Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
641/15.1T8LSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: TRANSPORTE RODOVIÁRIO
TEMPO DE TRABALHO
TEMPO DE DISPONIBILIDADE
TRABALHADORES MÓVEIS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: I–O Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, assim como o Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, que alterou o regulamento n.º 3821/85, de 20 de dezembro, ainda que com algumas ambiguidades, parecem radicar, objetivamente, o seu regime nos transportes rodoviários efetuados por viaturas individualizadas e com vista a salvaguardar a saúde e segurança dos motoristas que efetivamente conduzem tais veículos de mercadorias ou passageiros dentro do território nacional (e de forma indirecta, a segurança e saúde dos respetivos passageiros e de terceiros que com eles se cruzem), sendo a partir desses elementos materiais e jurídicos em concreto que se definem os requisitos de aplicação desse conjunto normativo aos chamados e aí definidos «trabalhadores móveis».

II–Não faz sentido pugnar pela aplicação de tal regime em termos globais e a todos os trabalhadores de uma entidade empregadora simplesmente pela circunstância desta última desenvolver, ainda que pontual ou minoritariamente, transportes que cabem dentro da previsão legal e comunitária aqui em apreço, assim fazendo cumprir o mesmo relativamente a motoristas que nunca fazem viagens com um percurso em linha superior a 50 quilómetros ou só o façam ocasional ou eventualmente.

III–Para quem contraponha que uma tal interpretação do regime legal e comunitário em questão cria problemas acrescidos de gestão e organização dos tempos de trabalho dos seus motoristas às entidades empregadoras que desenvolvam a sua atividade no sector económico visado por aquele, pois terão de chamar à colação para conjuntos diferentes de trabalhadores ou até para os mesmos assalariados dois tipos de normas distintos – um de cariz especial, como o daqueles diplomas normativos e outro de índole geral (CT/2009) -, cumulando ambos neste último grupo de motoristas, dir-se-á que nada resulta da lei que impeça uma tal cumulação que, para mais, reflete a natureza concreta e efetiva do trabalho de condução que está a ser praticado e não parece impor à empresa Ré um acrescido esforço de execução, em termos práticos, logísticos, administrativos e de planificação das carreiras existentes com mais de 50 km de percurso em linha (4 neste momento mas que se poderão alargar a 15, de acordo com a factualidade dada como assente).

IV–Em termos de repartição de ónus de alegação e prova, competia ao Sindicato Autor demonstrar que os trabalhadores, seus associados que tripulam os veículos de transporte de passageiros da Ré não estavam abrangidos pelo referido regime especial do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, assim como o Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março.

V–Do confronto entre o número total de horas de trabalho que os trabalhadores associados do Sindicato Autor realizam em 5 dias úteis x 40 horas de trabalho (20.000) com aquelas que semanal e presumivelmente poderiam ser feitas naquelas 4 carreiras (672 horas), é óbvio que estas últimas traduzem uma expressão ínfima ou bastante menor de toda a atividade rodoviária da Ré que, assim e obrigatoriamente, se dedica maioritariamente (essencialmente?) a desenvolver e a explorar percursos que são necessariamente inferiores a 50 quilómetros em linha, saindo tal cenário reforçado pela área relativamente vasta e muito povoada que é servida regularmente pelos autocarros da Ré e que impõem, indiscutivelmente, um número de linhas muito superior aquelas 4 que acima evidenciámos.

VI–Sustentar que deve ser aplicado de forma uniforme e total o aludido regime especial a todos os motoristas e demais trabalhadores móveis da Ré é irrazoável, injustificado e desproporcionado, configurando assim da parte da entidade empregadora uma situação de abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil).

VII–Estava a Ré juridicamente obrigada a aplicar a todos os motoristas associados na Ré, sem distinção entre a sua qualidade de «trabalhador móvel» ou não, a regulamentação coletiva reguladora dos tempos de trabalho e da remuneração diferenciada dos mesmos.

VIII–Ao adotar, ao fim de 6 anos e 9 meses de uma prática oposta consistente e continuada, tal súbito e inesperado comportamento de alteração da forma como considerava o tempo de trabalho dos motoristas da empresa (v.g. o chamado «tempo de disponibilidade»), com a inerente quebra de retribuição e marcação de faltas injustificadas aos trabalhadores que se recusavam a cumprir o novo regime de tempo de trabalho que lhes foi imposto unilateral pela empresa, a Ré incorreu, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, numa situação de abuso de direito.

IX–Tal instituto do abuso de direito é também aplicável aos trabalhadores «genuinamente móveis» (aqui querendo-nos referir aos que faziam as 4 carreiras com mais de 50 Km de percurso em linha) pois também quanto a estes a Ré nunca lançou mão do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, tendo-os tratado de forma igual aos demais.

X–O Sindicato Autor, para efeitos do n.º 3 do art.º 829.º-A do Código Civil, não é o credor dos créditos laborais sobre os quais poderão incidir os juros de mora na percentagem de 5% do n.º 4 dessa mesma disposição legal e também não aguarda da parte da Ré o desenvolvimento de qualquer conduta suplementar que complete ou complemente a declaração de ilicitude da referida prática da aqui recorrida, não lhe sendo, por tal motivo, devida a pretendida sanção pecuniária compulsória de 5.000,00 Euros por cada dia de incumprimento por parte da Ré do determinado pelo tribunal.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I–QUESTÃO PRÉVIA – EXTEMPORANEIDADE DO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO.

A Ré e recorrida vem, no início das suas alegações de recurso e depois, nas correspondente conclusões, suscitar a seguinte questão prévia:

«NÃO IMPUGNAÇÃO VÁLIDA E EFICAZ DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
  
«1–O presente recurso vem feito da decisão prolatada pelo respetivo Juiz a quo em 19.05.2017, tendo as respetivas Alegações do Apelante dado entrada nos autos no dia 28.06.2017, isto é, muito para além dos vinte dias previstos pelo art.º 80.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (CPT), para tal desiderato.

2–Não descurando a Apelada que ao prazo de vinte dias, poderá acrescer mais dez dias, caso o recorrente pretenda e venha impugnar a decisão sobre a matéria de facto e o seu recurso tenha, pois, por objeto a reapreciação da prova gravada (vide art.º 80.º, n.º 3 CPT).

3–No entanto, não será o caso do recurso do ora Apelante. Da análise perfunctória das respetivas Alegações de recurso, constata-se, desde logo, que em nenhum lugar pelo Apelante é referido, ou para além do mais inferido, que o respetivo recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada.

4–Ainda que por qualquer razão se pudesse entender que o recurso teve alguma vez por objeto a reapreciação de prova gravada, resulta apodítico que as breves menções efetuadas nas alegações sobre a matéria de facto, não cumprem quaisquer dos requisitos impostos pelo art.º 640.º e 662.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC).

5–O Apelante não especificou, os concretos pontos da matéria de facto que considerava incorretamente julgados, como também não especificou, em decorrência, que outra decisão diversa merecia os pontos concretos da matéria de facto julgada pela 1.ª instância, nem sequer alguma vez requereu que a matéria de facto dada como provada nos autos deveria ser alterada, e muito menos mencionou quais os pontos da sobredita matéria de facto tida como incorretamente julgada pelo Tribunal a quo.

6–Quando se impugna a matéria de facto, impõe-se o ónus, para além do mais que acima se enumerou, de indicar os depoimentos em que se funda, devendo necessariamente fazê-lo mediante referência para o assinalado na ata, nos termos do n.º 2 do art.º 155.º-C do CPC, o que também não sucedeu.

7–Requer a V. Exas que decidam não ser de conhecer do recurso interposto, por terem sido apresentadas fora de prazo as respetivas alegações, dado que, não tendo o recurso por objeto a reapreciação da prova gravada e/ou o Apelante impugnado validamente a decisão de facto, não podia esta, por óbvio, beneficiar do acréscimo de prazo previsto no n.º 2 do art.º 80.º do CPT.»

O Autor e recorrente, tanto quanto nos apercebemos dos elementos constantes dos autos, não respondeu a tal questão prévia.

O relator do presente recurso não se pronunciou expressa e diretamente sobre tal problemática no despacho tabelar e liminar, impondo-se fazê-lo neste momento e previamente à prolação do Aresto que julgará o objeto da Apelação, sob pena de se verificar uma situação de omissão de pronúncia. 

Cumpre decidir.
*

Entende a Apelada que a Apelação interposta pelo AAA o foi fora de prazo, dado a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto não cumprir com os requisitos impostos pelo artigo 640.º do NCPC.

Ora, salvo melhor opinião, tal tese não encontra no regime legal adjetivo aplicável cobertura suficiente (para não dizer, mínima) que o suporte e justifique, pois uma realidade é o cenário que os presentes autos evidenciam (uma genuína impugnação fática da sentença da 1.ª instância, ainda que deficientemente formulada) e outra, qualitativamente diversa (e que é, aliás, de verificação rara ou extraordinária, convirá dizê-lo) é uma falsa ou uma mera aparência de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto que, depois de devidamente analisada e ponderada, se conclui não passar disso mesmo: de um arremedo formal, seco de corpo, sem substância visível ou mesurável e fraudulento na intenção recursória, que consente desde logo ao juiz rejeitar liminarmente, por ser manifesto o propósito subjacente que é o de aproveitar o aumento do prazo para interpor o dito recurso, a Apelação em causa por extemporânea (ou seja, por a oposição da parte ter sido deduzida no prazo de 30 dias ao invés de ser apresentada no prazo-regra de 20 dias, de acordo com o número 1 do artigo 80.º do CPT).

Na sessão do dia 8/11/2017, o relator deste Aresto subscreveu, como 2.ª Adjunto, o Acórdão proferido em conferência, no âmbito do Processo n.º 6428/16.7T8LSB.L1, pelo Juiz-Desembargador Leopoldo Mansinho Soares, em que foi decidida favoravelmente uma reclamação da Decisão Sumária originalmente proferida pelo Juíza-Desembargadora a quem foi distribuído originalmente a Apelação em questão e onde tinha sido adotada uma posição próxima da sustentada pela aqui Ré nas suas contra-alegações de recurso.

Pode ler-se, em termos de fundamentação de tal Aresto, o seguinte:
«Cumpre, pois, proceder à conferência.
E, salvo o devido respeito por opinião diversa, afigura-se-nos que o recurso é de admitir.
É que examinado o recurso afigura-se-nos que das alegações e conclusões de recurso constam todos os elementos que nos permitem considerar que o mesmo é tempestivo, uma vez que a recorrente/Autora beneficia da extensão de prazo de 10 dias que lhe é conferida pelo n.º 3.º do artigo 80.º do CPT/2010.

In casu, a alínea N) da matéria dada como provada tem o seguinte teor:
N)–Através da proposta referida em I), o Dr. (…) pretendeu promover a autora ao nível imediatamente superior ao que a mesma detinha e conceder-lhe aumento retributivo traduzido em mais uma hora de isenção de horário de trabalho, para premiar o mérito do trabalho por ela desenvolvido. 

Ora, decorre das alegações de recurso que a recorrente pretende que seja dado como provado o seguinte facto:
“A atribuição de um nível salarial superior acrescido da segunda hora de isenção de horário de trabalho constituiu uma verdadeira promoção.”

Ali se refere expressamente:
“Neste sentido, considerando estas declarações, da sentença deveria também constar o seguinte facto provado, já que, da prova realizada resultou:

Facto provado:
A atribuição de um nível salarial superior acrescido da segunda hora de isenção de horário de trabalho constituiu uma verdadeira promoção.” – fim de transcrição.

Por outro lado, funda tal pretensão – atinente evidentemente à impugnação da matéria de facto – no seguinte:
“Com efeito, e desde logo, o Dr…, Presidente do Conselho de Administração e superior hierárquico direto da Recorrente, manifestou expressamente, no seu depoimento, que pretendeu real e objetivamente promover a Recorrente ao nível imediatamente superior ao que a mesma detinha e, consequentemente, conceder-lhe aumento retributivo condizente com a promoção.

Vejamos, o que a este propósito, confirmou a referida testemunha, aos 5 minutos e 39 segundos do seu depoimento:
Advogado da Autora: (...)?
Testemunha: (…) [1]

Neste sentido, considerando estas declarações, da sentença deveria também constar o seguinte facto provado, já que, da prova realizada resultou:

Facto provado:
A atribuição de um nível salarial superior acrescido da segunda hora de isenção de horário de trabalho constituiu uma verdadeira promoção.” – fim de transcrição.
Salienta-se que em sede conclusiva a recorrente consignou:
“2–Da decisão proferida pelo Tribunal a quo resultam assim incorretamente interpretados os factos provados, designadamente o facto provado W.
3–O Dr., Presidente do Conselho de Administração e superior hierárquico direto da Recorrente afirmou no seu depoimento, que pretendeu promover a Recorrente ao nível imediatamente superior ao que a mesma detinha e conceder-lhe aumento retributivo condizente com a promoção.
4–Como tal, deve ser acrescentado o seguinte facto provado:A atribuição da segunda hora de isenção de horário de trabalho constituiu uma verdadeira promoção.” - fim de transcrição.
Ou seja, com todo o respeito por opinião diversa, quer das alegações quer das conclusões de recurso decorre que um dos fundamentos é a impugnação da matéria de facto com base em reapreciação prova gravada.
Como tal, no caso concreto, logra aplicação cumulativa o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 80.º do CPT/2010.
Argumentar-se-á – e é certo - que o recurso neste particular não se mostra modelarmente interposto.

Basta pensar nas seguintes afirmações que dele constam:
“Restringe-se o presente recurso à decisão da matéria de facto da douta sentença relativa ao peticionado nas alíneas a), b) e c) do pedido deduzido na Petição Inicial.” – fim de transcrição.
“Restringe-se assim o presente recurso à decisão da matéria de facto da sentença a quo relativa ao peticionado nas alíneas a), b) e c) do pedido deduzido na Petição Inicial que, para melhor perceção desse Venerando Tribunal se transcrevem:
a)- Ser a Recorrida condenado no pagamento do valor de € 13.310,40, vencido a título de segunda hora de isenção de horário de trabalho, de Dezembro de 2011 à presente data, incluindo subsídios de férias e Natal;
b)- Ser a Recorrida condenada no pagamento de juros à taxa legal relativamente a tal quantia, desde Dezembro de 2011;
c)- Ser a Recorrida condenada no pagamento das prestações vincendas correspondentes à segunda hora de isenção de horário de trabalho;
No caso, conjugada a prova documental com a produzida em julgamento, verifica-se que a sentença é contrária à prova produzida, constatando-se assim erro na apreciação da prova produzida e consequente erro de julgamento, por violação do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 607.º do CPC.” – fim de transcrição.

Porém, da análise conjugada das alegações e conclusões de recurso, em nosso entender, salvo melhor opinião, sempre resulta subjacente a intenção (algo imperfeitamente concretizada; convenha-se….) da intenção da recorrente de recorrer da matéria de facto com base em reapreciação prova gravada.
E nem se esgrima nesta fase de pura e simples admissão ou não do recurso (com base na respetiva tempestividade ou não) com o teor literal da matéria que se pretende ver aditada; sendo certo que não se desconhece que a matéria apurada apenas deve conter factos e não conclusões ou afirmações de direito…
É que, a nosso ver, não é este o momento para se apreciar o recurso em termos de fundo, de mérito.

Tal como se refere em aresto do STJ, de 26-11-2015, proferido no âmbito do processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S1, n.º Convencional: 4.ª Secção, Relator Conselheiro António Leones Dantas (acessível em www.dgsi.pt):
 “1–As exigências decorrentes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil têm por objeto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objeto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 639.º do mesmo código.
2−Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações. 
3–Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
4–Interposto recurso de apelação, visando, para além do mais, a impugnação da matéria de facto fixada na decisão recorrida, no prazo a que se refere o n.º 3 do artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho, demonstradas na fundamentação das alegações e nas conclusões respetivas as razões subjacentes a essa interposição, o eventual não cumprimento integral das exigências formais das conclusões, previstas no artigo 640.º do mesmo código, não retira a tempestividade ao recurso interposto, pelo que o Tribunal sempre terá de conhecer da parte restante do respetivo objeto.” – fim de transcrição.

E no mesmo sentido, em nosso entender, aponta acórdão do STJ, de 28-04-2016, proferido no âmbito do processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, n.º Convencional: 2.ª Secção, Relator Conselheiro Abrantes Geraldes (acessível em www.dgsi.pt) que logrou o seguinte sumário:
“1.–Deve considerar-se satisfeito o ónus de alegação previsto no art.º 640.º do CPC se o recorrente, além de indicar o segmento da decisão da matéria de facto impugnado, enunciar a decisão alternativa sustentada em depoimento testemunhal que identificou e localizou.
2.–Na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art.º 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
3.–A extensão do prazo de 10 dias previsto no art.º 638.º, n.º 7, do CPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objeto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.
4.–Tendo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art.º 640.º, n.º 1, do CPC” – fim de transcrição.

Ora, com respeito por melhor opinião, se assim é nesses casos também é no nosso em que a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada ainda que algo imperfeitamente expressa (o que se dá de barato…) pode perfeitamente inferir-se das alegações e conclusões de recurso.
Dir-se-á, sento argumento relevante e pertinente, que tal entendimento é suscetível de abrir portas a abusos, nomeadamente a recursos da matéria de facto (que aprioristicamente se afiguram patentemente infundados) com base na reapreciação de prova gravada única e exclusivamente motivados pelo intuito de o recorrente poder beneficiar do prazo suplementar de 10 dias para a respetiva interposição.
Porém, uma coisa é o recurso ter sido apresentado dentro do prazo e outra a sua apreciação de mérito.
São fases distintas.
Argumentar-se-á também que no caso concreto a matéria que se pretende ver aditada é jurídica conclusiva.
Contudo, também este juízo é de mérito.

Efetivamente, como se refere no supra citado Ac. do STJ, de 26-11-2015, proferido no âmbito do processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S1, n. Convencional: 4.ª Secção, Relator Conselheiro António Leones Dantas:
“Por um lado, o alargamento do âmbito da apelação à impugnação da matéria de facto, alargamento esse que justifica a extensão do prazo prevista no n.º 3 do artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho, extensão usada pelo recorrente para a interposição do recurso, e, por outro lado, o conhecimento do recurso em matéria de facto, questão que nada tem a ver com a tempestividade do recurso, mas apenas com o conhecimento do respetivo objeto.” – fim de transcrição.

Aliás, a não ser assim estava aberta a porta a rejeições análogas baseadas no objeto do recurso em sentido estrito.
Suponha-se que determinada parte recorre da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada (estando observados todos os requisitos formais para o efeito) pretendendo que sejam dados como provados determinados factos (em sentido estrito jurídico) que patentemente são irrelevantes para a decisão causa (embora o recorrente sustente o inverso).
Será que neste caso o recurso também deve ser rejeitado por intempestivo?
A resposta é negativa, porque tal juízo (assim como o de que determinado facto é conclusivo ou contém em si conceitos de direito) também é de mérito.
Por todos estes motivos, com total respeito por opinião diversa, entende-se que não cumpre rejeitar o presente recurso por intempestivo (recorde-se que as notificações da sentença foram expedidas em 09.01.2017 (Certificação CITIUS), considerando-se feita a notificação no terceiro dia subsequente, ou seja, em 12.01.2017 e que 09.02.2017, a Autora recorreu, sendo que para recorrer dispunha de 20 dias + 10 dias) e consequentemente irá determinar-se a sua admissão.».

Ora, tendo como pano de fundo a argumentação jurídica em tal Acórdão e que se suporta em jurisprudência consistente e coerente emanada do STJ, não vemos razão para rejeitar o recurso de Apelação do Autor, por extemporâneo (tudo sem prejuízo da posterior apreciação em sede de Acórdão propriamente dito da reunião dos requisitos mínimos do artigo 640.º do NCPC no que toca à referida impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto).
Notifique.                            
*

II–RELATÓRIO:

AAA, pessoa coletiva n.º (…) e com delegação na (…) Lisboa veio em 08/01/2015, propor a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra BBB, SA, pessoa coletiva n.º (…)  e com sede na Rua (…), pedindo, em síntese, o seguinte:
«a)- A declarar a nulidade do conceito e da aplicação dos tempos de disponibilidade nos horários de trabalho a que estão sujeitos os trabalhadores da Ré, associados do Autor;
b)- Em consequência, ser a Ré condenada a efectuar o pagamento do trabalho exigido a título de "tempo de disponibilidade" aos seus trabalhadores associados do Autor, incluindo o cálculo e o valor, como trabalho suplementar efectivamente prestado, incluindo a respectiva discriminação nos recibos de remuneração, a partir do dia 1 de Maio de 2014;
c)- A revogar do registo individual de cada associado do Autor todas as faltas injustificadas dadas na sequência da não-aceitação da imposição do tempo de disponibilidade.
d)- A proceder à revogação de todas as sanções disciplinares do registo individual de cada associado do Autor, que tenham tido ou venham a ter origem em faltas injustificadas dadas na sequência da não-aceitação da imposição do «Tempo de Disponibilidade»;
e)– Ser a Ré condenada, na quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) ao Autor, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia a contar da citação em que a Ré, por qualquer forma, se abstenha ou viole o peticionado nas alíneas a) a d) do peditório, bem como em custas e condigna procuradoria.»
*

Para fundamentar a sua pretensão, o Autor alega, muito em síntese, que a Ré a partir de 01/03/2014 passou a aplicar o tempo de disponibilidade aos seus motoristas de serviço público e associados do Autor, invocando para tal o disposto no Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho.

O Autor, no entanto, considera injustificada a aplicação de tal conceito aos seus associados por entender que não se verificam os requisitos de que a lei o faz depender.

A Ré passou a considerar faltas injustificadas todas as recusas de prestação de serviço para além do tempo normal de trabalho.

Deste modo, a Ré apenas pretende descaracterizar trabalho suplementar que anteriormente pagava aos motoristas associados do Autor.

Sustenta que o referido Decreto-Lei só se aplica a quem for aplicável o Regulamento (CE) n.º 561/2006, dos quais estão excluídas as carreiras de transportes efectuadas, por não excederem os 50 km de percurso em linha.
*

Foi agendada data para a realização da Audiência de Partes (despacho de fls. 53), tendo a Ré sido citada para o efeito, por carta registada com Aviso de Recepção, como resulta de fls. 56 e 59.

Mostrando-se inviável a conciliação das partes (fls. 58), a Ré, que foi notificada para contestar a ação, veio a fazê-lo, em tempo devido e nos termos de fls. 61 e seguintes, onde, muito em síntese e por impugnação, alega que exerce a actividade de transporte público rodoviário de passageiros e que realiza serviços regulares de passageiros cujo percurso de linha é superior a 50 quilómetros, sendo que no período de ponta da manhã e no período de ponta da tarde tem de empregar todos os motoristas e todos os autocarros disponíveis e que fora destes períodos de ponta apenas necessita de afectar entre 40% a 60% dos seus motoristas e autocarros, dependendo da hora e da zona de tráfego.

Alega ainda que sempre remunerou aos motoristas todas as horas compreendidas entre o início e o termo do horário de trabalho, ressalvados os intervalos de refeição, pagando-lhe as primeiras oito horas pelo valor normal e as horas seguintes com os acréscimos previstos para a remuneração do trabalho suplementar, mesmo que entretanto tenham ocorrido períodos durante os quais ele não exerceu, nem lhe foi solicitada, qualquer actividade.

Afirma que durante esses períodos os motoristas não estão obrigados a permanecer nas instalações da Ré, mas sabem que poderiam ser chamados para ocorrer à realização de qualquer serviço que não estivesse previsto, pelo que tais períodos de inactividade devem ser qualificados como tempos de disponibilidade.

Em seu entender, tal “tempo de disponibilidade” aplica-se a todos os trabalhadores móveis afectos ao transporte de passageiros em qualquer tipo de serviço uma vez que possui percursos superiores a 50 km em linha.
*

Foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da ação - € 30.001,00 -, não se determinou a realização da Audiência Preliminar, considerou-se válida e regular a instância, definiu-se o objeto do litígio e dispensou-se o estabelecimento dos temas de prova, admitiu-se os róis de testemunhas das partes [[2]] e manteve-se, de forma implícita, a data da Audiência de Discussão e Julgamento,que já havia sido marcada em Audiência de Partes[[3]].

Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento com observância do normal formalismo, tendo a prova aí produzida sido objeto de gravação (cf. Atas de fls. 173 a 177 e 355 a 358).

Na Ata da 1.ª Sessão de Audiência de Discussão e Julgamento, realizada no dia 12/10/2016, foi declarada a extinção parcial da instância quanto aos pedidos formulados sob as alíneas a) e b) do Petitório Final do articulado inicial do Autor, no período temporal de junho de 2016 (inclusive) em diante [[4]].    

Foi então proferida a fls. 356 a 373 e com data de 19/05/2017, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
“Nestes termos, tendo presente as considerações tecidas e as normas legais citadas, decide-se julgar improcedente a ação, absolvendo a Ré do peticionado.
Custas a cargo do Autor.
*
Registe e notifique.”
*

O Autor AAA, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 383 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 442 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*

O Apelante apresentou, a fls. 385 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
“1.–Vem o presente recurso interposto pela Autora Recorrente, da decisão que declara improcedente o pedido de declarar a nulidade do conceito e da aplicação dos tempos de disponibilidade nos horários de trabalho a que estão sujeitos os trabalhadores da Ré, associados do Autor e consequentes pagamentos dos alegados tempos de disponibilidade, incluindo o cálculo e o valor como trabalho suplementar efetivamente prestado e bem assim a sua descriminação nos recibos de vencimento.
2.–A ora recorrida com a aplicação dos designados tempos de disponibilidade apenas pretende desvirtuar a realização do trabalho suplementar em claro prejuízos dos seus motoristas e associados da recorrente.
3.–Em primeiro logrou a Autora, ora recorrente provar que existem tempos de disponibilidade de 20, 25 minutos, bem assim como são os mesmos efetuados em locais em que os trabalhadores não recuperam a sua disponibilidade, por se tratarem de sítios ermos.
4.–Resultou evidente que o tempo em que os motoristas são colocados em tempo de disponibilidade não corresponde a tal na verdade, uma vez que, nunca deixam e estar ao serviço da empresa, não se concebendo que possa a recorrente aceitar que os tempos de disponibilidade sejam encarados senão com a limitação que os trabalhadores possam ser chamados, e não por limitações geográficas impostas pela empresa.
5.–Mais não pode a ora recorrente conceber que num universo de 190 carreiras, em que apenas 4 têm percurso de linha superior a 50kms, seja suficiente para aplicação do conceito de tempo de disponibilidade, mais uma vez, não podendo deixar de concluir que possa pela empresa ser aplicada uma norma que vem alterar e baixar a remuneração dos seus trabalhadores, descaracterizando o trabalho suplementar por estes prestado.
6.–O Acórdão recorrido não enquadra corretamente o conceito de “tempo de disponibilidade” uma vez que não o considera como tempo de trabalho na base da argumentação que no caso concreto este lapso temporal não é passado nas instalações da empresa.
7.–Salvo o devido respeito não é essa a interpretação conforme ao artigo 197.º do Código de Trabalho, nem tão pouco à legislação europeia e mais recente jurisprudência dos Tribunais Superiores (cfr.)
8.–Na verdade, independentemente do período em causa não ser passado na empresa, a verdade é que no caso concreto o trabalhador não se pode deslocar fora do raio de atuação desta, nem o tempo pode ser utilizado para realizar qualquer atividade extra profissional, atendendo ao local em que se situam as instalações da empresa (cfr. artigo 197.º, n.º 2 alínea d))
9.–Pelo que os trabalhadores representados pela recorrente não podem ser privados da remuneração durante esse período em que se encontram afetos à atividade da empresa e nas imediações desta.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá ser julgado procedente, o recurso apresentado pela ora recorrente, alterando-se a douta sentença em conformidade com o então requerido. Assim decidindo farão V. Exas. a Acostumada Justiça!”
*

A Ré apresentou contra-alegações dentro do prazo legal e formulou as seguintes conclusões (fls. 416 e seguintes):
“(…)
*

O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da procedência do recurso de Apelação (fls. 450 a 452), não tendo as partes se pronunciado acerca do mesmo, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito.

Esse parecer do M.P. tem o seguinte teor, na parte que para aqui releva:
«1.Vem o presente recurso interposto da sentença proferida a 19/05/2017 que julgando improcedente a ação em que é A. "AAA", absolveu do pedido a R. "BBB, S.A." .
1.1.Constitui o ponto essencial da pretensão do A. ora recorrente que o Tribunal declare a nulidade do conceito e a aplicação dos tempos de disponibilidade nos horários de trabalho a que estão sujeitos os trabalhadores da R. associados do A. sendo todos os restantes pedidos decorrência daquele pedido principal.

2.Contrariamente ao entendido pelo Tribunal "a quo" afigura-se-nos que o regime estabelecido pelo DL n.º 237/2007 de 19/06 não é passível de aplicação à situação que decorre dos factos provados, pelo menos com a amplitude que que a decisão recorrida admite.
Da conjugação do disposto pelos arts. 1.º do citado decreto-lei e 2.°, n.º 1 al. b) do Regulamento (CE) n. 561/2006 do Parlamento Europeu de 15/03, decorre que o normativo invocado pela R. se) tem aplicação a veículos de transporte de passageiros cujo percurso em linha ultrapasse 50 km.

Consta do ponto 13 do segmento "Factos Provados" da sentença impugnada:
" Das concessões que possui para realizar carreiras de transporte público, quinze têm um percurso que excede os 50 km de percurso em linha, embora, destas, a Ré presentemente apenas realize quatro carreiras."
Sendo assim, admitir que que o regime permitido pelo DL 237/2007 no tocante, nomeadamente ao "período de disponibilidade" se aplique universalmente e sem distinção a todos os trabalhadores e em todos os percursos que os mesmos asseguram, redundaria, indiscutivelmente, num tratamento desfavorável dos mesmos trabalhadores injustificável e, a nosso ver, contrario ao espírito e à própria letra da lei.

2.1.S.m.o. a lei só permite que o inovador regime relativo aos "tempos de disponibilidade" introduzido pelo DL 237/2007 se aplique as situações em que os trabalhadores efetivamente assegurem serviço correspondente a um percurso superior a 50 km.
Tais situações, deverão circunscrever-se, pois, aos casos em que o serviço diário dos motoristas, definido pela respetiva "chapa de serviço" (vd. ponto 33 dos factos provados) ultrapasse os 50 km.
Tudo o mais será, a nosso ver, ilegal.

3.Assim, emitimos parecer no sentido da procedência parcial do recurso conforme aos termos e limites referidos no pontos 2 e 2.1 que antecedem.»
*

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II–OS FACTOS.

O tribunal da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos nos seguintes termos:

«A.– Factos Provados
Considero provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos.
1.– O Autor é uma associação sindical representativa da classe de motoristas, que prossegue a defesa e promoção dos interesses socioprofissionais dos seus associados, e tem os seus estatutos publicados no BTE, 3.ª série, n.º 22, de 30 de Novembro de 1985, alterados nos termos da publicação in BTE, 3.ª série, n.º 7, de 15 de Abril de 1992 e BTE n.º 7 de 22 de Fevereiro de 2008.
2.– No AAA estão inscritos mais de uma centena de trabalhadores (motoristas) da Ré, que com esta celebraram contratos de trabalho e que prestam a sua atividade sob a sua Autoridade, direção e fiscalização.
3.– Estando distribuídos (afetos) por quatro Centros Operacionais os quais se enumeram: Almada, Moita, Setúbal e Seixal.
4.– O período normal de trabalho semanal dos motoristas do movimento está distribuído por cinco dias, cabendo à Ré organizar – como organiza -, as escalas de serviço diárias com os horários de cada um deles.
5.– Tais escalas de serviço são publicitadas nos locais de trabalho, em regra, com um dia de antecedência em relação às datas previstas.
6.– A partir de 1 de Março de 2014 a Ré passou a aplicar o «tempo de disponibilidade» aos seus motoristas de serviço público e associados do Autor, invocando para tal o disposto no Decreto-Lei n.º 237/2007 de 19 de Junho.
7.–O que comunicou através do escrito denominado «INFORMAÇÃO» e datado de 20/02/2014, junto a fls. 92 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «Com a publicação e entrada em vigor do Dec. Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, foi introduzido no ordenamento jurídico português o conceito de “tempo de disponibilidade”, entendendo-se como tal qualquer período durante o qual o trabalhador está dispensado de permanecer no local de trabalho, mas, ainda assim, está obrigado a prestar o trabalho em caso de necessidade. Significa isto que, embora o trabalhador não esteja obrigado a permanecer no seu posto de trabalho durante o tempo de disponibilidade, terá de estar contactável e pronto para comparecer no local de trabalho. De acordo com a lei, o tempo de disponibilidade não é considerado tempo de trabalho, cada hora de tempo de disponibilidade, que ultrapasse a duração do período normal de trabalho diário (8 h), será compensada ao valor da hora normal, acrescido de € 1,16 (um euro e dezasseis cêntimos). A partir do dia 01 de Março de 2014 o período de disponibilidade passará a ser mencionado nas chapas de serviço (…)».

8.– O Autor dirigiu à Ré a missiva junta a fls. 20-21, recebendo como resposta a missiva junta a fls. 22, documentos cujo teor se dão por integralmente reproduzidos.
9.– O Autor outorgou com a ANTROP - Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Pesados de Passageiros, de quem a Ré é associada, uma Convenção Coletiva de Trabalho, publicada no BTE 1.ª série, n.º 15 de 22 de Abril de 1989.
10.– A Ré exerce a atividade de transporte público rodoviário de passageiros em todo o território nacional e no estrangeiro, realizando indistintamente serviços regulares, serviços regulares especializados e serviços ocasionais.
11.– No que concerne aos serviços regulares (carreiras), a Ré exerce a sua atividade predominantemente na Península de Setúbal e nos concelhos de Almada, Seixal, Setúbal, Barreiro, Moita, Alcochete, Sesimbra, Palmela e Lisboa.
12.– A Ré realiza serviços regulares de passageiros, cujo percurso de linha é superior a 50 quilómetros e serviços cujo percurso de linha é inferior a 50 quilómetros, existindo motoristas que no período da manhã realizam serviços cujo percurso é superior a 50 quilómetros e que, no período da tarde, realizam serviços cujo percurso de linha é inferior a 50 quilómetros, e vice-versa.
13.– Das concessões que possui para realizar carreiras de transporte público, quinze têm um percurso que excede os 50 km de percurso em linha, embora, destas, a Ré presentemente apenas realize quatro carreiras.
14.– A atividade da Ré é marcada por pendularidade, o que significa que há uma forte concentração de meios humanos e materiais em dois períodos distintos do dia: o primeiro na ponta da manhã (06h30m/10h) e que correspondente às deslocações casa/emprego; o segundo, na ponta da tarde (16h30m/20h/30m) e que corresponde às deslocações emprego/casa.
15.– Em cada um desses períodos, a Ré é obrigada a afetar a totalidade dos meios humanos e materiais disponíveis para poder satisfazer as necessidades de transporte das populações,
16.– Fora desses períodos de ponta, a Ré apenas necessita de afetar entre 40% a 60% dos seus motoristas e autocarros, dependendo da hora e da zona de tráfego.
17.– Em 25 Janeiro de 1995 a Ré, então denominada (…) S.A., incorporou, por fusão, a sociedade denominada (…), S.A.
18.– Ao tempo dessa fusão, a Ré vinha praticando em relação a todos os seus trabalhadores as regras de organização do tempo de trabalho que tinham vigorado no âmbito da (…), quer esses trabalhadores estivessem ligados aos estabelecimentos transmitidos por ocasião da cisão, quer tivessem sido admitidos posteriormente.
19. Essas regras decorriam dos instrumentos de regulamentação coletiva que tinham vigorado na (…), a saber: o AE RN/FESTRU e o AE RN/SITRA
20.– Dentre as regras que vinham sendo seguidas na então (…), destacam-se as que se aplicavam à organização do tempo de trabalho dos motoristas, nomeadamente as que só permitiam uma única interrupção da jornada de trabalho e, ainda assim, com duração não superior a duas horas.
21.– Em 20/07/1995 a (…), S.A.. altera a denominação para BBB, S.A.
22.– A Ré celebrou um Acordo de Empresa com o SITRA — Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Afins, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 18, de 15 de Maio de 1992, com alterações publicadas no BTE’s, 1.ª Série, n.º 39, de 22 de Outubro de 1995, n.º 2, de 15 de Janeiro de 1997, n.º 22, de 15 de Junho de 1999, n.º 23 de 22 de Junho de 2000, n.º 22 de 15 de Junho de 2001, n.º 29 de 8 de Agosto de 2002.
23.– A Ré tem aplicado a todos os seus trabalhadores da empresa, incluindo aos associados do Autor, o acordo de empresa formalizado com o SITRA e publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 18, de 15 de Maio de 1992, alterado pelo BTE, 1.ª Série n.º 39, de 22 de Outubro de 1995, com sucessivas atualizações legais ao nível das tabelas remuneratórias, com todas as condições de trabalho que constavam daquele instrumento de regulamentação coletiva, nomeadamente no que respeita à duração do horário de trabalho, ao número e duração dos intervalos na jornada de trabalho e ao regime de refeições.
24.– A Ré continuou a organizar os tempos de trabalho dos seus motoristas respeitando um único intervalo na jornada de trabalho, com a duração máxima de duas horas ou, no caso dos associados do SITRA e ainda dos demais trabalhadores filiados noutros sindicatos, com a duração máxima de três horas, sendo remunerado o tempo que excedesse duas horas.
25.– Salvo raríssimas exceções, a hora de termo do trabalho diário fixada nos horários de trabalho dos motoristas ocorre sempre mais de dez horas depois da hora do início, sendo até normal a fixação de horários com amplitudes de doze horas, o que não significa que o motorista preste trabalho em todo esse período, estando inativo, em média, por períodos superiores a duas horas.
26.– A Ré remunerava, até 1/03/2014, as primeiras oito horas ao valor da hora normal, sem qualquer acréscimo e as horas seguintes ao valor da hora normal com os acréscimos previstos para a remuneração do trabalho suplementar (ressalvados os intervalos de refeição), mesmo que o tempo assim remunerado corresponda a períodos de inatividade dos motoristas.
27.– Até Fevereiro de 2014 esse pagamento figurou nos recibos de vencimento na rubrica respeitante ao trabalho suplementar, que aí vinha designada pela expressão abreviada “H. EXTRA”.
28.– A partir de Março de 2014 o pagamento dos ditos períodos passou a ser feito sob a designação de “T. Disp.”, que é a forma abreviada de designar “Tempo de Disponibilidade”, sendo os pagamentos efetuados em conformidade com a informação constante do ponto 7 supra.
29.– Atualmente a Ré está a pagar o tempo de disponibilidade a todos os trabalhadores pelo valor da hora normal, acrescido de € 1,17.
30.– A informação referida em 7. foi afixada nos Centros Operacionais do: Laranjeiro, Moita e Setúbal, nomeadamente, nas salas dos motoristas e nos diversos placards onde habitualmente se afixam as informações/comunicações emitidas pela Ré.
31.– A Ré ministrou formação a todos os motoristas relativamente à aplicação do tempo de disponibilidade, a qual designou de “Tempo de disponibilidade e livrete individual de controlo”.
32.– No decurso da ação de formação foi projetada uma apresentação em POWERPOINT com uma explicação detalhada sobre a forma como a empresa iria aplicar o tempo de disponibilidade
33.– A Ré organiza a atividade diária dos motoristas por escalas, pelas quais atribui a cada um uma chapa de serviço, que mencionam, além do mais, as horas de início e do termo da jornada de trabalho, os intervalos de descanso e os serviços de transporte que o trabalhador deve assegurar, com indicação dos respetivos horários, sendo feita de forma cronológica.
34.– As escalas/chapas de serviço são afixadas nos vários locais de trabalho para consulta dos motoristas
35.– Desde 1/03/2014, fora dos períodos em que têm serviço atribuído, e a menos que conste das chapas de serviço a menção de «reserva», os motoristas não são obrigados a permanecer no seu posto de trabalho, nem sequer nas instalações da Ré, mas sabem que podem ser chamados para acorrer à realização de qualquer serviço que não esteja previsto nas chapas de serviço.

B.– Factos não provados.

Não se provaram, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:

a)- O Autor representa cerca de 200 motoristas afetos ao serviço público, designado por pessoal do movimento (motoristas de serviço público).
b)- A Ré começou a considerar como faltas injustificadas ao serviço todas as recusas à prestação de serviço para além do tempo normal de trabalho aos associados do Autor.
c)- Os serviços de transporte de passageiros efetuados pela Ré não excedem os 50 Km de percurso de linha.
*
Não se responde à demais matéria alegada nos articulados por se tratarem de considerações conclusivas ou de direito ou por se tratarem de factos sem relevância para a apreciação da causa.»
*

III–OS FACTOS E O DIREITO.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).

A–REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS
Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente Acão ter dado entrada em tribunal em 08/01/2015, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 e Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, com início de vigência a 2 de Outubro de 2014 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência da LCT e diplomas complementares e do Código do Trabalho de 2003 (que começou a vigorar em 1/12/2003), assim como no quadro do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, os regimes derivados desses diplomas que, sem prejuízo da regulamentação coletiva aplicável e de outra legislação complementar e comunitária, aqui irão ser chamados à colação, em função da factualidade considerada.
   
B–IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

Vem o Apelante interpor recurso da Decisão da Matéria de Facto, com referência aos factos elencados nas suas alegações/conclusões [[5]] e que, na opinião do Autor AAA, deveriam ter sido julgados de forma diversa pelo tribunal, sendo tal impugnação feita nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º, número 3, 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 640.º do Novo Código de Processo Civil, importando, nessa medida, ter presente o seu número 1, alíneas a) a c), quando estatui que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”, dizendo por seu turno o seu número 2 que “2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”, ao passo que o artigo 662.º, números 1 e 2, alíneas a) a d) do NCPC determina a este propósito e na parte que nos interessa o seguinte:

Artigo 662.º
Modificabilidade da decisão de facto
1–A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2–A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a)- Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b)- Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c)- Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d)- Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3–(...)  

O recorrente, nesta matéria e no que toca à identificação dos Pontos de Facto que entende que deveriam constar da Factualidade dada como Provada e que no seu entender aí estão omissos, não dá, em nosso entender o cumprimento mínimo às exigências de natureza material e processual que se mostram elencadas nas normas acabadas de transcrever, o que implica a rejeição do recurso, nesta sua faceta de impugnação da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido.

Impõe-se esclarecer um pouco mais detalhadamente este nosso ponto de vista, por referência às conclusões acima transcritas e correspondentes alegações que possuem a mesma lógica interna, dado não ignorarmos que o Apelante no Ponto 3. das suas conclusões afirma que «Em primeiro logrou a Autora, ora recorrente provar que existem tempos de disponibilidade de 20, 25 minutos, bem assim como são os mesmos efetuados em locais em que os trabalhadores não recuperam a sua disponibilidade, por se tratarem de sítios ermos.»

Todavia, se compulsarmos os articulados das partes e a Factualidade dada como Provada e Não Provada, não descortinamos tais factos alegados ali ou enunciados aqui, ignorando assim, com rigor e objetividade, a que matéria factual em concreto articulada se referem os mesmos.

Ainda que se admita que tais pontos de facto surgiram no âmbito da discussão da causa no quadro da Audiência de Discussão e Julgamento, seguro é que não foram vertidos, oportuna e oficiosamente ou a pedido dos litigantes, nos termos do artigo 72.º do CPT, na Matéria de Facto dada como assente e não assente.  
 
Ora, a ser assim, também não pode este tribunal da 2.ª instância substituir-se ao juiz da 1.ª instância e com mera base nos meios de prova referentes a tais factos, carrear o mesmo para aquela Matéria de Facto dada como Provada. 
            
FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª Edição, Almedina, páginas 172 e 173, sustenta, a este respeito e no quadro da lei processual civil anterior à reforma de 2007, o seguinte:
«Impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, encontra-se sujeito a alguns ónus que deve satisfazer, sob pena de rejeição do recurso, de harmonia com o disposto no artigo 690.º-A, n.ºs 1 e 2 [[6]].

São eles:
a)- Especificar os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados;
b)- Especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão diversa da recorrida sobre os pontos impugnados da matéria de facto;
c)- Indicar os depoimentos em que se baseia, por referencia ao assinalado na ata, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados.»

A este mesmo respeito - e já no quadro do regime adjetivo derivado da reforma de 2007 - importa também ouvir ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, em “Recursos em Processo Civil - Novo Regime - Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08”, Dezembro de 2007, Almedina, páginas 143 e 144:
«7. A rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a)- Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b)- Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados;
c)- Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v. g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…)
g)- Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência de algum dos elementos referidos nas anteriores alíneas b) e c)».

Este mesmo autor, já no quadro do atual Código de Processo Civil, em “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4.ª Edição, 2017, Almedina, páginas 152 e seguintes (com especial relevo para as páginas 158 e 159, Notas 261 e 262), em anotação ao artigo 640.º (transcrevendo-se apenas as Notas de Rodapé com interesse para a temática em análise):
«5.A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a)- Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (art.ºs 635.º, n.º 4, e 641.°, n.º 2, al. b)); [[7]]
b)- Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640.º, n.º 1, al. a)); [[8]]
e)- (…)» [[9]]/[[10]].

Importa recordar que, como também lembra Abrantes Geraldes, não há aqui lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento (cf. obras citadas, páginas 157, Ponto 4), o que implica que a imediata consequência jurídico-processual das aludidas lacunas da Apelante é a rejeição do seu recurso nesta sua vertente fáctica.
Sendo assim, pelos fundamentos expostos, não se procede ao julgamento da vertente fáctica do recurso de Apelação do Autor. 
*

C–OBJECTO DO RECURSO DE APELAÇÃO DO AUTOR.
As problemáticas de natureza jurídica suscitadas no âmbito do recurso de Apelação do Autor são, em síntese, as seguintes:
“1.– Vem o presente recurso interposto pelo Autor Recorrente, da decisão que declara improcedente o pedido de declarar a nulidade do conceito e da aplicação dos tempos de disponibilidade nos horários de trabalho a que estão sujeitos os trabalhadores da Ré, associados do Autor e consequentes pagamentos dos alegados tempos de disponibilidade, incluindo o cálculo e o valor como trabalho suplementar efetivamente prestado e bem assim a sua descriminação nos recibos de vencimento.
2.– A ora recorrida com a aplicação dos designados tempos de disponibilidade apenas pretende desvirtuar a realização do trabalho suplementar em claro prejuízos dos seus motoristas e associados da recorrente.
3.– (…)
4.– Resultou evidente que o tempo em que os motoristas são colocados em tempo de disponibilidade não corresponde a tal na verdade, uma vez que, nunca deixam de estar ao serviço da empresa, não se concebendo que possa a recorrente aceitar que os tempos de disponibilidade sejam encarados senão com a limitação que os trabalhadores possam ser chamados, e não por limitações geográficas impostas pela empresa.
5.– Mais não pode a ora recorrente conceber que num universo de 190 carreiras, em que apenas 4 têm percurso de linha superior a 50kms, seja suficiente para aplicação do conceito de tempo de disponibilidade, mais uma vez, não podendo deixar de concluir que possa pela empresa ser aplicada uma norma que vem alterar e baixar a remuneração dos seus trabalhadores, descaracterizando o trabalho suplementar por estes prestado.
6.– O Acórdão recorrido não enquadra corretamente o conceito de “tempo de disponibilidade” uma vez que não o considera como tempo de trabalho na base da argumentação que no caso concreto este lapso temporal não é passado nas instalações da empresa.
7.– Salvo o devido respeito não é essa a interpretação conforme ao artigo 197.º do Código de Trabalho, nem tão pouco à legislação europeia e mais recente jurisprudência dos Tribunais Superiores (cfr.)
8.– Na verdade, independentemente do período em causa não ser passado na empresa, a verdade é que no caso concreto o trabalhador não se pode deslocar fora do raio de atuação desta, nem o tempo pode ser utilizado para realizar qualquer atividade extra profissional, atendendo ao local em que se situam as instalações da empresa (cfr. artigo 197.º, n.º 2 alínea d))
9.– Pelo que os trabalhadores representados pela recorrente não podem ser privados da remuneração durante esse período em que se encontram afetos à atividade da empresa e nas imediações desta.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá ser julgado procedente, o recurso apresentado pela ora recorrente, alterando-se a douta sentença em conformidade com o então requerido. Assim decidindo farão V. Exas. a Acostumada Justiça!».

Importa também atender ao que o ilustre magistrado do Ministério Público colocado junto deste Tribunal da Relação de Lisboa questiona no âmbito do seu parecer:
«(…) 2.Contrariamente ao entendido pelo Tribunal "a quo" afigura-se-nos que o regime estabelecido pelo DL n.º 237/2007 de 19/06 não é passível de aplicação à situação que decorre dos factos provados, pelo menos com a amplitude que que a decisão recorrida admite.
Da conjugação do disposto pelos arts. 1.º do citado decreto-lei e 2,º, n.º 1 al. b) do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu de 15/03, decorre que o normativo invocado pela R. se) tem aplicação a veículos de transporte de passageiros cujo percurso em linha ultrapasse 50 km.
Consta do ponto 13 do segmento "Factos Provados" da sentença impugnada:
"Das concessões que possui para realizar carreiras de transporte público, quinze têm um percurso que excede os 50 km de percurso em linha, embora, destas, a Ré presentemente apenas realize quatro carreiras."
Sendo assim, admitir que que o regime permitido pelo DL 237/2007 no tocante, nomeadamente ao "período de disponibilidade" se aplique universalmente e sem distinção a todos os trabalhadores e em todos os percursos que os mesmos asseguram, redundaria, indiscutivelmente, num tratamento desfavorável dos mesmos trabalhadores injustificável e, a nosso ver, contrario ao espírito e à própria letra da lei.
2.1. S.m.o. a lei só permite que o inovador regime relativo aos "tempos de disponibilidade" introduzido pelo DL 237/2007 se aplique as situações em que os trabalhadores efetivamente assegurem serviço correspondente a um percurso superior a 50 km.
Tais situações, deverão circunscrever-se, pois, aos casos em que o serviço diário dos motoristas, definido pela respetiva "chapa de serviço" (vd. ponto 33 dos factos provados) ultrapasse os 50 km.
Tudo o mais será, a nosso ver, ilegal. (…)»

D–SENTENÇA RECORRIDA.
Antes de passarmos à análise das temáticas de direito acima enunciadas, ouçamos da boca da sentença a argumentação dessa índole desenvolvida na sua fundamentação:   
«Importa decidir, nos presentes autos, se a ré pode incluir nos horários que atribui aos seus motoristas, designadamente aos associados no autor, períodos que correspondem a tempo de disponibilidade ou se os mesmos são efetivamente tempo de trabalho.

Dispõe o art.º 197.º do Código do Trabalho o seguinte:
«1.Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte
2.Consideram-se compreendidos no tempo de trabalho:
a)-A interrupção de trabalho como tal considerada em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, em regulamento interno de empresa ou resultante de uso da empresa;
b)-A interrupção ocasional do período de trabalho diário inerente à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador ou resultante de consentimento do empregador;
c)-A interrupção de trabalho por motivos técnicos, nomeadamente limpeza, manutenção ou afinação de equipamento, mudança de programa de produção, carga ou descarga de mercadorias, falta de matéria-prima ou energia, ou por fator climatérico que afete a atividade da empresa, ou por motivos económicos, designadamente quebra de encomendas;
d)-O intervalo para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade;
e)-A interrupção ou pausa no período de trabalho imposta por normas de segurança e saúde no trabalho».

Daqui resulta ser tempo de trabalho todo aquele em que o trabalhador se encontra a efetuar a tarefa para a qual foi contratado ou ainda aquele em que, não o fazendo, se encontra, porém, à disposição da entidade empregador.

FRANCISCO LIBERAL FERNANDES, in O Tempo de Trabalho, Coimbra Editora, 2012, p. 27, sustenta que «enquanto a noção de tempo de trabalho designa a obrigação de o trabalhador estar presente no local fixado pelo empregador e à disposição deste para realizar de imediato a prestação, o conceito de disponibilidade para trabalhar – que não supõe necessariamente a presença física do trabalhador no local de trabalho – tem por referência a obrigação de o trabalhador permanecer às ordens do empregador e de iniciar, dentro de um determinado intervalo de tempo, a sua atividade laboral, quando lhe for exigido. Assim, considera-se tempo de trabalho o período em que o trabalhador se mantém, de modo permanente, às disposição do empregador, seja no posto de trabalho ou noutro local indicado pela entidade patronal (ou escolhido pelo trabalhador)». Ou seja, de acordo com o referido autor, considera-se «tempo de trabalho os períodos em que o trabalho é intermitente ou em que o trabalhador permanece à disposição do empregador em regime de localização ou à chamada, com ou sem presença física no local de trabalho».

Contudo, este não foi o entendimento acolhido pela nossa jurisprudência, nomeadamente a do Supremo Tribunal de Justiça, que em relação ao “tempo de disponibilidade” apenas o considera como de trabalho se o trabalhador se mantém em presença física no local de trabalho.

Com efeito, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/11/2004, in http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social2004.pdf:
«IO tempo de trabalho corresponde ao período em que o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções (art.º 2.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 73/98 de 10.11).
II –Se o trabalhador permanece no local de trabalho e está disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece fora do seu local de trabalho, podendo ainda que de forma limitada, gerir os seus interesses e desenvolver atividades à margem da relação laboral, apesar de se encontrar disponível para trabalhar para esta, esse período de tempo não pode em regra considerar-se tempo de trabalho.
III –Não pode entender-se como tempo de trabalho o chamado “tempo de localização”, ou seja, aquele em que o trabalhador não tinha que estar presente fisicamente na empresa, mas apenas contactável e disponível, podendo encontrar-se na sua residência ou em qualquer outro local da sua escolha e interesse, desde que lhe permitisse o referido contacto.
IV –Assim, não é de considerar tempo de trabalho o período em que o trabalhador não está a conduzir o veículo que lhe está distribuído como motorista, apenas se encontrando contactável e disponível, sendo certo que a ré pagava ao autor uma “ajuda de custo” diária fixa por esta disponibilidade, conforme com ele acordara antes da admissão ao serviço» (nossos sublinhados).
Por sua vez no acórdão do mesmo alto tribunal de 23/02/2005, in www.dgsi.pt, decidiu-se: «Encontrando-se um trabalhador em regime de disponibilidade permanente para prestar serviços de clínica veterinária, em certos dias de descanso semanal e complementar, só o tempo de serviço efetivamente prestado nessas funções é que é remunerado como trabalho suplementar».

No mesmo sentido, veja-se ainda:
– Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/11/2008, in www.dgsi.pt:
«I –O direito comunitário, como o nosso direito interno, dividem o tempo de cada trabalhador por conta de outrem, em duas grandes categorias dicotómicas: tempo de trabalho e tempo de descanso.
II –O tempo de trabalho corresponde ao período em que o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade empregadora e no exercício da sua atividade ou das suas funções; o tempo de descanso obtém-se por exclusão, de onde decorre que o respetivo conceito pressupõe a prévia e necessária integração da primeira modalidade (tempo de trabalho).
III –A disponibilidade relevante, para efeitos da sua qualificação como tempo de trabalho, pressupõe que o trabalhador permaneça no seu local de trabalho.
IV –Assim, se o trabalhador permanece no seu local de trabalho e se encontra disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece disponível ou acessível para trabalhar, mas fora do seu local de trabalho ou do local controlado pelo empregador (por exemplo, no seu domicílio), esse período de tempo deve considerar-se como tempo de repouso» (nosso sublinhado);

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/12/2014:
«O tempo de disponibilidade não é tempo de trabalho pelo que a sua remuneração não é retribuição, porque não remunera nem trabalho nem tempo de trabalho». (ambos in www.dgsi.pt).

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/11/2007, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê:
«I –A dimensão temporal da prestação de trabalho (o número de horas diárias e semanais que o trabalhador está contratualmente obrigado a prestar) resulta da conjugação de vários parâmetros, a saber: a duração convencionada, que a Lei designa por período normal de trabalho; o período de funcionamento da empresa e o horário de trabalho.
II –No regime de disponibilidade permanente, embora o trabalhador deva estar acessível permanentemente, na medida em que pode ser sempre localizado pela entidade empregadora, apenas o tempo relacionado com a sua prestação efetiva de trabalho deve ser considerado como “tempo de trabalho”.
III –Se o trabalhador permanece fora do seu local de trabalho, por exemplo em casa, onde pode, ainda que de uma forma limitada, gerir os seus próprios interesses e desenvolver até atividades à margem da relação laboral que mantém com a entidade empregadora apesar de se encontrar disponível para trabalhar para esta, como regra esse período de tempo não pode considerar-se “tempo de trabalho”.
IV –A disponibilidade para o trabalho que releva para o efeito de ser considerada como tempo de efetivo trabalho é a disponibilidade física do trabalhador nas próprias instalações da empresa e no exercício da sua atividade ou função.»

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7/07/2016:
«(…) V.Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador está a desempenhar a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos na lei.
VI.Para efeitos de qualificação de tempo de trabalho a disponibilidade que releva do trabalhador pressupõe que ele permaneça no seu local de trabalho.»
*

No caso dos autos, provaram-se os seguintes factos, com relevância para a decisão:
– O autor representa mais de uma centena de motoristas de serviço público ao serviço da ré (seus associados), que exercem a sua atividade no quadro organizativo e dentro dos horários estabelecidos pela ré;
– A ré organiza as escalas de serviço diárias dos motoristas determinando os horários de cada um dentro do período normal de trabalho semanal distribuído por cinco dias, comunicando com um dia de antecedência as escalas de serviço;
– De acordo com as regras de organização de tempo de trabalho em vigor e aplicadas aos motoristas é estabelecida uma única interrupção na jornada de trabalho, de duração não superior a duas horas (posteriormente alterada em intervalos de três horas;
– A ré recorre à prestação de trabalho para além das oitos horas sem o período de intervalo, o que faz com que os horários dos motoristas atinjam uma amplitude de 10 a 12 horas diárias;
– A ré, no âmbito da sua atividade, realiza serviços regulares, serviços regulares especializados e serviços ocasionais, em determinadas áreas geográficas, sendo marcada por uma forte pendularidade, o que significa que há uma forte concentração de meios humanos e materiais em dois períodos distintos do dia: o primeiro na ponta da manhã e o segundo, na ponta da tarde; em cada um desses períodos, a ré é obrigada a afetar a totalidade dos meios humanos e materiais disponíveis para poder satisfazer as necessidades de transporte das populações, pelo que, nesses períodos, a ré tem de empregar todos os motoristas e todos os autocarros disponíveis; já fora desses períodos de ponta, a ré apenas necessita de afetar entre 40% a 60% dos seus motoristas e autocarros, consoante a hora e zona de tráfego;
– A ré organiza a atividade diária dos motoristas por escalas, pelas quais atribui a cada um uma chapa de serviço; as chapas de serviço mencionam, além do mais, as horas de início e do termo da jornada de trabalho, os intervalos de descanso e os serviços de transporte que o trabalhador deve assegurar, com indicação dos respetivos horários; a descrição dos serviços de transporte constante da chapa é feita cronologicamente;
– A partir de 1 de Março de 2014 a ré passou a aplicar o «tempo de disponibilidade» aos seus motoristas de serviço público e associados do autor, invocando para tal o disposto no Decreto-lei 237/2007 de 19 de Junho, o que comunicou em 20/02/2014 nos seguintes termos: «Com a publicação e entrada em vigor do Dec. Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, foi introduzido no ordenamento jurídico português o conceito de “tempo de disponibilidade”, entendendo-se como tal qualquer período durante o qual o trabalhador está dispensado de permanecer no local de trabalho, mas, ainda assim, está obrigado a prestar o trabalho em caso de necessidade. Significa isto que, embora o trabalhador não esteja obrigado a permanecer no seu posto de trabalho durante o tempo de disponibilidade, terá de estar contactável e pronto para comparecer no local de trabalho. De acordo com a lei, o tempo de disponibilidade não é considerado tempo de trabalho, cada hora de tempo de disponibilidade, que ultrapasse a duração do período normal de trabalho diário (8 h), será compensada ao valor da hora normal, acrescido de € 1,16 (um euro e dezasseis cêntimos). A partir do dia 01 de Março de 2014 o período de disponibilidade passará a ser mencionado nas chapas de serviço…».

