato accionado nestes autos, por falta de entrega do exemplar, em violação do disposto no art. 6/1, por força do art. 7/1, ambos do Dec.-Lei 359/91 e, em consequência (art. 289/1 do CC), condena-se o requerido a pagar à requerente o que vier a ser liquidado como o valor de crédito, sem juros, concedido, em execução do contrato de crédito em causa, com o limite de 2976,88€.
Custas do recurso pela requerente.
Custas da acção pela requerente e pelo requerido, na proporção do decaimento, sem prejuízo do concedido apoio judiciário ao requerido.

Lisboa, 14/03/2012.

Pedro Martins
Eduardo José Oliveira Azevedo
Lúcia Sousa