Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3930/17.7T8BRR-A.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: DESPEDIMENTO
INADAPTAÇÃO
FORMALIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1 Tendo a entidade empregadora emitido declaração escrita de despedimento por inadaptação, o contrato cessou por despedimento, pelo que deveriam ter sido juntos pela entidade empregadora documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, sendo irrelevantes, quer a intenção de readmitir o trabalhador, quer a posterior invocação em sede resposta de um contrato de prestação de serviços.

2 Justifica-se, assim, a condenação da entidade empregadora nos termos previstos no art. 98º-J, nº3, a) e b) do CPT.

(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


AAA instaurou acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “BBB, Lda”, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento, com as legais consequências.

Juntou a seguinte declaração :
« A empresa BBB Lda, contribuinte nº…, vem por este meio declarar que, à data de 22  de Setembro de 2017, rescindiu o contrato de trabalho entre si e o seu funcionário, AAA, contribuinte fiscal nº …, por motivo de inadaptação de posto de trabalho. O funcionário, com a profissão de motorista de táxi, deixou, por motivos pessoais, de ter disponibilidade para se responsabilizar por tarefas necessárias à gestão diária das viaturas, nomeadamente a guarda e posterior entrega dos valores monetários recebidos e indicação da indicação da informação decorrente desses mesmos recebimentos.»

BBB Lda, invocando a sua qualidade de empregadora, apresentou articulado alegando que não ocorreu despedimento e que o trabalhou cessou por mútuo acordo.

Alegou ainda que a entidade empregadora sempre disse ao trabalhador que tinha a “porta aberta” e que, caso o “processo de subsídio de desemprego” não corresse bem, o trabalhador seria readmitido.

Concluiu pela improcedência da acção e pela condenação do trabalhador como litigante de má-fé.

Juntou um declaração assinada por “BBB, Lda” e pelo trabalhador, na qual consta que « terminou a relação contratual entre a empresa e o seu funcionário (…) tendo todos os valores em dívida e a receber sido devidamente saldados por ambas as partes, nada mais havendo a receber ou a pagar.»

O trabalhador contestou, alegando que foi despedido pela entidade empregadora e que o legal representante desta entidade disse, em data incerta, ao trabalhador : “vá procurando outra coisa, tens uma semana para arranjares outro carro”. Mais informou o trabalhador : “Como a tua vida vai dar um balanço, para não ficares prejudicado eu passo o papel para o fundo de desemprego”.

Alegou ainda que não ocorreu acordo, mas antes « uma decisão unilateral de rescisão do contrato individual, sem justa causa ( legal) procurando assim, de forma a ilidir um despedimento ilícito, entregar uma declaração de rescisão por inadaptação».

Concluiu pela procedência da acção e pela condenação da entidade empregadora no pagamento ao trabalhador de uma indemnização, a fixar pelo tribunal entre 15 e 45 dias de retribuição base, nos termos do disposto no art. 391º do CT.

O trabalhador requereu ainda que a entidade empregadora seja condenada a:
- Reconhecer que o trabalho realizado a partir das 11 horas até às 15 horas é trabalho suplementar;
- Pagar ao A. a importância de €11837,02, a título de trabalho suplementar realizado;
-  Reconhecer que o trabalho realizado a partir das 3 horas até às 7 horas é trabalho nocturno;
- Pagar ao A. a importância de € 8768,16, a título de trabalho nocturno;
- Pagar ao A. a importância de € 1265,91, a título de subsídios de férias,
- Pagar ao A. a importância € 1265,91, a título de subsídios de Natal;
- Pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

“BBB, Lda.” respondeu, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e alegando que foi celebrado entre as partes um contrato de prestação de serviços.

Requereu ainda a condenação do A. como litigante de má-fé.

Pelo Tribunal a quo foi proferido despacho saneador/ sentença, no qual deu como assentes os seguintes factos:
1- A R. subscreveu a declaração datada de 22 de Setembro de 2017, contendo os seguintes dizeres : “A empresa BBB, Lda, contribuinte nº(…)vem por este meio declarar que, à data de 22  de Setembro de 2017, rescindiu o contrato de trabalho entre si e o seu funcionário, AAA, contribuinte fiscal nº (…), por motivo de inadaptação de posto de trabalho. O funcionário, com a profissão de motorista de táxi, deixou, por motivos pessoais, de ter disponibilidade para se responsabilizar por tarefas necessárias à gestão diária das viaturas, nomeadamente a guarda e posterior entrega dos valores monetários recebidos e indicação da indicação da informação decorrente desses mesmos recebimentos”- fls. 3
2- A R. subscreveu a declaração de situação de desemprego, junta a fls. 16, datada de 22 de Setembro de 2017, na qual indicou, como motivo de cessação do contrato de trabalho o despedimento por inadaptação superveniente ao posto de trabalho.
3- À data de 22 de Setembro de 2017 o A. exercia as funções de motorista de táxi, por conta, sob ordens, direcção e fiscalização da R..- fls. 3
4- À data de 22 de Setembro de 2017 o A. auferia a remuneração mensal ilíquida de €557, 00.- fls. 14.
5- Por requerimento apresentado em formulário, datado de 2 de Novembro de 2017, entrado em juízo em 10 de Novembro de 2017 o A. opôs-se ao despedimento promovido pela R..- fls. 2
6- Por despacho de fls. 4 foi designada data para realização da audiência de partes, a qual teve lugar em 20 de Dezembro de 2017, tendo comparecido os ilustres mandatários das partes ( fls. 9 e 9 v.)
7- Não tendo sido possível a conciliação das partes, foi determinada a notificação da entidade empregadora nos termos do disposto no art. 98-I, nº4, al.a) do CPT, tendo sido designada data para audiência final.
8- Em 4 de Janeiro de 2018 a R. apresentou articulado motivador do despedimento, mas não fez acompanhar o mesmo das comunicações previstas no artigo 376º do CT, do procedimento descrito nos arts. 377º e 378º do CT, nem do documento comprovativo de ter posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366º por remissão do nº1 do artigo 379º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.
9- O A. optou pela indemnização em substituição da reintegração na contestação que apresentou.

O Tribunal a quo entendeu que deveria ser declarada a ilicitude do despedimento do A. ( atenta a falta de junção aos autos do procedimento conducente ao despedimento por inadaptação do A. essencial à aferição e controlo da regularidade e licitude de tal despedimento) e proferiu a seguinte decisão:
«1- Declara-se ilícito o despedimento do trabalhador, AAA;
2- Condena-se a empregador, BBB, Lda. a pagar ao mesmo trabalhador:
2.1.- uma indemnização em substituição da reintegração, correspondente a trinta dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, até ao trânsito em julgado da presente decisão, não podendo ser inferior a 3 meses da retribuição base e diuturnidades;
2.2.- As retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o dia 22.09.2017, até ao trânsito em julgado da presente decisão - art. 390º, nº1 do Cód.. do Trabalho.»  

Foi ainda determinada a notificação do trabalhador para os efeitos previstos no art. 98-J, nº3, c) do CPT e a notificação da entidade empregadora para os efeitos previstos no nº 4 do mesmo preceito legal.
O Tribunal a quo determinou a notificação da entidade empregadora para se pronunciar quanto à sua condenação como litigante de má fé, em virtude de ter admitido no articulado motivador a existência de um contrato de trabalho entre as partes.
*

A R. recorreu e formulou as seguintes conclusões:

I Da nulidade da sentença/Despacho saneador:
1- O Tribunal a quo decidiu os presentes autos no saneador, ao abrigo do disposto no art. 98º- J, nº3 do CPT, tendo declarado que houve um despedimento ilícito.
2- Sucede que não se verificou nenhuma das situações previstas no referido nº3 do art. 98º-J do CPT;
3- Por essa razão, não deveria ter sido o processo decidido em sede de “ despacho saneador”;
4- Assim, salvo melhor entendimento, a R. é da convicção que tal decisão viola o referido normativo legal, razão pela qual se argui a respectiva nulidade da decisão para todos os devidos e legais efeitos.

IIAlegações- art. 79º-A, nº2, alínea e) do CPT.
1- Admitindo-se, por mera hipótese de raciocínio, que exista um contrato de trabalho entre A. e R., jamais se poderá admitir que ocorreu um qualquer despedimento entre eles;
2- Aquilo que aconteceu foi uma rescisão por mútuo acordo!
3- Acresce que a R. sempre ficou disponível e disso deu conta ao A. para voltar a trabalhar com os seus táxis;
4- Assim, jamais se poderá aceitar que ocorreu um despedimento;
5- Por outro lado e em abono da verdade, sempre se dirá que o A. nunca foi trabalhador dependente da R.. Era, sim, prestador de serviços. Logo, jamais se poderá equacionar a figura do despedimento, quer lícito, quer ilícito;
6- Assim, aquilo que a R. defende é que a situação entre A. e R. consubstancia uma  “prestação se serviços”;
7- E, ao abrigo dessa relação, o A. prestava serviços de motorista de táxi à R., de forma totalmente independente, recebendo uma comissão de 40% sob o apuro bruto diário facturado aos clientes que transportava no táxi;
8- Existem provas inabaláveis;
9- Estamos a falar de provas, documentos preenchidos e assinados pelo A. ( vide docs. nºs 1 a 11 junto aos autos com a resposta à reconvenção);
10- Todos estes documentos foram feitos e assinados pelo próprio A. ( vide os referidos docs. nºs 1 a 11 junto aos autos);
11- De facto, o A. retirava a sua percentagem diária em regime de autoliquidação, conforme consta nos documentos ( vide os referidos docs. nºs 1 a 11 juntos aos autos);
12- Era o A. que diariamente processava a sua comissão e que entregava o restante à R., conforme as contas que ele fazia, colocava nas folhas diárias e assinava  (vide os referidos docs. nºs 1 a 11 junto aos autos);
13- É que se existem documentos fiscais e contabilísticos que podem atestar a existência de um contrato de trabalho entre A. e R.. A verdade é que também existem documentos elaborados, escritos e assinados pelo próprio A., a provar que era comissionista e que recebia uma comissão de 40%.
14- Agora o que não existe, nem num caso, nem no outro, é um qualquer despedimento!.
15- Assim e atento o exposto, não se entende, sem qualquer prova, quer testemunhal, quer documental, como se pode concluir que houve despedimento ilícito, tanto mais que a prova que se encontra junta aos autos poderá evidenciar alguma situação, menos um despedimento.
Terminou, pugnando pela revogação do despacho saneador/ sentença e pela absolvição da R. do pedido.
Mais requereu a condenação do A. como litigante de má-fé.

O recorrido contra-alegou, sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
A recorrente respondeu, defendendo a procedência do recurso.
*

IIImporta solucionar as seguintes questões:
- Se deve ser conhecido o vício de nulidade da decisão;
- Se ocorreu despedimento;
- Se o Tribunal a quo não deveria ter aplicado o disposto no art. 98º-J, nº3, a) e b) do CPT.
*

IIIApreciação.

Vejamos, em primeiro lugar, se deve ser conhecido o vício de nulidade da decisão.
A recorrente não invocou o vício de nulidade da decisão em sede de requerimento dirigido ao Tribunal a quo, mas sim em sede de alegações dirigidas a este Tribunal da Relação.
Conforme resulta do disposto no art. 77º, nº1 do CPT, a arguição de nulidades em processo laboral é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso dirigido ao juiz que proferiu a decisão.
Para tanto, a arguição de nulidade deverá ser efectuada de forma explícita e sucinta, de forma a permitir a sua apreciação pelo Tribunal a quo.
É este o entendimento uniforme da jurisprudência ( vide, designadamente Ac. do STJ de 20.01.2004- www.dgsi.pt).
Em virtude da recorrente não ter cumprido o referido ónus, decide-se não conhecer da invocada nulidade.
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Vejamos, agora, as duas questões acima elencadas.

A R. subscreveu a declaração datada de 22 de Setembro de 2017, contendo os seguintes dizeres : “A empresa BBB, Lda, contribuinte nº507623533, vem por este meio declarar que, à data de 22  de Setembro de 2017, rescindiu o contrato de trabalho entre si e o seu funcionário, AAA, contribuinte fiscal nº 226178277, por motivo de inadaptação de posto de trabalho. O funcionário, com a profissão de motorista de táxi, deixou, por motivos pessoais, de ter disponibilidade para se responsabilizar por tarefas necessárias à gestão diária das viaturas, nomeadamente a guarda e posterior entrega dos valores monetários recebidos e indicação da indicação da informação decorrente desses mesmos recebimentos”.

Esta declaração escrita consubstancia o despedimento do trabalhador “ por inadaptação”, sendo irrelevante a invocada intenção de readmissão.

A própria recorrente admitiu no articulado a motivar o despedimento a existência de contrato de trabalho[1].
A ora recorrente apresentou articulado motivador do despedimento, mas não fez acompanhar o mesmo das comunicações previstas no artigo 376º do CT e do procedimento descrito nos arts. 377º e 378º do CT.

De acordo com o disposto no art. 376º, nº1  do CT, no caso de despedimento por inadaptação, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador e, caso este seja representante sindical, à associação sindical respectiva:
«a)- A intenção de proceder ao despedimento, indicando os
motivos justificativos;
b)
- As modificações introduzidas no posto de trabalho ou, caso estas não tenham existido, os elementos a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior;
c)
- Os resultados da formação profissional e do período de adaptação, a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 e a alínea d)- do n.º 2 do artigo anterior.»

Segue-se, depois, o procedimento previsto nos arts. 377º e 378º do CT.
A ora recorrente não juntou, no prazo indicado no art. 98º-I, nº4, a) do CPT, documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, pelo que se impõe a sua condenação nos termos previstos no art. 98º-J, nº3, a) e b) do mesmo diploma legal.
Por último, importa referir que os documentos nºs 1 a 11 apresentados com a resposta respeitam a “ folhas diárias” e com a sua junção a ora recorrente pretendia provar que existe um contrato de prestação de serviços. Tais documentos não se confundem com os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas para o despedimento.
Em síntese: Tendo a entidade empregadora emitido declaração escrita de despedimento por inadaptação, o contrato cessou por despedimento, pelo que deveriam ter sido juntos pela entidade empregadora documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, sendo irrelevantes, quer a intenção de readmitir o trabalhador, quer a posterior invocação em sede resposta de um contrato de prestação de serviços.
Não se vislumbra má-fé por parte do recorrido.
*

IVDecisão.
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.


Lisboa, 19 de Dezembro de 2018


Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos


[1]Face à posterior invocação, em sede de resposta, de um contrato de prestação de serviços, o Tribunal a quo determinou a notificação da ora recorrente, a fim de se pronunciar quanto à sua
condenação como litigante de má-fé.