Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
224/15.6YHLSB.L1-2
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: MARCAS
DISTINÇÃO
SINAL DISTINTIVO
LINGUAGEM COMUM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A marca representa o sinal distintivo, que serve para identificar o produto ou serviço apresentado ao consumidor, visando essencialmente estabelecer uma relação entre o produto ou serviço e determinado agente económico.
II. Na constituição da marca, prevalece o princípio da liberdade, de modo que o sinal pode ser composto livremente, designadamente mediante diversas combinações de elementos.
III. Essa liberdade não é absoluta e comporta limites.
IV. O uso da marca, com elementos meramente descritivos, é insuficiente para afirmar o caráter distintivo, quando não permite estabelecer, imediatamente, uma ligação direta entre o produto e quem o comercializa.
V. Não pode monopolizar-se o uso de elementos meramente descritivos, com prejuízo para a livre concorrência no mercado.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I – RELATÓRIO:



Associação Portuguesa de Editores e Livreiros requereu, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o registo da marca nacional n.º 512 241 – “Feira do Livro do Porto”, destinada a assinalar produtos das classes 35.ª e 41.ª, o qual foi recusado.

Inconformada com essa decisão, a Requerente recorreu para o 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual, que, por sentença de 22 de julho de 2015, negou provimento ao recurso.

Não se conformando, também, com a sentença, a Requerente apelou, formulando essencialmente as seguintes conclusões:

a) A marca “Feira do Livro do Porto”, embora composta por elementos descritivos, adquiriu um significado secundário, em consequência do uso.
b) É aplicável a parte final do n.º 2 do art. 223.º do CPI e, consequentemente, o n.º 3 do art. 238.º do mesmo diploma.
c) A marca é apta e capaz de identificar e diferenciar os produtos que visa oferecer ao mercado, permitindo ao consumidor reportá-los à sua verdadeira origem empresarial.
d) A marca tem vindo a ser usada pela Recorrente desde 1931.
e) A existência do certame anual e a respetiva identificação do mesmo com a marca “Feira do Livro do Porto” consubstanciam factos notórios, para efeitos do art. 412.º do CPC.
f) O sinal não se confunde com quaisquer outras “Feiras do Livro”, que possam ser organizadas por outras entidades.
g) Um exemplo em tudo idêntico está na marca “Caixa” para os serviços bancários.
h) A Recorrente tem vindo, em conjunto com a marca “APEL”, a usar a marca “Feira do Livro do Porto”, de forma reiterada e intensa, investido todos os anos em promoção e publicidade à marca junto dos consumidores.
i) Por esses motivos, o sinal que originariamente estava desprovido de capacidade distintiva passou a poder desempenhar a função típica das marcas, a função indicativa de proveniência, adquirindo assim uma distinção superveniente.
j) Deve, pois, ser concedido o registo da marca requerida.

Pretende a Requerente, com o provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida, com o registo da marca nacional n.º 512 241 – “Feira do Livro do Porto”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em discussão, essencialmente, o registo da marca nacional “Feira do Livro do Porto”.


II – FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 2 de abril de 2013, a Requerente apresentou no INPI o pedido de registo, como marca, do sinal nominativo “Feira do Livro do Porto”, nas seguintes classes: 35.ª: “promoções de vendas, organização de exposições, feiras ou eventos com fins comerciais ou de publicidade, difusão de material publicitário (impressos, folhetos e prospetos)”; 41.ª: “atividades culturais, nomeadamente exposições, feiras ou eventos com fins culturais”.
2. Este pedido foi publicado no Boletim da Propriedade Intelectual, tendo decorrido o prazo, para reclamação, sem que fosse apresentada, por terceiros, qualquer oposição ao registo do sinal como marca.
3. No dia 10 de dezembro de 2013, o INPI proferiu um despacho de recusa provisória do pedido de registo do sinal, com fundamento na falta de capacidade distintiva do sinal, nos termos do art. 223.º n.º 1, alínea c), do CPI.
4. Por discordar da decisão do INPI, a Requerente respondeu a esta decisão no dia 10 de fevereiro de 2014.
5. No dia 15 de abril de 2015, o INPI decidiu recusar definitivamente o registo como marca do sinal “Feira do Livro do Porto”, decisão que foi publicada no Boletim da Propriedade Industrial no dia 20 de abril de 2015.

***

2.2. Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, das quais emerge a questão da recusa do registo da marca, nomeadamente por falta de capacidade distintiva, não deixando, porém, de se observar que a apelação coincide, quase integralmente, com o recurso interposto da decisão do INPI.

A propriedade industrial, no âmbito da qual se destaca o instituto da marca, desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza.

A liberdade de concorrência dos agentes económicos, para corresponder ao que socialmente se deseja, tem de ser ordenada ou regulada por regras jurídicas. Esta regulação é feita, especialmente, mediante a atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva, ou não, certas realidades imateriais e a imposição de deveres com um sentido de procedimento honesto.

É no âmbito da primeira que se inscrevem os chamados direitos privativos da propriedade industrial, onde, designadamente, se insere a figura da marca – artigos 222.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial (CPI).

A marca, como é reconhecido, foi ganhando tal relevância, que há quem a considere como um instrumento estratégico das empresas, quer no mercado nacional quer no mercado internacional, constituindo um bem tão valioso quanto o produto ou serviço correspondente (Marcas & Patentes, Ano XVI, n.º 2, pág. 16 e 17).

A marca representa o sinal distintivo, que serve para identificar o produto ou serviço apresentado ao consumidor, constituindo, a bem dizer, o “bilhete de identidade” do produto ou serviço, e visando essencialmente estabelecer uma relação entre o produto ou serviço e determinado agente económico, independentemente da individualização concreta deste (CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, 1997, págs. 39 e 40).

Na constituição da marca, prevalece o princípio da liberdade, de modo que o sinal pode ser composto livremente, designadamente mediante diversas combinações de elementos (art. 222.º do CPI).
Essa liberdade, no entanto, não é absoluta e comporta limites.

Os limites podem ser intrínsecos, respeitantes aos sinais em si mesmo considerados e à suscetibilidade de constituírem uma marca, e extrínsecos, referentes aos sinais confrontados com outros anteriores (CARLOS OLAVO, Ibidem, págs. 44 e 45).

No âmbito dos últimos, vigora o princípio da novidade ou da especialidade, segundo o qual a marca “há de ser constituída por forma tal que não se confunda com outra anteriormente adotada para o mesmo produto ou semelhante” (FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, I, 1973, pág. 327).

Descrito, sumariamente, o quadro geral do regime jurídico da marca, analisemos o caso sub judice, no qual está em causa o registo da marca nacional “Feira do Livro do Porto”, recusado por falta de capacidade distintiva, nomeadamente nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 223.º do CPI.

A sentença recorrida reiterou o entendimento da entidade administrativa competente, acabando por negar provimento ao recurso interposto da decisão que recusara o registo da marca.

A marca nominativa “Feira do Livro do Porto”, como a própria Apelante reconhece, é composta apenas por elementos meramente descritivos, porquanto se limitam a indicar o evento e o local da sua realização. A mera descrição é impeditiva da marca revestir caráter distintivo, contrariando a sua essência e função principal, a distinção de produtos e serviços.

Por isso, de forma expressa, a lei não admite o seu registo (arts. 223.º, n.º 1, alíneas a) e c), e 238.º, n.º 1, alínea c), do CPI). 
   
Por outro lado, e ao contrário do que se alega, o uso da marca pela Apelante, desde há anos, não lhe atribui eficácia distintiva, não servindo para identificar a entidade que apresenta o produto, pois, sem a conjugação de outros dados, não é possível estabelecer uma relação direta e imediata da marca com a Apelante.

É intuitivo que o exemplo da “Caixa” para os serviços bancários, trazido à colação, não tem qualquer comparação, porquanto o uso daquela marca é muito mais intensivo, quer em termos de produtos ou serviços, quer em termos de mercado, extensível a todo o País, e, periodicamente, acompanhado ainda de fortes campanhas publicitárias.

Neste caso, a marca “Caixa”, não obstante o seu caráter meramente descritivo, com o uso intensivo e territorialmente alargado, adquiriu claramente eficácia distintiva no mercado, logrando alcançar a essência da marca.

Ora, o uso da marca “Feira do Livro do Porto”, com prática mais rara (anual) e territorialmente mais restrita, é insuficiente para afirmar o caráter distintivo, pois não permite estabelecer, imediatamente, uma ligação direta entre o produto e quem o comercializa, sendo certo ainda que o evento da “Feira do Livro” ocorre ainda noutras localidades do País.

Não sendo possível identificar o produto como provindo da Apelante, tal marca não corresponde à função distintiva que, conceitualmente, se lhe exige.

Por consequência, não obstante o uso, a marca não adquiriu caráter distintivo, não sendo aplicável o disposto no n.º 3 do art. 238.º do CPI.
  
Por outro lado, sendo a marca “Feira do Livro do Porto” constituída por elementos meramente descritivos, não pode a Apelante capturar ou monopolizar o uso de tais elementos, em detrimento dos restantes comerciantes, com prejuízo para a livre concorrência no mercado (art. 223.º, n.º 2, do CPI).

Deste modo, sufragamos, novamente, a jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de março de 2003, sobre a marca “Feira do Livro de Lisboa” (processo n.º 9 463/02-2).
 
Nos termos descritos, não relevando as conclusões, improcede o recurso e confirma-se a sentença recorrida.

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. A marca representa o sinal distintivo, que serve para identificar o produto ou serviço apresentado ao consumidor, visando essencialmente estabelecer uma relação entre o produto ou serviço e determinado agente económico.
II. Na constituição da marca, prevalece o princípio da liberdade, de modo que o sinal pode ser composto livremente, designadamente mediante diversas combinações de elementos.
III. Essa liberdade não é absoluta e comporta limites.
IV. O uso da marca, com elementos meramente descritivos, é insuficiente para afirmar o caráter distintivo, quando não permite estabelecer, imediatamente, uma ligação direta entre o produto e quem o comercializa.
V. Não pode monopolizar-se o uso de elementos meramente descritivos, com prejuízo para a livre concorrência no mercado.

2.4. A Apelante, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.

III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se:

1) Negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
2) Condenar a Apelante (Requerente) no pagamento das custas.


Lisboa, 19 de novembro de 2015


(Olindo dos Santos Geraldes)
(Lúcia Sousa)
(Magda Geraldes)
Decisão Texto Integral: