Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
150/15.9Y5LSB.L1-9
Relator: CRISTINA BRANCO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO RODOVIÁRIA
PESSOA COLECTIVA
DOCUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – Sobre a questão de saber se, notificada a pessoa colectiva titular do documento de identificação do veículo para identificar o seu condutor, nos termos previstos no n.º 5 do art. 171.º do C. Estrada, e não o tendo feito no prazo aí estabelecido, poderá posteriormente exercer ainda essa faculdade, designadamente em sede de impugnação judicial das sanções aplicadas, identificam-se, na jurisprudência, dois entendimentos divergentes.

II – Segundo um deles, a faculdade de o titular do documento de identificação do veículo se exonerar da responsabilidade pela prática da contra-ordenação procedendo à identificação do autor da contra-ordenação terá de ser exercida no prazo concedido para o efeito, nos termos da notificação efectuada de acordo com o preceituado naquela norma, não podendo validamente ter lugar já em sede de impugnação judicial da decisão administrativa.

III – Um outro considera que a presunção contida nos n.ºs 2 e 6 do art. 171.º do C. Estrada poderá ainda ser ilidida na fase de impugnação judicial da decisão administrativa. Mas, tendo presente que uma presunção juris tantum só pode ser ilidida mediante prova em contrário (cf. art. 350.º, n.º 2, do C Civil), não abdica, contudo, da prova de que o autor da contra-ordenação é uma determinada pessoa, identificada de forma completa (tal como impõe o n.º 1 do art. 171.º do C. Estrada), não se bastando com a alegação e prova, por parte do titular do documento de identificação do veículo, de que não era ele próprio o condutor.

IV – Se a arguida, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 64.º, n.º 2, do RGCOC, não se opôs a que a decisão da sua impugnação judicial fosse proferida sem realização de audiência de julgamento, conformou-se com a matéria de facto que havia sido dada como provada pela autoridade administrativa, que só poderá ser alterada por via da existência de algum dos vícios previstos no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Nos autos de contra-ordenação com o n.º 150/15.9Y5LSB da Comarca de Lisboa, Lisboa – Instância Local – Secção de Pequena Criminalidade – Juiz 5, “T..., Lda.”, pessoa colectiva nº 500507660, com sede (…) em Lisboa, impugnou judicialmente a decisão administrativa da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária – ANSR, que lhe aplicou, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 28.º, n.º 1, al. b), 138.º e 146.º, al. i), todos do Código da Estrada, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, substituída pela apreensão do veículo identificado nos autos, por igual período de tempo, de acordo com o preceituado no art. 147.º, n.º 3, do mesmo diploma.
2. Por despacho de 11-05-2015, depositado a 21-05-2015, foi julgada improcedente a impugnação judicial e mantida a decisão da autoridade administrativa nos seus precisos termos.
3. Inconformada com essa decisão, interpôs a arguida o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
               «A. Da Prescrição:
1. Atento o prazo de 2 anos, decorrido desde a prática da alegada infração rodoviária, entende a Recorrente que ocorreu a prescrição dos presentes autos contraordenacionais, ao abrigo do artigo 188° do Código da Estrada.
B. Da Nulidade:
2. A douta decisão recorrida aplicou 2 (duas) sanções acessórias para a mesma infração;
- Uma de inibição de condução;
- E outra de apreensão de veículo
3. Ora, para uma mesma infração não podem ser aplicadas 2 sanções acessórias, sob pena da decisão ser nula o que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
C. Do Condutor:
a) Quando a Recorrente foi notificada para identificar o autor/condutor da alegada infração estradai não se encontrava em condições de prestar tal identificação pois, trata-se de uma empresa de táxis com vários condutores que todos os dias se substituem e trocam de turnos;
b) Porém, a Recorrente veio identificar o condutor do seu táxi quando interpôs o recurso de impugnação judicial;
c) O douto Tribunal recorrido não aceita tal identificação pois, entende que a Recorrente, por não ter identificado o motorista na fase de inquérito, fica impedida de o fazer posteriormente, nomeadamente, em sede de recurso judicial;
d) Com todo o respeito, defendemos que o direito da Recorrente não precludiu pois, não conseguiu numa fase inicial e pré judicial identificar o condutor;
D. Das Normas Jurídicas Violadas — Artigo 412° do CPP:
Atento o exposto, e, sempre com o devido e máximo respeito, somos do parecer que houve violação de diversas normas jurídicas;
1. Concretamente, existiu uma violação ao artigo 188° do CE pois, deveria ter sido considerado que ocorreu a prescrição nos presentes autos em virtude de ter decorrido mais de 2 anos desde a prática da alegada infração rodoviária;
2. Por outro lado, a douta sentença recorrida ao aplicar duas sanções acessórias sobre a mesma infração rodoviária, viola a contrário o espírito do art.° 21° do RGCO e, sobretudo viola o disposto na alínea d), do n° 1, do art ° 165° da Constituição da República Portuguesa, conforme “Notas ao Regime Geral de Contraordenação c Coimas” do Sr. Dr. Juiz Conselheiro do STJ, António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes, e do Sr. Dr. Juiz Conselheiro do STJ, José António Henriques dos Santos Cabral, in 3ª edição da Almedina, pág. 67;
3. Por último, a douta decisão recorrida ao não considerar a identificação do motorista viola o disposto no art.° 171°, n° 3 do CE em vigor à data da prática dos factos embora a redação atual daquele normativo seja idêntica;
Assim, deverão os autos ser mandados suspender, e em consequência, ser instaurado novo procedimento contra o condutor identificado nos presentes autos.
Nestes termos e demais de Direito aplicáveis, deverá ser dado total provimento ao recurso e, em consequência, deverá a contraordenação ser considerada prescrita, revogando-se assim a douta decisão ora recorrida, com todas as legais consequências.
Caso assim se não entenda deverá a douta decisão recorrida ser nula por aplicação de duas sanções acessórias a uma mera infração.
Por último, caso ainda assim se não entenda, deverão os presentes autos ficar suspensos, e instaurado novo procedimento contra o condutor identificado.
Ao Julgardes assim, Venerandos Desembargadores, estareis, uma vez mais, a fazer, a sã e acostumada JUSTIÇA!»
4. Por despacho de fls. 73-74, o Senhor Juiz a quo pronunciou-se sobre a invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional, indeferindo-a, e admitiu o recurso interposto.
5. Na sua resposta, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido pugnou, sem formular conclusões, pela improcedência do recurso.
6. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto apôs o seu Visto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 416.º, n.º 1, do CPP.
7. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Em processo contra-ordenacional, o Tribunal da Relação conhece apenas da matéria de direito (art. 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82 de 27 de Outubro, adiante RGCOC), sem prejuízo do aludido conhecimento oficioso relativamente aos vícios previstos no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP.
São três as questões que a recorrente coloca:
- a título de questão prévia, a da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
- a da nulidade da decisão recorrida, por, alegadamente, lhe ter aplicado duas sanções acessórias para a mesma infracção;
- a errada interpretação do preceituado no art. 171.º, n.º 3, do C. Estrada, ao não considerar a identificação do condutor que a recorrente veio efectuar quando impugnou judicialmente a decisão administrativa.
*
Importará, antes do mais, conhecer da questão prévia da prescrição do procedimento contra-ordenacional que a recorrente veio suscitar na sua peça recursória.
Alega a recorrente que, atendendo a que a infracção a que se reportam os autos teve lugar em 09-09-2012 e tendo em conta o prazo prescricional de dois anos previsto no art. 188.º do C. Estrada, a prescrição do procedimento contra-ordenacional já ocorreu, tendo a decisão recorrida violado o preceituado nessa disposição legal ao não ter assim considerado.

Vejamos.
À recorrente vem imputada a prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 28.º, n.º 1, al. b), 138.º e 146.º, al. i), todos do Código da Estrada.
No que respeita à prescrição, rege o art. 188.º do C. Estrada[1] que prevê que «O procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido dois anos».
E, de acordo com o preceituado no art. 132.º do C. Estrada, «As contra-ordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra ordenações.»
As causas de interrupção e suspensão da prescrição são, assim, as que constam dos arts. 27.º-A[2] e 28.º[3] do RGCOC[4], na redacção introduzida pelo DL n.º 109/2001, de 24-12, e ainda, desde a entrada em vigor da Lei n.º 72/2013, de 03-09, também a notificação ao arguido da decisão condenatória (actual n.º 2 do art. 188.º do C. Estrada[5]).

Os factos tiveram lugar em 09-09-2012.
A decisão da autoridade administrativa foi proferida em 07-05-2014 (ou seja, antes de decorridos dois anos), operando a interrupção da prescrição e o início da contagem de novo prazo de dois anos (art. 28.º, n.º 1, al. d), do RGCOC), a terminar em 07-05-2016.
Entretanto, depois de notificada a decisão à ora recorrente, a mesma apresentou impugnação judicial, os autos foram enviados ao MP em 30-01-2015 e por este remetidos a juízo em 11-02-2015.
O recurso da decisão administrativa foi admitido por despacho de 17-03-2015, notificado à recorrente por carta registada recebida a 23-03-2015.
Verificou-se, assim, também, uma causa de suspensão da prescrição, que não poderá exceder seis meses – cf. art. 27.º-A, n.º 1, al. c), e n.º 2, do RGCOC –, o que transporta para 07-11-2016 o termo do prazo do procedimento contra-ordenacional.
Se tivermos ainda em consideração o disposto no art. 28.º do RGCOC, verificamos que a prescrição do procedimento contra-ordenacional ocorrerá decorridos que estejam 3 anos e 6 meses sobre a prática dos factos, ou seja, inelutavelmente, em 09-03-2016.
Dúvidas não restam, pois, de que a prescrição do procedimento contra-ordenacional não ocorreu, não tendo a decisão recorrida violado qualquer disposição legal ao não ter declarado essa prescrição.
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2. Da decisão recorrida
Previamente à apreciação das demais questões suscitadas, vejamos qual o teor da decisão recorrida, na parte que ora importa.
«(…)
Da identificação do condutor
Na sua impugnação pretende a recorrente proceder à identificação do real condutor da viatura. Alegando a oportunidade da identificação por não ter noção que sofreria a condenação numa sanção acessória, acrescida ao pagamento da multa.
Nos termos do art. 171.°, n.°5, do Código da Estrada “Quando o agente da autoridade não puder identificar o autor da contraordenação e verificar que o titular do documento deidentifcação é pessoa coletiva, deve esta ser notificada para, no prazo de 15 dias úteis, proceder à identificação do condutor, ou, no caso de existir aluguer operacional do veículo, aluguer de longa duração ou locação financeira, do locatário, com todos os elementos constantes do n.°1 sob pena de o processo correr contra ela, nos termos do n.° 2.”
No caso em apreço tal notificação foi recebida a fls.6. No prazo de defesa a recorrente pagou voluntariamente a coima e afirmou não conseguir determinar quem era o condutor da viatura, “pelo que a firma assume a contra-ordenação em referência” (fls.5)
A questão controvertida será saber se a faculdade referida no n.°5, do art.171.°, do Código da Estrada, pode ser exercida em sede de recurso de impugnação judicial, quando não foi usado o prazo concedido para o efeito.
Neste ponto tem existido entendimentos divergentes na jurisprudência.
Um primeiro entendimento considera que o art.171.°, n.°2, do Código da Estrada, opera apenas uma presunção que permite assegurar a legitimidade passiva do procedimento. Nesta sendo caso se prove em julgamento que o condutor era outro que não a recorrente, deverá atender-se a tal prova.
Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-04-2009, processo n.° 897/08-1, relatado por RICARDO SILVA, disponível em www.dgsi.pt: “Assim, pensamos que o referido n.°2, quando estabelece que o processo correrá contra o titular do documento de identificação do veículo se o agente da autoridade não puder identificar o autor da infracção, ressalvada a situação de esse titular vir, no prazo que a lei assina para tal fim, indicar outra pessoa como a que, realmente, tenha cometido a infracção, não pretende mais do que consagrar um pressuposto processual de legitimidade passiva do titular inscrito do “veículo infractor, baseada na presunção natural de que se o mesmo titular não indica quem conduzia o veículo aquando da prática da contra-ordenação, é porque era ele mesmo a conduzi-lo, que é a situação mais comum.”
Em sentido diverso cumpre observar a jurisprudência que sustenta que o direito de identificar o real infractor, e exonerar o proprietário da viatura, fica precludido se não for exercido no prazo dado para o efeito.
Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-12-2007, processo n.° 213/06.1TBMMV.C1, relatado por INÁCIO MONTEIRO, disponível emwww.dgsi.pt: “Ora, sobre o arguido, enquanto titular do documento de identificação do veículo, recai o dever de identificação do condutor e não sobre o terceiro.
Porém, este dever imposto legalmente deve ser cumprido no prazo concedido para a defesa, não sendo possível afastar a presunção uma vez decorrido aquele prazo, sob pena de não ter qualquer utilidade o disposto no art. 171.°, do CE.
E compreende-se que assim seja, pois as sanções contra-ordenacionais não constituem penas, mas medidas sancionatórias de carácter não penal, não repugnando que possam recair sobre quem não cometeu o facto ilícito típico, mas sobre quem, em determinadas circunstâncias, o podia e devia evitar.
No caso dos autos, verifica-se que o arguido/recorrente foi devidamente notificado e advertido de que poderia identificar pessoa distinta como autora da contraordenação, no prazo concedido para a defesa, devendo-o fazer junto da Delegação Distrital de Viação de Coimbra, e que, não obstante, o arguido não se dirigiu àquela entidade a fim de identificar outra pessoa como o autor da infracção.
Foram assim assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa em contra-ordenação constitucionalmente assegurados no art. 32.° n.° 10. da Constituição da República Portuguesa.
Foi-lhe dada a oportunidade para o fazer e se o arguido não exerceu tal direito foi porque não quis.
Naquele prazo o arguido limitou-se a pagar a coima voluntariamente, conforme consta de fls. 13.
Reagiu posteriormente à notificação da decisão administrativa que o considerou autor da contra-ordenação e lhe aplicou a sanção inibição de conduzir pelo período de 60 dias, fazendo uso do recurso de impugnação com o único fundamento de que a condutora era sua esposa B....
Questiona-se a boa fé da recorrente nestes autos, pois se não praticou a contra-ordenação não tinha que pagar a coima como afirma no artigo 3.º, do recurso de impugnação judicial a fls. 19, além de que, atentas as circunstâncias em que os factos ocorreram não lhe seria difícil saber quem conduzia o veículo. Ora, não tendo identificado o condutor no prazo que lhe foi concedido, não pode agora a recorrente vir discutir a autoria da prática da contra-ordenação, e, assim sendo não havendo outro fundamento do recurso interposto tem de necessariamente de ser rejeitado por manifesta improcedência.”
Nesta questão somos a concordar com o segundo entendimento. Em primeiro lugar cumpre observar que o direito é garantido com a audição prévia do arguido. Em caso de lapso ou erro na notificação, a nulidade daí decorrente permitirá aa recorrente o exercício do direito repristinado.
Em segundo lugar as normas do art.171.°, n.°2 a 5, do Código Estrada, sendo norma processuais, contêm uma restrição ao direito de defesa. Como sempre acontece nas normas processuais de cariz sancionatório. Contudo, estas normas são um corolário do princípio de que o proprietário do automóvel é responsável pela circulação do mesmo, e pela circulação que permite que se faça do mesmo.
Pelo exposto, não é admissível a invocação da condução por terceiro nesta fase.
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Não existem outras nulidades, excepções ou questões prévias susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito e das quais cumpra conhecer.
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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A. Factos Provados
1. No dia 09 de Setembro de 2012, pelas 14 horas e 58 minutos, na Avenida Infante D. Henrique, n.°7, sentido norte/sul, o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula xx-xx-xx pertencente à recorrente T..., LDA., circulava a, pelo menos, com a velocidade de 104 km/h, correspondente à velocidade registada de 110 km/h;
2. Sendo a velocidade máxima permitida em tal local de 50 km/h;
3. A velocidade foi verificada através do Cinemómetro Radar de marca Multanova, modelo MR-6FD, n.° 09-99-1817, aprovado pelo IPQ, e cuja utilização foi autorizada pela ANSR através do Desp. N.°15.919/2011 (2.ªsérie) DR n.°225 de 23NOV2011
4. A recorrente bem sabia que não o veículo automóvel não podia circular naquela via a uma velocidade superior a 50 km/h;
5. Não obstante tal, não se absteve de praticar tal conduta;
6. A recorrente agiu livre, voluntária e conscientemente, sabedora que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo, no mínimo, actuado com desrespeito pelos deveres de cuidado a que estava legalmente adstrito a observar quando circula na via pública ao volante de um veículo automóvel e que podia e devia ter observado;
7. A recorrente pagou voluntariamente a coima que lhe foi aplicada no âmbito dos presentes autos de contra-ordenação.
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B. Factos Não Provados
Nada mais se provou com relevância ou pertinência para a boa decisão da causa, não se tendo provado facto contrário ou que estivesse em contradição com a factualidade que foi dada como provada acima descrita, não se deixando de provar qualquer outro facto com interesse para a causa.
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C. Fundamentação de Facto:
A factualidade dada como provada resultou do teor da prova documental junta aos autos, cuja depuração e conjugação crítica se efectuou, designadamente da análise do auto de notícia (cfr. fls. 1), do fotograma referente ao veículo automóvel em causa, com registo da velocidade e circunstâncias de tempo e de lugar, (cfr. fls. 2), do conteúdo vertido na decisão administrativa (cfr. fls.9), de cujo conteúdo inequivocamente se infere que o veículo da ora recorrente circulou ao volante de tal veículo automóvel, em tais circunstâncias de tempo e de lugar, com a velocidade de 104 km/h, correspondente à velocidade registada de 110 km/h, numa via urbana com velocidade máxima permitida de 50 km/h.
Teve-se ainda em consideração o teor da defesa apresentada pela recorrente, constante de fls. 12 conteúdo da impugnação judicial. Na sua impugnação a recorrente pretende identificar o real condutor da viatura no momento da infracção. Sendo que tal pretensão foi indeferida nos termos já expressos nesta decisão.
A recorrente não impugna a velocidade praticada, por outro lado, nos termos do art.170.°, n.°3 e n.°4, do Código da Estrada:
“3 - O auto de notícia levantado e assinado nos lermos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.
4 - O disposto no número anterior aplica-se aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.”
Ora, no caso em apreço a recorrente não alegou, nem provou qual a velocidade a que circulava. Nem nenhuma prova produziu que permitisse por em causa a fidelidade do resultado do aparelho de medição.
No que respeita ao elemento subjectivo, sendo confirmado que o veículo circulava a uma velocidade superior à velocidade máxima permitida e obviamente que se trata de uma estrada numa localidade, e não fora da localidade, pois que se trata de uma via no interior da cidade de Lisboa (nos seus limites geográficos), e ainda para mais a velocidade deve ser especialmente atenuada nas localidades e ainda deve o condutor adaptar a velocidade ao estado da via, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
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3. Da análise dos fundamentos do recurso
De acordo com as regras de precedência lógica importará, em primeiro lugar, apreciar as questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes aos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.
Por fim, das questões relativas à matéria de direito.
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A recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida, por, alegadamente, lhe ter aplicado duas sanções acessórias para a mesma infracção: «Concretamente, uma primeira sanção acessória, em que condenou a Recorrente”…a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias…”. E uma segunda sanção acessória, que se traduz na “…apreensão de veículo por período idêntico…”.
Tal afirmação não resiste, contudo, a uma leitura minimamente atenta do dispositivo da sentença.
Ali se lê: «(…) decido manter na íntegra a decisão da entidade administrativa sob recurso, condenando-se a recorrente T..., LDA., que lhe aplicou a sanção de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, conforme Arts.° 27.°, 136.°, 138.°, 146.°, al.i), todos do Código da Estrada, a cumprir nos termos do art.147.°, n.°3, do Código da Estrada, com a apreensão do veículo por período idêntico;»
Como nos parece evidente, o que se pretende significar é que a única sanção aplicada, que é a de 60 dias de inibição de conduzir, será cumprida mediante a apreensão do veículo, por igual período.
Trata-se de uma substituição que decorre, de resto, do disposto no n.º 3 do art. 147.º do C. Estrada[6] quando a sanção legalmente prevista, de inibição temporária do exercício da condução, é aplicada a uma entidade colectiva, como é o caso da recorrente, por ser essa a forma possível de tornar efectiva a sanção.
Não se verifica, assim, qualquer duplicação de sanções, improcedendo esta alegação da recorrente.
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Inexistindo qualquer outra questão que possa obstar ao conhecimento do mérito da decisão, e não se vislumbrando a ocorrência de qualquer dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, considera-se assente a matéria factual fixada nos autos, bem como a qualificação jurídica operada pelo Tribunal recorrido.
Analisemos, pois, a última questão suscitada.

A recorrente insurge-se contra a circunstância de o Tribunal recorrido não ter considerado a identificação do condutor que veio efectuar na impugnação judicial da decisão administrativa, afirmando que aquele fez errada interpretação do preceituado no art. 171.º, n.º 3, do C. Estrada.
Na sua perspectiva, «os autos deveriam ficar suspensos e serem instaurados contra o alegado, e entretanto identificado, autor da infração em causa.»

A questão prende-se, assim, com a de saber se, notificada a pessoa colectiva titular do documento de identificação do veículo para identificar o seu condutor, nos termos previstos no n.º 5 do art. 171.º do C. Estrada, e não o tendo feito no prazo aí estabelecido, poderá posteriormente exercer ainda essa faculdade, designadamente em sede de impugnação judicial das sanções aplicadas, obtendo, assim, a suspensão do processo.
O Tribunal recorrido debruçou-se sobre essa matéria, conforme se verifica da transcrição acima efectuada, identificando a existência, na jurisprudência, de dois entendimentos divergentes e traçando as respectivas linhas gerais em termos que se mostram correctos e que nos dispensamos de aqui repetir.
Na verdade, segundo um deles, a faculdade de o titular do documento de identificação do veículo se exonerar da responsabilidade pela prática da contra-ordenação procedendo à identificação do autor da contra-ordenação terá de ser exercida no prazo concedido para o efeito, nos termos da notificação efectuada de acordo com o preceituado no art. 171.º do C. Estrada, não podendo validamente ter lugar já em sede de impugnação judicial da decisão administrativa.
Esta posição mostra-se plasmada nos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2002[7], do Tribunal da Relação de Guimarães de 03-10-2005, Proc. n.º 1388/05-2, e ainda no da Relação de Coimbra de 12-12-2007, Proc. n.º 213/06.1TBMMV.C1[8], este citado na decisão recorrida.
Diversamente, um outro entendimento, vertido nos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-07-2006, Proc. n.º 1511/06, e de 20-09-2006, Proc. n.º 1302/06, e da Relação de Guimarães de 25-02-2008, Proc. n.º 1983/07[9], considera que a presunção contida nos n.ºs 2 e 6 do art. 171.º do C. Estrada poderá ainda ser ilidida na fase de impugnação judicial da decisão administrativa.
A jurisprudência que sufraga esta interpretação da lei, tendo presente que uma presunção juris tantum só pode ser ilidida mediante prova em contrário (cf. art. 350.º, n.º 2, do C Civil), não abdica, contudo, da prova de que o autor da contra-ordenação é uma determinada pessoa, identificada de forma completa (tal como impõe o n.º 1 do art. 171.º do C. Estrada), não se bastando com a alegação e prova, por parte do titular do documento de identificação do veículo, de que não era ele próprio o condutor (o que, no caso de se tratar de uma pessoa colectiva seria, na verdade, redundante).

No caso dos autos, a ora recorrente, titular do documento de identificação do veículo ao volante do qual se verificou a infracção, quando notificada nos termos estabelecidos no art. 171.º, n.º 5, do C. Estrada informou assumir a contra-ordenação, por não lhe ser possível identificar o condutor do veículo, e procedeu ao pagamento voluntário da coima.
Só na sua impugnação judicial veio indicar a pessoa que, alegadamente, seria o condutor do veículo aquando da prática do ilícito contra-ordenacional.
Por isso, a perfilhar-se o primeiro dos referidos entendimentos jurisprudenciais, como fez o Tribunal recorrido, seria evidente a improcedência do recurso.
Mas outra sorte não poderia merecer mesmo que optássemos pela segunda interpretação.
É que, como acima deixámos claro, em matéria contra-ordenacional este Tribunal da Relação conhece apenas da matéria de direito, com excepção do conhecimento oficioso relativamente aos vícios previstos no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, sendo que, na ausência destes, a matéria de facto se mostra definitivamente fixada.
Ora, na factualidade dada como assente não figura a identificação da pessoa que, aquando da prática dos factos ali descritos, conduzia o veículo da recorrente.
Nem podia ser de outra forma, pois que, como se constata de fls. 27 e ss., a arguida, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 64.º, n.º 2, do RGCOC, não se opôs a que a decisão da sua impugação judicial fosse proferida sem realização de audiência de julgamento, assim se conformando com a matéria de facto que havia sido dada como provada pela autoridade administrativa.
Perante a factualidade apurada, insusceptível de alteração, resta concluir que a recorrente não logrou ilidir a presunção contida no n.º 2 do art. 171.º do C. Estrada, o que significa que, mesmo à luz do segundo entendimento jurisprudencial enunciado, se mantém a sua responsabilidade pela prática do ilícito contra-ordenacional.
Improcede assim, integralmente, o recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
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III. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pela arguida, “T..., Lda.”, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, ambos do CPP, 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa).
Notifique.
*
(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária)
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Lisboa, 26-11-2015

Cristina Branco
Ana Filipa Lourenço

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[1] Na redacção do DL nº 44/2005, de 23-02, em vigor à data da pratica dos factos, que corresponde ao actual n.º 1 do preceito, na versão decorrente da Lei n.º 72/2013, de 03-09.
[2] Artigo 27.º-A
(Suspensão da prescrição)
1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
[3] Artigo 28.º
(Interrupção da prescrição)
1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
[4] Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27-10, e sucessivamente alterado pelos DL n.º 356/89, de 17-10, n.º 244/95, de 14-09 e 323/2001, de 17-12, e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12.
[5] Que, ao prescrever «Sem prejuízo da aplicação do regime de suspensão e de interrupção previsto no regime geral do ilícito de mera ordenação social, a prescrição do procedimento por contraordenação rodoviária interrompe-se também com a notificação ao arguido da decisão condenatória», tornou ainda mais clara a aplicação subsidiária do RGCOC em matéria de suspensão e interrupção da prescrição relativa às contra-ordenações rodoviárias.
[6] «3 - Se a responsabilidade for imputada a pessoa singular não habilitada com título de condução ou a pessoa coletiva, a sanção de inibição de conduzir é substituída por apreensão do veículo por período idêntico de tempo que àquela caberia.»
[7] In CJ, Ano XXVIII, tomo II, p. 37.
[8] Ambos in www.dgsi.pt.
[9] Ibidem.