– Desde 1/03/2014, fora dos períodos em que têm serviço atribuído, e a menos que conste das chapas de serviço a menção de «reserva», os motoristas não são obrigados a permanecer no seu posto de trabalho, nem sequer nas instalações da ré, mas sabem que podem ser chamados para acorrer à realização de qualquer serviço que não esteja previsto nas chapas de serviço;
– A ré remunerava, até 1/03/2014, as primeiras oito horas ao valor da hora normal, sem qualquer acréscimo e as horas seguintes ao valor da hora normal com os acréscimos previstos para a remuneração do trabalho suplementar (ressalvados os intervalos de refeição), mesmo que o tempo assim remunerado corresponda a períodos de inatividade dos motoristas.
– Até Fevereiro de 2014 esse pagamento figurou nos recibos de vencimento na rubrica respeitante ao trabalho suplementar, que aí vinha designada pela expressão abreviada “H. EXTRA”.
– A partir de Março de 2014 o pagamento dos ditos períodos passou a ser feito sob a designação de “T. Disp.”, que é a forma abreviada de designar “Tempo de Disponibilidade”, sendo os pagamentos efetuados em conformidade com a informação constante do ponto 7 dos factos provados. Atualmente a ré está a pagar o tempo de disponibilidade a todos os trabalhadores pelo valor da hora normal, acrescido de € 1,17.
Considerando o entendimento acima exposto, a respeito do que se deve considerar tempo de trabalho, impõe concluir-se, de forma inequívoca, que aqueles tempos denominados de “disponibilidade”, que a ré passou a considerar a partir de 1/04/2014, não constituem efetivamente tempo de trabalho já que correspondem a períodos em que os motoristas permanecem disponíveis ou acessíveis para trabalhar, mas fora dos seus locais de trabalho ou dos locais controlados pela empregadora, sendo certo que, ainda que de forma limitada, podiam gerir os seus interesses e desenvolver atividades à margem da relação laboral.
O Acordo de Empresa que tem sido aplicado às relações entre a ré e os seus motoristas, incluindo os associados no autor (Acordo de Empresa celebrado entre o SITRA e (…), SA, citado nos factos 22 e 23), e que se provou que a ré aplica a todos os seus trabalhadores, não continha disposição convencional que regulasse tal tipo de períodos, ou seja, aqueles em que os motoristas não estão afetos a uma atividade e, sem permanecerem nos locais de trabalho, têm que se manter contactáveis, pelo que não se poderia considerar os mesmos como incluídos na previsão do art.º 197.º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho.
Atente-se que, conforme resulta da ata de fls. 173-177, designadamente do teor do requerimento conjunto formulado pelas partes, a partir de Junho de 2016 a ré passou a aplicar aos motoristas associados do autor a cláusula 24.ª da convenção coletiva outorgada entre a ANTROP e o autor, publicada no BTE n.º 21 de 8 de Junho, ao período anteriormente designado «tempo de disponibilidade», obrigando-se a pagar aos trabalhadores a retribuição calculada nos termos do art.º 48.º desse mesmo instrumento. Significa, pois, que as partes acordaram em designar, agora, os referidos períodos de tempo, em que o trabalhador não tem serviço atribuído, não tem que permanecer nas instalações da ré, mas tem que se manter contactável, para o caso de ser necessário exercer a sua atividade, como pausa técnica, com uma concreta forma de remuneração.
*

Sustenta o autor que não é aplicável o regime de disponibilidade previsto no Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, invocado pela ré quando procedeu à alteração em questão, pela circunstância de as carreiras de transportes efetuadas pela ré não excederem os 50 km de percurso em linha. Não lhe assiste, porém, razão, como veremos, e seguindo de perto o doutamente expendido na sentença proferida no processo n.º 6590/15.6T8LSB, a correr termos por este Juízo do Trabalho, J5.

O diploma em causa veio regular determinados aspetos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em atividade de transporte rodoviário efetuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006. Este último veio estabelecer regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, especialmente no sector rodoviário, e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária, e ainda promover uma melhoria das práticas de controlo e aplicação da lei pelos Estados-Membros e das práticas laborais no sector dos transportes rodoviários.

De acordo com o art.º 2.º, al. c) do citado Decreto-Lei, considera-se “tempo de disponibilidade” «qualquer período, que não seja intervalo de descanso, descanso diário ou descanso semanal, cuja duração previsível seja previamente conhecida pelo trabalhador, nos termos previstos em convenção coletiva ou, na sua falta, antes da partida ou imediatamente antes do início efetivo do período em questão, em que este não esteja obrigado a permanecer no local de trabalho, embora se mantenha adstrito à realização da atividade em caso de necessidade (…)».

Como decorre deste diploma, o mesmo aplica-se a trabalhadores móveis em atividade de transporte rodoviário abrangida pelo Regulamento n.º 561/2006, entendendo-se por “transporte rodoviário” «qualquer deslocação de um veículo utilizado para transporte de passageiros ou de mercadorias efetuada total ou parcialmente por estradas abertas ao público, em vazio ou em carga» (art.º 4.º, al. a) do referido Regulamento).

E de acordo com o art.º 2.º, n.º 1, al. b) do mesmo Regulamento, o mesmo é aplicável ao transporte rodoviário de passageiros «em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade». Porém, o seu art.º 3.º, al. a) exclui a aplicação deste Regulamento, entre outros, ao transporte efetuado por meio de «veículos afetos ao serviço regular de transporte de passageiros, cujo percurso de linha não ultrapasse 50 quilómetros».

Ora, o autor não logrou provar que os serviços prestados pela ré, de transporte de passageiros, não excedem os 50 Km de percurso em linha, provando-se, ao invés, que a ré possui algumas concessões, em número de quinze, que excedem os referidos 50 Km, encontrando-se a executar na presente data quatro desses percursos, e mais provou que os seus motoristas tanto são escalados para serviços de percursos inferiores, como superiores, chegando a suceder que num mesmo dia realizem os dois tipos de serviços (cfr. facto provado n.º 12).

Assim, realizando a ré serviço regular de transporte de passageiros cujo percurso em linha ultrapassa os 50 quilómetros é-lhe lícito, ao abrigo do citado Regulamento, aplicar o regime previsto no Decreto-Lei n.º 237/2007, onde se inclui o falado «tempo de disponibilidade».

E uma vez que resulta dos factos que os motoristas tanto são afetos a serviços de percurso inferior como a serviços de percurso superior aos 50 quilómetros, não há que fazer qualquer distinção dentro da empresa a respeito da aplicação do regime dos tempos de disponibilidade. Com efeito, a exclusão contida naquela alínea a) do art.º 3.º do Regulamento apenas pode ser aplicada a transportes (veículos) que não estão, simplesmente, afetos a serviços de extensão superior a 50 Km, não fazendo sentido fazer qualquer distinção, quando os veículos (e os motoristas) estão a afetos aos dois tipos de percurso.

Face ao exposto, concluímos que o regime do Decreto-Lei n.º 237/2007 é aplicável a toda a atividade da ré relativa ao serviço regular de transporte de passageiros, pelo que a sua decisão, de passar a aplicar, a partir de 1/04/2014, aos seus motoristas, o regime de disponibilidade, não viola qualquer normativo legal, sendo, pois, lícita, improcedendo, pois, o primeiro pedido formulado pelo autor.

Consequentemente, improcede igualmente o pedido de condenação da ré a proceder ao pagamento do chamado tempo de disponibilidade segundo as regras do trabalho suplementar.
*

O autor peticionava, igualmente, que fosse proferida decisão que revogasse o registo individual de cada associado do autor as faltas injustificadas dadas na sequência da não-aceitação da imposição do tempo de disponibilidade e, bem assim, a revogar todas as sanções disciplinares dos trabalhadores, seus associados, que tenham tido ou venham a ter origem na referida não-aceitação do tempo de disponibilidade.

Ora, a este respeito, o autor nada provou, designadamente, nem que foram dadas faltas, nem que as mesmas foram consideradas injustificadas, e, muito menos, que tenham dado origem a quaisquer processos disciplinares.

Face ao exposto, improcedem, também, estas pretensões do autor, assim como o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória, dependente da procedência das anteriores pretensões.»

E–REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA APLICÁVEL.

Às relações profissionais entre a Ré e os trabalhadores representado pelo Sindicato Autor é aplicável, muito embora a sentença recorrida não o tenha reconhecido e declarado expressamente, o CCTV celebrado entre a ANTROP – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários e Pesados de Passageiros e o AAA publicado nas seguintes datas e Boletins de Trabalho e Emprego (sendo o Autor a Associação Sindical subscritora de tal instrumento de regulamentação coletiva e mostrando-se a Ré inscrita na correspondente Associação Patronal, tal dispensa-nos de averiguar e indicar as Portarias de Extensão referentes a tal Contrato Coletivo de Trabalho e correspondentes alterações):
1)– BTE n.º 15/89 (CCT);
2)– BTE n.º 20/99 (Alteração salarial);
3)– BTE n.º 29/2001 (Alteração salarial);
4)– BTE n.º 21/2016 (novo CCT).

Aproveitando a presente menção à regulamentação coletiva aplicável, refira-se no seio do CCT publicado no BTE n.º 15/89, as cláusulas 17.ª a 19.ª, 73.ª e Anexo IV (livrete), artigos 1.º, 13.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º e 22.º, sendo certo que, quanto ao período normal de trabalho, a primeira cláusula acima referenciada remete ainda para a PRT publicada nos BTE n.ºs 16/1977 e 26/1977, sendo certo que inexiste em tal instrumento de regulamentação coletiva qualquer menção a «tempo de disponibilidade», constituindo a figura mais próxima de tal conceito aquele trabalho desenvolvido como «período de serviço» além dos considerados como «período de condução» ou de «trabalhos efetivos para além da condução».

Já no CCT publicado no BTE n.º 21/2016, deparamo-nos com as cláusulas 17.ª a 25.ª, com especial realce para as Cláusulas 24.ª (que define a «Pausa Técnica»), 48.ª (e não 49.ª, como é, por lapso referida na cláusula 24.ª), 46.ª e 47.ª e que possuem a seguinte redação:

Cláusula 24.ª
(Pausa técnica)
1–Entende-se por pausa técnica qualquer período, que não seja intervalo de descanso, descanso diário ou descanso semanal, cuja duração previsível seja previamente conhecida pelo trabalhador, em que este não esteja obrigado a permanecer no local de trabalho, embora se mantenha adstrito à realização da atividade profissional em caso de necessidade, bem como, no caso de trabalhador que conduza em equipa, qualquer período que passe ao lado do condutor ou num beliche durante a marcha do veículo, nos termos previstos no decreto-lei n.º 237/2007.
2–As pausas técnicas previstas no número anterior não são consideradas tempo de trabalho e não substituem o tempo de intervalo.
3–As pausas técnicas que ocorram após o período normal de trabalho diário são remuneradas nos termos previstos na cláusula 49.ª
4–As pausas técnicas têm a duração mínima de 30 minutos e a duração máxima de três horas em cada dia de trabalho.
5–Durante a pausa técnica, o trabalhador está obrigado a manter-se contactável e, caso esta seja interrompida, o trabalhador deve apresentar-se ao serviço no prazo máximo equivalente a metade do tempo previsto inicialmente para a pausa técnica.
6–A partir do momento do contacto efetuado pela empresa, o trabalhador passa a estar na situação de prestação efetiva de trabalho diário remunerado como tal.
7–Os períodos de pausa técnica serão registados no correspondente meio de registo legalmente obrigatório sob o símbolo:
(Imagem de um quadrado pequeno com um traço na diagonal, do vértice superior direito para o vértice superior esquerdo)    
8 –A pausa técnica é aplicada em situação de condução em equipa apenas para efeito de registo, excluindo-se a aplicação do número 3 da presente cláusula.
9–Da aplicação da pausa técnica prevista na presente cláusula não resulta a obrigação do trabalhador permanecer ao serviço por período superior a oito horas diárias. Para o cômputo das oito horas diárias considera-se quer o tempo de trabalho quer as pausas técnicas.
10–Não poderá haver lugar à aplicação simultânea de tempo de disponibilidade e de pausa técnica.

Cláusula 48.ª
(Forma de pagamento da pausa técnica)
1–Cada hora da pausa técnica não incluída nas oito horas de trabalho normal diário é remunerada nos termos da cláusula 46.ª quando ocorra em dia útil e nos termos da cláusula 47.ª quando ocorra em dias de descanso semanal obrigatório e em dia de descanso semanal complementar ou em dia feriado.
2–É da responsabilidade da associação de empregadores outorgante a indicação às empresas associadas do modo e da designação sob a qual é efetuado o pagamento dos tempos de disponibilidade garantindo-se, em qualquer caso, que o resultado corresponda ao indicado no número anterior.

Cláusula 46.ª
(Retribuição do trabalho suplementar em dia útil)
O trabalho suplementar prestado em dia útil é remunerado com os seguintes adicionais sobre o valor da hora normal:
a)- 50 % de retribuição normal na primeira hora;
a)- 75 % de retribuição normal nas horas ou frações subsequentes.

Cláusula 47.ª
(Retribuição do trabalho em dias de descanso e dias feriado)
1–O trabalho prestado em dias de descanso semanal obrigatório descanso semanal complementar e em dias feriado é remunerado com o adicional de 200 %.
2–Para efeito de cálculo, o valor do dia será determinado pela seguinte fórmula:
(Retribuição base + diuturnidades) = Remuneração diária
                        30
e o valor da hora será também determinado pela seguinte fórmula:
Remuneração diária =               Remuneração hora
Horário de trabalho diário (8)
3–Qualquer período de trabalho prestado nos dias de descanso semanal obrigatório e de descanso semanal complementar e nos dias feriado será pago pelo mínimo de cinco
horas, de acordo com os números 1 e 2 desta cláusula.
4–Cada hora ou fração trabalhada para além do período normal de trabalho (oito horas) será paga pelo triplo do valor resultante da aplicação da fórmula consignada no número 2 desta cláusula.

Segundo os Pontos de Facto n.ºs 22. e 23. [[11]], a Ré  aplicou também (indevidamente) aos motoristas filiados no Sindicato Autor e até junho de 2016 o Acordo de Empresa que celebrou com o SITRA mas, compulsado o mesmo, verifica-se que tem um tipo de regulamentação muito semelhante ao do CCT do AAA de 1989, não prevendo aí qualquer figura que possa ser reconduzida ao referido «tempo de disponibilidade», sendo o mais próximo dela aquele trabalho que não é de condução ou gasto em outros serviços efetivos, como já antes se frisou para aquela outra convenção coletiva (cf. cláusulas 16.ª a 24.ª e Anexo V, artigos 1.º e 13.º a 21.º).  
      
F–REGIME LEGAL APLICÁVEL – TEMPO DE TRABALHO.

Importa então chamar à colação as normas mais importantes para a apreciação da matéria que nos ocupa no quadro deste Aresto e que são, dentro do regime que regula o tempo de trabalho (artigos 197.º a 233.º do CT/2009), o artigo 197.º desse diploma e, do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19/6, os artigos 1.º, 2.º e 5.º, possuindo os mesmos a seguinte redação:

Artigo 197.º
Tempo de trabalho
1–Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte.

2–Consideram-se compreendidos no tempo de trabalho:
a)- A interrupção de trabalho como tal considerada em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, em regulamento interno de empresa ou resultante de uso da empresa;
b)- A interrupção ocasional do período de trabalho diário inerente à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador ou resultante de consentimento do empregador;
c)- A interrupção de trabalho por motivos técnicos, nomeadamente limpeza, manutenção ou afinação de equipamento, mudança de programa de produção, carga ou descarga de mercadorias, falta de matéria-prima ou energia, ou por fator climatérico que afete a atividade da empresa, ou por motivos económicos, designadamente quebra de encomendas;
d)- O intervalo para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade;
e)- A interrupção ou pausa no período de trabalho imposta por normas de segurança e saúde no trabalho.

3–Constitui contraordenação grave a violação do disposto no número anterior.

Artigo 1.º
Âmbito e objeto
1–O presente decreto-lei regula determinados aspetos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em atividades de transporte rodoviário efetuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efetuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho.
2–O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário.
3–O disposto nos artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho.

Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
a)- «Local de trabalho» uma instalação da empresa, bem como outro local, nomeadamente o veículo utilizado, onde seja exercida qualquer tarefa ligada à realização do transporte;
b)- «Semana» o período compreendido entre as 0 horas de segunda-feira e as 24 horas de domingo;
c)- «Tempo de disponibilidade» qualquer período, que não seja intervalo de descanso, descanso diário ou descanso semanal, cuja duração previsível seja previamente conhecida pelo trabalhador, nos termos previstos em convenção coletiva ou, na sua falta, antes da partida ou imediatamente antes do início efetivo do período em questão, em que este não esteja obrigado a permanecer no local de trabalho, embora se mantenha adstrito à realização da atividade em caso de necessidade, bem como, no caso de trabalhador que conduza em equipa, qualquer período que passe ao lado do condutor ou num beliche durante a marcha do veículo;
d)- «Trabalhador móvel» o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a atividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.

Artigo 5.º
Tempo de disponibilidade
O tempo de disponibilidade previsto na alínea c) do artigo 2.º não é considerado tempo de trabalho.

G–REGULAMENTO (CE) N.º 561/2006, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 15 DE MARÇO, QUE ALTEROU O REGULAMENTO N.º 3821/85, DE 20 DE DEZEMBRO [[12]]

Importa atentar na circunstância da legislação especial constante do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19/06 (como decorre claramente do seu artigo 1.º) [[13]], que deixámos acima transcrita, na parte que importa para o julgamento do presente recurso de Apelação, ser somente aplicável ao «trabalhador móvel» que, como acima referimos, é, na definição legal aquele «incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a atividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.»
Ora, se fácil se torna afastar, desde logo, o AETR - isto é, o «Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efetuam Transportes Internacionais Rodoviários», aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho -, pois nada se acha demonstrado nos autos no sentido dos motoristas associados do Sindicato Autor efetuarem transporte rodoviário internacional de passageiros, o mesmo já não será possível fazer no que toca ao Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, que igualmente é referenciada na noção legal de “trabalhador móvel”, sem uma abordagem mais aprofundada de tal problemática. (sublinhado nosso). 
 
Os artigos 1.º a 4.º do Regulamento referido em tal noção legal possuem a seguinte redação:  
 
Artigo 1.º
O presente regulamento estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, especialmente no sector rodoviário, e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária. O presente regulamento pretende igualmente promover uma melhoria das práticas de controlo e aplicação da lei pelos Estados-Membros e das práticas laborais no sector dos transportes rodoviários.

Artigo 2.º
1.– O presente regulamento aplica-se ao transporte rodoviário:
a)- De mercadorias, em que a massa máxima autorizada dos veículos, incluindo reboques ou semirreboques, seja superior a 3,5 toneladas, ou
b)- De passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade.
2.– Independentemente do país de matrícula do veículo, o presente regulamento aplica-se aos transportes rodoviários efetuados:
a)- Exclusivamente no interior da Comunidade; e
b)- Entre a Comunidade, a Suíça e os países signatários do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.
3.– O AETR aplica-se, em substituição do presente regulamento, nos transportes rodoviários internacionais efetuados em parte fora das áreas referidas no n.º 2, a:
a)- Veículos matriculados na Comunidade ou em países signatários do AETR, para a totalidade do trajeto;
b)- Veículos matriculados em países terceiros não signatários do AETR, somente para a parte do trajeto efetuada no território da Comunidade ou de países signatários do AETR.
As disposições do AETR devem ser conciliadas com as do presente regulamento, por forma a que as disposições essenciais do presente regulamento sejam aplicadas, através do AETR, aos veículos acima referidos, para qualquer parte do trajeto efetuada no território da Comunidade.

Artigo 3.º
O presente regulamento não se aplica aos transportes rodoviários efetuados por meio de:
a)- Veículos afetos ao serviço regular de transporte de passageiros, cujo percurso de linha não ultrapasse 50 quilómetros;
b)- Veículos cuja velocidade máxima autorizada não ultrapasse 40 km/hora;
c)- Veículos que sejam propriedade das forças armadas, da proteção civil, dos bombeiros ou das forças policiais ou alugados sem condutor por estes serviços, quando o transporte for efetuado em resultado das funções atribuídas a estes serviços e estiver sob o controlo destes;
d)- Veículos, incluindo aqueles utilizados em operações não comerciais de transporte de ajuda humanitária, utilizados em situações de emergência ou operações de salvamento;
e)- Veículos especializados afetos a serviços médicos;
f)- Veículos especializados de pronto-socorro circulando num raio de 100 km a partir do local de afetação;
g)- Veículos que estejam a ser submetidos a ensaios rodoviários para fins de aperfeiçoamento técnico, reparação ou manutenção, e veículos novos ou transformados que ainda não tenham sido postos em circulação;
h)- Veículos ou conjuntos de veículos com massa máxima autorizada não superior a 7,5 toneladas, utilizados em transportes não comerciais de mercadorias;
i)- Veículos comerciais com estatuto histórico de acordo com a legislação do Estado-Membro em que são conduzidos, que sejam utilizados para o transporte não comercial de passageiros ou de mercadorias.

Artigo 4.º
Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:
a)- «Transporte rodoviário»: qualquer deslocação de um veículo utilizado para o transporte de passageiros ou de mercadorias efetuada total ou parcialmente por estradas abertas ao público, em vazio ou em carga;
b)- «Veículos»: veículos automóveis, tratores, reboques e semirreboques, ou conjuntos desses veículos, conforme as seguintes definições:
- «Veículo automóvel»: veículo provido de um dispositivo de propulsão, que circule na estrada pelos seus próprios meios, que não se desloque permanentemente sobre carris e que sirva normalmente para o transporte de passageiros ou de mercadorias;
- «Trator»: veículo provido de um dispositivo de propulsão, que circule na estrada pelos seus próprios meios, que não se desloque permanentemente sobre carris e que esteja especialmente concebido para puxar, empurrar ou acionar reboques, semirreboques, alfaias ou máquinas;
- «Reboque»: veículo de transporte destinado a ser atrelado a um veículo automóvel ou a um trator;
- «Semirreboque»: reboque sem eixo dianteiro, acoplado de tal modo que uma parte considerável do seu peso e da sua carga seja suportada pelo trator ou pelo veículo automóvel;
c)- «Condutor»: qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da atividade que exerce, esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir;
d)- «Pausa»: período durante o qual o condutor não pode efetuar nenhum trabalho de condução ou outro e que é exclusivamente utilizado para recuperação;
e)- «Outro trabalho»: todas as atividades definidas como tempo de trabalho na alínea a) do artigo 3.º da Diretiva 2002/15/CE, com exceção da «condução», bem como qualquer trabalho prestado ao mesmo ou a outro empregador dentro ou fora do sector dos transportes;
f)- «Repouso»: período ininterrupto durante o qual o condutor pode dispor livremente do seu tempo;
g)- «Período de repouso diário»: período diário durante o qual o condutor pode dispor livremente do seu tempo e que compreende um «período de repouso diário regular» ou um «período de repouso diário reduzido»:
- «Período de repouso diário regular»: período de repouso de, pelo menos, 11 horas. Em alternativa, este período de repouso diário regular pode ser gozado em dois períodos, o primeiro dos quais deve ser um período ininterrupto de, pelo menos, 3 horas e o segundo um período ininterrupto de, pelo menos, 9 horas;
- «Período de repouso diário reduzido»: período de repouso de, pelo menos, 9 horas, mas menos de 11 horas;
h) «Período de repouso semanal»: período semanal durante o qual o condutor pode dispor livremente do seu tempo e que compreende um «período de repouso semanal regular» ou um «período de repouso semanal reduzido»:
- «Período de repouso semanal regular»: período de repouso de, pelo menos, 45 horas;
- «Período de repouso semanal reduzido»: período de repouso de menos de 45 horas, que pode, nas condições previstas no n.º 6 do artigo 8.º, ser reduzido para um mínimo de 24 horas consecutivas;
i) «Semana»: período entre as 00h00 de segunda-feira e as 24h00 de domingo;

j)– «Tempo de condução»: tempo de condução registado:
- De forma automática ou semiautomática pelo aparelho de controlo a que se referem os anexos I e IB do Regulamento (CEE) n.º 3821/85; ou
- Manualmente, nos termos do n.º 2 do artigo 16.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85.
k)– «Tempo diário de condução»: total acumulado dos períodos de condução entre o final de um período de repouso diário e o início do período de repouso diário seguinte ou entre um período de repouso diário e um período de repouso semanal;
l)– «Tempo semanal de condução»: total acumulado dos períodos de condução durante uma semana;
m)– «Massa máxima autorizada»: massa máxima admissível do veículo carregado, em ordem de marcha;
n)– «Serviços regulares de passageiros»: os transportes nacionais e internacionais, definidos no artigo 2.º do Regulamento (CEE) n.º 684/92 do Conselho, de 16 de Março de 1992, que estabelece regras comuns para os transportes internacionais de passageiros em autocarro;
o)– «Tripulação múltipla»: a situação que se verifica quando, durante qualquer período de condução efetuado entre dois períodos consecutivos de repouso diário ou entre um período de repouso diário e um período de repouso semanal, há pelo menos dois condutores no veículo para conduzir. A presença de outro ou outros condutores é facultativa durante a primeira hora de tripulação múltipla, mas obrigatória no resto do período;
p) «Empresa transportadora» ou «empresa de transportes»: entidade que se dedica ao transporte rodoviário e que pode ser uma pessoa singular ou coletiva, uma associação ou um grupo de pessoas sem personalidade jurídica, com ou sem fins lucrativos, ou um organismo oficial, com personalidade jurídica própria ou dependente de uma autoridade com personalidade jurídica, que age por conta de outrem ou por conta própria;
q) «Período de condução»: o período de condução acumulado a partir do momento em que o condutor começa a conduzir após um período de repouso ou uma pausa, até gozar um período de repouso ou uma pausa. O período de condução pode ser contínuo ou não. (sublinhados nossos)

A seguinte jurisprudência dos nossos tribunais superiores, toda ela publicada em www.dgsi.pt define, nos seguintes moldes, o objeto e âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19/6, por referência ao Regulamento (CE) n.º 561/2006:  
–Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/12/2009, processo n.º 748/08.1TTOAZ.P1, relatora: Albertina Pereira (Sumário parcial)          
«I– Através do Regulamento (CE) 561/2006, de 15 de Março, estabelecem-se as regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros; visa-se a harmonização das condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, especialmente no sector rodoviário e melhorar as condições de trabalho e segurança rodoviária, bem como promover uma melhoria das práticas de controlo e aplicação da lei pelos Estados-Membros e das práticas laborais no sector dos transportes rodoviários, e impedir que a entidade patronal adote uma postura meramente passiva, relativamente ao cumprimento das disposições comunitárias no âmbito dos tempos de repouso e da utilização dos aparelhos de controlo.
II– Mas, como emerge da leitura desse Regulamento, em conjugação com os seus considerandos números 20, 22 e 26, o mesmo só será aplicável quando forem emitidas as normas de execução nacional; ou seja, tal Regulamento carece ainda, de ser concretizado por cada um desses mesmos Estados para que o regime de responsabilidade dele emergente, no que toca ao empregador, possa ser aplicado nesses Estados.
III– O DL 237/07, de 19 de Junho que veio regular determinados aspetos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em atividades de transporte rodoviário efetuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) 561/2006, apenas o faz em relação a determinados aspetos dos abrangidos por este Regulamento, e tão só no que toca ao quadro sancionatório relativo às contraordenações por violação desse mesmo diploma.
IV– Acresce que o dito DL 237/07, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11.03.2002. Essa Diretiva visou estabelecer as prescrições mínimas relativas à organização do tempo de trabalho, tendo em vista aumentar a proteção da segurança e saúde das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário, assim como a segurança rodoviária. E veio definir trabalhador móvel, como sendo aquele (art.º 3.º, n.º 2, alínea h)), “que faça parte do pessoal viajante, inclusive formandos e aprendizes, e que esteja ao serviço de uma empresa que efetue por conta de outrem ou por conta própria, transporte rodoviário de passageiros ou de mercadorias”. (…)»

– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/7/2009, processo n.º 81/09.1TTAVR.C1, relator: Felizardo Paiva (Sumário parcial)   
«I– O Dec. Lei n.º 237/2007, de 19/06, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva (CE) n.º 2002/15/CE, de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exerçam atividades móveis de transporte rodoviário efetuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 3820/85, do Conselho, de 20/12, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efetuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Dec. Lei n.º 324/73, de 30/06.
II– A Diretiva 2002/15/CE apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em atividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) n.º 3820/85, ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR. (…)»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2009, processo n.º 326/09.8TTCBR.C1, relator: Serra Leitão (Sumário)   
«A Diretiva n.º 2002/15/CE, de 11/03 (relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exerçam atividades móveis de transporte rodoviário de trabalhadores móveis) – transporta para a ordem jurídica interna portuguesa pelo D. L. n.º 237/07, de 19/06 -, apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em atividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) n.º 3820/85 ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR (Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários).»

H–DECRETO-LEI N.º 237/2007 DE 19/6 E LITÍGIO DOS AUTOS.

Ora, chegados aqui, impõe-se cruzar as normas comunitárias e legais do Decreto-Lei n.º 237/07 de 19/6 com a factualidade dada como provada e não provada, de forma a determinar se, efetivamente, o regime especial aqui contido se aplica aos trabalhadores filiados no Sindicato aqui Autor, o que implica que os mesmos possam ser qualificados como «trabalhadores móveis» de acordo com as regras jurídicas pertinentes de tal regime.

Os factos que relevam para tal matéria são os seguintes:
«2.–No AAA estão inscritos mais de uma centena de trabalhadores (motoristas) da Ré, que com esta celebraram contratos de trabalho e que prestam a sua atividade sob a sua autoridade, direção e fiscalização.
3.–Estando distribuídos (afetos) por quatro Centros Operacionais os quais se enumeram: Almada, Moita, Setúbal e Seixal.
4.–O período normal de trabalho semanal dos motoristas do movimento está distribuído por cinco dias, cabendo à Ré organizar – como organiza -, as escalas de serviço diárias com os horários de cada um deles.
5.–Tais escalas de serviço são publicitadas nos locais de trabalho, em regra, com um dia de antecedência em relação às datas previstas.
6.–A partir de 1 de Março de 2014 a Ré passou a aplicar o «tempo de disponibilidade» aos seus motoristas de serviço público e associados do Autor, invocando para tal o disposto no Decreto-Lei n.º 237/2007 de 19 de Junho.
7.–O que comunicou através do escrito denominado «INFORMAÇÃO» e datado de 20/02/2014, junto a fls. 92 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «Com a publicação e entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, foi introduzido no ordenamento jurídico português o conceito de “tempo de disponibilidade”, entendendo-se como tal qualquer período durante o qual o trabalhador está dispensado de permanecer no local de trabalho, mas, ainda assim, está obrigado a prestar o trabalho em caso de necessidade. Significa isto que, embora o trabalhador não esteja obrigado a permanecer no seu posto de trabalho durante o tempo de disponibilidade, terá de estar contactável e pronto para comparecer no local de trabalho. De acordo com a lei, o tempo de disponibilidade não é considerado tempo de trabalho, cada hora de tempo de disponibilidade, que ultrapasse a duração do período normal de trabalho diário (8 h), será compensada ao valor da hora normal, acrescido de € 1,16 (um euro e dezasseis cêntimos). A partir do dia 01 de Março de 2014 o período de disponibilidade passará a ser mencionado nas chapas de serviço (…)».
10.–A Ré exerce a atividade de transporte público rodoviário de passageiros em todo o território nacional e no estrangeiro, realizando indistintamente serviços regulares, serviços regulares especializados e serviços ocasionais.
11.–No que concerne aos serviços regulares (carreiras), a Ré exerce a sua atividade predominantemente na Península de Setúbal e nos concelhos de Almada, Seixal, Setúbal, Barreiro, Moita, Alcochete, Sesimbra, Palmela e Lisboa.
12.–A Ré realiza serviços regulares de passageiros, cujo percurso de linha é superior a 50 quilómetros e serviços cujo percurso de linha é inferior a 50 quilómetros, existindo motoristas que no período da manhã realizam serviços cujo percurso é superior a 50 quilómetros e que, no período da tarde, realizam serviços cujo percurso de linha é inferior a 50 quilómetros, e vice-versa.
13.–Das concessões que possui para realizar carreiras de transporte público, quinze têm um percurso que excede os 50 km de percurso em linha, embora, destas, a Ré presentemente apenas realize quatro carreiras.
14.–A atividade da Ré é marcada por pendularidade, o que significa que há uma forte concentração de meios humanos e materiais em dois períodos distintos do dia: o primeiro na ponta da manhã (06h30m/10h) e que correspondente às deslocações casa/emprego; o segundo, na ponta da tarde (16h30m/20h/30m) e que corresponde às deslocações emprego/casa.
15.–Em cada um desses períodos, a Ré é obrigada a afetar a totalidade dos meios humanos e materiais disponíveis para poder satisfazer as necessidades de transporte das populações,
16.–Fora desses períodos de ponta, a Ré apenas necessita de afetar entre 40% a 60% dos seus motoristas e autocarros, dependendo da hora e da zona de tráfego.
17.–Em 25 Janeiro de 1995 a Ré, então denominada (…)  S.A., incorporou, por fusão, a sociedade denominada (…), S.A.
18.–Ao tempo dessa fusão, a Ré vinha praticando em relação a todos os seus trabalhadores as regras de organização do tempo de trabalho que tinham vigorado no âmbito da (…), quer esses trabalhadores estivessem ligados aos estabelecimentos transmitidos por ocasião da cisão, quer tivessem sido admitidos posteriormente.
20.–Dentre as regras que vinham sendo seguidas na então (…), destacam-se as que se aplicavam à organização do tempo de trabalho dos motoristas, nomeadamente as que só permitiam uma única interrupção da jornada de trabalho e, ainda assim, com duração não superior a duas horas.
21.–Em 20/07/1995 a (…), S.A.. altera a denominação para BBB, S.A.
23.–A Ré tem aplicado a todos os seus trabalhadores da empresa, incluindo aos associados do Autor, o acordo de empresa formalizado com o SITRA e publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 18, de 15 de Maio de 1992, alterado pelo BTE, 1.ª Série n.º 39, de 22 de Outubro de 1995, com sucessivas atualizações legais ao nível das tabelas remuneratórias, com todas as condições de trabalho que constavam daquele instrumento de regulamentação coletiva, nomeadamente no que respeita à duração do horário de trabalho, ao número e duração dos intervalos na jornada de trabalho e ao regime de refeições.
24.–A Ré continuou a organizar os tempos de trabalho dos seus motoristas respeitando um único intervalo na jornada de trabalho, com a duração máxima de duas horas ou, no caso dos associados do SITRA e ainda dos demais trabalhadores filiados noutros sindicatos, com a duração máxima de três horas, sendo remunerado o tempo que excedesse duas horas.
25.–Salvo raríssimas exceções, a hora de termo do trabalho diário fixada nos horários de trabalho dos motoristas ocorre sempre mais de dez horas depois da hora do início, sendo até normal a fixação de horários com amplitudes de doze horas, o que não significa que o motorista preste trabalho em todo esse período, estando inativo, em média, por períodos superiores a duas horas.
26.–A Ré remunerava, até 1/03/2014, as primeiras oito horas ao valor da hora normal, sem qualquer acréscimo e as horas seguintes ao valor da hora normal com os acréscimos previstos para a remuneração do trabalho suplementar (ressalvados os intervalos de refeição), mesmo que o tempo assim remunerado corresponda a períodos de inatividade dos motoristas.
27.–Até Fevereiro de 2014 esse pagamento figurou nos recibos de vencimento na rubrica respeitante ao trabalho suplementar, que aí vinha designada pela expressão abreviada “H. EXTRA”.
28.–A partir de Março de 2014 o pagamento dos ditos períodos passou a ser feito sob a designação de “T. Disp.”, que é a forma abreviada de designar “Tempo de Disponibilidade”, sendo os pagamentos efetuados em conformidade com a informação constante do ponto 7 supra.
29.–Atualmente a Ré está a pagar o tempo de disponibilidade a todos os trabalhadores pelo valor da hora normal, acrescido de € 1,17.
30.–A informação referida em 7. foi afixada nos Centros Operacionais do: Laranjeiro, Moita e Setúbal, nomeadamente, nas salas dos motoristas e nos diversos placards onde habitualmente se afixam as informações/comunicações emitidas pela Ré.
31.–A Ré ministrou formação a todos os motoristas relativamente à aplicação do tempo de disponibilidade, a qual designou de “Tempo de disponibilidade e livrete individual de controlo”.
32.–No decurso da ação de formação foi projetada uma apresentação em POWERPOINT com uma explicação detalhada sobre a forma como a empresa iria aplicar o tempo de disponibilidade
33.–A Ré organiza a atividade diária dos motoristas por escalas, pelas quais atribui a cada um uma chapa de serviço, que mencionam, além do mais, as horas de início e do termo da jornada de trabalho, os intervalos de descanso e os serviços de transporte que o trabalhador deve assegurar, com indicação dos respetivos horários, sendo feita de forma cronológica.
34.–As escalas/chapas de serviço são afixadas nos vários locais de trabalho para consulta dos motoristas
35. Desde 1/03/2014, fora dos períodos em que têm serviço atribuído, e a menos que conste das chapas de serviço a menção de «reserva», os motoristas não são obrigados a permanecer no seu posto de trabalho, nem sequer nas instalações da Ré, mas sabem que podem ser chamados para acorrer à realização de qualquer serviço que não esteja previsto nas chapas de serviço.»[[14]]

Complementando tais factos com os documentos juntos aos autos, poder-se-á concluir, como fez a sentença aqui impugnada e propugnou a Ré, que a atividade profissional dos trabalhadores filiados no Sindicato Autor vê o seu tempo de trabalho (v.g., o seu tempo de disponibilidade) regulado pelo regime especial do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19/6 ou, ao invés, como sustenta o ilustre magistrado do Ministério Público pela mera aplicação parcial de tal normativo (no fundo, apenas aos motoristas que fazem as 4 carreiras que excedem o percurso em linha de 50 Km) ou, ainda e finalmente, pela negação integral desse diploma legal ao cenário concreto que se mostra espelhado nos autos?

A primeira dúvida que pode ser aqui colocada é se o acima identificado regime comunitário e legal é acionado por referência ao tipo de atividade rodoviária desenvolvida pelas empresas de transportes ou com base no tipo de transporte que, veículo a veículo, é realizado no caso em análise e no quadro da dita atividade, afigurando-se-nos que a resposta correta a tal questão encontra-se na segunda perspetiva enunciada e não na primeira.

Se lermos, com atenção, as normas que antes deixámos transcritas, constatamos que as mesmas, ainda que com algumas ambiguidades, parecem radicar, objetivamente, o seu regime nos transportes rodoviários efetuados por viaturas individualizadas e com vista a salvaguardar a saúde e segurança dos motoristas que efetivamente conduzem tais veículos de mercadorias ou passageiros dentro do território nacional (e de forma indirecta, a segurança e saúde dos respetivos passageiros e de terceiros que com eles se cruzem), sendo a partir desses elementos materiais e jurídicos em concreto que se definem os requisitos de aplicação desse conjunto normativo aos chamados e aí definidos «trabalhadores móveis».

Não faz sentido pugnar pela aplicação de tal regime em termos globais e a todos os trabalhadores de uma entidade empregadora simplesmente pela circunstância desta última desenvolver, ainda que pontual ou minoritariamente, transportes que cabem dentro da previsão legal e comunitária aqui em apreço, assim fazendo cumprir o mesmo relativamente a motoristas que nunca fazem viagens com um percurso em linha superior a 50 quilómetros ou só o façam ocasional ou pontualmente.

Dir-se-á que uma tal interpretação do regime legal e comunitário em questão cria problemas acrescidos de gestão e organização dos tempos de trabalho dos seus motoristas às entidades empregadoras que desenvolvam a sua atividade no sector económico visado por aquele, pois terão de chamar à colação para conjuntos diferentes de trabalhadores ou até para os mesmos assalariados dois tipos de normas distintos – um de cariz especial, como o daqueles diplomas normativos e outro de índole geral (CT/2009) -, cumulando ambos neste último grupo de motoristas (lembre-se aqui que ficou dado como demonstrado que os filiados no Sindicato Autor podiam num período do dia conduzir autocarros que faziam um percurso em linha de menos de 50 quilómetros e no outro um período diferente, em que a carreira obrigava a um percurso superior a tal limite máximo quilométrico).

A objecção tem razão de ser mas afigura-se-nos que nada resulta da lei que impeça uma tal cumulação que, para mais, reflete a natureza concreta e efetiva do trabalho de condução que está a ser praticado e que não parece impor à empresa Ré um acrescido esforço de execução, em termos práticos, logísticos, administrativos e de planificação das carreiras existentes com mais de 50 km de percurso em linha (4 neste momento mas que se poderão alargar a 15, de acordo com a factualidade dada como assente).

Não será despiciendo trazer aqui o teor do artigo 36.º da Petição Inicial do SNM, onde se afirma o seguinte:
«O relatório da Comissão das Comunidades Europeias sobre a aplicação das disposições da Directiva 2003/88/CE (organização do tempo de trabalho dos trabalhadores afectados ao transporte de passageiros em serviços regulares de transporte urbano) determina que "...o tempo de trabalho dos trabalhadores afectados ao transporte de passageiros em serviços regulares de transporte urbano,  bem como dos trabalhadores móveis, sempre que o percurso não ultrapasse 50 quilómetros, é regulado pela directiva. Se o percurso ultrapassar 50 quilómetros, é aplicável a Directiva 2002/15/CE. Dadas as diferenças entre as respectivas disposições, é importante aplicar aos trabalhadores as disposições correctas ou, em qualquer caso, as mais favoráveis." - Doc. 6».

Este excerto de tal Relatório, deve ainda ser conjugado com a seguinte conclusão do mesmo:
«Quando o transporte urbano e regional é assegurado pela mesma empresa, nem sempre é claro se o Regulamento (CE) n.º 3820/85 e a Diretiva 2020/15/CE se aplicam aos trabalhadores que efetuam percursos superiores a 50 quilómetros. A não aplicação destes diplomas legais aos trabalhadores abrangidos pelo seu âmbito de aplicação constitui uma violação do direito comunitário, uma vez que estes diplomas legais específicos prevêem um grau de proteção superior ao da diretiva». (sublinhados a negrito da nossa autoria)  
        
Ora, a ser assim, como nos parece evidente, não colhe a justificação dada pela Ré na sua carta de resposta à missiva do Autor Sindicato, que se mostram juntas, respetivamente, a fls. 20 e 21 (Doc. n.º 2, com data de 25/2/2014) e 22 (Doc. n.º 3, com data de 27/2/2014) e estão referenciadas no Ponto 8. da Matéria de Facto dada como Provada, quando ali afirma o seguinte:
«Em conclusão, contrariamente à posição do AAA, o «tempo de disponibilidade» aplica-se aos Motoristas (e demais trabalhadores móveis) das empresas de transporte rodoviário urbano e interurbano, ou seja, a todos os trabalhadores móveis afetos ao transporte de passageiros em qualquer tipo de serviço e independentemente da distância quilométrica do respetivo percurso». (sublinhado a negrito da nossa responsabilidade). 
                            
Estamos assim de acordo, nesta matéria, com o parecer do ilustre magistrado do Ministério Público, quando sustenta a cobertura apenas parcial da atividade da Ré por tal regime legal especial, ou seja, com referência a essas quatro carreiras que excedem os tais 50 quilómetros em linha e quanto aos respetivos motoristas, quando as estão a fazer em termos efetivos.

I–INTERPRETAÇÃO DO REGIME LEGAL ESPECIAL DEFENDIDO NA SENTENÇA RECORRIDA E TAMBÉM PELA RÉ

Equacionemos, contudo, a tese sustentada na sentença recorrida e que também é pugnada pela Ré e aqui recorrida [[15]], ou seja, de que o referido regime do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19/6 e correspondente Regulamento comunitário (CE) 561/2006, de 15 de Março se aplica às empresas de transportes rodoviários de passageiros ou de mercadorias que transitem em território nacional e não aos trabalhadores individualmente considerados que conduzam as viaturas automóveis em questão dentro das condições e circunstâncias legalmente previstas.
Admitimos que, em termos de repartição de ónus de alegação e prova, competia ao Sindicato Autor demonstrar que os trabalhadores seus associados que tripulam os veículos de transporte de passageiros da Ré não estavam abrangidos pelo referido regime especial. Logrou o aqui Apelante fazer tal prova?
Dir-se-á que o Autor não alegou factos que, direta e expressamente, nos informassem do número de carreiras que são comercialmente exploradas pela Ré, assim como das distâncias percorridas entre o início e o fim das mesmas, tendo o SNM se limitado a carrear para a sua P.I. os seguintes artigos com relevância fáctica para a matéria que aqui nos ocupa:
«8.º -O A. representa cerca de 200 motoristas afetos ao serviço público, designado por pessoal do movimento (motoristas de serviço público), que desempenham as suas funções nos vários horários implementados pela R fruto da sua organização de trabalho;
9.º -Estando distribuídos (afetos) por quatro Centros Operacionais os quais se enumeram: Almada, Moita, Setúbal e Seixal.
10.º -O período normal de trabalho semanal dos motoristas do movimento está distribuído por cinco dias, cabendo à R organizar – como organiza - por imperativo legal, as escalas de serviço diárias com os horários de cada um deles.
22.º -A área de exploração da Ré está circunscrita à Península de Setúbal, abrangendo os concelhos de Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Seixal, Sesimbra e Setúbal. Efectuando serviços de transporte de passageiros, através de carreiras urbanas, suburbanas e rápidas, sem prejuízo de poder fazer serviços pendulares de ligação ao caminho-de-ferro, alugueres fixos e ocasionais, os quais não excedem os 50 Km de percurso de linha.»

Os factos que vieram a ser dados como assentes resultam, no que a esta específica matéria diz respeito, à alegação feita pela Ré na sua contestação e que assim permitiu que se soubesse que tem alvará para explorar 15 carreiras com mais de 50 Km de percurso em linha mas que somente tem 4 em efetivo funcionamento, o que, à primeira vista, é insuficiente para formar um juízo exato sobre a dimensão da atividade, quer em número de linhas ou carreiras que na totalidade pratica, como no que toca ao número rigoroso daquelas que não excedem os referidos 50 quilómetros.

Pensamos contudo que, ainda que de uma forma indirecta e presumida, se pode extrair alguns dados certeiros da pouca factualidade dada como assente, dado esta última nos permitir o seguinte raciocínio: estimando que temos 4 linhas que perfazem mais de 50 Km e admitindo, num extremo irrealista – pois estamos convencidos, de acordo com as regras da experiência comum, que haverá certamente uma paragem de algumas horas durante a noite para todas elas - , que os autocarros respetivos circulam 24 horas sobre 24 horas, teremos que ao fim de uma semana completa de trabalho obtemos o seguinte tempo total de circulação dos mesmos: 24 horas x 7 dias x 4 carreiras = 672 horas.

Agora, atendamos ao facto de o AAA representar, no mínimo, 100 motoristas e que estes laboram, por norma, durante uma semana completa, em 5 dias x 40 horas cada um, isto é, ao longo de 20.000 horas de trabalho normal (note-se que não estamos aqui a considerar quaisquer tempos de paragem ou sequer trabalho suplementar).

Confrontando este número total de horas de trabalho com aquelas que semanal e presumivelmente poderiam ser feitas naquelas 4 carreiras, é óbvio que estas últimas traduzem uma expressão ínfima ou bastante menor de toda a atividade rodoviária da Ré que, assim e obrigatoriamente, se dedica maioritariamente (essencialmente?) a desenvolver e a explorar percursos que são necessariamente inferiores a 50 quilómetros em linha.

Diremos que este cenário sai igualmente reforçado pela área relativamente vasta e muito povoada que é servida pelos autocarros da Ré e que impõem, indiscutivelmente, um número de linhas muito superior aquelas 4 que acima evidenciámos. 

Ora, a ser assim, sustentar que deve ser aplicado de forma uniforme e total o aludido regime especial – unicamente aplicável a uma pequena minoria de trabalhadores - a todos os demais motoristas e trabalhadores móveis da Ré (a sua larga maioria) traduz-se numa atitude irrazoável, injustificada e desproporcionada que pode e deve ser reconduzida à figura do abuso de direito prevista no artigo 334.º do Código Civil, pois configura o exercício do correspondente direito de uma forma que excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé e até pelo fim social e económico do mesmo.  

J–REGULAMENTAÇÃO COLETIVA E SUA APLICAÇÃO PELA RÉ.

Importa referir ainda o óbvio e quer é o seguinte: conforme ficou dado como assente, a Ré, até ao dia 28/2/2014, pagava aos associados do Sindicato Autor o aqui chamado (ainda que impropriamente) «tempo de disponibilidade» nos moldes descritos no Pontos 17. a 27., tendo, a partir do dia 1/3/2014, passado, com base no referido Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19/6, a não remunerar aquele tempo de inatividade relativa porque dependente de chamada.

Ora, a conduta que foi levada a cabo pela BBB, SA baseava-se na aplicação da regulamentação coletiva identificada na Factualidade dada como Provada (e que, como já vimos antes, não era aquela subscrita pelo AAA, sendo que, quer tal AE do SITRA, quer este último CCT do AAA (este até junho de 2016), não continham – como já antes vimos - regras convencionais que previssem e regulassem como um «tempo de terceiro tipo»[[16]]as tais pausas (agora técnicas) de paragem temporária e de parcial disponibilidade pessoal, impondo assim que as horas que extravasassem os período e horário normais de trabalho fossem retribuídos como trabalho suplementar.

Logo, a ser assim, como nos parece manifesto, não encontramos justificação jurídica mínima para a referida modificação de comportamento por parte da entidade empregadora desde 1/3/2014, com a imediata e automática desaplicação da dita contratação coletiva e sua substituição pelo referido regime legal.

Dir-se-á que o Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19/6 não consentia tal aplicação dessa regulamentação coletiva mas, salvo melhor opinião, esse diploma legal, no seu artigo 1.º, número 3, somente afasta(va) as normas do Código de Trabalho de 2003 e depois de 2009 que regulassem as mesmas matérias que os seus artigos 2.º a 9.º e nada mais, pois no que respeita à contratação coletiva, não apenas a definição de «tempo de disponibilidade» do seu artigo 2.º, alínea c) faz expressa menção a essa regulamentação convencional [[17]], como o número 2 do artigo 6.º, que define os «limites da duração do trabalho» estabelece que «Por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o período de referência previsto no número anterior pode ser aumentado até seis meses», no que é também secundado pelo artigo 7.º, ao abrir igualmente a porta à normatividade da regulamentação coletiva, no que respeita às exceções aos limites da duração do trabalho [[18]].

Também não será despiciendo aludir aqui à Lei n.º 27/2010, de 30/08 [[19]] e que no seu artigo 2.º, número 1, determina expressamente o seguinte (sublinhado a negrito da nossa autoria):

Artigo 2.º
Aplicação da regulamentação nacional
1- Em caso de transporte efetuado inteiramente em território português, o condutor ao serviço de empresa neste estabelecida está sujeito à regulamentação coletiva de trabalho aplicável que preveja tempos máximos de condução menos elevados ou pausas ou períodos de repouso mais elevados do que os estabelecidos na regulamentação comunitária ou no AETR.  

Não se descortina, assim, em tal conjunto normativo uma qualquer derrogação ou afastamento da regulamentação coletiva (antes pelo contrário), o mesmo se podendo dizer do Regulamento comunitário (CE) 561/2006, de 15 de Março, não apenas em termos de Considerandos, como do articulado propriamente dito [[20]], assim como no que toca, finalmente, ao artigo 3.º do CT/2009 [[21]].
Permitimo-nos reproduzir parte da Petição Inicial que se debruça, em moldes com os quais concordamos, sobre esta matéria (sendo nossos os sublinhados a negrito):
«36.º -O relatório da Comissão das Comunidades Europeias sobre a aplicação das disposições da Diretiva 2003/88/CE (organização do tempo de trabalho dos trabalhadores afetados ao transporte de passageiros em serviços regulares de transporte urbano) determina que "...o tempo de trabalho dos trabalhadores afetados ao transporte de passageiros em serviços regulares de transporte urbano, bem como dos trabalhadores móveis, sempre que o percurso não ultrapasse 50 quilómetros, é regulado pela diretiva. Se o percurso ultrapassar 50 quilómetros, é aplicável a Diretiva 2002/15/CE. Dadas as diferenças entre as respetivas disposições, é importante aplicar aos trabalhadores as disposições corretas ou, em qualquer caso, as mais favoráveis." - Conforme Doc. 6.
37.º - Dispõe o artigo 15.º da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Novembro de 2003 o seguinte:
"Disposições mais favoráveis
A presente diretiva não impede os Estados-Membros de aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou de promoverem ou permitirem a aplicação de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores."
38.º - Temos que a Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Novembro de 2003 não é imperativa.
39.º - No que diz respeito ao Estado Membro Português, dispõe o relatório da Comissão das Comunidades Europeias sobre a aplicação das disposições da Diretiva 2003/88/CE (organização do tempo de trabalho dos trabalhadores afetados ao transporte de passageiros em serviços regulares de transporte urbano) no seu n.º 2.20 (Doc. 6) o seguinte:
"2.20 Portugal
O sector dos transportes urbanos é regido pelas normas gerais do Código do Trabalho. São permitidas exceções para o sector dos transportes urbanos, previstas em convenções coletivas celebradas a nível das empresas, no que se refere a descanso diário, pausas, descanso semanal, tempo máximo de trabalho semanal e duração do trabalho noturno.
O tempo máximo de trabalho semanal (incluindo horas extraordinárias) não pode ultrapassar, em média, 48 horas, num período de referência - a fixar em convenção coletiva - que não pode ultrapassar 12 meses (4 ou 6 meses para os transportes urbanos, sempre que exista convenção coletiva)."
40.º –Ora, como bem se vê, o Decreto-lei 237/2007 de 19 de Junho determina limites mínimos relativos a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em atividades de transporte rodoviário efetuadas em território nacional, abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006 ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efetuam Transportes Internacionais Rodoviário. Podendo, através da contratação coletiva, as partes poderem estabelecer outros limites relativos a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, sem que essa determinação possa ser inferior ao disposto no citado decreto-lei.
41.º –Temos que o Regulamento (CE) n.º 561/2006, no seu Capítulo II sob o título de "TRIPULAÇÕES, TEMPOS DE CONDUÇÃO, PAUSAS E PERÍODOS DE REPOUSO", regula o tempo diário de condução, o tempo semanal de condução, pausas, repousos diários e semanais. Conforme Doc. 5 que se junta.
42.º –O regulamento supra, no n.º 5 do supra citado Capítulo, apenas prevê a possibilidade de o condutor poder "...ainda registar quaisquer períodos de «disponibilidade», tal como definidos na alínea c) do n.º 3 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85,...".
43.º –Ora, como já se viu, no n.º 26 da presente p.i., apenas as disposições do regulamento em referência permanecerão, de forma imperativa, aplicáveis aos condutores que efetuem operações de transporte internacionais. Excluindo manifestamente todo o transporte rodoviário feito em território nacional, remetendo para as convenções coletivas ou outros acordos a regulamentação de tais disposições».  
Logo, estava a Ré juridicamente obrigada a aplicar a todos os motoristas associados na Ré, sem distinção entre a sua qualidade de «trabalhador móvel» ou não o referido regime convencional regulador dos tempos de trabalho e da remuneração diferenciada dos mesmos.  
    
K–ABUSO DE DIREITO.
Ainda que não se concorde como o que se deixou referenciado no Ponto anterior, sempre se dirá, finalmente e numa última e diversa perspetiva do assunto que aqui apreciamos, que a Ré apenas em 1/3/2014, ou seja, 6 anos e 9 meses depois de o Decreto-Lei n.º 237/2007 de 19/6 ter entrado em vigor (24/6/2007 decidiu aplicar aos seus motoristas e outros trabalhadores por tal regime abrangido a referida figura do «tempo de disponibilidade» (restando saber se também deu cumprimento às demais disposições de tal diploma legal), quando até essa data e conforme ficou demonstrado tinha a seguinte prática:

«7.-O que comunicou através do escrito denominado «INFORMAÇÃO» e datado de 20/02/2014, junto a fls. 92 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «Com a publicação e entrada em vigor do Dec. Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, foi introduzido no ordenamento jurídico português o conceito de “tempo de disponibilidade”, entendendo-se como tal qualquer período durante o qual o trabalhador está dispensado de permanecer no local de trabalho, mas, ainda assim, está obrigado a prestar o trabalho em caso de necessidade. Significa isto que, embora o trabalhador não esteja obrigado a permanecer no seu posto de trabalho durante o tempo de disponibilidade, terá de estar contactável e pronto para comparecer no local de trabalho. De acordo com a lei, o tempo de disponibilidade não é considerado tempo de trabalho, cada hora de tempo de disponibilidade, que ultrapasse a duração do período normal de trabalho diário (8 h), será compensada ao valor da hora normal, acrescido de € 1,16 (um euro e dezasseis cêntimos). A partir do dia 01 de Março de 2014 o período de disponibilidade passará a ser mencionado nas chapas de serviço (…)».
20.- Dentre as regras que vinham sendo seguidas na então (…), destacam-se as que se aplicavam à organização do tempo de trabalho dos motoristas, nomeadamente as que só permitiam uma única interrupção da jornada de trabalho e, ainda assim, com duração não superior a duas horas.
24.- A Ré continuou a organizar os tempos de trabalho dos seus motoristas respeitando um único intervalo na jornada de trabalho, com a duração máxima de duas horas ou, no caso dos associados do SITRA e ainda dos demais trabalhadores filiados noutros sindicatos, com a duração máxima de três horas, sendo remunerado o tempo que excedesse duas horas.
25.- Salvo raríssimas exceções, a hora de termo do trabalho diário fixada nos horários de trabalho dos motoristas ocorre sempre mais de dez horas depois da hora do início, sendo até normal a fixação de horários com amplitudes de doze horas, o que não significa que o motorista preste trabalho em todo esse período, estando inativo, em média, por períodos superiores a duas horas.
26.- A Ré remunerava, até 1/03/2014, as primeiras oito horas ao valor da hora normal, sem qualquer acréscimo e as horas seguintes ao valor da hora normal com os acréscimos previstos para a remuneração do trabalho suplementar (ressalvados os intervalos de refeição), mesmo que o tempo assim remunerado corresponda a períodos de inatividade dos motoristas.
27.- Até Fevereiro de 2014 esse pagamento figurou nos recibos de vencimento na rubrica respeitante ao trabalho suplementar, que aí vinha designada pela expressão abreviada “H. EXTRA”.
28.- A partir de Março de 2014 o pagamento dos ditos períodos passou a ser feito sob a designação de “T. Disp.”, que é a forma abreviada de designar “Tempo de Disponibilidade”, sendo os pagamentos efetuados em conformidade com a informação constante do ponto 7 supra

Por uma questão de honestidade intelectual impõe-se também reproduzir o Ponto 29. de tal Factualidade, ao afirmar o seguinte:  
«29.- Atualmente a Ré está a pagar o tempo de disponibilidade a todos os trabalhadores pelo valor da hora normal, acrescido de € 1,17.»

Despistemos, desde já, os factos contidos neste último Ponto, dado que, entretanto, entrou em vigor um novo CCT firmado entre a ANTROP (associação patronal a que pertence a Ré) e o Sindicato Autor, havendo agora regras específicas para o que aí se mostra designado como «Pausa Técnica» e que dá assim cobertura convencional à prática empresarial atual da empresa aqui Apelada.

Debruçando-nos agora sobre os demais factos antes transcritos, diremos que nada nos mesmos justifica a mudança da atitude da recorrida para com os seus (impropriamente qualificados e designados) «trabalhadores móveis», que assim criaram a convicção de que ao longo daquele já considerável período de tempo seriam sempre remunerados pela sua entidade empregadora nos moldes ali descritos e mesmo quanto aos seus períodos de inatividade ou disponibilidade (até por referência ao CCT ou AE então em vigor, que não estabeleciam qualquer distinção entre tempo de trabalho e tempo de disponibilidade, em termos de remuneração).

Ora, ao adotar tal súbito e inesperado comportamento, com a inerente quebra de retribuição e marcação de faltas injustificadas aos trabalhadores que se recusavam a cumprir o novo regime de tempo de trabalho que lhes foi imposto unilateral pela empresa, a Ré incorreu, mais uma vez e nos termos do artigo 334.º do Código Civil, numa situação de abuso de direito que, em si e por si e ainda que não se considerassem os argumentos anteriormente desenvolvidos, seria impeditivo da mudança negativa introduzida[[22]]

Importa, no entanto, levar um pouco mais longe tal raciocínio e aplicá-lo mesmo aos trabalhadores genuinamente móveis (chamemos-lhe assim, aqui querendo-nos referir aos que caíam por inteiro no âmbito do regime especial em causa e que era quando faziam as tais carreiras com mais de 50 Km de percurso em linha) pois também quanto a estes a Ré nunca lançou mão do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, tendo-os tratado de forma igual aos demais.

Ora, a ser assim, não nos resta concluir de outra maneira que não seja pela inaplicabilidade durante o referido período de 1/3/2014 a 13/6/2016 do referido regime especial a todos os trabalhadores filiados no Sindicato Autor, com a procedência das pretensões que se radiquem em tal inaplicabilidade (embora nos pareça que deve ser a ilicitude e não a nulidade da prática da Ré que deve ser judicialmente declarada).

Importa realçar o seguinte: com a publicação do CCT entre a ANTROP e o SNM no BTE n.º 21/2016 e com a nova prática empresarial que ao abrigo do mesmo é praticado pela Ré perderam sentido os pedidos que visavam ultrapassar o limite temporal de junho de 2016 (os das alíneas a), b) e d)], assim se compreendendo a desistência dessa parte dos mesmos que operou na primeira sessão da Audiência de Discussão e Julgamento.

L–FALTAS INJUSTIFICADAS E REGISTO DISCIPLINAR.  

Também e por outro lado, se não temos dúvidas quanto à legitimidade do Autor para, em nome e representação dos seus associados, vir reclamar a alteração da conduta da entidade empregadora destes últimos para com os tempos de trabalho que passaram a ser exigidos pela Ré desde 1/3/2014 (v. g., o chamado tempo de disponibilidade e a sua remuneração), já não vislumbraríamos causa de pedir mínima para dar provimento aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) [[23]], não se desse o caso de o Sindicato recorrente, na sua impugnação da sentença judicial do Tribunal do Trabalho de Lisboa, não tivesse deixar cair os mesmos, assim permitindo a formação de caso julgado material quanto a eles [[24]].                

M–SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA.

Resta-nos abordar a questão da sanção pecuniária compulsória que se encontra prevista e regulada no artigo 829.º-A do Código Civil, traduzindo-se o pedido do Autor aqui em apreço no seguinte:
e)- Ser a Ré condenada, na quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) ao Autor, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia a contar da citação em que a Ré, por qualquer forma, se abstenha ou viole o peticionado nas alíneas a) a d) do peditório, bem como em custas e condigna procuradoria.»

Ora, como já antes dissemos, muito embora o AAA recolha a sua legitimidade do disposto no artigo 5.º, número 1, do Código de Processo de Trabalho, por referência ao interesse coletivo que, no que respeita ao regime de tempo de trabalho levado a cabo pela Ré relativamente ao todos os motoristas ao seu serviço aí se encontrando englobados os associados do Autor) já não nos parece possível e legítimo que o Sindicato aqui demandante, independentemente dos precisos moldes em que o litígio se mostra atualmente circunscrito, possa vir demandar em seu nome tal sanção pecuniária compulsória no montante diário de € 5.000,00.

É preciso notar que a mesma destina-se a ver cumprido o pagamento de créditos laborais, de montante certamente desigual e variável, que são devidos, em exclusivo e individualmente, a cada um dos seus associados, pela insatisfação por parte da Ré (para mais, desde a data da citação desta última) de tal obrigação de ressarcimento dos trabalhadores, em número indeterminado e indefinido, do trabalho suplementar prestado, por referência ao tempo de disponibilidade que deve voltar a ser encarado como tempo de trabalho, nas precisas e exatas condições e circunstâncias que eram praticadas pela Ré até 28/2/2014 (sendo que tal dever de pagamento desse trabalho suplementar se situa entre 1/3/2014 e 13/6/2016).

O Autor, para efeitos do número 3 do artigo 829.º-A do Código Civil, não é o credor dos juros de mora na percentagem de 5% do número 4 dessa mesma disposição legal e também não aguarda da parte da Ré o desenvolvimento de qualquer conduta suplementar que complete ou complemente a declaração de ilicitude da referida prática da aqui recorrida.

Logo, tem tal pedido de condenação da Ré numa sanção pecuniária compulsória de ser julgada improcedente.     
 
Sendo assim, julga-se parcialmente procedente o presente recurso de Apelação do Autor nesta suas vertentes jurídicas, com a inerente alteração sentença recorrida e sua substituição, na parte que foi objeto de recurso, por uma decisão que julgue parcialmente a presente ação nos moldes constantes da fundamentação do presente Aresto.  
                           
IV–DECISÃO.
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:
a)- Em rejeitar o presente recurso de Apelação interposto por AAA, com referência à parte em que impugnou a Decisão sobre a Matéria de Facto;
b)- Em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por AAA, nessa medida se decidindo:
1)- Alterar a sentença recorrida;
2)- Declarar a ilicitude da prática da Ré, levada a cabo entre 1/3/2014 e 13/6/2016, no sentido da aplicação aos trabalhadores filiados no Sindicato Autor do regime do tempo de disponibilidade previsto no Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho e inerente condenação da Ré BBB SA em reconhecer tal ilicitude;
3)- Condenar também a Ré BBB, SA a pagar aos trabalhadores associados do Autor os montantes devidos a título de trabalho suplementar efetivamente prestado, por referência ao "tempo de disponibilidade" que deixou de ser considerado tempo de trabalho dentro aquele período temporal e que, nos moldes ordenados neste Aresto, terá de ser encarado juridicamente enquanto tal, nos precisos termos que foram levados a cabo pela entidade empregadora até 28/2/2014, devendo o cálculo e o valor de tal trabalho suplementar estar devidamente discriminado nos recibos de remuneração;
4)- Absolver a Ré do pedido da sua condenação numa sanção pecuniária compulsória, assim como no demais pedido nas alíneas a) e b) do Petitório Final; 
5)- Confirmar, no demais, a sentença recorrida (alíneas c) e d) do Petitório Final);
6)- Custas da ação a cargo do Autor e da Ré, na proporção do decaimento, fixando-se a mesma em 50% para cada parte - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Custas do presente recurso de Apelação a cargo da Ré - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.



Lisboa, 21 de dezembro de 2017  

   
(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)



[1]Entendemos inútil dar a conhecer nesta sede a parte relativa à inquirição da testemunha que se achava transcrita nas alegações da ali recorrente e que foi transposta para o texto do Aresto que agora nos encontramos a reproduzir.
[2]Tendo a Ré vindo aditar, a fls. 155, o seu rol de testemunhas, o que foi judicialmente admitido por despacho de fls. 157.
[3]E que, por impedimento da mandatária da Ré, veio a ser substituída por uma nova data, nos termos do despacho de fls. 120, vindo esta segunda também a ser dada sem efeito, face à renúncia do mandato por parte do advogado do Autor (fls. 133 a 135) e necessidade de constituição de um novo advogado por parte do referido Sindicato, conforme ressalta dos despachos judiciais de fls. 141, 147 (suspensão da instância), 157 e 160.   
[4]Pode ler-se na Ata em causa, no que para aqui releva, o seguinte relato do que foi requerido e decidido em tal 1.ª Sessão da Audiência Final:
«Aberta a diligência pelas 09:30 horas, pelas Mandatárias foi pedida a palavra, e no uso da mesma, que lhes foi concedida, disseram:
"A partir de Junho de 2016, a Ré passou a aplicar a todos os trabalhadores da empresa a cláusula 24.ª da convenção colectiva outorgada entre a ANTROP e o Autor, publicada no BTE n.º 21 de 8 de Junho de 2016, ao período anteriormente designado por tempo de disponibilidade e que é objecto desta acção, obrigando-se a pagar a partir da mesma data àqueles trabalhadores a respectiva retribuição calculada nos termos da cláusula 48.ª da aludida convenção, conforme informação que se junta.
Com base nesta situação superveniente consideram que existe uma inutilidade parcial do objecto do litígio quanto ao pedido constante na alínea a) e quanto ao pedido constante na alínea b), a partir do mês de Junho de 2016, mantendo-se o litígio no que respeita ao período entre Março de 2014 e Maio de 2016.
Encontram-se a decorrer negociações entre as partes relativamente ao acordo de empresa, sendo intenção da Ré apresentar uma proposta ao Autor que solucione a questão no que se refere ao período de Março de 2014 a Maio de 2016.
A Ré, porque terá de aplicar a solução que for encontrada a todos os trabalhadores, necessita de um período de tempo para concluir qual a proposta que poderá fazer para pagamento das diferenças salariais existentes.
Estando o objecto do litígio reduzido àquele período e perante tal quadro de negociações, requerem a suspensão da presente audiência de discussão e julgamento, por período não inferior a dois meses, com vista a permitir a celebração de um acordo quanto à questão pendente".
*
Pela ilustre mandatária do Autor foi dito requerer a rectificação do lapso de escrita na al. b) do pedido, de forma que passe a constar 01/03/2014, ao invés de 01/05/2014.
*
Nada foi oposto pela ilustre mandatária da Ré, à requerida rectificação.
*
Pela ilustre mandatária da Ré foi junta a informação que consta a folhas 171, a qual, foi rubricada pela Mmª. Juiz e de imediato junta aos autos.
*

Seguidamente pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte DESPACHO
«I.– Admite-se a rectificação requerida.
Anote.
*
II.– Extinção Parcial da Instância por Inutilidade Superveniente da Lide
Na presente acção, peticiona o Autor o seguinte:
a)- A declarar a nulidade do conceito e da aplicação dos tempos de disponibilidade nos horários de trabalho a que estão sujeitos os trabalhadores da Ré, associados do Autor;
b)- Em consequência, ser a Ré condenada a efectuar o pagamento do trabalho exigido a título de "tempo de disponibilidade" aos seus trabalhadores Associados do Autor, incluindo o cálculo e o valor, como trabalho suplementar efectivamente prestado, incluindo a respectiva discriminação nos recibos de remuneração, a partir do dia 1 de Março de 2014;
c)- A revogar do registo individual de cada Associado do A todas as faltas injustificadas dadas na sequência da não-aceitação da imposição do Tempo de disponibilidade.
d)- A proceder à revogação de todas as sanções disciplinares do registo individual de cada Associado do Autor, que tenham tido ou venham a ter origem em faltas injustificadas dadas na sequência da não-aceitação da imposição do Tempo de disponibilidade;
e) Ser a Ré condenada, na quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) ao Autor, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia a contar da citação em que a Ré, por qualquer forma, se abstenha ou viole o peticionado nas alíneas a) a d) do peditório, bem como em custas e condigna procuradoria.
f)- E ainda, em custas e procuradoria e demais encargos legais.
Na presente diligência, as partes, através dos seus mandatários, declararam: "A partir de Junho de 2016, a Ré passou a aplicar a todos os trabalhadores da empresa a cláusula 24.ª da convenção colectiva outorgada entre a ANTROP e o Autor, publicada no BTE n.º 21 de 8 de Junho de 2016, ao período anteriormente designado por tempo de disponibilidade e que é objecto desta acção, obrigando-se a pagar a partir da mesma data àqueles trabalhadores a respectiva retribuição calculada nos termos da cláusula 48.ª da aludida convenção, conforme informação que se junta. Com base nesta situação superveniente consideram que existe uma inutilidade parcial do objecto do litígio quanto ao pedido constante na alínea a) e quanto ao pedido constante na alínea b), a partir do mês de Junho de 2016, mantendo-se o litígio no que respeita ao período entre Março de 2014 e Maio de 2016. (…)
Cumpre apreciar.
A celebração da supra referida Convenção Colectiva, na pendência da presente acção, através da qual foi regulado e definido o período de trabalho suplementar/tempo de disponibilidade objecto da presente acção e sua qualificação, sobre o que as partes divergiam, e a aplicação dessa regulação/definição aos cálculos dos valores pagos aos trabalhadores associados no Autor a partir de Junho de 2016, constitui fundamento determinante da inutilidade superveniente da lide parcial quanto aos pedidos das alíneas a) e b), no que respeita ao período decorrido a partir de Junho de 2016, como as próprias partes reconhecem: por força de tal acordo colectivo, onde foi expressamente definida e regulada pelas partes o período de actividade em causa, quer quanto à sua qualificação quer quanto à forma de cálculo para efeitos do respectivo pagamento, a acção perdeu utilidade nessa parte.
Como tal “solução” não abrangeu uma definição concreto sobre a qualificação e forma de cálculo quanto ao período anterior, isto é, quanto aos meses de Março de 2014 a Maio de 2016, a acção terá que prosseguir nesta parte.
A inutilidade superveniente parcial da lide constitui fundamento legal da extinção parcial da instância - art.º 277.º/e) do C. P. Civil, aplicável ex vi do art.º 1.º/2 a) do C. P. Trabalho.
Face ao exposto, decide-se:
1)– Declarar a extinção parcial da instância quanto aos pedidos formulados pelo Autor sob alíneas a) e b) no que concerne ao período decorrido a partir de Junho de 2016.
2)– Determinar o prosseguimento da presente acção para apreciação dos pedidos na parte remanescente.
Custas em parte iguais, sem prejuízo da isenção de que beneficia o Autor.
Notifique e registe.
*
III.– Tendo em conta o mais requerido pelas partes, considerando que o fim principal do processo é a obtenção de uma justa composição do litígio e que as partes mostram vontade por elas próprias de alcançar um consenso para colocarem fim ao litígio que existe entre ambos e que até originou uma inutilidade superveniente da lide parcial, e que, na sequência dessa negociação colectiva se perspectiva uma negociação entre as partes, não se vislumbrando qualquer utilidade ou qualquer outra razão premente para que se dê de imediato início à produção de prova quando as partes pretende encetar negociação para obtenção desse consenso, nos termos dos arts. 6.º e 547.º do C.P.C., aplicáveis ex vi do art.º 1.º, n.º 2 al. a) do C.P.T., suspende-se aqui, a presente audiência de julgamento, designando-se para a sua continuação o dia 13 de Fevereiro de 2017, às 09:30 horas.
Notifique e DN.»
[5]“1.– Vem o presente recurso interposto pelo Autor Recorrente, da decisão que declara improcedente o pedido de declarar a nulidade do conceito e da aplicação dos tempos de disponibilidade nos horários de trabalho a que estão sujeitos os trabalhadores da Ré, associados do Autor e consequentes pagamentos dos alegados tempos de disponibilidade, incluindo o cálculo e o valor como trabalho suplementar efetivamente prestado e bem assim a sua descriminação nos recibos de vencimento.
2.– A ora recorrida com a aplicação dos designados tempos de disponibilidade apenas pretende desvirtuar a realização do trabalho suplementar em claro prejuízos dos seus motoristas e associados da recorrente.
3.– Em primeiro logrou a Autora, ora recorrente provar que existem tempos de disponibilidade de 20, 25 minutos, bem assim como são os mesmos efetuados em locais em que os trabalhadores não recuperam a sua disponibilidade, por se tratarem de sítios ermos.
4.– Resultou evidente que o tempo em que os motoristas são colocados em tempo de disponibilidade não corresponde a tal na verdade, uma vez que, nunca deixam de estar ao serviço da empresa, não se concebendo que possa a recorrente aceitar que os tempos de disponibilidade sejam encarados senão com a limitação que os trabalhadores possam ser chamados, e não por limitações geográficas impostas pela empresa.
5.– Mais não pode a ora recorrente conceber que num universo de 190 carreiras, em que apenas 4 têm percurso de linha superior a 50kms, seja suficiente para aplicação do conceito de tempo de disponibilidade, mais uma vez, não podendo deixar de concluir que possa pela empresa ser aplicada uma norma que vem alterar e baixar a remuneração dos seus trabalhadores, descaracterizando o trabalho suplementar por estes prestado.
6.– O Acórdão recorrido não enquadra corretamente o conceito de “tempo de disponibilidade” uma vez que não o considera como tempo de trabalho na base da argumentação que no caso concreto este lapso temporal não é passado nas instalações da empresa.
7.– Salvo o devido respeito não é essa a interpretação conforme ao artigo 197.º do Código de Trabalho, nem tão pouco à legislação europeia e mais recente jurisprudência dos Tribunais Superiores (cfr.)
8.– Na verdade, independentemente do período em causa não ser passado na empresa, a verdade é que no caso concreto o trabalhador não se pode deslocar fora do raio de atuação desta, nem o tempo pode ser utilizado para realizar qualquer atividade extra profissional, atendendo ao local em que se situam as instalações da empresa (cfr. artigo 197.º, n.º 2 alínea d))
9.– Pelo que os trabalhadores representados pela recorrente não podem ser privados da remuneração durante esse período em que se encontram afetos à atividade da empresa e nas imediações desta.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá ser julgado procedente, o recurso apresentado pela ora recorrente, alterando-se a douta sentença em conformidade com o então requerido. Assim decidindo farão V. Exas. a Acostumada Justiça!» 
[6]«A não satisfação destes ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso, como expressamente se refere no art.º 690.º-A, n.ºs 1, proémio, e 2. Não há assim lugar a convite prévio, em vista suprir qualquer omissão do recorrente, como erradamente se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.10.98 (BMJ, 480, p. 348). Fosse essa a intenção do legislador e tê-lo-ia declarado como o fez, para situações diversas, nos art.ºs 690.º, n.º 4, e 75.º-A, n.º 5, esta da LTC. Compreende-se a rejeição imediata do recurso na situação que analisamos por os ónus impostos ao recorrente visarem o corpo da alegação, insuscetível de ser corrigido ou completado, no nosso ordenamento processual, pela via do convite. A tese do Supremo, elevando o princípio da cooperação a patamares indefensáveis, levaria igualmente ao convite prévio ao recorrente antes de ser julgado deserto o recurso por falta de alegação. No sentido por nós propugnado: Lopes do Rego, ob. Citada, p. 585; e Acórdão da RL de 25.03.2003, CJ, ano XXVII, Tomo II, p. 97. Na mesma linha, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 140/2004, de 10 de Março (DR, II Série, de 17.04.2004), não julgou inconstitucional a norma paralela do art.º 412.º, n."' 3, alínea b), e 4, do CPP interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recuso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências.» (Nota de Rodapé do autor citado)
[7]«A síntese final desempenha a importante função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de alguma dúvida sobre o que realmente pretende o recorrente.» - Nota de Rodapé do texto transcrito com o número 261.
[8]«Ainda que não tenha sido utilizada no art.º 640.º uma enunciação paralela à que consta do n.º 2 do art.º 639.º sobre os recursos em matéria de direito, a especificação nas conclusões dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objeto do recurso» - Nota de Rodapé do texto transcrito com o número 262.
[9]Este mesmo autor, na Nota de Rodapé com o número 267, que tem início a páginas 160 e termo a páginas 163, assim como na Nota de Rodapé com o número 269 e que começa a páginas 164 e finda a páginas 165, identifica jurisprudência recente do STJ que vai no sentido do texto acima reproduzido:
«É o que designadamente emerge dos seguintes arestos mais recentes (todos em www.dgsi.pt):
- Acórdão do STJ, de 18-2-16 (Secção Social):
Não se exige ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente nas conclusões da alegação de recurso o alegado no corpo da mesma alegação. Nas conclusões da alegação do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do art.º 639.º, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
(…)
- Acórdão do STJ, de 3-12-15 (Secção Social):
Versando o recurso sobre a matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados;
- Acórdão do STJ, de 26-11-15 (Secção Social):
Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto o recorrente deve afirmar a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizar os pontos que pretende ver alterados;
(…)
- Acórdão do STJ, de 1-10-15 (Secção Social):
Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados e as respostas alternativas propostas pelo recorrente, foram devidamente expostos na motivação os fundamentos da impugnação e os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância (solução também adotado em dois outros Acórdãos do STJ, ambos datados de 18-2-16 (Secção Social));
(…)
- Acórdão do STJ, de 19-2-15:
Enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já o mesmo se não se afigura que a especificação dos meios de prova ou a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações. A insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas. Tendo o recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, com referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deve sobre eles ser proferida, e tendo especificado no corpo das alegações os meios de prova convocados e indicado as passagens das gravações dos depoimentos em foco, têm-se por preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art.º 640.º, n.ºs 1 e 2, al. a). A insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória exposta pelo recorrente é matéria a apreciar em sede do mérito da decisão impugnada".
(…)
Outro aresto paradigmático é o Acórdão do STJ, de 19-2-15 (www.dgsi.pt), de cujo sumário consta:
"A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do art.º 662.°.
É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do art.º 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, al. a).
Nessa conformidade, enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.
Por outro lado, a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação". 
[10]Cfr., neste sentido, o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12/2/2015, relatado pela Juíza Desembargadora Paula do Paço, Processo n.º 14/11.5TTEVR.E2, com o seguinte Sumário parcial:
«I–A falta de especificação, nas conclusões de recurso, dos concretos pontos factuais que a recorrente considera incorretamente julgados e dos concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão diversa, bem como a falta de indicação do sentido que deveria ter assumido a decisão, originam a rejeição do recurso em relação à matéria de facto. (…)»  (sublinhado nosso)
[11]«22. A ré celebrou um Acordo de Empresa com o SITRA — Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Afins, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 18, de 15 de Maio de 1992, com alterações publicadas no BTE’s, 1ª Série, n.º 39, de 22 de Outubro de 1995, n.º 2, de 15 de Janeiro de 1997, n.º 22, de 15 de Junho de 1999, n.º 23 de 22 de Junho de 2000, n.º 22 de 15 de Junho de 2001, n.º 29 de 8 de Agosto de 2002.
23. A ré tem aplicado a todos os seus trabalhadores da empresa, incluindo aos associados do autor, o acordo de empresa formalizado com o SITRA e publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 18, de 15 de Maio de 1992, alterado pelo BTE, 1.ª Série n.º 39, de 22 de Outubro de 1995, com sucessivas atualizações legais ao nível das tabelas remuneratórias, com todas as condições de trabalho que constavam daquele instrumento de regulamentação coletiva, nomeadamente no que respeita à duração do horário de trabalho, ao número e duração dos intervalos na jornada de trabalho e ao regime de refeições.»
[12]O Regulamento (CE) n.º 561/2006 alterou igualmente o Regulamento (CEE) n.º 2135/98 do Conselho e revogou o Regulamento (CEE) n.º 3820/85, do Conselho.
[13]Ver também a Portaria n.º 983/2007, de 27/08, que «Regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afeto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho».
[14]«B. Factos não provados
a)- O Autor representa cerca de 200 motoristas afetos ao serviço público, designado por pessoal do movimento (motoristas de serviço público).
b)- A Ré começou a considerar como faltas injustificadas ao serviço todas as recusas à prestação de serviço para além do tempo normal de trabalho aos associados do Autor.
c) Os serviços de transporte de passageiros efetuados pela Ré não excedem os 50 Km de percurso de linha.»
[15]Recorda-se aqui, por facilidade de exposição e compreensão, o que a fundamentação da dita sentença sustenta o seguinte, acerca da problemática em análise no corpo do Acórdão:
«Ora, o autor não logrou provar que os serviços prestados pela ré, de transporte de passageiros, não excedem os 50 Km de percurso em linha, provando-se, ao invés, que a ré possui algumas concessões, em número de quinze, que excedem os referidos 50 Km, encontrando-se a executar na presente data quatro desses percursos, e mais provou que os seus motoristas tanto são escalados para serviços de percursos inferiores, como superiores, chegando a suceder que num mesmo dia realizem os dois tipos de serviços (cfr. facto provado n.º 12).
Assim, realizando a ré serviço regular de transporte de passageiros cujo percurso em linha ultrapassa os 50 quilómetros é-lhe lícito, ao abrigo do citado Regulamento, aplicar o regime previsto no Decreto-Lei n.º 237/2007, onde se inclui o falado «tempo de disponibilidade».
E uma vez que resulta dos factos que os motoristas tanto são afetos a serviços de percurso inferior como a serviços de percurso superior aos 50 quilómetros, não há que fazer qualquer distinção dentro da empresa a respeito da aplicação do regime dos tempos de disponibilidade. Com efeito, a exclusão contida naquela alínea a) do art.º 3.º do Regulamento apenas pode ser aplicada a transportes (veículos) que não estão, simplesmente, afetos a serviços de extensão superior a 50 Km, não fazendo sentido fazer qualquer distinção, quando os veículos (e os motoristas) estão a afetos aos dois tipos de percurso.
Face ao exposto, concluímos que o regime do Decreto-Lei n.º 237/2007 é aplicável a toda a atividade da ré relativa ao serviço regular de transporte de passageiros, pelo que a sua decisão, de passar a aplicar, a partir de 1/04/2014, aos seus motoristas, o regime de disponibilidade, não viola qualquer normativo legal, sendo, pois, lícita, improcedendo, pois, o primeiro pedido formulado pelo autor.»
[16]Como lhe chama ALBINO MENDES BAPTISTA no texto intitulado «Tempo de trabalho efetivo, tempos de pausa e tempo de “terceiro tipo”», em Revista de Direito e Estudos Sociais, janeiro-março de 2002, Ano XLIII (XVI da 2.ª Série), n.º 1, páginas 29 e seguintes.
[17]«Tempo de disponibilidade» qualquer período, que não seja intervalo de descanso, descanso diário ou descanso semanal, cuja duração previsível seja previamente conhecida pelo trabalhador, nos termos previstos em convenção coletiva ou, na sua falta, antes da partida ou imediatamente antes do início efetivo do período em questão, em que este não esteja obrigado a permanecer no local de trabalho, embora se mantenha adstrito à realização da atividade em caso de necessidade, bem como, no caso de trabalhador que conduza em equipa, qualquer período que passe ao lado do condutor ou num beliche durante a marcha do veículo;» (sublinhado a negrito da nossa responsabilidade)
[18]Essas duas disposições legais possuem a seguinte redação:
« Artigo 6.º
Limites da duração do trabalho
1- A duração do trabalho semanal dos trabalhadores móveis, incluindo trabalho suplementar, não pode exceder sessenta horas, nem quarenta e oito horas em média num período de quatro meses.
2- Por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o período de referência previsto no número anterior pode ser aumentado até seis meses.
3- Se o trabalhador móvel trabalhar para vários empregadores, a duração do trabalho semanal para efeitos do n.º 1 corresponde à soma dos períodos de trabalho efetuados.
4- Para efeitos do disposto no número anterior:
a)- O empregador que exerça a atividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR solicita ao trabalhador aquando da admissão, por escrito, a indicação dos períodos de trabalho prestados a qualquer outro empregador;
b)- O trabalhador informa, por escrito, o empregador referido na alínea anterior do seu período normal de trabalho ao serviço de qualquer outro empregador e das horas de trabalho prestadas para além deste, aquando da admissão, bem como sempre que haja alteração do seu período normal de trabalho, preste horas de trabalho para além deste ou passe a trabalhar para vários empregadores.
5- A duração do trabalho, incluindo trabalho suplementar, no caso de abranger, no todo ou em parte, o intervalo entre as 0 e as 5 horas, não pode exceder dez horas por dia.
Artigo 7.º
Exceções aos limites da duração do trabalho
Por motivos objetivos, nomeadamente razões técnicas ou de organização do trabalho, o disposto no artigo anterior pode ser afastado por convenção coletiva, incluindo quando aplicável à situação prevista no n.º 3 do mesmo artigo.» (sublinhados a negrito da nossa responsabilidade)
[19]Que estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, transpondo a Diretiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Diretivas n.ºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro.
[20]Reproduzem-se aqui as partes do Regulamento que fazem expressa menção à contração coletiva e sua aplicação:
«Considerando o seguinte:

(1) No sector dos transportes rodoviários, o Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, procurou harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, principalmente no que se refere ao sector rodoviário, e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária. Os progressos alcançados nestes domínios deverão ser salvaguardados e ampliados.



(2) A Diretiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário, exige que os Estados-Membros tomem medidas que limitem o tempo máximo de trabalho semanal dos trabalhadores móveis.



(3) Dada a sua redação genérica, algumas disposições do Regulamento (CEE) n.º 3820/85 têm acusado dificuldades de interpretação, aplicação, execução e controlo uniformes na totalidade dos Estados-Membros, no que respeita aos tempos de condução, pausa e repouso dos condutores de transportes rodoviários nacionais e internacionais na Comunidade.


(4) Para alcançar os objetivos que estas disposições visam e evitar o descrédito da regulamentação, é desejável a sua execução eficaz e uniforme. É necessário, pois, um conjunto de regras mais claro e simples que seja de mais fácil compreensão, interpretação e aplicação pelas empresas de transportes rodoviários e pelas autoridades responsáveis pela aplicação da lei.



(5) As medidas previstas no presente regulamento em matéria de condições de trabalho não deverão prejudicar o direito de os parceiros sociais estabelecerem, por negociação coletiva ou qualquer outro meio, disposições mais favoráveis aos trabalhadores.



(6) É desejável clarificar o âmbito exato do presente regulamento, especificando as principais categorias de veículos abrangidas.



(7) O presente regulamento deverá aplicar-se ao transporte rodoviário efetuado exclusivamente no interior da Comunidade ou entre a Comunidade, a Suíça e os países signatários do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.



(8) O Acordo Europeu relativo ao Trabalho das Tripulações de Veículos que Efetuam Transportes Internacionais Rodoviários, de 1 de Julho de 1970 («AETR»), com as mais recentes alterações, deverá continuar a aplicar-se ao transporte rodoviário de mercadorias e passageiros por veículos matriculados num Estado-Membro ou num país signatário do AETR, sobre a totalidade do percurso, caso este se efetue entre a Comunidade e um país terceiro que não seja a Suíça nem os países signatários do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou através do território desse país. É essencial alterar o AETR o mais rapidamente possível, preferentemente no prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento, por forma a conciliar as suas disposições com as do presente regulamento.



(9) No caso de transportes rodoviários que utilizem veículos matriculados em países terceiros não signatários do AETR, as disposições do AETR deverão aplicar-se à parte do trajeto efetuada no interior da Comunidade ou no interior de países signatários do AETR.



(10) Dado que a matéria do AETR é do âmbito de aplicação do presente regulamento, a Comunidade tem competência para negociar e celebrar o Acordo.



(11) Se, no domínio em causa, uma alteração ao regime interno da Comunidade exigir uma correspondente alteração do AETR, os Estados-Membros deverão agir em conjunto no sentido de efetuar essa alteração ao Acordo no mais breve prazo, segundo o procedimento nele previsto.



(12) A lista de isenções deverá ser atualizada de acordo com a evolução registada no sector dos transportes rodoviários ao longo dos últimos dezanove anos.



(13) São necessárias definições completas de todos os termos básicos, a fim de facilitar a interpretação do presente regulamento e assegurar a sua aplicação uniforme. Além disso, há que envidar esforços para assegurar uma interpretação e aplicação uniformes do presente regulamento pelas instâncias de controlo nacionais. A definição de «semana» constante do presente regulamento não deverá impedir o condutor de iniciar a sua semana de trabalho em qualquer dia da semana.



(14) A fim de garantir uma aplicação eficaz do presente regulamento, é essencial que, após um período de transição, as autoridades competentes possam verificar, por ocasião dos controlos de estrada, que os tempos de condução e os períodos de repouso foram devidamente cumpridos no dia do controlo e nos 28 dias precedentes.



(15) As normas de base em matéria de tempos de condução necessitam de ser clarificadas e simplificadas, no interesse de uma execução eficaz e uniforme, por meio do tacógrafo digital, tal como dispõem o Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativo ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários, e o presente regulamento. Por outro lado, as autoridades dos Estados-Membros responsáveis pela execução deverão envidar esforços, através do comité permanente, no sentido de obter um consenso sobre a aplicação do presente regulamento.



(16) Verificou-se que era possível, com o Regulamento (CEE) n.º 3820/85, distribuir os tempos diários de condução e de pausa de modo a que o condutor acabasse por efetuar períodos excessivos sem repouso integral, com prejuízo para a segurança rodoviária e deterioração das condições de trabalho. É por conseguinte conveniente garantir que as pausas descontínuas sejam organizadas de modo a evitar abusos.



(17) O presente regulamento pretende melhorar as condições sociais dos empregados abrangidos pelo mesmo, bem como a segurança rodoviária em geral. Este objetivo é alcançado sobretudo mediante as disposições relativas aos tempos de condução máximos por dia, por semana e por períodos de duas semanas consecutivas, a disposição que impõe um período de repouso semanal regular aos condutores pelo menos uma vez em cada período de duas semanas consecutivas e as disposições que preveem que em caso algum o período de repouso diário poderá ser menor do que um período ininterrupto de nove horas. Uma vez que este pacote de disposições garante um repouso adequado, e tendo ainda em conta a experiência prática da aplicação da lei nos últimos anos, deixa de ser necessário um sistema de compensação para períodos de repouso diário reduzido.



(18) Muitas operações de transporte rodoviário no interior da Comunidade envolvem transporte por transbordador (ferry boat) ou por comboio durante parte do trajeto. Para tais operações, deverão, pois, ser estabelecidas disposições claras e adequadas no que respeita aos períodos diários de repouso e de pausa.



(19) Perante o crescimento do transporte transfronteiras de mercadorias e passageiros, é desejável, no interesse da segurança rodoviária e de uma melhor execução dos controlos de estrada e dos controlos nas instalações das empresas, contemplar os tempos de condução, os períodos de repouso e as pausas que ocorram no território de outros Estados-Membros ou de países terceiros e determinar se as normas aplicáveis foram inteira e devidamente observadas.



(20) A responsabilização das empresas transportadoras deverá aplicar-se, pelo menos, às empresas que sejam pessoas singulares ou coletivas e não deverá excluir a autuação de pessoas singulares que sejam autoras, instigadoras ou cúmplices de infrações ao presente regulamento.



(21) Os condutores que trabalhem para mais de uma empresa de transporte deverão fornecer a cada uma delas os elementos informativos que lhe permitam cumprir as responsabilidades que lhes incumbem por força do presente regulamento.



(22) Com vista à promoção do progresso social e à melhoria da segurança rodoviária, cada Estado-Membro deverá manter o direito de adotar determinadas medidas que se revelem necessárias.



(23) As derrogações nacionais deverão refletir a evolução registada no sector dos transportes rodoviários e restringir-se aos elementos atualmente não sujeitos a pressões concorrenciais.



(24) Os Estados-Membros deverão estabelecer regras aplicáveis aos veículos utilizados em serviços regulares de transporte de passageiros cujo trajeto não ultrapasse 50 km. Estas regras deverão prever uma proteção adequada em termos de tempo de condução autorizado e de pausas e períodos de repouso obrigatórios.



(25) No interesse de uma aplicação eficaz do presente regulamento, é desejável que todos os serviços regulares, nacionais ou internacionais, de transporte de passageiros sejam controlados por meio de um aparelho de registo normalizado.



(26) Os Estados-Membros deverão determinar o regime das sanções aplicáveis às violações do presente regulamento e assegurar a sua aplicação. As referidas sanções deverão ser eficazes, proporcionadas, dissuasivas e não discriminatórias. A possibilidade de imobilização do veículo em caso de infração grave deverá também ser incluída no âmbito comum das medidas que os Estados-Membros podem aplicar. As disposições contidas no presente regulamento relativas às sanções ou ações penais não deverão afetar as regras nacionais relativas ao ónus da prova.



(27) No interesse de uma execução clara e eficaz, é desejável assegurar disposições uniformes sobre a responsabilização das empresas transportadoras e dos condutores por infrações ao presente regulamento. Essa responsabilização poderá resultar em sanções de carácter penal, civil ou administrativo, consoante o regime aplicável em cada Estado-Membro.



(28) Atendendo a que o objetivo do presente regulamento, nomeadamente o estabelecimento de normas comuns claras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso, não pode ser suficientemente realizado pelos Estados-Membros, e pode, pois, devido à necessidade de uma ação coordenada, ser melhor alcançado a nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o do Tratado. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade, consagrado no mesmo artigo, o presente regulamento não excede o necessário para atingir aquele objetivo.



(29) As medidas necessárias à execução do presente regulamento deverão ser aprovadas nos termos da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão.



(30) Dado que as disposições sobre a idade mínima dos condutores foram estabelecidas pela Diretiva 2003/59/CE, cuja transposição deverá efetuar-se até 2009, o presente regulamento apenas deve incluir disposições transitórias sobre a idade mínima das tripulações.



(31) O Regulamento (CEE) n.º 3821/85 deverá ser alterado, a fim de esclarecer as obrigações específicas das empresas de transporte e dos condutores e de promover a segurança jurídica, bem como de facilitar a aplicação das normas relativas aos limites dos tempos de condução e períodos de repouso nos controlos de estrada.



(32) O Regulamento (CEE) n.º 3821/85 deverá igualmente ser alterado, a fim de proporcionar certeza jurídica quanto às novas datas para a introdução do tacógrafo digital e a disponibilidade do cartão de condutor.



(33) A introdução do aparelho de registo pelo Regulamento (CE) n.º 2135/98 e, por conseguinte, do registo eletrónico das atividades do condutor no seu cartão de condutor durante um período de 28 dias e dos dados relativos ao veículo durante um período de 365 dias permitirá futuramente um controlo mais rápido e mais abrangente na estrada.



(34) A Diretiva 88/599/CEE prescreve para os controlos na estrada apenas o controlo dos tempos de condução diários, dos períodos de repouso diários e das pausas. Com a introdução do tacógrafo digital, os dados do condutor e do veículo serão registados eletronicamente e deverão poder ser analisados eletronicamente no local. Tal deverá, a seu tempo, permitir um controlo simplificado dos períodos de repouso diários e semanais, regulares e reduzidos, e do repouso de compensação.



(35) A experiência demonstra que o respeito do disposto no presente regulamento e, nomeadamente, do tempo de condução máximo autorizado no espaço de duas semanas apenas pode ser aplicado se, aquando dos controlos na estrada, forem realizados controlos eficazes de todo o período.



(36) As disposições legais relativas ao tacógrafo digital devem ser aplicadas de forma coerente com o presente regulamento, a fim de se obter uma eficácia máxima no que respeita ao controlo e à aplicação de certas disposições sociais aos transportes rodoviários.



(37) Por razões de clareza e racionalização, o Regulamento (CEE) n.º 3820/85 deve ser revogado e substituído pelo presente regulamento,
(…)

CAPÍTULO IV
EXCEPÇÕES
Artigo 11.º
Os Estados Membros podem aplicar mínimos de pausas e períodos de repouso mais elevados ou máximos de tempo de condução menos elevados do que os estabelecidos nos artigos 6.º a 9.º aos transportes rodoviários efetuados inteiramente no seu território. Nesse caso, os Estados-Membros terão em conta as convenções coletivas ou outros acordos entre os parceiros sociais. As disposições do presente regulamento permanecerão todavia aplicáveis aos condutores que efetuem operações de transporte internacionais.» (sublinhados a negrito da nossa responsabilidade)
[21]« Artigo 3.º
Relações entre fontes de regulação
1 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
2 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho não podem ser afastadas por portaria de condições de trabalho.
3 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem às seguintes matérias:
a) Direitos de personalidade, igualdade e não discriminação;
b) Proteção na parentalidade;
c) Trabalho de menores;
d) Trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica;
e) Trabalhador-estudante;
f) Dever de informação do empregador;
g) Limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal;
h) Duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias;
i) Duração máxima do trabalho dos trabalhadores noturnos;
j) Forma de cumprimento e garantias da retribuição;
l) Capítulo sobre prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta;
m) Transmissão de empresa ou estabelecimento;
n) Direitos dos representantes eleitos dos trabalhadores.
4 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual que estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, se delas não resultar o contrário.
5 - Sempre que uma norma legal reguladora de contrato de trabalho determine que a mesma pode ser afastada por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho entende-se que o não pode ser por contrato de trabalho.»
[22]O Autor, na sua Petição Inicial, desenvolve uma argumentação próxima da exposta no texto do presente Aresto, ainda que sem a qualificar de abuso de direito e por referência ao Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20/12, que, nessa medida, por excessiva, não acompanhamos:
«55.º - Ora, a R é obrigada a retribuir prestação de trabalho nas condições expressas no CT e/ou em Convecção Colectiva. Nunca a R pagou, assim como nunca foi obrigada a pagar, quaisquer tempos que não fossem considerados como tempo de trabalho.
56.º - A R ao assumir o pagamento do "tempo de disponibilidade" e da forma como o faz, assume inequivocamente que esse tempo é tempo de trabalho e tem que ser considerado como tal para todos os efeitos legais.
57.º - O A não tem qualquer acordo firmado com a R.
58.º - O A outorgou com a ANTROP - Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Pesados de Passageiros uma Convenção Colectiva de Trabalho, publicada no BTE 1ª série, nº 15 de 22 de Abril de 1989.
59.º - O CCT supra referido foi outorgado posteriormente ao Regulamento (CEE) nº 3820/85, do Conselho de 20 de Dezembro, ao Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, assim como foi outorgado posteriormente ao Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto nº 324/73, de 30 de Junho.
60.º - Dispõe a cláusula n.º 1 do já citado CCT:
"A presente regulamentação colectiva de trabalho obriga, por um lado, todas as empresas da indústria de transportes rodoviárias em automóveis pesados de passageiros, próprios ou fretados, em território nacional ou linhas internacionais, inscritas na associação patronal signatária e, por outro, os trabalhadores ao serviço das referidas empresas representados pela associação sindical outorgante."
61.º - Temos que a R é associada na ANTROP.
62.º -Durante os processos negociais subsequentes ao da publicação do referido CCT, até à presente data, nunca as partes discutiram e acordaram qualquer alteração no que diz respeito à organização do tempo de trabalho dos Motoristas representados pelo A.
63.º - As partes sempre se conformaram com o disposto no CCT sobre esta matéria, por a considerarem razoável.
64.º - Como já se viu, a aplicação do tempo de disponibilidade não é imperativa. Caso fosse, o A não tem quaisquer dúvidas de que essa figura teria sido aplicada automaticamente após a sua entrada em vigor através do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho de 20 de Dezembro de 1985, e não passados quase 30 anos.
65.º - Razão que leva o A na presente lide a reclamar à R a revogação do conceito do tempo de disponibilidade nos seus horários de trabalho, à alteração da designação do pagamento do tempo de disponibilidade para trabalho suplementar, a todos os Motoristas de Serviço Público da R e Associados no A.»   
[23]Os únicos factos alegados são os seguintes:
«15.º - Apesar da contestação manifestada por todos os Motoristas de Serviço Público associados no A, a Ré começou a considerar como faltas injustificadas ao serviço, todas as recusas à prestação de serviço para além do tempo normal de trabalho aos associados do A.»
[24]Pode ler-se na parte final da fundamentação da dita sentença:
«O autor peticionava, igualmente, que fosse proferida decisão que revogasse o registo individual de cada associado do autor as faltas injustificadas dadas na sequência da não-aceitação da imposição do tempo de disponibilidade e, bem assim, a revogar todas as sanções disciplinares dos trabalhadores, seus associados, que tenham tido ou venham a ter origem na referida não-aceitação do tempo de disponibilidade.
Ora, a este respeito, o autor nada provou, designadamente, nem que foram dadas faltas, nem que as mesmas foram consideradas injustificadas, e, muito menos, que tenham dado origem a quaisquer processos disciplinares.
Face ao exposto, improcedem, também, estas pretensões do autor, assim como o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória, dependente da procedência das anteriores pretensões.»

Decisão Texto Integral: