Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7591/12.1TDLSB-5
Relator: ANA SEBASTIÃO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
PESSOA COLECTIVA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si

II - A razão porque a norma surge, particularmente no que diz respeito a administradores e gerentes, é bastante clara. É necessário garantir para estes um dever de conduta de modo a que não se verifique a sistemática preterição das obrigações para com o Estado, a favor de outros credores com maiores possibilidades de pressionar a empresa no sentido do cumprimento (em especial, em impostos retidos na fonte ou cobrados pela empresa, como o IVA

III - Sendo a culpa pressuposto da responsabilidade subsidiária prevista no n° 1 do art. 24° da LGT, tal normativo prevê duas situações distintas: a culpa pela insuficiência do património da sociedade ou a culpa pelo não pagamento da dívida tributária, als, a) e b).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.

No Processo Comum (Tribunal Singular) n.° 7591/12.1TDLSB, da 3.a Secção do 4.° Juízo Criminal de Lisboa, os Arguidos AO... e MA..., tendo sido proferida Sentença, em 24-04­2014, decidindo:

Condenar o arguido AO... pela autoria material de 1 (um) crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 6.°, n.° 1, 107.°, n.° 1 e 2 e 105.°, n.° 1 e 4, todos da Lei n.° 15/2001, de 5.06 (Regime Geral das Infracções Tributárias), e artigos 30.°, n.° 2 e 79.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a multa global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros);

Condenar o arguido MA... pela autoria material de 1 (um) crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 6.°, n.° 1, 107.°, n.° 1 e 2 e 105.°, n.° 1 e 4, todos da Lei n.° 15/2001, de 5.06 (Regime Geral das Infracções Tributárias), e artigos 30.°, n.° 2 e 79.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a multa global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros);

Condenar a associação arguida AL... pela prática de 1 (um) crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 7.°, n.° 1, 107.°, n.° 1 e 2 e 105.°, n.° 1 e 4, todos da Lei n.° 15/2001, de 5.06 (Regime Geral das Infracções Tributárias), e artigos 30.°, n.° 2 e 79.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a multa global de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros);

Julgar o pedido de indemnização civil procedente, por provado e, em consequência, condenar solidariamente os demandados AO..., MA... e a associação AL... a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P. a quantia total de € 10.111,81 (dez mil cento e onze euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis às obrigações civis, desde a data limite de entrega das referidas contribuições e até integral pagamento;

Condenar os arguidos no pagamento das custas processuais criminais, fixando-se a taxa de justiça devida em 2 (duas) UC, sendo a associação AL... ainda condenada no pagamento dos honorários devidos à Exma. Defensora oficiosa que assegurou a defesa;

Mais condenar todos os arguidos e demandados no pagamento das custas cíveis, às quais deram causa, em face do seu decaimento.

2.

Os Arguidos AO... e MA... não se conformaram com a decisão, dela interpuseram recurso, apresentando motivação, da qual, extrairam as seguintes conclusões:

1.°) Faz parte da matéria assente e dada como provada, nomeadamente nos seus pontos 9, 10 e 11 que a arguida tinha trabalhadores ao seu serviço, com estatuto remuneratório, a quem pagou os salários, pelo

menos no período compreendido entre Setembro de 2008 e Novembro de 2011, tendo diligenciado pela entrega das folhas de remuneração dos trabalhadores que a Associação arguida tinha ao seu serviço, pelo menos entre Janeiro de 2009 e Novembro de 2011.

2.°) Ficou dado como provado que os arguidos sabiam que existiam dívidas à Segurança Social, que foram pagos os salários aos seus funcionários, tendo sido deduzido no valor das remunerações os montantes relativos às contribuições devidas à Segurança Social.

3.°) No entanto, não ficou provado em lado algum que os arguidos sabiam que, ao actuarem da forma descrita, estavam com isso a violar lei penal.

4.°) Andou mal o Tribunal a quo, dando como provado que os arguidos agiram em consciência do ilícito criminal, cometendo assim o vício do erro notório na apreciação da prova, violando o disposto no artigo 410.2 n.2 2 al. c) do CPP.

5.°) Os arguidos, embora não desconhecendo a obrigatoriedade de entregar à Segurança Social os valores retidos dos salários dos funcionários, não sabiam que essa atitude os faria incorrer em responsabilidade criminal.

6.°) Com a entrada em vigor da Lei n.2 64-A/2008, de 31 de Dezembro, suscitou-se a dúvida de existir, ou não, um limite mínimo de € 7.500,00 no montante não entregue indevidamente para, a partir daí, ser criminalizada a conduta.

7.°) Vários foram os Tribunais Superiores que entenderam que, se o valor descontado e não entregue fosse inferior a € 7.500,00, não existia responsabilidade penal.

8.°) O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão do Processo n.° 102/04.4TACLD, de 25 de Fevereiro de 2009 veio dizer que: "A nova redacção dada ao art° 105°, n° 1, do R.G.I.T. pelo art° 113° da L. 64­A/08 de 31/12 (que aprovou o O.G.E. para 2009), que estabeleceu o limite de € 7.500, 00 para o crime

de abuso de confiança fiscal, é também aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, por força dos n°s 1 e 2 do art° 107° desse mesmo R.G.I. T."

9.°) E reiterava o mesmo Venerando Tribunal da Relação, noutro Acórdão datado de 15 de Julho de 2009: "Tem aplicação em sede de crime de abuso de confiança contra a segurança social o limite de € 7.500 estabelecido no n° 1, do art° 105°, do RGIT, na redacção dada pela Lei n° 64-A12008, de 31 de Dezembro."

10.°) Mas também o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 27 de Maio de 2009, disse: "Revertendo ao caso dos autos, uma vez que as quantias devidas a título de contribuições, declaradas mensalmente (descontadas mensalmente nas remunerações dos trabalhadores da sociedade arguida), naqueles períodos entre Março de 1999 a Abril de 1999 e Junho de 1999 a Agosto de 2004, são de valor não superior a € 7.500, 00 (tendo em atenção, portanto, o disposto no art. 105 n° 7 do RGIT, aplicável por força do estatuído no n° 2 do art. 107.°- do mesmo diploma legal), mostra-se descriminalizado o crime de abuso de confiança contra a segurança social pelo qual os recorrentes foram condenados, impondo-se, nos termos do art. 2 n° 2 do CP, declarar extinto o respectivo procedimento criminal."

11.°) Os arguidos, durante o período a que se reporta a factualidade dos presentes autos, tinham portanto razões ponderáveis e atendíveis para acreditarem que a sua conduta não era penalmente relevante.

12.°) Da mesma forma que é vedada a aplicação retroactiva da lei penal, deve igualmente considerar-se que ninguém deve ser punido criminalmente por um acto que, à data, boa parte da jurisprudência superior defendia ter sido descriminalizado.

13.°) A norma constante no artigo 17.°, n.° 1 do Código Penal que estipula que "Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável" deve ser interpretado no sentido da consciência da ilicitude penal porque é relevante para o agente conhecer e saber das consequências que acarreta uma responsabilidade criminal, infinitamente mais gravosas que a mera responsabilidade civil.

14.°) A não interpretação neste sentido da norma representa uma clara violação do princípio da segurança jurídica plasmado no artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa.

15.°) Assim, não tendo os arguidos tido consciência da ilicitude do seu acto e não lhes sendo censurável essa falta, então conclui-se que os mesmos agiram sem culpa não podendo por isso ser responsabilizados criminalmente pela sua conduta.

Mas, por mero dever de patrocínio, se o Venerando Tribunal assim não o entender, sempre se diga que,

16.°) Os arguidos agiram impulsionados por um dever de cidadania absolutamente louvável, procurando ajudar uma associação de utilidade pública com uma História de mais de 130 anos e que tanto contribuiu para a democratização do acesso aos equipamentos culturais e desportivos aos lisboetas.

17.°) Sabiam os arguidos que a Associação passava por enormes dificuldades financeiras mas, ainda assim, acreditaram que com a sua experiência e dedicação poderiam fazer reverter o processo de decadência e salvar o Ateneu.

18.°) Para o fazer era imprescindível e fundamental manter as portas abertas da Associação e, nesse intuito, seria necessário priorizar os pagamentos com a água, luz, gaz, telefones e funcionários.

19.°) Estes pagamentos sorviam todos os recursos da Associação pelo que se tornava impossível efectuar o pagamento à Segurança Social. Os arguidos nunca tiveram a liberdade de optar por pagar à Segurança Social sem que isso significasse o encerramento do Ateneu e, consequentemente, a assunção definitiva do não pagamento das dívidas aos credores.

20.°) Os arguidos estavam absolutamente convencidos que os atrasos no pagamento à Segurança Social seriam regularizados num futuro próximo, sendo a Câmara Municipal de Lisboa uma peça fundamental neste quadro. Foi a falta de concretização das promessas da autarquia que levou a esta lamentável situação limite.

21.°) Os arguidos não agiram em proveito próprio — nem sequer de forma indirecta — não tendo retirado qualquer tipo de benefício pessoal com a retenção dos valores.

22.°) Pelo contrário, a louvável intervenção cívica dos arguidos veio, como agora se constata, a prejudicar gravemente as suas vidas particulares e paralelamente as das suas famílias.

23.°) Nestes termos, consideramos que foi deficiente a aplicação criteriosa do artigo 71.° do Código Penal, atendendo à limitada culpa dos arguidos e às circunstâncias envolventes que deveriam ter sido diferentemente valoradas pelo Tribunal a quo.

24.°) A multa de 120 dias aplicada aos arguidos foi por isso excessiva, devendo a mesma ser aplicada por valores muito próximos do mínimo legal (10 dias).

E, no que concerne ao Pedido de Indemnização Civil, sustenta-se que:

25.°) Os arguidos AO... e MA... foram condenados por uma dívida que não era sua mas, tão só, do arguido AL....

26.°) O benefício económico retirado reflectiu-se na esfera jurídica do arguido Ateneu e nunca no património dos arguidos AO... e MA....

27.°) O artigo 24.° da Lei Geral Tributária é taxativa ao atribuir responsabilidade meramente subsidiária aos directores, administradores e gerentes das sociedades pelas às dívidas fiscais e para-fiscais destas.

28.°) Como também é clara a norma espelhada no artigo 23.° n.° 2 da mesma Lei que diz que "A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão."

29.°) Durante a audiência de julgamento, e em particular do depoimento da testemunha JF..., administrador de insolvência do AL..., ficou patente que o responsável principal tem, por larga margem, bens suficientes que garantam o pagamento da dívida à Segurança Social.

30.°) Assim, inexiste a primeira das condições para que a Segurança Social possa agir sobre os responsáveis subsidiários.

31.°) Pecou o Tribunal a quo ao ignorar as questões patrimoniais do arguido "Ateneu" porque, dessa avaliação e à luz da lei vigente, tal consideração levaria a fazer improceder o pedido cível relativamente aos arguidos AO... e MA....

32.°) Acresce que a Demandante já reclamou este mesmo crédito no processo de insolvência do arguido "AL...", sendo essa a instância adequada a fazer-se ressarcir do crédito que detém.

33.°) A responsabilidade subsidiária só deverá ser exercida se, naquele processo de insolvência e após liquidação da associação, o produto da massa insolvente não vier a garantir o total pagamento da dívida.

Nestes termos, e no mais que o Venerando Tribunal doutamente suprirá, deve:

a) Os arguidos AO... e MA... ser absolvidos do crime de
abuso de confiança contra a segurança social, p.p. pelos artigos 107.°, n.° 1 e 2 e 105.°, n.° 1 e 4 da Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho, em face de terem agido sem culpa, nos termos do artigo 17.° n.° 1 do Código Penal, por actuarem sem consciência da ilicitude, não sendo essa falta de consciência censurável.

Ou,

b) Caso assim não se entenda, considerando a culpa diminuída atinente às circunstâncias dos factos,
deve a medida da pena ser reconsiderada e aplicada próxima dos mínimos legais (10 dias).

c) Improceder o pedido de indemnização civil relativamente aos arguidos AO... e MA... por, nos termos dos artigos 23.° e 24.° da Lei Geral Tributária, a sua

responsabilidade ser meramente subsidiária, não tendo ficado demonstrado que a sociedade arguida Ateneu não dispõe de bens penhoráveis que garantam o pagamento da dívida. Assim se fazendo JUSTIÇA!

3.

O recurso foi regularmente admitido.

4.

O Ministério Público respondeu ao recurso concluindo:

1.' - Da leitura do texto da sentença recorrida — designadamente na parte atinente à matéria de facto provada e aos meios de prova determinantes da convicção do tribunal — não resulta que o tribunal tenha considerado provados factos que, manifestamente, de harmonia com as regras da lógica e da experiência comum, estejam incorrectos ou não possam ter acontecido da forma descrita, razão pela qual não padece, pois, a sentença recorrida, do vício previsto na al. c) do n° 2 do art° 410° do C.P.P..

2a — Ao actuarem conforme dado como provado na sentença recorrida os arguidos tinham conhecimento que a sua conduta era punida e proibida por lei (conforme dado como provado sob o n.° 20) não agindo em erro (censurável ou não censurável) sobre a licitude da sua conduta.

3.' — Pelo exposto, nenhuma alteração deverá ser introduzida à matéria de facto fixada na primeira instância, a qual integra, na sua plenitude, os elementos típicos do crime pelo qual os Recorrentes foram condenados;

4.' — É inteiramente ajustada a aplicação da pena de 120 dias de multa aplicada a cada um dos recorrentes pela prática em autoria material de um crime de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. 6.°, n.° 1, 107.°, n.° 1 e 2 e 105.°, n.° 1 e 4, todos da Lei n.° 15/2001, de 5.06 (Regime Geral das Infracções Tributárias)(pena essa abaixo do ponto médio da moldura da pena de multa abstractamente aplicável ao crime em causa, e que resultou da ponderação do grau pouco acentuado de culpa dos recorrentes e de exigências reduzidas ao nível da prevenção especial),

4.' — Assim, o Tribunal a quo fez adequada aplicação do direito à factualidade julgada provada, ponderando criteriosamente as finalidades das penas consagradas no art° 40° do C.P. e os critérios de determinação da medida da pena constantes do art° 71° do mesmo código.

Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e ser mantida a douta sentença recorrida.

V. Exas, porém, melhor apreciarão, decidindo conforme for de JUSTIÇA.

5.  

Nesta Relação a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta lavrou Parecer, defendendo a improcedência

do recurso.

6.

Cumprido o disposto no art.° 417.°, n.° 2, do CPP., não foi apresentada resposta.

7.

Colhidos os vistos realizou-se a conferência.

II.

Da decisão recorrida consta o seguinte:

Fundamentação de Facto

Factos provados

Da discussão da causa, com relevância para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:

1 A arguida AL... é uma associação sem fins lucrativos, com estatuto de utilidade pública, que tem por objecto, para além do mais, proporcionar aos seus associados a prática de actividades de natureza recreativa, cultural, desportiva e de educação física.

2 A referida associação está inscrita na Segurança Social, área de Lisboa, com o n.°(…).

3 Por sentença proferida no dia 18.07.2012, transitada em julgado em 20.08.2012, foi a associação arguida declarada insolvente.

4 Na sequência de assembleia eleitoral realizada no dia 11 de Dezembro de 2008, AO... e MA... foram eleitos respectivamente para os cargos de presidente e vice-presidente da direcção da associação arguida.

5 Integrando ainda tal direcção AR…, com o cargo de director de instalações, EM…, com o cargo de director administrativo e financeiro e LR…, com o cargo de director de actividades desportivas e pessoal.

6 Tendo todos os elementos que integravam a direcção tomado posse no dia 5.01.2009.

7 A partir dessa data, as decisões necessárias para o normal funcionamento da associação, nomeadamente as decisões quanto à ordem de pagamentos a trabalhadores, fornecedores e ordem de cumprimento das obrigações da associação para com a administração fiscal e a Segurança Social eram tomadas pelos arguidos e demais elementos que compunham a direcção, em reunião do referido órgão.

8 Sendo do conhecimento de todos os elementos da direcção a existência de dívidas à Segurança Social.

9 Para a prossecução dos seus objectivos a associação arguida tinha trabalhadores ao seu serviço, com estatuto remuneratório, a quem pagou os respectivos salários, pelo menos no período compreendido entre Setembro de 2008 e Novembro de 2011.

10 Tendo deduzido no valor das remunerações pagas aos seus trabalhadores os montantes relativos às contribuições devidas à Segurança Social.

Tendo o arguido AO... diligenciado pela entrega das folhas de remunerações dos trabalhadores que a associação arguida tinha ao seu serviço, pelo menos entre Janeiro de 2009 e Novembro de 2011.

12 Contribuições que deveriam ter sido entregues nos cofres da Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que dissessem respeito.

13 Entrega que não veio a ocorrer no referido prazo, nem nos 90 dias subsequentes ao termo desse prazo, tendo os arguidos e demais membros da direcção procedido à retenção das contribuições descontadas dos salários pagos àqueles trabalhadores nos montantes infra descritos:

Ano de 2009

MêsQuantia
Janeiro€ 415,69
Março€ 473,78
Junho€ 402,32
Julho€ 749,90
Agosto€ 397,45
Setembro€ 397,45
Outubro€ 370,77
Novembro€ 794,90
Dezembro€ 397,45

Ano 2010

MêsQuantia
Janeiro€ 397,45
Fevereiro€ 405,70
Março€405,70
Abril€ 378,33
Maio€ 391,79
Junho€405,70

Julho€405,70
Agosto€405,70
Setembro€405,70
Outubro€405,70
Novembro€405,70
Dezembro€ 811,40

Ano 2011

MêsQuantia
Janeiro€ 406,12
Fevereiro€ 396,15
Março€ 406,12
Abril€ 399,08
Maio€ 412,70
Junho€ 412,70
Julho€ 818,80
Agosto€ 412,70
Setembro€ 412,70
Outubro€ 412,70
Novembro€ 412,70

14 Passando essas disponibilidades monetárias a ser usadas para fazer face a outras despesas correntes da associação arguida, com o propósito de manter em funcionamento as instalações da referida associação.

15 Notificados para procederem, em novo prazo de 30 dias, ao pagamento da quantia em dívida, acrescida de juros de mora, os arguidos não procederam a tal pagamento.

16 Sabiam os arguidos que em nome e em representação da associação arguida, tinham o dever de enviar para a Segurança Social as folhas de remunerações pagas aos trabalhadores, proceder ao prévio desconto dos valores das contribuições por aqueles legalmente devidas à Segurança Social e entregar à Segurança Social tais contribuições até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam.

17 Todavia, apesar de ter procedido, nos meses supra identificados, às retenções aí mencionadas, os arguidos, enquanto representantes da associação arguida, não entregaram tais montantes à Segurança

Social no prazo legal nem decorridos 90 dias sobre o seu termo, fazendo da associação arguida tais quantias, as quais foram usadas para satisfazer outros compromissos relacionados com os fins desta.

18 Actuaram os arguidos AO... e MA… em nome e no interesse da associação arguida, sabendo que ao agirem da forma descrita faziam ingressar no património desta as quantias monetárias que sabiam não lhe pertencer e que deveriam ser entregues à Segurança Social.

19 Os arguidos retiveram as referidas quantias nos meses supra referidos, situados entre Janeiro de 2009 e Novembro de 2011, de forma reiterada e sistemática, motivados pelo êxito de tal prática, num cenário de oportunidade com que se iam confrontando e do qual se foram sucessivamente aproveitando.

20 Agiram os arguidos AO... e MA... de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou que:

21 Pelo menos desde Janeiro de 2009 e até Novembro de 2010 a associação arguida tinha pelo menos uma receita mensal de € 5.000,00 decorrente de um arrendamento de salas efectuado com uma escola de medicina chinesa.

22 Antes da tomada de posse dos arguidos e demais elementos da direcção a associação arguida já se debatia com dificuldades financeiras, tendo dívidas anteriores para com a Segurança Social, que os arguidos e demais membros da direcção tentaram regularizar.

23 Os arguidos não procederam à entrega das quantias mensais supra referidas nos cofres da Segurança Social no prazo legal nem no que posteriormente lhes foi concedido devido a dificuldades de tesouraria da associação que dirigiam, tendo optado por salvaguardar o pagamento dos salários líquidos dos trabalhadores e despesas correntes da associação, com vista a manterem em funcionamento os equipamentos desta, designadamente a piscina, fonte de receitas para a associação.

24 Das quantias supra referidas, devidas pela associação arguida à Segurança Social, apenas se encontra em dívida o montante de € 10.111,81 (dez mil cento e onze euros e oitenta e um cêntimos).

25 O arguido AO... encontra-se aposentado, recebendo uma pensão de reforma no montante de € 1.800,00 mensais.

26 Vive com sua mulher em casa arrendada despendendo com o pagamento da renda a quantia mensal de € 480,00.

27 Sua mulher não desenvolve uma actividade profissional remunerada.

28 Como habilitações literárias possui o grau de licenciado e mestre em Gestão.

29 O arguido MA... encontra-se aposentado, recebendo uma pensão de reforma no montante mensal de € 1.700,00.

30 Vive sozinho em casa própria.

31 Contribui com a quantia mensal de € 300,00 para o sustento de um filho maior de idade, que se encontra desempregado.

32 Como pagamento de prestação relativa à aquisição de um veículo automóvel despende o arguido a quantia mensal de € 253,00.

33 Como habilitações literárias possui o grau de licenciado em Administração e controle financeiro.

34 No certificado de registo criminal dos arguidos e da associação arguida não se encontram averbadas quaisquer condenações.

Factos não provados

Com relevância para a decisão a proferir não se provaram os seguintes factos:

a) Os arguidos AO... e MA..., em nome e no interesse da associação arguida, decidiram não entregar as contribuições que retiveram nas remunerações dos trabalhadores da associação

MêsQuantia
Setembro€ 356,59
Novembro€ 909,26
Dezembro€ 459,30

Motivação da decisão de facto

Salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova deve ser apreciada, no seu conjunto, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (cfr. artigo 127.° do Código de Processo Penal).

Assim, o Tribunal fundou a sua convicção quanto à factualidade dada como provada na análise crítica de toda a prova documental constante dos autos, designadamente a de fls. 27 a 29, 96 a 111, 150-A a 155, 159 a 198, 209, 221, 517 a 560, 666, 675 a 682, 683, 723 a 728, 284 a 801, 860, 862 a 881, conjugada com as declarações prestadas pelos arguidos e com os depoimentos das testemunhas (…).

Os arguidos AO... e MA... prestaram declarações de forma que se reputou credível, esclarecendo acerca da concreta data em que assumiram funções na direcção do AL..., o que ocorreu apenas em Janeiro de 2009, facto que se mostra comprovado pelo termo de posse constante de fls. 860. Elucidaram ainda acerca da forma como as decisões eram tomadas no âmbito da associação arguida, designadamente no que concerne à ordem de pagamentos das dívidas da associação, incluindo junto da Segurança Social, dívidas essas que eram do seu conhecimento, justificando o seu não pagamento com o facto de a associação não dispor de dinheiro para fazer face ao pagamento de todas as despesas.

Todavia, apurou-se ainda das suas declarações que o não pagamento das dívidas à Segurança Social decorria não da inexistência de verbas para o efeito, mas sim devido ao facto de se privilegiar o pagamento de determinadas despesas, designadamente os salários líquidos dos trabalhadores, luz e água, a fim de permitir a manutenção das infra-estruturas que a associação arguida disponibilizava aos seus associados, designadamente a piscina, uma das fontes de rendimento daquela associação. Com efeito, não só os arguidos reconheceram que os salários dos trabalhadores eram pagos, sendo certo que a estes não era entregue o salário bruto, mas apenas o salário líquido, como AO... reconheceu que até final do ano de 2010 a associação arguida tinha pelo menos uma receita mensal de € 5.000 decorrente do arrendamento de salas a uma escola de medicina chinesa. Perante o circunstancialismo apurado, nenhuma dúvida se colocou quanto ao facto de os arguidos — e diga-se, os demais membros da direcção - terem efectivo conhecimento das dívidas existentes para com a Segurança Social, tendo optado — perante a escassez de recursos financeiros - pelo pagamento de outras despesas que nermitissem manter em funcionamento a associação que dirigiam.

No mesmo sentido foi o testemunho de LR…, que na data dos factos integrava igualmente a direcção da associação arguida, que de forma segura e convicta relatou como se processava o processo decisório no que concerne aos pagamentos a fornecedores e ao Estado, o que ocorria com frequência semanal, em reunião de direcção, tendo a referida testemunha esclarecido que nessas ocasiões decidiam as prioridades de pagamentos, incluindo à Segurança Social, sendo do conhecimento de todos a existência de dívidas à Segurança Social, ainda que no dia-a-dia, caso fosse necessária alguma alteração de pagamento, tal decisão fosse tomada por MA....

De forma clara, coerente e desinteressada, RC… concretizou o valor das cotizações devidas pela sociedade arguida, valores esses que foram declarados pela própria entidade patronal — note-se que o arguido AO... reconheceu que ele próprio procedia à remessa mensal das folhas de remunerações — valores que não foram entregues nos cofres da Segurança no prazo legal, sendo certo que nenhuma dúvida se colocou quanto ao concreto valor de contribuições no período em questão nos autos, mais concretamente naquele em que os arguidos exerceram funções na direcção do AL..., tanto mais que tal valor foi declarado pela própria associação. Para além disso, elucidou ainda a testemunha acerca do valor que ainda permanece em dívida por conta das contribuições em causa nos autos.

João Menina, por seu turno, referiu após ter cessado funções na associação arguida em Dezembro de 2008 entregou toda a documentação ao arguido AO..., sendo certo que nada mais soube esclarecer quanto ao período em causa nos autos, uma vez que já não exercia funções na associação arguida. Já o depoimento de Joaquim Faustino, administrador de insolvência nomeado à associação arguida, reputou-se seguro e isento, relevando apenas para o apuramento da actual situação jurídica e financeira daquela associação, a qual pretende sanear financeiramente com vista à sua recuperação.

Finalmente, os testemunhos de JG…, JO… e MF…, apesar de se reputarem sinceros, apenas relevaram para o enquadramento das dificuldades financeiras com que a associação arguida se debatia, cujas receitas geradas não eram suficientes para cobrir todas as despesas, o que já resultava apurado da demais prova produzida e da própria circunstância de aquela ter sido declarada insolvente.

Perante o acervo probatório recolhido nenhuma dúvida subsistiu quanto ao facto de os arguidos, enquanto elementos da direcção e responsáveis de facto e de direito da associação arguida, não terem diligenciado pela entrega nos cofres da Segurança Social das quantias devidas, correspondentes a parte do salário bruto dos trabalhadores da referida associação, como sabiam ser sua obrigação. Com efeito, ainda que se tenha apurado que a decisão de escalonamento de pagamentos - daí decorrendo o não pagamento atempado e total das contribuições em causa nos autos — resultou de decisão conjunta dos membros que compunham a direcção da associação arguida, o que poderia ter justificado a presença em juízo dos demais elementos daquela direcção, o certo é que tal circunstancialismo não aliena a responsabilidade criminal — de natureza individual - que cada um dos membros daquela direcção, enquanto tal, teve na tomada dessa decisão, tanto mais que não ficou demonstrado, sequer das declarações dos arguidos, que algum deles se tivesse oposto a tal decisão o que, a suceder, seria certamente consignado em acta da reunião de direcção, na esteira do previsto no artigo 40.° dos estatutos da associação arguida (cfr. fls. 790).

A matéria relativa às condições pessoais e de vida dos arguidos e a ausência de antecedentes criminais apurou-se do teor das declarações prestadas pelos arguidos e ainda da análise dos CRC de fls. 769, 771 e 783.

III.

APRECIANDO.

São as conclusões, que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.°, n.° 1, do CPP), que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso — detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.°, n.° 2, do CPP — Ac n.° 7/95 do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-95, no Proc. n.° 46580, Publicado no DR, I Série - A, n.° 298, de 28-12-95 que fixou jurisprudência obrigatória (é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e mais recentemente e entre outros, Ac. STJ de 20-12-2006, in Proc.° 06P3661 in www.dgsi.pt..

No presente caso, os Recorrentes, na vertente de facto, assacam à decisão recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art.° 410.°, n.° 2, al. c) do CPP., e errada interpretação e aplicação de direito na ponderação da pena concretamente aplicada.

Na sua globalidade, os Recorrentes limitam-se a manifestar a sua discordância quanto à avaliação e valoração das provas feita pelo Tribunal "a quo", opondo-lhe a sua própria valoração com vista à absolvição por, em sua opinião, não ter ficado provado em lado algum que eles sabiam que, ao actuarem da forma descrita, estarem a violar a lei penal.

Mas o erro notório na apreciação da prova apenas se verifica quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.

O elemento subjectivo da infracção, como conclusão de direito que é, não pode fazer-se derivar imediatamente da prova mas deduzir-se desta, através das ilações que segundo as regras de experiência comum se extraiem dos factos na medida em que sejam meras consequências ou prolongamento deles. Pois, trata-se de factos, que não deixam de o ser, mas que assumem uma particular especificidade, visto consistirem em realidades do foro psíquico, logo internos do sujeito. Tais factos não se comprovam em si próprios, mas mediante ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento - cfr., Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, Verbo, págs. 297 e 298.

Tais presunções (judiciais) são meios de prova que assentam no raciocínio do julgador, inspirando-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana e inscrevendo-se na regra da livre convicção tal como é proposta pelo art.° 127.°, do Código Penal.

Da matéria provada resultam factos que demonstram terem os Recorrentes actuado com dolo, no cometimento do crime, concretamente que ao actuarem conforme dado como provado na sentença recorrida tinham conhecimento que a sua conduta era punida e proibida por lei (conforme dado como provado sob o n.° 20) não agindo em erro (censurável ou não censurável) sobre a licitude da sua conduta.

Da simples leitura da decisão recorrida resulta que:

16 Sabiam os arguidos que em nome e em representação da associação arguida, tinham o dever de enviar para a Segurança Social as folhas de remunerações pagas aos trabalhadores, proceder ao prévio desconto dos valores das contribuições por aqueles legalmente devidas à Segurança Social e entregar à Segurança Social tais contribuições até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam.

17 Todavia, apesar de ter procedido, nos meses supra identificados, às retenções aí mencionadas, os arguidos, enquanto representantes da associação arguida, não entregaram tais montantes à Segurança Social no prazo legal nem decorridos 90 dias sobre o seu termo, fazendo da associação arguida tais quantias, as quais foram usadas para satisfazer outros compromissos relacionados com os fins desta.

18 Actuaram os arguidos AO... e MA... em nome e no interesse da associação arguida, sabendo que ao agirem da forma descrita faziam ingressar no património desta as quantias monetárias que sabiam não lhe pertencer e que deveriam ser entregues à Segurança Social.

19 Os arguidos retiveram as referidas quantias nos meses supra referidos, situados entre Janeiro de 2009 e Novembro de 2011, de forma reiterada e sistemática, motivados pelo êxito de tal prática, num cenário de oportunidade com que se iam confrontando e do qual se foram sucessivamente aproveitando.

20 Agiram os arguidos AO... e MA... de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Donde ressalta perfeitamente claro que os Arguidos/Recorrentes ao actuarem como ficou provado tinham perfeita consciência da ilicitude da sua conduta, limitando-se aqueles Recorrentes, na sua motivação a fazer afirmações de índole meramente subjectiva de natureza conclusiva quanto ao

elemento intencional, ao arrepio da matéria provada relativamente à qual nem sequer invocaram erro de julgamento. Já a convicção do Tribunal "a quo", expressa na fundamentação, revela o percurso lógico utilizado de forma perceptível, nada revelando de notoriamente errado, ilógico, contrário às regras da experiência comum.

Relativamente à invocação da divergência jurisprudencial no que à criminalização da omissão da entrega das contribuições devidas à Segurança Social de montante inferior a € 7.500,00 que existia à data dos factos, carece a materialidade apurada de acervo factual que permita a integração de erro sobre a ilicitude (art.° 17.° CP) e não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no art.° 412.°, n°s 3 e 4, do CPP., tal invocação não pode proceder.

Sendo certo que, quanto a grande parte dos factos, integradores da continuação, a questão nem sequer se colocaria, posto que, o STJ., por Acórdão de Fixação de Jurisprudência, de 14-07-2010, in P.6463/07.6TDLSB.L1, DR, I, 23-09-2010, decidu: Fixar jurisprudência, no sentido de que, a exigência do montante mínimo de 7500 euros, de que o n° 1 do art. 105° do Regime Geral das Infracções Tributárias - RGIT (aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, e alterado, além do mais, pelo art. 113° da Lei n° 64-A/2008, de 31 de Dezembro) faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no art. 107° n° 1 do mesmo diploma.

Assim, na vertente de facto, improcede a argumentação recursiva.

Da medida da pena.

Os Recorrentes insurgem-se quanto à medida da pena de multa aplicada, considerando-a excessiva, em face da culpa diminuída, que defendem existir, perante as circunstâncias dos factos.

Vejamos.
 Na escolha e determinação da medida da pena pontuam os fins e parâmetros definidos nos arts° 70.° e 71° do Cód. Penal.
"o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena" cfr. Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194.

Sendo a determinação da respectiva medida feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente, das exigências de prevenção e de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.

A pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequada à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa) determinada em função de culpa, intervindo os outros fins das penas — prevenção geral e especial — dentro daqueles limites (cfr. Claus Roxin, in "Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal", pág.4 e 113).

Reportando-se as exigências de prevenção constantes no texto legal, à prevenção positiva decorrente do principio politico-criminal da necessidade da pena inscrita no art.°. 18°, n°. 2 da Constituição da Republica Portuguesa. A medida da pena "(...) há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto ... a protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida" (cfr. Prof. Figueiredo Dias in "Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime" ­Noticias Editorial, pág. 227).

A prevenção geral positiva (ou prevenção de integração), constitui a finalidade primordial da pena e o ponto de partida para a resolução de eventuais conflitos entre as diferentes finalidades preventivas (cfr. DIREITO PENAL - Questões Fundamentais - A Doutrina Geral do Crime - 1996 - Ed. Universidade de Coimbra - Faculdade de Direito, pág. 117). E nesta mesma obra citando Anabela Rodrigues a pág. 121, refere, o Prof. Figueiredo Dias que "a teoria penal pode resumir-se pela seguinte forma:

1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial;

2) A pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável, pela medida de culpa;

3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico;

4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais".

Assim, os ingredientes para a concretização de uma pena são: a culpa e a prevenção. Mas em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa "...exercendo a culpa, uma função fundamentadora e delimitadora da pena", (cfr. Maria Gonçalves In Código Penal Português Anotado, pág. 208 - loa. Ed.).

Para a vertente de prevenção geral, a pena deve contribuir para fortalecer o sentimento de confiança da comunidade nas normas que protegem os valores que pretende ver defendidos e servir de inibição dos seus membros da prática de actos ilícitos.
"Em sede de prevenção geral a pena não pode ser aplicada com o único objectivo de intimidar potenciais delinquentes, mas acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica colectiva". Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2000, Proc. 221/99.

Do ponto de vista da prevenção especial, a pena tem por fim a integração do agente, devendo causar-lhe só o mal necessário.

As circunstâncias constantes do art.° 71° do Cód. Penal fornecem os elementos que servirão tanto para escolher apena como a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), e também para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento etc.).

"As "circunstâncias" (ou circunstâncias comuns, na designação clássica) devem ser aferidas "em função da culpa do agente e das exigências de prevenção" Cada circunstância tem uma conexão de sentido com a culpa do agente ou as necessidades de socialização ou inocuização do agente. No primeiro caso, a circunstância releva para a determinação da pena em virtude de ela agravar ou atenuar a culpa. No segundo caso, a circunstância releva para a determinação da pena em virtude de ela agravar ou atenuar as necessidades preventivas de socialização ou inocuização do agente" cfr. Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, pág 268.

No caso em análise, os Recorrentes não põem em causa a escolha da pena de multa, insurgem-se quanto à sua medida pugnando pela aplicação da atenuação especial porque agiram movidos por sentimentos altruistas, sendo que as quantias descontadas aos trabalhadores e indevidamente retidas não se destinaram a beneficio próprio mas sim a fazer face às despesas correntes e de manutenção da actividade de uma associação (AL...) com mais de um século de história.

Ora, embora de louvar, a actividade dos Recorrentes não pode integrar a figura de atenuação especial, posto que não dimunui de forma acentuada a ilicitude dos factos ou a culpa com que agiram nem as exigências de prevenção que na vertente de prevenção geral, neste caso, são muito elevadas, considerando o elevado número de pequenas e micro empresas em que ocorrem factos semelhantes o que muito fragiliza a Segurança Social pondo em causa a sua sustentabilidade.

Porém, a actividade altruista desempenhada tem de ser considerada e conjugada com outros factos de valor atenuativo geral, concretamente, não terem os montantes em causa revertido para os Recorrentes, serem primários, de média situação social mas modesta situação económica, estarem perfeitamente integrados na sociedade e apenas se encontrar em dívida o montante de € 10.111,81 (dez mil cento e onze euros e oitenta e um cêntimos).

Perante tais circunstâncias a pena aplicada (120 dias, semelhante a muitas outras aplicadas em processos idênticos, que subiram em recurso, designadamente no processo 4107/10.8T3SNT.L1 com circunstâncias de menor valor atenuativo), numa moldura abstracta de multa até 360 dias(105° do RGIT) afigura-se, na verdade excessiva. Considerando-se adequada, proporcional e suficiente uma pena de multa de 50 dias.

No que concerne à fixação do quantitativo de cada dia de multa - art.° 47°., n.° 2 do Cód. Penal -.

A fixação da pena de multa, faz-se através de duas operações, numa primeira, selecciona-se o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas, como se viu, numa segunda fixa-se o quantitativo de cada dia de multa, em função da capacidade económica do agente (cfr. Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas de crime_ Not.- Ed.- pág. 116).

Simas Santos e Leal Henríques, citando Yesekeck, dizem que a determinação da pena de multa deve ser levada a caso em três actos:

"- No primeiro, o juiz fixa, segundo os princípios gerais de doseamento da pena ou seja, segundo o grau de ilicitude e culpa, bem como exigências de prevenção geral e especial, o numero de dias de multa. A situação económica e financeira do réu, bem como os seus encargos pessoais, só deverão ser aqui considerados quando tenham reflexos nos elementos culpa e ilicitude (v.g.. facto cometido em estado de necessidade).

_ No segundo juiz determina a taxa diária de multa segundo as circunstâncias pessoais, económicas e financeiras do réu.

_No terceiro, em caso de situação económica ou financeira precária, põe-se a questão de saber se se deve exigir o pagamento total ou se se podem conceder as facilidades de pagamentos previstas n° .5 (v.g. nos casos de famílias numerosas, doenças, endividamento, mudança de profissão idade etc.

Terá de balizar-se entre 5 e € 500,00, em função da situação económica e financeira e encargos pessoais do agente. Embora a finalidade da lei seja eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de solver, o certo é que enquanto sanção penal, não pode ser aplicada num quantitativo tal que — ponderada a situação económica do agente — deva considerar-se irrisório ,antes devendo ter algum significado económico ­Ac do STJ de 09-02-95, in BMJ 444-720.
Tese adoptada na revisão do CP., pela Lei 59/2007, de 04-09, que na actual redacção do art.° 47.°, n.° 2, fixa em € 5,00 a taxa mínima da multa

No caso em apreciação, atendendo à situação económica, supra descrita, dos Recorrentes, com uma reforma de pouco mais de mil euros, com encargos familiares, sendo que um deles ainda ajuda um filho desempregado, e, lançando mão de critérios de equidade, deverá fixar-se a taxa no seu limite minimo, de € 5,00, porquanto, doutra forma, constituiria um sacrifício insuportável que se revela desnecessário impor-lhe, perfazendo o total da multa € 250,00.

Do pedido de indemnização civil.

Provada que está a prática do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social por parte dos Recorrentes e da sociedade Associação AL..., é inequívoco que, com a indicada conduta, os arguidos preencheram os pressupostos estatuídos pela lei civil (cfr. arts. 483° e seguintes do Código Civil), não postos em causa no recurso.
Deste modo, constituíram-se, os Recorrentes subsidiariamente perante a Associação e entre eles, Recorrentes, solidariamente na obrigação de indemnizar a Segurança Social demandante pelos danos causados pela sua conduta, ou seja no pagamento da quantia de € 10.111,81 (dez mil cento e onze euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal aplicável previstas no artigo 3.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de Março. O objecto do recurso neste âmbito reporta-se à questão, não declarada na decisão recorrida, da subsidariedade perante a Associação.

Dispõe o art.° 24.°do DL n.° 398/98 de 17-12.

Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos

1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

2 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas pessoas colectivas em que os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários destas resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização.

3 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos técnicos oficiais de contas desde que se demonstre a violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.

No que concerne ao art.° 24.°, n.° 1, Saldanha Sanches (Manual de Direito Fiscal, 3a Edição, Coimbra Editora, 2007) entendeu também que " a razão porque a norma surge, particularmente no que diz respeito a administradores e gerentes, é bastante clara. É necessário garantir para estes um dever de conduta de modo a que não se verifique a sistemática preterição das obrigações para com o Estado, a favor de outros credores com maiores possibilidades de pressionar a empresa no sentido do cumprimento (em especial, em impostos retidos na fonte ou cobrados pela empresa, como o IVA)."

Sendo a culpa pressuposto da responsabilidade subsidiária prevista no n° 1 do art. 24° da LGT, tal normativo prevê duas situações distintas: a culpa pela insuficiência do património da sociedade ou a culpa pelo não pagamento da dívida tributária, als, a) e b). É neste último que se inscreve a actuação dos Recorrentes.

Argumentam os Recorrentes que, quanto a eles, deverá improceder o pedido de indemnização civil por não ter ficado demonstrado que a sociedade arguida AO… não dispõe de bens penhoráveis que garantam o pagamento da dívida.

Não têm razão.

A verificação dos pressupostos da responsabilidade civil implica a condenação no pagamento dos danos, subsidiaria e solidariamente como demonstrado, sendo a questão da existência e suficiência dos bens patrimoniais da Associação um problema de execução da decisão.

Concluindo, procede apenas parcialmente o recurso, nos termos acima descritos.

DECISÃO.

Por todo o exposto, acordam os juizes em, conceder provimento parcial ao recurso, e em consequência:

- Condenar o arguido AO... pela autoria material de 1 (um) crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 6.°, n.° 1, 107.°, n.° 1 e 2 e 105.°, n.° 1 e 4, todos da Lei n.° 15/2001, de 5.06 (Regime Geral das Infracções Tributárias), e artigos 30.°, n.° 2 e 79.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (dez euros), o que perfaz a multa global de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros);

- Condenar o arguido MA... pela autoria material de 1 (um) crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 6.°, n.° 1, 107.°, n.° 1 e 2 e 105.°, n.° 1 e 4, todos da Lei n.° 15/2001, de 5.06 (Regime Geral das Infracções Tributárias), e artigos 30.°, n.° 2 e 79.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (dez euros), o que perfaz a multa global de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros);

- Julgar o pedido de indemnização civil procedente, por provado e, em consequência, condenar os demandados AO..., MA... subsidiariamente em relação à associação AL... e eles solidariamente entre si e a a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P. a quantia total de € 10.111,81 (dez mil cento e onze euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis às obrigações civis, desde a data limite de entrega das referidas contribuições e até integral pagamento;
-Manter, nos seus precisos termos, a decisão recorrida.
- Não há lugar a tributação.

Lisboa, 02-12-2014.

Ana Sebastião

Maria Margarida Bacelar