Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
216/15.5YHLSB.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
TRANSMISSÃO DE FONOGRAMAS
ESTABELECIMENTO ABERTO AO PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - A transmissão de fonogramas através de aparelho de televisão e rádio com amplificador num estabelecimento comercial de café constitui execução pública, a que se refere o artigo 184º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos que necessita de autorização dos respectivos produtores.
- Não estando autorizada a execução pública dos fonogramas, procede a providência cautelar com a imposição da proibição de continuação da execução e com a condenação de uma sanção pecuniária compulsória, mas já não procede na parte em que é pedido o encerramento do estabelecimento, por ser uma medida desproporcionada e desnecessária, nem a apreensão dos bens em causa e o livre acesso ao estabelecimento para fiscalização, por serem medidas também desnecessárias, já que se trata de um estabelecimento aberto ao público em que facilmente se controla o cumprimento ou não da medida de proibição decretada.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO:


A… – Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos intentou contra P… a presente providência cautelar ao abrigo do artigo 210º-G do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), alegando, em síntese, que é uma associação mandatada para representar, em matéria de direitos de autor e de direitos conexos, os produtores fonográficos/videográficos, representando a quase totalidade do repertório dos videogramas e fonogramas nacionais e estrangeiros comercializados em Portugal e procedendo ao licenciamento dos respectivos direitos, na medida em que a sua execução pública depende da autorização dos produtores, conferindo a estes o direito a uma remuneração e, mediante acordos firmados com a G… – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, CRL, entidade de gestão dos direitos dos artistas, intérpretes e executantes, também está mandatada para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas a estes últimos.

Mais alega que o requerido explora um bar aberto ao público e nesse estabelecimento comercial procede de forma habitual e continuada à execução pública de fonogramas do repertório entregue à gestão da requerente, sem a competente licença e autorização e, consequentemente, sem o pagamento da devida remuneração, mesmo depois de ter sido avisado para a necessidade de obter licença e de pagar os direitos conexos pela utilização dos videogramas, situação que causa graves prejuízos à requerente.

Concluiu pedindo que, reconhecido o direito da requerente, seja decretado o encerramento do estabelecimento explorado pelo requerido, ou, caso assim não se entenda, que seja decretada a proibição de continuação da execução pública não autorizada dos fonogramas e/ou videogramas nesse estabelecimento, a apreensão dos bens que violarem os direitos conexos, bem como dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, a obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento explorado pelo requerido com o objectivo de visualizar e registar os fonogramas que aí são executados publicamente e possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso e ainda a aplicação de sanção pecuniária compulsória não inferior a 30,00 euros por cada dia de incumprimento das medidas cautelares decretadas.

O requerido deduziu oposição arguindo a incompetência material do tribunal da propriedade intelectual por não terem sido alegados factos que pressuponham a apreciação da existência de direitos de autor e, por impugnação, alegou, em síntese, que no seu estabelecimento não são utilizados quaisquer tipo de fonogramas ou videogramas na reprodução de som ou imagem, pois todos os sons e imagens aí visionados ou ouvidos provêm da mera recepção de sinal de rádio, limitando-se o oponente a ter algumas colunas e amplificador para distribuir o som emitido por canais televisivos ou canais de rádio, sendo certo, por outro lado que a providência requerida sempre seria desproporcionada, causando à requerida danos muito superiores aos que se pretende acautelar.

Concluiu pedindo a improcedência da providência cautelar.

A excepção de incompetência do tribunal foi julgada improcedente e houve lugar a audiência, após o que foi proferida decisão que julgou improcedente a providência cautelar e absolveu o requerido dos pedidos formulados pela requerente.
                                                           
Inconformada, a requerente interpôs recurso deste despacho e alegou, formulando conclusões em que apresenta os seguintes argumentos:

-a presente providência cautelar, prevista no artigo 210º-G do CDADC, resultou da transposição para a ordem jurídica nacional do disposto no artigo 9º nº1 a) da Directiva Comunitária nº2004/48/CE de 29/4, pretendendo inibir a violação iminente de direitos de propriedade intelectual ou proibir a continuação de violação já verificada;
-a requerente fez a prova indiciária da titularidade dos direitos que invoca e da violação desses direitos pelo requerido, que, no estabelecimento que explora, aberto ao público, procedeu e procede à execução/comunicação pública, não autorizada nem licenciada, de fonogramas, através de rádio e de TV, do repertório entregue à gestão da requerente;
-a apelante discorda da decisão recorrida que entende que o requerido não violou os direitos da requerente, com base no acórdão do STJ nº15/2013, o qual não tem força obrigatória geral;
-o regime dos direitos de autor e dos direitos conexos tem sido consolidado a nível internacional, legislativamente e jurisprudencialmente e a norma criada pelo legislador da União Europeia e interpretada pelo TJEU passa a ser de aplicação obrigatória nos Estados Membros, cabendo ao legislador e ao julgador nacional harmonizá-la com a norma interna, nomeadamente no que concerne à interpretação de “público” e de “comunicação pública”;
-o TJUE, principalmente desde 2006, tem vindo consistentemente a interpretar estes conceitos à luz de três princípios estruturantes, que são: assegurar um padrão de grande protecção dos direitos de autor e conexos, harmonizar a nível comunitário os conceitos constantes das directivas e serem os mesmos interpretados à luz dos conceitos equivalentes constantes das normas internacionais;
-interpretação esta que já foi reiterada pelo TJUE posteriormente ao acórdão do STJ nº15/2013, na apreciação de um caso português apresentado a título prejudicial pela SPA (Despacho SPA, de 14 de Julho de 2015) e constitui direito europeu unificado, que considera comunicação pública a acção do operador proprietário e/ou explorador de um hotel, bar, café, restaurante, spa, entre outros, que dá acesso aos seus clientes a uma emissão radiodifundida que contém uma obra protegida, sendo que estes apenas desfrutam da mesma por força da intervenção daquele, colocando à disposição de um público novo, diferente do público visado pelo acto de comunicação originária da obra, que são os detentores dos aparelhos de recepção que, individualmente ou na sua esfera provada ou familiar captam as emissões;
-daí decorrendo para o utilizador a obrigação de solicitar a devida autorização e de liquidar uma remuneração equitativa pela comunicação dessa obra e/ou prestação (fonograma/videograma) aos titulares do direito de autor e conexos, a qual acresce à paga pelo radiodifusor, já que esta autorização é concedida à estação radiodifusora e não ao explorador do estabelecimento comercial e apenas tem em consideração os utentes directos, ou seja, os detentores de aparelhos de recepção, o que resulta também do próprio teor limitativo das autorizações conferidas pelas entidades representativas dos autores para a actividade de radiodifusão, ao excluir precisamente do seu âmbito a comunicação pública de emissões autorizadas;
-acresce que o direito nacional não tem conteúdo contrário ao direito e jurisprudência da União Europeia, distinguindo entre a remuneração que é devida pela radiodifusão de obra fixada e a que é devida pela comunicação pública de obra rádio difundida, prevendo-a concomitantemente na esfera jurídica dos titulares de direitos conexos;
-pelo que, da conjugação do artigo 184º nº2 e 3 com os preceitos dos artigos 149º nº3 e 108º a contrario, ex vi artigo 192º, todos do CDADC, resulta que sempre que estivermos perante uma comunicação pública como a que é efectuada pelo requerido, o utilizador terá de obter previamente autorização junto dos titulares dos direitos e, posteriormente, pagar a respectiva remuneração;
-o próprio legislador nacional clarificou a questão já depois do acórdão do STJ nº15/2013, na Lei 26/2015 de 14/4, no seu artigo 36º nº4;
-verificando-se no caso dos autos a violação do direito da requerente, a decisão recorrida violou, nomeadamente os artigos 607º nºs 2, 3 e 4 e 608º do CPC, 8º, 203º e 204º da CRP, 68º nº2, 3 e 4, 75º, 76º, 108º nº2, 149º, 156º, 184º, 189º, 192º, 210º-G e 211º do CDADC, 3º da Directiva 2001/29 e 8º nº2 da versão consolidada da Directiva 2006/115 e 9º da Directiva 2004/48 de 29/4, devendo ser revogada e substituída por decisão que decrete a providência cautelar.   
                                                            
O apelado não apresentou contra-alegações e o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
                                                           
As questões a decidir são:
I) Pressupostos da providência cautelar.
II) Medidas a decretar.
                                                           
FACTOS.

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados e não provados:

Factos provados.

A)A requerente é uma associação de utilidade pública, a quem compete a defesa dos interesses dos seus membros, tendo sido constituída por escritura pública lavrada no 12º Cartório Notarial de Lisboa, em 26 de Novembro de 2002.
B)A requerente encontra-se registada na IGAC (Inspecção Geral das Actividades Culturais).
C)A requerente é a entidade de gestão colectiva que representa os produtores fonográficos em matérias relacionadas com a cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes ou executantes, sendo esta remuneração dividida entre ambos em partes iguais.
D)Esta actividade é presentemente desenvolvida pela autora, em parceria com a G…, através da emissão de uma licença com a referência “Passmusica”, que identifica o licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, interpretes e executantes e produtores fonográficos designados por “editores discográficos”.
E)Na sua actividade de licenciamento e cobrança de direitos conexos de produtores e artistas, a autora representa o repertório nacional e estrangeiro, o que corresponde a cerca de 98% do repertório de música gravada, registada (nacional e estrangeira), comercializada ou usada em Portugal.
F) O estabelecimento denominado “… Café” sito na Av. …, nº…, R/C, em Fafe, explorado pelo requerido, é um estabelecimento comercial aberto ao público.
G)Através de acção de verificação levada a cabo por um colaborador da requerente, foi verificado que, no referido estabelecimento, se procedia à execução de músicas.

H)No dia 28 de Fevereiro de 2015, no período em que o estabelecimento se encontrava aberto ao público, estavam a ser tocadas músicas, nomeadamente:
1- Música: Young Again – Artista: Hardwell feat. Chris Jones – Produtora: Vidisco.
2- Música: Outlines – Artista: Mike Mago & Dragonette – Produtora: SpinninRecords PPL/Sena.
 
I)Os produtores fonográficos destes fonogramas são associados da autora.
J)O estabelecimento do requerido encontra-se aberto ao público e a funcionar normalmente 7 dias por semana, tendo, por vezes, música a tocar, outras vezes passando emissões de futebol.
K)O requerido não possuía nem possui, qualquer autorização dos produtores de fonogramas ou dos seus representantes, para proceder à execução ou comunicação pública, no seu estabelecimento, de fonogramas editados comercialmente ou de reproduções dos mesmos, nem pagou à requerente qualquer quantia a esse título. 
L)A requerente enviou ao requerido a carta cuja cópia consta a fls 54 a 58 dos autos, a que o requerido não respondeu.
M)A música executada no estabelecimento do requerido é a proveniente da emissora de rádio na qual a mesma estiver sintonizada, estando geralmente sintonizada para a RFM, Comercial ou Megahits, distribuída através de colunas de som, ou através da televisão, designadamente da MTV.
N)O estabelecimento do requerido encontra-se aberto ao público entre as 08.00 horas da manhã e as 02.00 horas da madrugada, sete dias por semana.

Factos não provados.

-A constituição regular da G… – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes e Executantes, C.R.L.
-Que o estabelecimento do requerido tenha as características de um bar. 
                                                          

ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I)Pressupostos da providência cautelar.

A presente providência cautelar foi intentada ao abrigo do artigo 210º-G do Código do Direito de Autor e de Direitos Conexos (CDADC), cujo nº1 tem a seguinte redacção: “Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos, pode o tribunal, a pedido do requerente, decretar as providências adequadas a: a) Inibir qualquer violação iminente; ou b) Proibir a continuação da violação”.

Provou-se que a requerente apelante é uma entidade de gestão colectiva que representa os produtores fonográficos e, na sua actividade de licenciamento e cobrança das remunerações dos produtores, artistas, interpretes e executantes representa reportório nacional e estrangeiro correspondente a 98% do reportório de música gravada, comercializada e usada em Portugal (pontos C e E).

Provou-se também que o requerido tem um estabelecimento comercial aberto ao público denominado … Café, onde executa música proveniente de emissora de rádio em que estiver sintonizada, normalmente na RFM, Comercial ou Megahits, distribuída através de colunas de som, ou proveniente televisão, designadamente MTV (pontos F, J, M e N dos factos), encontrando-se a tocar nesse estabelecimento, no dia 28/02/2015, músicas de fonogramas cujos produtores são associados da requerente (pontos G, H e I dos factos), não dispondo o requerido de autorização dos produtores ou dos seus representantes para o fazer, nem lhe pagando qualquer remuneração (ponto K dos factos).

Perante estes factos, entendeu a decisão recorrida que não se verificam os requisitos para se decretar a providência cautelar, por não existir violação dos direitos invocados, nem receio de que lhes venha a ser causada lesão, fundamentando este entendimento na jurisprudência fixada no acórdão do STJ nº15/2013 de 13/11/2013, a qual é a seguinte: “A aplicação, a um televisor, de aparelhos de ampliação do som, difundido por canal de televisão, em estabelecimento comercial, não configura uma nova obra transmitida, pelo que o seu uso não carece de autorização do autor da mesma, não integrando consequentemente essa prática o crime de usurpação previsto e punido pelos artigos 149º, 195º e 197º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos”.  
  
A requerente ora apelante não se conforma com a decisão recorrida, defendendo que o descrito comportamento do requerido necessita de autorização dos produtores dos fonogramas, verificando-se, assim, uma violação dos seus direitos, de harmonia com a legislação e jurisprudência, nacionais e internacionais.

Tendo em atenção que, nos termos do artigo 445º nº3 do CPP, o acórdão de fixação de jurisprudência não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência assim fixada (e atendendo também a que, no presente caso, nos encontramos no âmbito da jurisdição cível, à qual não compete apreciar da verificação ou não de matéria criminal, mas sim, apenas, ponderar os pressupostos apreciados no acórdão de fixação de jurisprudência e a sua consequência em sede de direitos cíveis previstos no CDADC), haverá que decidir se assiste razão à apelante.

Na protecção dos direitos de autor por via da radiodifusão e de outros processos destinados à reprodução dos sinais, dos sons e das imagens, o CDADC prevê, no artigo 149º, a necessidade de autorização nos seguintes termos:

Nº1- Depende de autorização do autor a radiodifusão sonora ou visual da obra, tanto directa como por retransmissão, por qualquer modo obtida.
Nº2- Depende igualmente de autorização a comunicação da obra em qualquer lugar público, por qualquer meio que sirva para difundir sinais, sons ou imagens.
Nº3- Entende-se por lugar público todo aquele a que seja oferecido acesso, implícita ou explicitamente, mediante remuneração ou sem ela, ainda que com reserva declarada do direito de admissão.

Vem ainda prevista obrigação de remuneração na radiodifusão de obra fixada, na transmissão efectuada por entidade diversa da que obteve a autorização e pela comunicação pública da obra radiodifundida, nos termos, respectivamente, dos artigos 150º, 153º e 155º. 

Os direitos em causa nos presentes autos, porém, são os direitos dos produtores de fonogramas, de quem a requerente é representante, na qualidade de entidade de gestão colectiva, os quais são tutelados, juntamente com os direitos dos artistas, interpretes e executantes, a par do direito de autor, como direitos conexos, no título III do CDADC, nos seus artigos 176º e seguintes.

Estabelece então o artigo 184º do CDADC para os produtores de fonogramas:

Nº1-Carece de autorização do produtor do fonograma ou do videograma a reprodução, directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, e a distribuição ao público de cópias dos mesmos, bem como a respectiva importação ou exportação.
Nº2-Carecem também de autorização do produtor do fonograma ou do videograma a difusão por qualquer meio, a execução pública dos mesmos e a colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que sejam acessíveis a qualquer pessoa do local e no momento por ela escolhido.
Nº3-Quando um fonograma ou videograma editado comercialmente, ou uma reprodução dos mesmos, for utilizado por qualquer forma de comunicação pública, o utilizador pagará ao produtor e aos artistas interpretes ou executantes uma remuneração equitativa, que será dividida entre eles em partes iguais, salvo acordo em contrário.
4-(…).

Também o artigo 178º nº1 prevê, para os artistas, intérpretes ou executantes, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si, ou pelos seus representantes a fixação, reprodução, radiodifusão ou comunicação pública da sua prestação, prevendo-se ainda, no nº2, o direito a remuneração no caso de autorização. 
  
Por seu lado, o nº9 do artigo 176º define o organismo de radiodifusão como “a entidade que efectua emissões de radiodifusão sonora ou visual, entendendo-se por emissão de radiodifusão a difusão dos sons ou de imagens, ou a representação destes, separada ou cumulativamente, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo, satélite, destinada à recepção pelo público”.

Do conjunto destas disposições legais e especificamente dos artigos 149º, para os direitos de autor, 178º, para os direitos dos artistas e interpretes e 184º, para os produtores de fonogramas e videogramas, retira-se uma distinção entre a radiodifusão da obra a e a sua comunicação pública, distinção essa que se apresenta muito clara nos nºs 1 e 2 do artigo 149º, dando-nos ainda o nº3 destes artigo uma definição de “lugar público” para nos fornecer mais uma pista na destrinça entre os referidos conceitos de radiodifusão e de comunicação pública.

E para uma melhor compreensão da diferença entre estas duas situações releva também a legislação internacional que, por força do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa e nos termos aí previstos, faz parte do nosso ordenamento.

Assim, a Convenção de Berna, relativa à protecção das obras literárias e artísticas contém, nas três alíneas do nº1 do artigo 11 bis, os critérios em que se baseia o artigo 149º do CDADC, de onde ressalta a distinção feita entre radiodifusão e comunicação pública radiodifundida, tendo o Acordo TRIPS (acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio) imposto o cumprimento dos artigos 1 a 21 desta convenção; a Convenção de Roma prevê a protecção aos artistas, intérpretes e executantes e aos produtores nos seus artigos 7º e 10º, respectivamente; o Tratado da OMPI (organização mundial propriedade intelectual) sobre as interpretações de execuções de fonogramas prevê, no artigo 15º, o direito a remuneração pela radiodifusão e comunicação ao público.

Finalmente, no âmbito da legislação da União Europeia, a Directiva 2001/29/CE de 22/05/2001 de 22/05, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, transposta para o nosso ordenamento interno pela Lei 50/2004 de 24/8 e que deu lugar à redacção dos acima referidos artigos 178º e 184º do CDADC, expõe, no seu considerando 23, que:
A presente directiva deverá proceder a uma maior harmonização dos direitos de autor aplicáveis à comunicação de obras ao público. Esses direitos deverão ser entendidos no sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações. Abrangem ainda qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão, não abrangendo quaisquer outros actos”.

E estatui o artigo 3º desta directiva:
«1– Os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

2– Os Estados-Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, cabe:
a)Aos artistas intérpretes ou executantes, para as fixações das suas prestações;
b)Aos produtores de fonogramas para os seus fonogramas;
c)Aos produtores de primeiras fixações de filmes, para original e as cópias dos seus filmes; e
d)Aos organismos de radiodifusão, para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por cabo ou satélite.

3– Os direitos referidos nos nºs 1 e 2 não se esgotam por qualquer acto de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplados no presente artigo».

Ora, a análise do conjunto de todas estas disposições legais, nacionais e não nacionais, leva a considerar que a diferença entre a recepção de obra radiodifundida e a sua comunicação ao público, presente no enunciado de todas estas normas, reside na diferença entre a utilização privada ou pública dada ao aparelho receptor, pois a autorização da radiodifusão só tem em consideração a utilização privada do detentor do aparelho e o correspondente público, restrito e determinado, constituído apenas pelos seus familiares e pessoas da sua esfera privada e já não o público indeterminado e muito mais abrangente que resultará do visionamento do aparelho num local público.

Nesta medida, constituirá uma comunicação ao público a transmissão da obra em aparelhos que se encontrem em cafés, restaurantes, ou bares, destinados a ser visionados pelo público indeterminado que os frequenta e que se renova constantemente, pelo que a transmissão nessas condições necessita de autorização.

Tem sido esta interpretação consistentemente adoptada pelo TJUE em sede de reenvio prejudicial, quer relativamente aos casos de transmissão em estabelecimentos comerciais como o dos autos, quer no caso de transmissões em quartos de hotel (acs C-403/08, C-429/08, C-306/05, C-351/12, C-162/10).

Esta interpretação do TJEU deve ser atendida pelos Estados Membros, face ao objectivo essencial de uniformização da legislação e procedimentos introduzida pela Directiva 2001/29/CE (cfr sobre a autoridade do acórdão do TJUE, João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Europeu, 6ª edição, páginas 437 e 438).

Sobre esta questão, aliás, o TJUE tornou a pronunciar-se recentemente, já depois do acórdão de fixação de jurisprudência do STJ nº15/2013, no Processo C-151/15, que se debruçou sobre um pedido de decisão prejudicial num processo interposto pela Sociedade Portuguesa de Autores em Portugal, no qual foi proferida decisão por despacho de 14/07/2015, nos seguintes termos:
O conceito de «comunicação ao público», na acepção do artigo 3º, nº1, da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que abrange a transmissão, através de um aparelho de rádio ligado a colunas e/ou amplificadores, pelas pessoas que exploram um café-restaurante, de obras musicais e de obras musico-literárias difundidas por uma estação emissora de rádio aos clientes que se encontram presentes nesse estabelecimento”.

Deste modo, acompanhando-se esta jurisprudência, conclui-se necessariamente que, no caso dos presentes, autos, a actuação do requerido configura uma comunicação pública a que se refere o artigo 184º do CDADC que, não sendo autorizada, constitui uma violação dos direitos dos produtores dos fonogramas executados.

Tratando-se de uma violação que já ocorreu, não é exigível que se verifique o requisito de fundado receio de lesão grave e de difícil reparação (neste sentido, Luís Menezes Leitão, Direito de Autor, 2011, pagina 286), encontrando-se, portanto, preenchidos os pressupostos previstos no artigo 210º-G do mesmo código para ser decretada a providência cautelar.     
                                                          
II) Medidas a decretar.

Sendo decretada a providência cautelar com a imposição ao requerido de não continuar a conduta violadora dos direitos em causa, haverá que apreciar se procedem ou não todas as restantes medidas pedidas pela requerente.

No que diz respeito ao encerramento do estabelecimento do requerido, medida prevista no artigo 201º-J nº2 c) do CDADC, mostra-se a mesma manifestamente desproporcionada, quer à gravidade da lesão, quer porque se mostra desnecessária para obstar à continuação da lesão, pelo que improcede.

A apreensão de bens violadores dos direitos violados e a concessão de livre acesso ao estabelecimento para fiscalização, previstos, respectivamente, nos artigos 210-H nº2 e 184º 4 do CDADC, não se mostram igualmente necessários no caso concreto, tendo em atenção que se trata de um estabelecimento aberto ao público, em que, facilmente, qualquer pessoa, nomeadamente colaborador da requerente, poderá aperceber-se se o requerido cumpre a imposição de não execução dos fonogramas.

Mostra-se, sim, adequada a medida de condenação de uma sanção pecuniária no valor adequado de 30,00 euros diários, ao abrigo do artigo 201º-G nº4.       
                                                           
DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e revogando-se a sentença recorrida, se decide:

a)decretar a proibição de o requerido continuar a executar, publicamente e sem autorização, fonogramas que façam parte do repertório entregue à gestão da requerente, no estabelecimento comercial por si explorado, enquanto não efectuar o devido licenciamento junto da requerente;
b)condenar o requerido a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de 30,00 euros, por cada dia de incumprimento da proibição decretada em a).
c)absolver o requerido dos demais pedidos formulados pela requerente.
                                                          
Custas em ambas as instâncias pelo apelado e pela apelante, na proporção de 2/3 para o primeiro e 1/3 para a segunda.
                                                           

Lisboa, 2016-02-04

  
Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho
Regina Almeida   

                                                                    
Decisão Texto Integral: