Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6650/13.8TBALM.L1-2
Relator: MAGDA GERALDES
Descritores: NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2014
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O juiz, ao apreciar o requerimento de notificação judicial avulsa, apenas tem de verificar a sua regularidade formal e atentar na existência do direito invocado abstractamente na lei, não tendo que analisar em concreto se tal direito existe, o que será apreciado no respectivo procedimento legal próprio.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: “A”, identificada nos autos, interpôs recurso de apelação do despacho proferido em 27.11.2013 e que indeferiu o seu pedido de notificação judicial avulsa de “B”, também identificado nos autos, a fim de este tomar conhecimento dos factos por si referidos no seu requerimento inicial.

Em sede de alegações de recurso formulou as seguintes conclusões.

“A) A notificação judicial avulsa in casu visa comunicar factos juridicamente relevantes: i) direito que o menor tem de não ser retirado do seu lar, aliás que lhe foi destinado pelos seus pais, nos termos do nº1 do artigo 1887º do Código Civil; ii) uma alegada retenção ilícita de menor e iii) o decurso de um prazo (de um ano) que estará, no entender da recorrente, interrompido, iv) o início de um procedimento de pedido de regresso de menor e v) pedido de entrega de menor.
B) A mera verificação em abstracto de inclusivamente apenas um dos factos juridicamente relevantes na conclusão A), confere, reunidos os demais pressupostos, o direito da recorrente lançar mão do instituto da notificação judicial avulsa.
C) Assim, o tribunal a quo apreciou erradamente o requerimento, violando a lei, pois apenas devia pronunciar-se sobre questões formais.
D) Não visou a recorrente, como decidiu o tribunal a quo, com o requerimento citar o requerido dos mencionados procedimentos judiciais instaurados ao abrigo da Convenção de Haia de 25 de Out. 2003 e do Reg. (CE) 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003.
E) Ao contrário do que decidiu o tribunal a quo, entende a recorrente que a notificação judicial avulsa tem-se precisamente como uma forma de “correio especial”, munida de um maior grau de certeza e segurança jurídica no que concerne à forma de notificar alguém de um determinado assunto.
F) O requerimento apresentado pela recorrente cumpre todos os requisitos legais, nomeadamente : a) Ser o escrito, formalmente, regular, no que toca, em especial, à sua inteligibilidade, à capacidade e à legitimidade do transmissor e do receptor; b) Não violar o pedido normas imperativas, de conhecimento oficioso, nem os princípios da boa fé e dos bons costumes; c) Potencialidade abstracta da existência do facto ou do direito afirmados; d) Não se mostrar a diligência, manifesta e juridicamente inútil – Cf. Ac. RP de 21/04/1998, no processo 9721172.
G) O tribunal a quo não deve, sob pena de ilegalidade, pronunciar-se sobre o mérito da pretensão vertida no requerimento.
H) O tribunal a quo pronunciou-se, s.m.o., erradamente, in casu, sobre o mérito do requerimento.
I) A decisão a quo deve ser revogada e alterada por outra que permita à recorrente ver executado o procedimento requerido.
Termos em que,
Com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser anulada a decisão proferida pelo tribunal a quo com as legais consequências.”

Não existem contra-alegações.

Questão a apreciar: deferimento do pedido de notificação avulsa.

FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS

Com interesse para a decisão do recurso importam os seguintes factos assentes nos autos:
a) – a recorrente solicitou a notificação judicial avulsa de “B” tendo formulado o seguinte pedido: “Termos em que requer a notificação judicial avulsa do Requerido, dando-lhe conhecimento de que a Requerente o interpela, com efeitos imediatos, do seguinte: a) Toma pela presente conhecimento de que contra si pende um pedido de regresso da menor, nos termos da Convenção de Haia e do Reg. (CE) 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, pedido esse que ser-lhe-á notificado nos termos da lei e da citada convenção internacional; b) O pedido de regresso indicado na alínea a) determina a interrupção do prazo de um ano, fixado nos termos do artigo 10º do citado regulamento comunitário; c) Deverá abster-se imediatamente de reter ilicitamente a menor em território português devendo entregar a mesma à requerente no prazo máximo de 24 horas contadas da data e hora do recebimento da presente notificação, devendo para o efeito contactar o mandatário da requerente, pelos contactos à margem referenciados, dentro do horário de segunda a sexta-feira, das 9:30 às 13:00 e das 15:00 às 19:00.” (cfr. fls. 4 a 6 dos autos);
b) – tal pedido foi indeferido pelo despacho recorrido (cfr. fls. 9 e 10 dos autos).

O DIREITO
Nos termos do disposto no artº 256º, nº1, do CPC (aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06), “1. As notificações avulsas dependem de despacho prévio que as ordene e são feitas pelo agente de execução, designado para o efeito pelo requerente ou pela secretaria, ou por funcionário de justiça, nos termos do nº 9 do artigo 231º, na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento, entregando-se ao notificado o duplicado e cópia dos documentos que o acompanhem.”
A notificação judicial avulsa constitui um acto judicial que não se insere em qualquer processo pendente, tendo, como refere José Lebre de Freitas in CPC Anotado, vol.1º, 2ª Ed., Coimbra Editora, pag. 499, “lugar como que em processo ad hoc, para os efeitos declarados na lei substantiva” (Manuel de Andrade, Noções cit., p.115), permitindo realizar “actos de comunicação sobre cuja verificação e termos se pretende não venha a haver dúvidas” (Castro Mendes, Direito processual civil cit., II, p. 530)”.
Com o despacho prévio do juiz previsto no citado artº 256º, nº1 do CPC, visa-se, essencialmente apreciar da validade formal do requerimento, apurar da existência, em termos abstractos, do direito subjacente ao requerido na notificação judicial avulsa e por último verificar da legitimidade do requerente e do destinatário em face do peticionado. (cfr. Ac. RL de 29.09.05, in proc. 7196/2005-2, disponível in www.dgsi.pt)
Assi, relativamente á validade formal do requerimento, deve o juiz, para além de apreciar a inteligibilidade do requerimento em si, verificar se é o meio próprio para o requerente providenciar pelo direito de que se arroga, podendo indeferir tal requerimento nomeadamente se for ininteligível ou se houver erro na forma de processo.
No que diz respeito à apreciação da legalidade em abstracto do direito invocado, deve o juiz apreciar se o mesmo está legalmente consagrado na lei vigente, com vista a evitar o exercício de pretensões ilegais.
Por último, deve o juiz verificar, se face ao requerido, em abstracto, o requerente é o titular do direito invocado, ou se o exerce legalmente por força de qualquer norma legal ou disposição contratual e ainda se o destinatário tem legitimidade para receber a notificação. (cfr. Ac. RG de 04.12.2002, in proc. 1130/02-2, disponível in www.dgsi.pt)
No caso dos autos, verifica-se que o requerimento apresentado não enferma de qualquer vício formal que o torne ininteligível e, consequentemente, que o invalide.
Quanto à sua validade material, a requerente alega a retenção ilícita da menor, o decurso do prazo de um ano que estará, no entender da recorrente, interrompido, o início de um procedimento de pedido de regresso da menor e o pedido de entrega da menor.
Invoca a requerente que contra o requerido pende um pedido de regresso da menor, nos termos da Convenção de Haia e do Reg. CE 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, pedido esse que ser-lhe-á notificado nos termos da lei e da citada convenção internacional e que o pedido de regresso indicado determina a interrupção do prazo de um ano, fixado nos termos do artº 10º do citado regulamento comunitário.
Tais pretensões têm enquadramento legal na Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças e no artº 10º, b) – i) do Reg. CE 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, bem como nos termos do nº1 do artigo 1887º do Código Civil, destinando-se os factos e actos invocados a ser comunicados ao notificando no alegado exercício do direito da recorrente em ver assegurada a guarda da menor e no alegado direito desta em regressar à sua residência em Milão.
Assim, a notificação judicial avulsa requerida visa comunicar factos juridicamente relevantes, tal como alega a ora recorrente, pretendendo a recorrente dar conhecimento ao requerido que apresentou um pedido de regresso da menor em causa e referida no requerimento inicial, pedido esse efectuado ao abrigo da Convenção de Haia supra referida, pretendendo ainda a recorrente que o notificando tome conhecimento que com a entrega de tal pedido se interrompeu o prazo fixado no artº 10º do Reg. CE 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003.
Como decorre do teor do requerimento de notificação judicial avulsa, com tal pedido de notificação, não pretende a ora recorrente citar o requerido (com vista a uma eventual defesa) dos mencionados procedimentos judiciais instaurados ao abrigo da Convenção de Haia de 25 de Out. 2003 e do Reg. (CE) 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, mas sim transmitir-lhe uma declaração de ciência, através da qual lhe será dado conhecimento da prática do acto e factos referidos, acto e facto esses com manifesta relevância jurídica.
De igual modo, a recorrente ao solicitar que se comunique ao notificando que “deverá abster-se imediatamente de reter ilicitamente a menor em território português devendo entregar a mesma à requerente” nos termos que refere, não está a ora recorrente a deduzir nenhum pedido de intimação à prática ou abstenção de conduta, mas tão só a pedir que seja transmitida tal declaração de vontade – cfr. José Lebre de Freitas in CPC Anotado, vol.1º, 2ª Ed., Coimbra Editora, pag. 499.
Ora, tendo o juiz, ao apreciar o requerimento de notificação judicial avulsa, apenas de verificar a sua regularidade formal e atentar na existência do direito invocado abstractamente na lei, não tem que analisar em concreto se tal direito existe, o que será apreciado no respectivo procedimento legal próprio.
Assim sendo, existindo na lei o direito que a requerente invoca e o dever (ou sujeição) que esta atribui ao requerido, em abstracto, deve mandar proceder-se à notificação requerida, tendo como pressuposto que o requerimento não enferma de qualquer vício formal.
Temos, assim, por plenamente justificado o recurso à notificação judicial avulsa pelo requerente, tanto mais que a lei processual não exige que, subjacente à notificação preexista sequer uma relação jurídica entre o requerente e o(s) notificados/requeridos. Basta o interesse legítimo do requerente em dar conhecimento de determinado facto a alguém. (cfr. decisão da RL de 19.09.2007, in proc. 7678/2007-1, disponível in www.dgsi.pt)

Procedem, assim, as conclusões das alegações de recurso, não podendo a decisão recorrida manter-se na ordem jurídica, por padecer de erro do invocado julgamento.

DECISÃO (ao abrigo do disposto no artº 656º do CPC)

Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso de apelação, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene a notificação requerida.
Sem custas.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2014

Magda Geraldes