Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5585/15.4T8FNC-A.L2-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: EMBARGOS
ÓNUS DA PROVA
PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I - Na oposição à execução para pagamento de quantia (fundada no incumprimento de contratos de mútuo) é sobre a instituição de crédito, exequente-embargada, que recai o ónus da prova do envio e receção de cartas atinentes à integração dos executados clientes bancários no PERSI.
II - Para tanto não bastam as cópias de cartas alegadamente enviadas (pelo correio) e as declarações do seu legal representante e os depoimentos de testemunhas (funcionários do Banco) se não constar dos autos mais nenhuma prova documental a esse respeito, designadamente talão de registo, prova de depósito, aviso de entrega da qual resulte a expedição e muito menos a receção dessas cartas (ou mesmo outra correspondência comprovadamente rececionada em que seja feita menção àquelas).
III - Está-se, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, já que não estando demonstrado o prévio cumprimento por parte da instituição de crédito-exequente dos princípios e regras imperativas estabelecidas no DL n.º 227/2012, de 25-10, a mesma não pode intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito - cf. art. 17.º, n.º 1, al. al. b) -, faltando assim um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da sua pretensão.
IV - Não configura abuso do direito a invocação pelos executados dessa exceção se, em face do factos provados, não se descortina nenhuma razão objetiva para que a exequente pudesse confiar que, caso instaurasse (como fez, em 01-10-2015) uma ação executiva contra os mesmos fundada no incumprimento, verificado a partir de 01-05-2015, dos contratos de mútuo (celebrados em 28-12-2012), eles se iriam abster de invocar na sede própria as garantias de que beneficiavam por força de lei imperativa, tão pouco se podendo considerar que estivessem manifestamente a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
MJ… e ED… interpuseram o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a oposição à execução, por eles deduzida mediante embargos, e determinou o prosseguimento da ação executiva para pagamento de quantia certa que contra eles foi instaurada por Union de Creditos Inmobiliarios, S.A. - Estabelecimiento Financiero de Crédito (Sociedad Unipersonal), Sucursal em Portugal.
No requerimento executivo, apresentado em 01-10-2015, a Exequente, alegou, em síntese, ter celebrado com os Executados três contratos de mútuo com hipoteca e que estes deixaram de cumprir pontualmente o pagamento das prestações, encontrando-se em dívida a quantia total de 175.836,36 €, assim discriminada:
- Quanto ao primeiro contrato, capital em dívida no valor de 84.570,95 €; respetivos juros vencidos e vincendos, à taxa de 7,478%, contados desde 01-05-2015, sendo os calculados até 24-09-2015 no valor total de 3.788,31 €; comissões contratualmente previstas no valor de 48,30 €; imposto de selo sobre as comissões de 1,93 €;
- Quanto ao segundo contrato, capital em dívida no valor de 74.239,65 €; respetivos juros vencidos e vincendos, à taxa de 5,000%, contados desde 01-05-2015, sendo os calculados até 24-09-2015 no valor total de 1.626,63 €; imposto de selo à taxa de 4% sobre o montante dos juros, no valor total de 65,02 €; comissões contratualmente previstas no valor de 7,50 €; imposto de selo sobre as comissões de 0,30 €;
- Quanto ao terceiro contrato, capital em dívida no valor de 10.942,76 €; respetivos juros vencidos e vincendos, à taxa de 7,274%, contados desde 01-05-2015, sendo os calculados até 24-09-2015 no valor total de 480,58 €; imposto de selo à taxa de 4% sobre o montante dos juros, no valor total de 19,19 €; comissões contratualmente previstas no valor de 43,50 €; imposto de selo sobre as comissões de 1,74 €.
Os Executados, na Petição de embargos (Ref.ª Citius 1034554), apresentada em 19-11-2015, vieram pugnar pela extinção da execução, invocando, em síntese:
- O erro na formação da vontade de contratar, com a consequente anulação dos contratos de mútuo em causa, alegando que estes contratos foram celebrados com vista a resolver o problema da falta de capacidade financeira dos Executados para pagarem anterior empréstimo contraído junto da Exequente para aquisição da casa de habitação, tendo sido acompanhados da dação em pagamento à Exequente deste imóvel e ainda da compra, também à Exequente, de fração autónoma de valor inferior (cujo preço foi pago com o valor mutuado), desconhecendo os Executados que daí resultaria uma obrigação de pagamento de mais-valia num valor total superior a 25.000 €, mais desconhecendo os vícios de construção que esta fração autónoma apresentava;
- A não implementação do PERSI pelo Exequente, atuando com abuso de direito ao instaurar a presente execução, com a consequente inexigibilidade da obrigação exequenda.
A Exequente/Embargada, apresentou Contestação (Ref.ª Citius 1208608), em 08-02-2016, na qual se defendeu por impugnação de facto e direito, defendendo a improcedência da oposição, alegando, em síntese:
- Ter dúvidas sobre o montante da alegada tributação da mais-valia, cuja obrigação de pagamento é discutível, considerando que os Executados adquiriram logo de seguida um outro imóvel para habitação própria e permanente;
- Ser irrelevante o invocado erro na formação da vontade, já que tem por base o desconhecimento da lei fiscal que não pode ser imputado à Exequente, não cabendo a esta informar sobre as consequências fiscais, e não existir acordo das partes quanto ao reconhecimento da essencialidade do motivo;
- Ter caducado o direito dos Executados à anulação dos contratos, nos termos do art. 287.º, n.º 1, do CC, pois há mais de 1 ano que têm conhecimento da referida tributação da mais-valia;
- Ser o imóvel vendido usado e com um estado de conservação conhecido dos Executados, apenas tendo estes invocado a existência de defeitos em finais de 2014, sem respeito pelo prazo de 1 ano previsto no art. 5.º-A do DL n.º 67/2003, de 8 de abril, não sendo a oposição um meio próprio para reagir contra eventuais defeitos do imóvel;
- Ter a Exequente lançado mão do PERSI em 3 ocasiões diferentes, através de cartas (cujas cópias juntou) datadas de 05-11-2013, 06-05-2014 e 03-09-2014, enviadas aos Executados, por estes se encontrarem em situação de incumprimento; nas cartas foi solicitado aos Executados o envio de documentação, o que eles não fizeram, levando à extinção de cada PERSI, disso tendo os mesmos sido informados por cartas (cujas cópias juntou) datadas de 18-11-2013, 19-05-2014 e 15-09-2014, respetivamente.
Notificados da Contestação, os Executados vieram, em 23-02-2016, apresentar requerimento, com o seguinte teor (transcrição parcial):
“(…) notificados da contestação com documentos apresentada pela Exequente em 08/02/2016, vêm impugnar tais documentos, nos seguintes termos:
1º Os Executados impugnam expressamente e para todos os efeitos legais os documentos juntos pela Exequente à respectiva contestação à oposição, concretamente, e ainda que não numerados, como se impunha, o alegado “relatório de avaliação”, datado de 06/08/2012, o alegado “documento específico que atesta o estado de conservação do imóvel”, datado de 26/12/2012, as alegadas “cartas” relativas à alegada integração dos Executados no PERSI, datadas de 05/11/2013, 06/05/2014 e 03/09/2014, respectivamente, e bem assim as alegadas “cartas” relativas à alegada extinção do PERSI, datadas de 18/11/2013, 19/05/2014 e 15/09/2014, respectivamente.
(…) 4º Já quanto às alegadas cartas relativas à alegada integração dos Executados no PERSI, por um lado, consubstanciando embora as mesmas documentos da Exequente, que apenas a si vinculam, nada permite concluir que tais cartas foram expedidas, nem a Exequente junta documentos susceptíveis de comprovarem tal envio, sendo certo que os Executados não as receberam, prova essa que compete àquela fazer.
5º Por outro lado, tais alegadas cartas não traduzem qualquer integração dos Executados no referido procedimento em causa, e muito menos consubstanciam o cumprimento pela Exequente dos princípios gerais que norteiam o PERSI, designadamente no que toca à adopção das medidas adequadas à prevenção do incumprimento, ao acompanhamento da execução dos contratos de crédito em causa, à avaliação da capacidade financeira dos Executados, à apresentação de propostas adequadas à respectiva situação financeira e à elaboração e implementação do Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), nos termos do artigos 4º a 11º do DL nº 227/2012, de 25 de Outubro, na redacção em vigor.
6º Por outro lado ainda, tais alegadas cartas, nos seus próprios termos, constituem comunicações relativas a valores em mora, nas referidas datas, concretamente 05/11/2013, 06/05/2014, e 03/09/2014, referentes aos empréstimos nºs …, … e …, respectivamente, empréstimos estes que não se mostram identificados nem integram o requerimento executivo, nem a Exequente os relaciona na respectiva contestação com os contratos ali identificados e que servem de base à execução em causa.
7º Finalmente, e agora quanto às alegadas cartas relativas à alegada extinção do PERSI, verifica-se que, nos próprios termos alegados pela Exequente e que, como tal, não pode ignorar, tendo os Exequentes sido integrados no PERSI nos termos das cartas de 05/11/2013, de 06/05/2014, e de 03/09/2014, respectivamente, no que não se concede, reitera-se, e tendo tal procedimento sido dado como extinto por iniciativa da Exequente nos termos das cartas de 18/11/2013, 19/05/2014 e 15/09/2014, respectivamente, no que também não se concede, verifica-se que, em qualquer das sucessivas situações em causa, entre aquelas datas e estas correspondentes, não se mostra decorrido o prazo de 91 dias a que alude a alínea c), do nº 1, do artigo 17º do referido decreto-lei susceptível de permitir à Exequente a extinção de tal procedimento, o qual, desse modo, e em todas as três situações, sempre se mostraria incumprido, com as consequências legais daí advenientes, o que, à cautela, os Executados invocam expressamente e para todos os efeitos legais.
8º Acresce ainda que tendo os Executados sido integrados no PERSI como a Exequente alega, no que, reitera-se, aqueles não concedem, esta sempre teria que ter comunicado àqueles, no prazo máximo de 30 dias após tal integração, em suporte duradouro, o resultado da avaliação desenvolvida, nos termos dos nºs 1 a 3 do artigo 15º do referido decreto-lei, porquanto verificado que os mesmos não dispunham de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações resultantes dos contratos em causa, conforme resulta do nº 4 do referido artigo, comunicação essa que é obrigatória e a qual não se verificou, o que a Exequente também não pode ignorar,
9º De onde, considerando a obrigatoriedade legal de tal comunicação, a falta de colaboração a que a Exequente alude, caso tivesse acontecido, e nisso os Executados também não concedem, conforme resulta da norma na qual se fundamenta, concretamente a alínea d), do nº 2, do artigo 17º do referido decreto lei, e considerando o prazo de 10 dias que a lei confere a estes para resposta às solicitações daquela nos termos do artigo 15º do referido decreto-lei para o qual aquela norma remete, se verifica que, face às datas da alegada integração, 05/11/2013, 06/05/2014, e 03/09/2014, respectivamente, a Exequente não poderia ter procedido à extinção do PERSI em 18/11/2013, 19/05/2014 e 15/09/2014, respectivamente, sob pena de violação dos referidos normativos, o que os Executados à cautela também invocam expressamente e para todos os efeitos legais, posto que entre as datas da alegada integração e as datas da alegada extinção medeiam apenas 13, 13 e 12 dias, respectivamente.
10º Face ao exposto, refutando expressamente o alegado pela Exequente sob o artigo 64º da contestação, verifica-se ser esta quem litiga de má fé, e não os Executados.
Termos em que:
Impugnam expressamente e para todos os efeitos legais os documentos juntos pela Exequente à respectiva contestação.”
Foi proferido despacho convidando os Executados a apresentarem petição aperfeiçoada, concretizando as condições e o circunstancialismo que rodeou a celebração dos contratos de mútuo em causa, em termos de tempo, modo e lugar, em ordem à demonstração dos factos integradores da essencialidade e cognoscibilidade que são requisitos de relevância do erro invocado como fundamento de anulabilidade dos contratos.
Correspondendo a tal convite, vieram os Executados, em 17-11-2016, apresentar Petição aperfeiçoada (Ref.ª Citius 1805288), em que foram aditados os artigos 4.º a 10.º, ambos inclusive, numerados de A a E, mantendo-se, no mais, com renumeração, o alegado na petição apresentada em 19-11-2015, sob a referência 21144973.
Veio de seguida a Exequente, em 28-11-2016, apresentar nova Contestação (Ref.ªs Citius 1826739 e 1826761), na qual se defendeu por impugnação de facto (designadamente dos novos artigos 4.º e 6.º a 10.º da petição aperfeiçoada) e de direito, repetindo o que já antes alegara.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, e de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova nos termos seguintes:
I. Objeto do litígio
Determinar se há algum fundamento que extinga a execução deduzida, pondo em causa o título executivo dado à execução.
II. Temas da prova
a) Da (in)existência de erro sobre os motivos, determinante na formação da vontade de contratar;
b) Da (não) anulação do negócio consubstanciado na contratação dos mútuos em causa nas referidas condições;
c) Subsidiariamente à alínea b), da (não) anulabilidade do negócio em causa;
d) Da (não) implementação do PERSI pela Exequente;
e) Do abuso de direito por parte da Exequente consubstanciado na promoção da presente Execução;
f) Da (in)exigibilidade da dívida exequenda.
Procedeu-se à realização da audiência final, em várias sessões, tendo na sessão de 17-01-2018 sido proferido despacho ordenando a notificação da Embargada /Exequente para juntar aos autos “todo e qualquer acordo escrito entre a Exequente e os Executados, assinado pelo Executado e/ou pelos Executados, e que corresponda ao que a testemunha MS… referiu nas suas declarações (…)”.
A Embargada, mediante requerimento de 26-01-2018, juntou um documento, referindo que corresponde aos “acordos escritos celebrados entre Embargada e Embargantes, e por estes assinados, acordos a que a testemunha MS… fez expressa menção no depoimento por si prestado”.
Foi proferida sentença cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“DECISÃO
Face ao supra exposto, decide-se:
A) Julgar os presentes Embargos de Executado, em que são Embargantes/Executados MJ… e ED…, e Exequente/Embargada “UNION DE CREDITOS INMOBILIARIOS, S.A. – ESTABELECIMIENTO FINANCIERO DE CRÉDITO (SOCIEDAD UNIPERSONAL), SUCURSAL EM PORTUGAL”, improcedentes, por não provados, e, consequentemente, determinar o prosseguimento dos autos principais de Execução, aos quais os presentes estão apensos, nos termos e para os efeitos descritos no Requerimento Executivo;
B) Fixar Custas a cargo dos Embargantes/Executados, MJ… e ED…, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC – seis unidades de conta (artigos 527º/1,1ªparte,2, 528º/1, 529º/2, 530º/4 e 607º/6, todos do Código de Processo Civil - NCPC, com a redação introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26.06, e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais);
B)1. em relação às Custas a cargo dos Embargantes/Executados, Fixar Custas a título solidário entre si (artigo 527º/3 do NCPC).”
Inconformados com esta decisão, vieram os Executados/Embargantes interpor recurso de apelação, ao qual foi, por acórdão de 24-04-2019, concedido parcial provimento, nos seguintes termos:
a) Julgando improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no tocante ao aditamento do alegado nos artigos 3.º e 12.º, 1.ª parte (até “habitação”, inclusive) da petição de embargos aperfeiçoada;
b) Anulando (parcialmente) a sentença recorrida, em ordem a ampliar-se e clarificar-se, com a devida fundamentação, a decisão proferida sobre a matéria de facto, conforme supra referido, nela incluindo designadamente:
(i) um juízo probatório específico sobre os factos vertidos nos artigos 11.º, 12.º, 2.ª parte (desde “também”, inclusive), 13.º, 14.º da petição de embargos aperfeiçoada;
(ii) um juízo probatório específico sobre os factos vertidos nos artigos 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º, 63.º, 64.º (na parte onde se refere que os Executados dispunham das cartas referidas em 57.º), 66.º e 67.º da Contestação (em substituição do que consta, por referência a esses artigos, de fls. 12-13 da sentença);
(iii) um juízo probatório específico sobre os factos vertidos nos artigos 15.º, 19.º e 21.º da petição aperfeiçoada de embargos, bem como nos artigos 28.º (1.ª parte), 30.º, 31.º e 46.º da Contestação (em substituição do que consta, por referência a esses artigos, de fls. 8, 11 e 12 da sentença);
(iv) a discriminação de todos os factos considerados não provados.
Em 25-11-2019, após os autos terem baixado à 1.ª instância, veio a ser proferida a sentença (recorrida), cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Face ao supra-exposto, decide-se:
A) Julgar os presentes Embargos de Executado, em que são Embargantes/Executados MJ… e ED…, e Exequente/Embargada “UNION DE CREDITOS INMOBILIARIOS, S.A. – ESTABELECIMIENTO FINANCIERO DE CRÉDITO (SOCIEDAD UNIPERSONAL), SUCURSAL EM PORTUGAL”, Improcedentes, por não provados, e, consequentemente, determinar o prosseguimento dos autos principais de Execução, aos quais os presentes estão apensos, nos termos e para os efeitos descritos no Requerimento Executivo;
B) Fixar Custas a cargo dos Embargantes/Executados, MJ… e ED…, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC – seis unidades de conta (artigos 527º/1,1ªparte,2, 528º/1, 529º/2, 530º/4 e 607º/6, todos do Código de Processo Civil - NCPC, com a redação introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26.06, e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais);
B)1. em relação às Custas a cargo dos Embargantes/Executados, Fixar
Custas a título solidário entre si (artigo 527º/3 do NCPC).”
Novamente inconformados, vieram os Executados-Embargantes interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (transcreve-se a parte útil):
1º Se bem percebido o decidido no referido douto Acórdão de 24/04/2019, (desde logo nos termos do respectivo sumário, bem como nas respectivas págs. 26 e 27), e se bem interpretada a Sentença recorrida, esta não deu àquele o devido cumprimento, o que expressamente se invoca para todos os efeitos.
2º Na verdade, na Sentença ora recorrida, os factos provados continuam a não se encontrar ordenados, de forma lógica e cronológica, não tendo o Tribunal a quo, sequer, nesse aspecto, aproveitado da ordenação realizada pelo Tribunal da Relação.
3º Subsiste, residualmente, a fls. 21 da Sentença recorrida, uma referência genérica a factos não provados.
4º No elenco dos factos considerados como provados continua a estar incluída matéria de direito e conclusiva.
5º Subsistem a insuficiência da motivação para esclarecimento de várias das questões colocadas no douto Acórdão de 24/04/2019, desde logo, nos termos expostos nas págs. 40 a 42 do mesmo, no que tange ao (suposto) envio e à (suposta) recepção, ou não das (supostas) cartas.
6º Sem prejuízo disso, mais deve ser removida da matéria de facto dada como provada a matéria dos arts. 57º a 67º de págs. 14 e 15 da Sentença recorrida, não colhendo, desde logo, a fundamentação a esse respeito apresentada pelo Tribunal a quo, alicerçada numa suposta mas inexistente confissão da Executada / Embargante e no depoimento das testemunhas FD… e MS…, sem conhecimento concreto, próprio e directo das ditas supostas comunicações.
7º Remete-se, nesse sentido, para o depoimento da Executada / Embargante, prestado em audiência de julgamento de 16/01/2018, gravado no CITIUS, sob a referência 20180116170337_1520792_2871388, nos trechos que se passam a transcrever. (…)
8º Mais se remete, no mesmo sentido, para o depoimento da testemunha FD…, prestado em audiência de julgamento de 17/01/2018, gravado no CITIUS, sob a referência 20180117095402_1520792_ 2871388, nos trechos que se passam a transcrever:(…)
9º Remete-se ainda, no mesmo sentido, para o depoimento da testemunha MS…, prestado em audiência de julgamento de 17/01/2018, gravado no CITIUS, sob a referência 20180117113645_1520792_ 2871388, nos trechos que se passam a transcrever: (….)
10º As outras testemunhas nada responderam sobre tal matéria; ou seja, não há, em relação às supostas comunicações em causa, conhecimento ou intervenção específicos ou directos, nem especificação de datas, nem identificação da autoria das mesmas, nem confirmação do seu conteúdo, nem confirmação de envio, tal como não há nem sobrescrito, nem registo postal, nem aviso de recepção.
11º Acresce, a este respeito, a seguinte questão, já referida no recurso da anterior Sentença, e que é aqui reiterada, atinente à necessidade de determinada prova, que não foi feita, e cujo ónus competia à Exequente.
12º Com efeito, os três mútuos ora em causa mostram-se garantidos por hipoteca sobre a habitação dos Executados, ora Recorrentes, pelo que estão sujeitos ao disposto no regime instituído pelo DL n° 227/2012, de 25 de Outubro.
13º Ora, não só o regime previsto no PERSI é obrigatório, devendo as suas fases ser especificamente (e em substância) respeitadas, desde logo no que tange à comunicação inicial pela instituição bancária de integração do devedor no mesmo, como ainda a respectiva omissão é fundamento de oposição à execução proposta contra este, e, inclusivamente, de conhecimento oficioso (cfr. Acs. do TRL de 15/07/2016, proc 2072/15.4TF8NC-A, e de 07/12/2016, processo nº 681/15.0T8FNC-A; Acs. do TRE de 27/04/2017, proc. 37/15.5T8ODM-A, e de 28-06-2018, proc. 2791/17.0T8STB-C.E1).
14º E é sobre o exequente / embargado que recai o ónus de provar o cumprimento do PERSI no que toca às comunicações a realizar pela instituição bancária (cfr. Ac. do TRE de 27/04/2017, proc. 37/15.5T8ODM-A e Ac. do TRP de 25/06/2013, processo 4832/10.3TBVFR-C), sendo que, citando o Ac. do TRL de 07/06/2018, proferido no processo 144/13.9TCFUN-A: “(…)”.
15º “(…)” (idem)
16º “(…)” (ibidem)
17º Fazendo apelo a tal douta jurisprudência, invocam os Executados que tal ónus probatório não foi de todo cumprido pela Exequente, faltando, em face da impugnação deduzida pelos Executados (cfr. requerimento apresentado em 23/02/2016, cujos termos se dão aqui por reproduzidos), a prova necessária e adequada à matéria dos arts. 57º a 67º de págs. 14 e 15 da Sentença recorrida.
18º Em terceiro e último lugar, mais resulta dos arts. 57º a 59º e 66º de págs. 12 e 13 da Sentença recorrida a perfeita incongruência da posição do Exequente no que toca ao alegado cumprimento do PERSI – e, inerentemente, do nessa sequência decidido pelo Tribunal a quo – bastando para o efeito atender às datas das próprias alegadas comunicações – não descurando não haver sido apurada qualquer data para a sua (suposta) efectiva realização.
19º Com efeito, considerando o prazo legal previsto no art. 15º, nº 2, do regime do PERSI e supostamente concedido, e bem assim mais considerando as regras elementares da experiência comum (e, desde logo, o tempo mínimo expectável para a recepção e envio de quaisquer comunicações), afigura-se ser o mesmo absolutamente incompatível com os intervalos entre as datas da suposta implementação do PERSI e as datas do seu suposto encerramento – ou seja, o mesmo teria sido in casu, e de cada vez, extinto, por (suposta) falta de resposta dos Executados, antes mesmo de decorrido o prazo minimamente expectável para esta poder ser sequer enviada, e ainda menos recebida pela Exequente.
 20º O caso evidencia-se, com particular acuidade, no que toca às supostas comunicações de 03/09/2014 e de 15/09/2014: ficcionando a hipótese, meramente académica, da recepção no próprio dia de envio, acontece que o prazo de dez dias daí decorrente terminaria no sábado 13/09/2014, como tal transferindo-se para segunda-feira dia 15/09/2014 – ou seja, estando ainda em perfeito prazo de resposta pelos Executados, já a Exequente havia extinto o PERSI com suposto fundamento na omissão daquela.
21º Ora, o cumprimento do PERSI tem de ser real e efectivo, cabendo “à entidade de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida” em prol “do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção.” (Ac. do TRC de 19-06-2018, proferido no processo 29358/16.8YIPRT.C1).
22º Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando a Sentença recorrida, de modo a se fazer Justiça.
Foi apresentada alegação de resposta pela Exequente-Embargada, em que conclui nos seguintes termos:
1. Pese embora o aqui Recorrido não pretenda fazer uso de expedientes de secretaria para obter ganho de causa, o certo é que o recuso interposto foi apresentado extemporaneamente, porquanto, a sentença proferida foi notificada aos Executados em 27 de novembro de 2019, tendo o recurso dado entrada em Juízo apenas em 29 de Janeiro de 2020, não tendo havido novo julgamento nem nova apreciação da matéria de facto.
2. Sem prejuízo disso e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, ao contrário do que sustentam os Recorrentes, a sentença proferida ordena devidamente os factos, de forma lógica e cronológica, como ao tribunal a quo pareceu mais adequado e a sequência dos factos compreende-se perfeitamente, estão ordenados de acordo com o alegado nas várias peças processuais apresentadas, são discriminados os factos provados e não provados, assim está suficientemente fundamentada a questão da recepção das cartas a que se refere o PERSI.
3. Alegam os Recorrentes que a matéria de facto dada como provada nos artigos 57º a 67º da sentença recorrida não o poderia ser, matéria essa que está relacionada com o cumprimento dos trâmites legais relativos ao PERSI, designadamente quanto à sua implementação e extinção.
4. Só que estão nos autos todos os elementos que permitem dar como provados tais factos e o tribunal ficou com a clara convicção de que tais trâmites foram cumpridos, ou seja, que a Recorrida enviou aos Recorrentes as cartas relativas à implementação do PERSI (em que os esclarece sobre o correspondente procedimento), que estes não enviaram a documentação solicitada e necessária para a análise da sua situação económica o que desencadeou a extinção do PERSI, igualmente comunicada por carta àqueles.
5. A Exequente integrou os Executados no PERSI não uma mas três vezes – duas delas quanto a todos os contratos e uma outra quanto a dois –, procedimento que veio a ser extinto por falta de colaboração daqueles, e sempre cumprindo todos os trâmites legais, sendo perfeitamente legítima a execução movida contra aqueles.
6. As cartas de integração e extinção do PERSI, juntas aos autos com o articulado de contestação, fazem prova disso mesmo, o que foi corroborado pela prova testemunhal.
7. Além de que os próprios Embargantes reconhecem nos seus depoimentos, valendo, assim, como confissão, que recebiam comunicações da Embargada.
8. Acresce que os acordos extrajudiciais celebrados, a que acima já se fez menção, fazem igualmente prova do envio e recepção das cartas: os mesmos encontram-se assinados pelos Embargantes, que não impugnam a assinatura dos mesmos, e foram enviados para morada constante das cartas relativas ao PERSI.
9. Além disso, como se comprova pelas datas das cartas (relativas ao PERSI e a alguns dos acordos celebrados), algumas delas têm datas próximas, não sendo verosímil que as dos acordos fossem recebidas e que as do PERSI não.
10. Em todo o caso, e mesmo que não seja dado como provado o efectivo cumprimento do PERSI, pela Embargante, o que de modo algum se concede, nunca tal facto tornaria ilegítima a execução movida e o seu prosseguimento, precisamente porque houve, de facto, tentativas concretas de solucionar o incumprimento dos Embargantes através de acordos, designadamente com envio e análise de documentação relativa à sua condição económica, que só não se concretizaram com a retoma dos empréstimos por incumprimento daqueles.
11. Pelo que, ainda que não tivesse sido cumprido, em concreto, o PERSI, a verdade é que nenhum direito ou expectativa dos Embargantes foi violado ou ficou frustrada e os acordos a que acima se fez menção, aliados ao depoimento da testemunha MS…, tornam perfeitamente clara esta matéria, que também foi acertadamente dada como provada.
12. Pelo que, dadas as concretas circunstâncias, actuam os Embargantes em abuso de direito, o que expressamente se invoca, ao invocarem o incumprimento do PERSI quando bem sabem de todas as diligências feitas (veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2017, proferido no âmbito do processo 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt).
13. Vêm ainda os Recorrentes sustentar que a matéria de facto dos artigos 57º a 59º e 66º da sentença recorrida não podia ser dada como provada, argumentando que a Exequente não cumpriu os prazos legais, o que também não colhe.
14. Os “escassos” 12 dias de intervalo a que os Embargantes se referem correspondem a um intervalo temporal superior ao prazo legal definido no artigo 15º, nº 3 do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro – a lei refere um prazo máximo de 10 dias.
15. Os prazos previstos no aludido Decreto-Lei não são prazos judiciais, pelo que não tem aplicação a regra invocada e ainda que se equacione que tal carta tenha, efectivamente, sido recepcionada num sábado – o que será improvável – sempre se teria como cumprido o prazo legal, nos termos do artigo 279.º do CC.
16. Mais, resulta claro dos autos que a Exequente não se limitou a extinguir o PERSI e, acto contínuo, executar os Recorrentes, tendo ficado demonstrado que após a extinção do último PERSI, a Exequente e os Embargantes acabaram por contactar e celebrar acordos para tentar fazer face à situação de incumprimento, acordos esses que acabaram por ser incumpridos pela banda dos Recorrentes.
Termos em que, mantendo-se a sentença recorrida será feita a melhor JUSTICA!
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Face ao teor das conclusões da alegação de recurso, identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto provada no tocante aos factos descritos nos artigos 57.º a 67.º (mais precisamente 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 63.º, 66.º e 67.º) de págs. 14 e 15 da sentença recorrida;
2.ª) Se, considerando os factos provados, existiu (in)cumprimento do PERSI por parte da Exequente-Embargada, ora Apelada e, em caso afirmativo, quais as consequências do mesmo;
3.ª) Se, ante os factos provados, configura abuso do direito a defesa dos Apelantes ao pretenderem prevalecer-se desse incumprimento.
Factos provados
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (tendo em atenção o disposto no art. 607.º, n.º 4, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, e a conveniência da ordenação lógica e cronológica dos factos provados [a circunstância de não ter sido observada na sentença recorrida não pode ter, no presente recurso, outra consequência], passamos a elencá-los, aditando o que consta entre parênteses retos, assinalando a itálico o que é matéria conclusiva e com asterisco a matéria de facto dada como provada que foi impugnada no presente recurso):
1. O Exequente celebrou com os Executados, por título [escritura pública] outorgado em 28-12-2012, um contrato de [compra e venda e] mútuo com hipoteca, nos termos do qual [o Banco, como parte vendedora, representado pela primeira outorgante, Dr.ª MB…, declarou que, pelo preço de 85.000 €, já recebido, vende aos Executados, aí segundos outorgantes, identificados como compradores/devedores, que declararam comprar, a fração autónoma habitacional, individualizada pelas letras “AK”, localizada no Bloco …, piso …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “Vale …”, sito à Rua …, sítio da Rateira, freguesia e concelho da Ponto do Sol, inscrita na matriz predial sob o artigo …-AK, com o valor patrimonial de 103.957,50 €, descrita na Conservatória do Registo Predial da Ponta do Sol, sob o n.º …-AK, daquela freguesia, tendo, para a aquisição da fração os Executados solicitado à Exequente, parte credora, representada pelo Dr. FS…, um empréstimo no montante de 85.000 €, pelo que esta] lhes emprestou, solidariamente e a prazo, a quantia de 85.000,00 € [empréstimo concedido ao abrigo do Regime de Crédito Geral de crédito à habitação], da qual os Executados se confessaram devedores, que lhes foi imediatamente entregue e que movimentaram e utilizaram em proveito próprio. – 1.º parágrafo do REQUERIMENTO EXECUTIVO (Autos Principais Execução – Refª 932185), doravante RE.
2. O empréstimo seria a liquidar em 420 prestações mensais e sucessivas e vencia juros, nos primeiros 6 meses do contrato à taxa de 5%, período findo o qual passou a vencer juros à taxa euribor a seis meses, acrescida de um spread de 3,8% e nas demais condições constantes do referido título junto com o requerimento executivo [aí constando, além do mais, que os mutuários procederão ao reembolso do capital mutuado e respetivos juros mediante o pagamento de prestações mensais e sucessivas de capital e juros, durante o prazo definido, vencendo-se a primeira no dia 1 do mês de fevereiro e as restantes no dia um dos meses seguintes]. – 2.º parágrafo do RE.
3. Para garantia do pagamento do empréstimo, foi constituída hipoteca, que se encontra devidamente registada a favor da Exequente, sobre o imóvel identificado no requerimento executivo [isto é, sobre a fração autónoma referida em 1.]. – 3.º parágrafo do RE.
4. Os Executados não cumpriram pontualmente as prestações do empréstimo, o que determinou o vencimento imediato de toda a dívida, sendo o capital no montante de 84.570,95 €, quantia a que acrescem os juros vencidos e vincendos, à taxa de 7,478%, contados desde 01-05-2015 até integral pagamento [sendo os calculados pela Exequente até 24-09-2015 no valor de 3.788,31 €], bem como comissões contratualmente previstas no valor de 48,30 €, e imposto de selo sobre as comissões no valor de 1,93 €. – 4.º e 5.º parágrafos do RE.
5. A Exequente celebrou com os Executados, por título outorgado em 28-12-2012, um outro contrato de mútuo com hipoteca [a título de “multiusos”], nos termos do qual lhes emprestou, solidariamente e a prazo, a quantia de 76.000,00 €, da qual os Executados se confessaram devedores, que lhes foi imediatamente entregue e que movimentaram e utilizaram em proveito próprio. – 6.º parágrafo do RE.
6. O empréstimo seria a liquidar em 420 prestações mensais e sucessivas e vencia juros, nos primeiros 6 meses à taxa de 2,610%, período findo o qual passou a vencer juros à taxa euribor a seis meses, acrescida de um spread de 2,250% e nas demais condições constantes do referido título junto com o requerimento executivo [aí constando, além do mais, que os mutuários procederão ao reembolso do capital mutuado e respetivos juros mediante o pagamento de prestações mensais e sucessivas de capital e juros, durante o prazo definido, vencendo-se a primeira no dia 1 do mês de fevereiro e as restantes no dia um dos meses seguintes]. – 7.º parágrafo do RE.
7. Para garantia do pagamento do empréstimo, foi constituída hipoteca, que se encontra devidamente registada a favor da Exequente, sobre o imóvel identificado no requerimento executivo. – 8.º páragrafo do RE.
8. Os Executados não cumpriram pontualmente as prestações do empréstimo, o que determinou o vencimento imediato de toda a dívida, sendo o capital no montante de 74.239,65 €, quantia a que acrescem os juros e vincendos, à taxa de 5,000%, contados desde 01-05-2015 até integral pagamento vencidos [sendo os calculados pela Exequente até 24-09-2015 no valor de 1.626,63 €], bem como imposto de selo à taxa de 4% sobre o montante dos juros, no valor total de 65,02 €, as comissões contratualmente previstas no valor de 7,50 € e o imposto de selo sobre as comissões no valor de 0,30 €. – 9.º e 10.º parágrafos do RE.
9. A Exequente celebrou com os executados, por título outorgado em 28-12-2012, um outro contrato de mútuo com hipoteca [para “multiusos”], nos termos do qual lhes emprestou, solidariamente e a prazo, a quantia de 11.000,00 €, da qual os executados se confessaram devedores, que lhes foi imediatamente entregue e que movimentaram e utilizaram em proveito próprio. – 11.º parágrafo do RE.
10. O empréstimo seria a liquidar em 420 prestações mensais e sucessivas e vencia juros, nos primeiros 6 meses à taxa de 5%, período findo o qual passou a vencer juros à taxa euribor a seis meses, acrescida de um spread de 3,800% e nas demais condições constantes do referido título junto com o requerimento executivo [aí constando, além do mais, que os mutuários procederão ao reembolso do capital mutuado e respetivos juros mediante o pagamento de prestações mensais e sucessivas de capital e juros, durante o prazo definido, vencendo-se a primeira no dia 1 do mês de fevereiro e as restantes no dia um dos meses seguintes]. – 12.º parágrafo do RE.
11. Para garantia do pagamento do empréstimo, foi constituída hipoteca, que se encontra devidamente registada, a favor da Exequente, sobre o imóvel identificado no requerimento executivo. – 13.º parágrafo do RE.
12. Os Executados não cumpriram pontualmente as prestações do empréstimo, o que determinou o vencimento imediato de toda a dívida, sendo o capital no montante de 10.942,76 €, quantia a que acrescem os juros vencidos e vincendos, à taxa de 7,274%, contados desde 01-05-2015 até integral pagamento [sendo os calculados pela Exequente até 24-09-2015 no valor de 480,58 €], bem como imposto de selo à taxa de 4% sobre o montante dos juros, no valor total de 19,19 €, comissões contratualmente previstas no valor de 43,50 € e imposto de selo sobre as comissões no valor de 1,74 €. – 14.º e 15.º parágrafos do RE.
13. Os contratos de mútuo em causa, datados de 28-12-2012 e juntos à execução, foram celebrados pelos Executados na sequência de dação em pagamento de anterior habitação dos mesmos, sita ao Caminho …, n.º …, Campanário, Ribeira Brava, e com a consequente aquisição da fração autónoma identificada na execução, a qual conheciam e visitaram previamente. – art. 1.º da Petição inicial de oposição à execução mediante embargos (Ref.ªs 1805288/1034554), doravante PE.
14. Tais contratos foram formalizados em três escrituras diferentes e separadas, em condições e taxas diferenciadas. – art. 2.º da PE.
15. Para garantia do integral cumprimento das obrigações emergentes dos contratos de mútuo em causa, foi constituída garantia hipotecária a favor da Exequente sobre a fração identificada na execução [repetição do que já consta dos pontos 3., 7. e 11.] e que constituiu a atual habitação própria permanente dos Executados. – art. 63.º da PE
16. Os contratos em apreço foram objeto de intensa negociação entre as partes. – art. 3.º da CONTESTAÇÃO da Exequente/Embargada (Ref.ªs 1826739/1826761), doravante Contestação.
17. Na escritura apelidada de “Compra e Venda/Mútuo com Hipoteca”, de 28-12-2012, a Exequente mostra-se ali identificada quer como “parte credora”, quer como “parte vendedora”, representada, em cada uma dessas referidas qualidades, respetivamente por dois outorgantes distintos, respetivos procuradores, ali referidos como “Primeiro” e “Terceiro”. – art. 4.º da PE
18. Da primeira escritura de compra e venda/mútuo com hipoteca, junta pela Exequente à execução, consta expressamente a fração autónoma ali identificada como correspondente à habitação própria permanente dos Executados. – art. 28.º da PE.
19. Os ora Executados e Embargantes foram proprietários de um outro imóvel cuja aquisição foi também financiada pela ora Exequente e Embargada. – art. 4.º da Contestação
20. A determinada altura, os Embargantes deixaram de conseguir suportar as prestações desses [outros] contratos de mútuo, o que os levou a solicitar ajuda junto da Embargada, na procura de uma solução para o incumprimento. – art. 5.º da Contestação
21. Os Embargantes viram-se sem condições para o cabal cumprimento das suas anteriores (à data, atuais) obrigações perante a Embargada, o que os levou a solicitar ajuda junto desta. – art. 7.º da Contestação
22. O pedido de ajuda efetuado pelos Embargantes foi tido em consideração pela Embargada, tendo sido iniciadas diligências e conversações com vista à concretização da desejada solução para o incumprimento. – art. 6.º-A da Contestação [ao invés de mencionarmos “art. 6.º (duplicação de numeração)”, renumerámos o artigo em duplicado, conforme foi, aliás, determinado no despacho proferido em audiência final, na sessão de 16-01-2018]
23. Acordou-se na entrega em dação do anterior imóvel para a parcial liquidação dos empréstimos que, à data, se encontravam vigentes e em incumprimento. – art. 9.º da Contestação
24. Acordou-se também na celebração de novos empréstimos, quer para aquisição de novo imóvel (de menor valor) – era do interesse dos Embargantes adquirir nova habitação própria e permanente –, quer para liquidação do remanescente dos anteriores empréstimos. – art. 10.º da Contestação
25. O acordo foi alcançado por ambas as partes e por todos aceite de livre vontade. – art. 10.º-A da Contestação [referido na sentença como art. “10º (duplicação de numeração)”]
26. Resulta tal operação da negociação havida entre a Exequente e os Executados, no sentido de, face ao incumprimento dos mesmos que se verificava em relação ao anterior crédito à habitação, entregar a habitação, de maior valor, adquirindo outra, de menor valor, para a qual já teriam capacidade financeira. – art. 7.º da PE
27. O valor comercial da fração em apreço (segundo imóvel adquirido pelos Executados), constante da avaliação realizada em 2012 (cfr. Doc. n.º 1 junto com a Contestação sob as Refªs 1826739 e 1826761, cujo teor se dá aqui por reproduzido), ascendia a 84.000,00 €. – art. 76.º da Contestação
28. O valor patrimonial da fração, determinado em 2014, é de 106.296,54 € (cento e seis mil e duzentos e noventa e seis euros, e cinquenta e quatro cêntimos). – art. 77.º da Contestação.
29. Foi deste processo, em que os Embargantes participaram, que resultou a dação em pagamento do “primeiro” imóvel (dação parcial e concretizada pelo valor de mercado do imóvel), a aquisição do “segundo” imóvel e a liquidação do remanescente em dívida dos anteriores contratos, ambas realizadas com novos financiamentos através da Exequente. – art. 7.º-A da Contestação [ao invés de mencionarmos “art. 7.º (duplicação de numeração)”, renumerámos o artigo em duplicado, conforme foi, aliás, determinado no despacho proferido em audiência final, na sessão de 16-01-2018]
30. A Exequente, como financiadora e vendedora, ficou com dinheiro da compra e venda em causa, operação essa realizada, a par da dação da anterior habitação, para liquidar os anteriores empréstimos que se encontravam em incumprimento, tendo os Executados deixado de ter capacidade financeira para o efeito. – art. 5.º da PE
31. Os montantes mutuados foram disponibilizados em direto benefício dos Executados, não só para a aquisição da fração ora em causa, como na parcial liquidação dos anteriores contratos de mútuo com eles celebrados. – artigos 12.º e 13.º da Contestação
32. A responsabilidade fiscal cobrada pela Fazenda Pública - a mais-valia correspondente às operações em causa, no valor total superior a 25.000,00 € -, encontra-se em cobrança, à ordem da qual os Executados vêm pagando, desde julho de 2015, a quantia mensal de mais de 300,00 €. – art. 15.º da PE [e também parte do art. 14.º da PE]
32.-A Elemento essencial para a concretização dos negócios em causa era a aquisição do segundo imóvel em apreço e a sua afetação a habitação própria e permanente dos Executados, o que realmente aconteceu. [matéria que foi aditada na sentença, com referência ao art. 23.º da Contestação, sem qualquer justificação]
32.-B A questão da alegada tributação de mais-valias não diz respeito à Exequente mas ao contribuinte que a suporta, neste caso os Executados, a quem competia informarem-se devidamente sobre as implicações fiscais das operações que realizaram. [matéria conclusiva e de direito que foi aditada na sentença, com referência ao art. 24.º da Contestação, sem qualquer justificação]
33. Os Embargantes pelo menos desde 2014 têm conhecimento de que era devido o montante pela tributação da mais-valia. – art. 28.º da Contestação
34. O ato tributável em causa data de 2012, ano em que se realizou a dação em pagamento, sendo que as execuções fiscais, trazidas à colação pelos Embargantes, foram instauradas apenas em meados de 2015. – art. 30.º da Contestação
35. Foram duas as execuções fiscais trazidas à colação pelos Embargantes, sendo da soma das duas quantias exequendas que se alcança o montante superior a 25.000,00 €. A dação foi um ato único. – art. 31.º da Contestação
36. O Executado é Professor de Educação Moral e Religiosa, e a Executada é Ajudante de Ação Socioeducativa. – art. 10.º da PE
37. Os Executados auferiam, à data da instauração destes embargos, a título de retribuição mensal, as quantias líquidas de cerca de, ela 720,00 € e ele € 1.350,00 €, o que perfaz a quantia mensal de cerca de 2.070,00 €. – art. 76.º da PE [trata-se de retificação face ao que constava da sentença anterior, admitindo-se que se trate de mera precisão, já que aí constava que os Executados auferem a título de retribuição mensal as quantias líquidas de cerca de, ela 720,00 € e ele 1.350,00 €, o que perfaz a quantia mensal de cerca de 2.070,00 €].
37.-A Os Executados, à data da instauração destes embargos, sem contar com as prestações e seguros referentes aos mútuos em causa os quais ascendiam a cerca de 700,00 € mensais, suportavam designadamente aos seguintes títulos as seguintes despesas médias mensais: Alimentação: 600,00 €; Água: 15,00 €; Eletricidade: 60,00 €; Gás: 65,00 €; Telecomunicações: 140,00 €; Condomínio: 20,00 €; Saúde: 80,00 €; Vestuário: 80,00 €; Despesas escolares: 50,00 €; Transportes e combustível: 80,00 €; Prestação carro: 160,00 €; Seguros e IUC: 25,00 €; Execução Finanças: 310,00 €; Saneamento financeiro “Santander Totta”: 50,00 €; Outras: 150,00 €. [matéria que foi aditada na sentença, com referência ao art. 78.º da PE (mais precisamente da petição aperfeiçoada); verificamos que tal facto se encontra plenamente provado]
38. Os Executados têm dois filhos menores, os quais frequentam o ensino secundário. – art. 79.º da PE
39. Os Embargantes visitaram o imóvel antes da respetiva escritura pública de compra e venda/mútuo com hipoteca e bem conheciam o seu estado de conservação, tendo-o aceitado no estado físico em que este se encontrava, sem quaisquer reservas. – art. 36.º da Contestação
40. Antes da venda do imóvel, a Exequente fê-lo avaliar por entidade devidamente credenciada e certificada. – art. 38.º da Contestação
41. Através dessa avaliação, obteve-se não só o valor comercial do bem, mas também o seu estado de conservação. – art. 39.º da Contestação
42. O imóvel encontrava-se em razoável estado de conservação, apenas necessitando de uma pintura geral interior e de limpeza. – art. 40.º da Contestação
43. A entidade avaliadora disponibilizou um documento específico em atestava o estado de conservação do imóvel, documento este que chegou ao conhecimento dos Embargantes e que por eles foi assinado. – art. 41.º da Contestação
44. Os Embargantes conheciam o estado do imóvel em apreço e aceitaram-no sem reservas. – art. 43.º da Contestação
45. A fração autónoma identificada na execução, a qual corresponde à atual casa de habitação dos Executados, apresentou, posteriormente às respetivas aquisição e entrega, alguns problemas ao nível dos equipamentos nela instalados, nomeadamente o fogão e o esquentador. – art. 19.º da PE [e também parte do art. 18.º da PE]
46. Tais problemas e alegados defeitos de construção do imóvel foram denunciados pelos Executados junto da Exequente, posteriormente à aquisição e à entrega àqueles da fração autónoma identificada na execução, a qual corresponde à sua atual casa de habitação. – art. 21.º da PE [e também parte do art. 18.º da PE]
47. Apenas em finais de 2014 – passados praticamente dois anos desde a respetiva aquisição e quando começaram a ter novas dificuldades no pagamento dos empréstimos – os Embargantes, através da linha de atendimento disponibilizada pela Exequente, reclamaram os alegados defeitos de construção do imóvel adquirido. – art. 46.º da Contestação
48. Aos contratos de crédito celebrados entre a Exequente, enquanto instituição bancária, e os Executados, enquanto clientes bancários, é-lhes aplicável o PERSI. [colocámos o itálico por manifestamente se tratar de matéria de direito e conclusiva] – art. 32.º da PE
49. Compete, consequentemente, à Exequente acompanhar a execução desses contratos de crédito e adotar as medidas e procedimentos necessários à prevenção do seu incumprimento por parte dos Executados. [colocámos o itálico por manifestamente se tratar de matéria de direito e conclusiva] – art. 33.º da PE
50. Compete também à Exequente promover as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente aos Executados que se encontrem em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. [colocámos o itálico por manifestamente se tratar de matéria de direito e conclusiva] – art. 34.º da PE
50.-A As respetivas prestações dos empréstimos encontram-se em incumprimento. [matéria que foi aditada na sentença, com referência ao art. 30.º da PE (mais precisamente da petição aperfeiçoada de 17-11-2016); tal facto, reportado à data alegada, embora conclusivo e repetitivo, pode, de certa perspetiva, ser considerado como plenamente provado]
*51. Os Executados foram integrados no PERSI três vezes, tendo sido informados:
- Por cartas datadas de 05-11-2013 (cfr. Doc. n.º 3 junto com a Contestação sob as Refªs 1826739 e 1826761, cujo teor se dá aqui por reproduzido), da implementação do PERSI no que concerne aos três contratos de mútuo, títulos executivos da presente Execução, por se encontrarem estes, à data, em incumprimento [são 3 documentos/cartas, uma com referência ao empréstimo n.º …, outra ao empréstimo n.º … e outra ao empréstimo n.º …, cujo teor em parte coincidente é, além do mais, o seguinte:
Exmos. Srs.
ED…
MJ…
RUA. … EDF VALE …
(SITIO DA RATEI
PONTA DO SOL
…-…
Nº DO EMPRÉSTIMO: (…)
DATA: 5 de Novembro de 2013
ASSUNTO: Valores em Mora - Integração no Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro
Exmos. Srs.,
Informamos que à presente data, existem Valores em Mora referentes à Prestação Nº 9 do empréstimo acima indicado, vencidos em 1 de Outubro de 2013, sendo o Valor em Mora de (…)
TOTAL DO VALOR EM DÍVIDA (…)
Como consequência da situação acima descrita, e no cumprimento do disposto no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, vimos comunicar a integração no PERSI, à presente data.
Com o objectivo de analisar a melhor solução para a sua situação solicitamos o envio da seguinte documentação, no prazo de 10 dias:
• Última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;
• Cópia de documentos comprovativos dos rendimentos auferidos pelos elementos do agregado familiar, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
• Declaração escrita dos titulares do empréstimo, atestando a veracidade, completude e atualidade das informações prestadas.
De forma a obter mais informações referentes a este Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de
Incumprimento e para negociar eventuais soluções para regularização da mesma situação, deverão contactar a UCI através do número de telefone e endereço de e-mail que indicamos na presente comunicação.
Não obstante a informação supra referida, remetemos em anexo documento informativo referente ao PERSI, para o qual solicitamos a V/ melhor atenção.
Caso a situação se encontre regularizada à data de recepção desta comunicação, solicitamos considerem a mesma sem efeito.
Caso pretendam regularizar esta situação, solicita-se o pagamento do Valor em Mora de (…) mediante transferência bancária ou depósito na conta UCI do Banco Santander Totta, com o NIB …, indicando o código …, e enviando o respectivo comprovativo devidamente identificado com B.I. ou NIF através do fax 213516809 ou para o e-mail linha+contacto@uci.com.
A falta de identificação do depósito com o código e demais acima referido pode impossibilitar a identificação do pagamento, podendo vencer-se juros de mora e as comissões contratualmente previstas, até à sua correcta identificação.
Atentamente,
GD…
Diretor Financeiro];
- Por cartas datadas de 06-05-2014 (cfr. Doc. n.º 4 junto com a Contestação sob as Refªs 1826739 e 1826761, cujo teor se dá aqui por reproduzido), da implementação do PERSI relativamente aos contratos de mútuo n.º … e n.º …, por se encontrarem estes, à data, em incumprimento [são 2 documentos/cartas, uma com referência ao empréstimo n.º … e outra ao empréstimo n.º …, cujo teor em parte coincidente é, além do mais, o seguinte:
Exmos. Srs.
ED…
MJ…
RUA. … EDF VALE …
(SITIO DA RATEI
PONTA DO SOL
…-… PONTA DO SOL
Nº DO EMPRÉSTIMO: (…)
DATA: 6 de Maio de 2014
ASSUNTO: Valores em Mora - Integração no Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro
Exmos. Srs.,
Informamos que à presente data, existem Valores em Mora referentes à Prestação Nº 15 do empréstimo acima indicado, vencidos em 1 de Abril de 2014, sendo o Valor em Mora de (…)
TOTAL DO VALOR EM DÍVIDA (…)
Como consequência da situação acima descrita, e no cumprimento do disposto no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, vimos comunicar a integração no PERSI, à presente data.
Com o objectivo de analisar a melhor solução para a sua situação solicitamos o envio da seguinte documentação, no prazo de 10 dias:
• Última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;
• Cópia de documentos comprovativos dos rendimentos auferidos pelos elementos do agregado familiar, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
• Declaração escrita dos titulares do empréstimo, atestando a veracidade, completude e atualidade das informações prestadas.
De forma a obter mais informações referentes a este Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de
Incumprimento e para negociar eventuais soluções para regularização da mesma situação, deverão contactar a UCI através do número de telefone e endereço de e-mail que indicamos na presente comunicação.
Não obstante a informação supra referida, remetemos em anexo documento informativo referente ao PERSI, para o qual solicitamos a V/ melhor atenção.
Caso a situação se encontre regularizada à data de recepção desta comunicação, solicitamos considerem a mesma sem efeito.
Caso pretendam regularizar esta situação, solicita-se o pagamento do Valor em Mora de (…) mediante transferência bancária ou depósito na conta UCI do Banco Santander Totta, com o NIB …, indicando o código …, e enviando o respectivo comprovativo devidamente identificado com B.I. ou NIF através do fax 213516809 ou para o e-mail linha+contacto@uci.com.
A falta de identificação do depósito com o código e demais acima referido pode impossibilitar a identificação do pagamento, podendo vencer-se juros de mora e as comissões contratualmente previstas, até à sua correcta identificação.
Atentamente,
GD…
Diretor Financeiro];
- Por cartas datadas de 03-09-2014 (cfr. Doc. n.º 5 junto com a Contestação sob as Refªs 1826739 e 1826761, cujo teor se dá aqui por reproduzido), da implementação do PERSI relativamente aos três contratos de mútuo, por se encontrarem estes, à data, em incumprimento [são 3 documentos/cartas, uma com referência ao empréstimo n.º …, outra ao empréstimo n.º … e outra ao empréstimo n.º …, e, cujo teor em parte coincidente é, além do mais, o seguinte:
Exmos. Srs.
ED…
MJ…
RUA. … EDF VALE …
(SITIO DA RATEI
PONTA DO SOL
…-… PONTA DO SOL
Nº DO EMPRÉSTIMO: (…)
DATA: 3 de Setembro de 2014
ASSUNTO: Valores em Mora - Integração no Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro
Exmos. Srs.,
Informamos que à presente data, existem Valores em Mora referentes à Prestação Nº 19 do empréstimo acima indicado, vencidos em 1 de Agosto de 2014, sendo o Valor em Mora de (…)
TOTAL DO VALOR EM DÍVIDA (…)
Como consequência da situação acima descrita, e no cumprimento do disposto no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, vimos comunicar a integração no PERSI, à presente data.
Com o objectivo de analisar a melhor solução para a sua situação solicitamos o envio da seguinte documentação, no prazo de 10 dias:
• Última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;
• Cópia de documentos comprovativos dos rendimentos auferidos pelos elementos do agregado familiar, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
• Declaração escrita dos titulares do empréstimo, atestando a veracidade, completude e atualidade das informações prestadas.
De forma a obter mais informações referentes a este Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e para negociar eventuais soluções para regularização da mesma situação, deverão contactar a UCI através do número de telefone e endereço de e-mail que indicamos na presente comunicação.
Não obstante a informação supra referida, remetemos em anexo documento informativo referente ao PERSI, para o qual solicitamos a V/ melhor atenção.
Caso a situação se encontre regularizada à data de recepção desta comunicação, solicitamos considerem a mesma sem efeito.
Caso pretendam regularizar esta situação, solicita-se o pagamento do Valor em Mora de (…) mediante transferência bancária ou depósito na conta UCI do Banco Santander Totta, com o IBAN:
PT50…, BIC: TOTAPTPL, indicando o código …, e enviando o respectivo comprovativo devidamente identificado com B.I. ou NIF através do fax 213516809 ou para o e-mail linha+contacto@uci.com.
A falta de identificação do depósito com o código e demais acima referido pode impossibilitar a identificação do pagamento, podendo vencer-se juros de mora e as comissões contratualmente previstas, até à sua correcta identificação.
Atentamente,
GD…
Diretor Financeiro]. – art. 57.º da Contestação
*52. Em todas estas cartas de integração no PERSI, a Exequente solicitava ao Executados os documentos essenciais para análise da melhor solução para a situação de incumprimento dos Executados. – art. 58.º da Contestação
*53. Porém, de todas as vezes, os mutuários, ora Executados e Embargantes, não enviaram, no prazo de 10 (dez) dias, a documentação solicitada pela Exequente. – art. 59.º da Contestação
*54. Os Executados foram devidamente informados [colocámos o itálico, por ser manifestamente conclusivo] quanto aos termos do PERSI (às supra-aludidas cartas de integração - cfr. Docs. n.º 3, 4 e 5 juntos com a Contestação sob as Refªs 1826739 e 1826761, cujo teor se dá aqui por reproduzido - sempre se anexou um documento informativo referente aos termos do PERSI) e nomeadamente quanto ao facto de a omissão de colaboração por parte dos clientes bancários no que respeita à prestação de informações ou disponibilização de documentos solicitados ser causa de extinção do PERSI. – art. 60.º da Contestação
*55. A Exequente enviou aos Executados oito cartas, em três datas diferentes, nos exatos termos supra descritos no ponto 57º destes factos provados da Contestação da Exequente/Embargada. – art. 63.º da Contestação
*56. A Exequente extinguiu os procedimentos do PERSI e os Executados foram disso informados:
- Por cartas datadas de 18-11-2013, quanto aos três contratos de mútuo dados à Execução (cfr. Doc. n.º 6 junto com a Contestação sob as Refªs 1826739 e 1826761, cujo teor se dá aqui por reproduzido) [são 3 documentos/cartas, uma com referência ao empréstimo n.º …, outra ao empréstimo n.º … e outra ao empréstimo n.º …, e, cujo teor em parte coincidente é, além do mais, o seguinte:
Exmos. Srs.
ED…
MJ…
RUA, … EDF VALE …
(SITIO DA RATEI
PONTA DO SOL
…-…
Nº DO EMPRÉSTIMO: (…)
DATA: 18 de Novembro de 2013
ASSUNTO: Extinção do Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) — Decreto-Lei n° 227/2012 de 25 de Outubro
Exmos. Srs.,
Informamos que o Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no qual V. Exas. se encontravam inseridos desde 5 de Novembro de 2013, se considera extinto, à presente data.
Mais informamos que o PERSI foi extinto nos termos do disposto no artigo 17° do Decreto-Lei 227/2012 de 25 de Outubro com fundamento na/no falta de colaboração de V. Exa.(s) para aplicação deste regime legal, o que torna inviável a sua vigência.
A extinção do PERSI determina a cessação das garantias aplicáveis durante a sua vigência pelo que, designadamente, a UCI poderá resolver o contrato com fundamento no incumprimento do mesmo e intentar competente acção judicial com vista ao ressarcimento dos montantes em dívida.
Caso se verifique que a situação do S/ agregado familiar preenche os requisitos previstos no regime extraordinário constante da Lei 58/2012 de 9 de Novembro destinada à protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil poderá remeter à UCI requerimento para análise da viabilidade de aplicação das medidas contempladas naquele regime legal ou contactar a UCI no sentido de obter mais esclarecimentos e informações neste âmbito.
Se já se encontrar abrangido pelo regime legal supra referido cumpre informar que poderá solicitar à UCI, mediante requerimento, a aplicação de medidas substitutivas da execução hipotecária, devendo também nesta situação contactar a Direcção de Clientes UCI, através do número de telefone e endereço de e-mail indicados na presente comunicação, para esclarecimento de quaisquer dúvidas e procedimentos a adoptar.
Mais informamos que, nos termos do disposto na Lei 59/2012 de 9 de Novembro que altera o Regime Geral de Crédito Habitação, ainda que seja intentada acção judicial destinada ao ressarcimento da divida vencida e não paga, tem os mutuários direito à retoma do contrato desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, dos respectivos juros de mora e despesas e desde que o façam no prazo para a oposição à execução ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide hipoteca do crédito habitação ou conexo.
O direito á retoma do contrato apenas pode ser exercido por duas vezes durante a vigência do mesmo e implica que a prévia resolução do contrato de crédito habitação ou conexo ficará sem efeito mantendo-se o mesmo em vigor nos termos em que foi contratado, com eventuais alterações entretanto ocorridas.
Atentamente,
GD…
Diretor Financeiro];
- Por cartas datadas de 19-05-2014, relativamente aos contratos de mútuo n.º … e n.º …, objeto da presente execução (cfr. Doc. n.º 7 junto com a Contestação sob as Refªs 1826739 e 1826761, cujo teor se dá aqui por reproduzido) [são 2 documentos/cartas, uma com referência ao empréstimo n.º … e outra ao empréstimo n.º …, e, cujo teor em parte coincidente é, além do mais, o seguinte:
Exmos. Srs.
ED…
MJ…
RUA. … EDF VALE …
(SITIO DA RATEI
PONTA DO SOL
…-… PONTA DO SOL
Nº DO EMPRÉSTIMO: (…)
DATA: 19 de Maio de 2014
ASSUNTO: Extinção do Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) —Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro
Exmos. Srs.,
Informamos que o Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no qual V. Exas. se encontravam inseridos desde 6 de Maio de 2014, se considera extinto, à presente data.
Mais informamos que o PERSI foi extinto nos termos do disposto no artigo 17º do Decreto-Lei 227/2012 de 25 de Outubro com fundamento na/no falta de colaboração de V. Exa.(s) para aplicação deste regime legal, o que toma inviável a sua vigência.
A extinção do PERSI determina a cessação das garantias aplicáveis durante a sua vigência pelo que, designadamente, a UCI poderá resolver o contrato com fundamento no incumprimento do mesmo e intentar competente acção judicial com vista ao ressarcimento dos montantes em dívida.
Caso se verifique que a situação do S/ agregado familiar preenche os requisitos previstos no regime extraordinário constante da Lei 58/2012 de 9 de Novembro destinada à protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito dificil poderá remeter à UCI requerimento para análise da viabilidade de aplicação das medidas contempladas naquele regime legal ou contactar a UCI no sentido de obter mais esclarecimentos e informações neste âmbito.
Se já se encontrar abrangido pelo regime legal supra referido cumpre informar que poderá solicitar à UCI, mediante requerimento, a aplicação de medidas substitutivas da execução hipotecária, devendo também nesta situação contactar a Direcção de Clientes UCI, através do número de telefone e endereço de e-mail indicados na presente comunicação, para esclarecimento de quaisquer dúvidas e procedimentos a adoptar.
Mais informamos que, nos termos do disposto na Lei 59/2012 de 9 de Novembro que altera o Regime Geral de Crédito Habitação, ainda que seja intentada acção judicial destinada ao ressarcimento da dívida vencida e não paga, tem os mutuários direito à retoma do contrato desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, dos respectivos juros de mora e despesas e desde que o façam no prazo para a oposição à execução ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide hipoteca do crédito habitação ou conexo.
O direito à retoma do contrato apenas pode ser exercido por duas vezes durante a vigência do mesmo e implica que a prévia resolução do contrato de crédito habitação ou conexo ficará sem efeito mantendo-se o mesmo em vigor nos termos em que foi contratado, com eventuais alterações entretanto ocorridas.
Atentamente,
GD…
Diretor Financeiro];
- Por cartas datadas de 15-09-2014, relativamente aos três contratos de mútuo (cfr. Doc. n.º 8 junto com a Contestação sob as Refªs 1826739 e 1826761, cujo teor se dá aqui por reproduzido) [são 3 documentos/cartas, uma com referência ao empréstimo n.º …, outra ao empréstimo n.º … e outra ao empréstimo n.º …, cujo teor em parte coincidente é, além do mais, o seguinte:
Exmos. Srs.
ED…
MJ…
RUA. … EDF VALE …
(SITIO DA RATEI
PONTA DO SOL
…-… PONTA DO SOL
Nº DO EMPRÉSTIMO: (…)
DATA: 15 de Setembro de 2014
ASSUNTO: Extinção do Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) —Decreto-Lei n° 227/2012 de 25 de Outubro
Exmos. Srs.,
Informamos que o Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no qual V. Exas. se encontravam inseridos desde 3 de Setembro de 2014, se considera extinto, à presente data.
Mais informamos que o PERSI foi extinto nos termos do disposto no artigo 17° do Decreto-Lei 227/2012 de 25 de Outubro com fundamento na/no falta de colaboração de V. Exa.(s) para aplicação deste regime legal, o que torna inviável a sua vigência.
A extinção do PERSI determina a cessação das garantias aplicáveis durante a sua vigência pelo que, designadamente, a UCI poderá resolver o contrato com fundamento no incumprimento do mesmo e intentar competente acção judicial com vista ao ressarcimento dos montantes em divida.
Caso se verifique que a situação do S/ agregado familiar preenche os requisitos previstos no regime extraordinário constante da Lei 58/2012 de 9 de Novembro destinada à protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil poderá remeter à UCI requerimento para análise da viabilidade de aplicação das medidas contempladas naquele regime legal ou contactar a UCI no sentido de obter mais esclarecimentos e informações neste âmbito.
Se já se encontrar abrangido pelo regime legal supra referido cumpre informar que poderá solicitar à UCI, mediante requerimento, a aplicação de medidas substitutivas da execução hipotecária, devendo também nesta situação contactar a Direcção de Clientes UCI, através do número de telefone e endereço de e-mail indicados na presente comunicação, para esclarecimento de quaisquer dúvidas e procedimentos a adoptar.
Mais informamos que, nos termos do disposto na Lei 59/2012 de 9 de Novembro que altera o Regime Geral de Crédito Habitação, ainda que seja intentada acção judicial destinada ao ressarcimento da dívida vencida e não paga, tem os mutuários direito à retoma do contrato desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, dos respectivos juros de mora e despesas e desde que o façam no prazo para a oposição à execução ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide hipoteca do crédito habitação ou conexo.
O direito à retoma do contrato apenas pode ser exercido por duas vezes durante a vigência do mesmo e implica que a prévia resolução do contrato de crédito habitação ou conexo ficará sem efeito mantendo-se o mesmo em vigor nos termos em que foi contratado, com eventuais alterações entretanto ocorridas.
Atentamente,
GD…
Diretor Financeiro]. – art. 66.º da Contestação
*57. Estas cartas descritas no ponto antecedente (66º), tal como as descritas no ponto 57º destes factos provados da Contestação da Exequente/Embargada, também foram enviadas para a morada dos Executados identificada na Execução e em relação à qual os Executados nunca comunicaram à Exequente qualquer alteração. – art. 67.º da Contestação
1.ª questão – Da impugnação da decisão da matéria de facto
Preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Na sua alegação de recurso, com relevância concreta e prática para a resolução da única questão de direito que agora suscitam, os Apelantes limitam-se a pugnar pela alteração da decisão da matéria de facto no sentido de ser “removida da matéria de facto dada como provada a matéria dos arts. 57º a 67º de págs. 14 e 15 da Sentença recorrida, não colhendo, desde logo, a fundamentação a esse respeito apresentada pelo Tribunal a quo, alicerçada numa suposta mas inexistente confissão da Executada / Embargante e no depoimento das testemunhas FD… e MS…, sem conhecimento concreto, próprio e directo das ditas supostas comunicações.” Acrescentam que “As outras testemunhas nada responderam sobre tal matéria; ou seja, não há, em relação às supostas comunicações em causa, conhecimento ou intervenção específicos ou directos, nem especificação de datas, nem identificação da autoria das mesmas, nem confirmação do seu conteúdo, nem confirmação de envio, tal como não há nem sobrescrito, nem registo postal, nem aviso de recepção.” E ainda, com invocação de jurisprudência, sustentam não ter sido cumprido pela Embargada o ónus de provar o cumprimento do PERSI no que toca às comunicações a realizar pela instituição bancária, faltando, em face da impugnação deduzida pelos Executados (cfr. requerimento apresentado em 23-02-2016), a prova necessária e adequada à matéria dos arts. 57º a 67º de págs. 14 e 15 da Sentença recorrida.
A Apelada, por seu turno, sustenta que na sentença “está suficientemente fundamentada a questão da recepção das cartas a que se refere o PERSI” e ainda que “estão nos autos todos os elementos que permitem dar como provados tais factos e o tribunal ficou com a clara convicção de que tais trâmites foram cumpridos, ou seja, que a Recorrida enviou aos Recorrentes as cartas relativas à implementação do PERSI (em que os esclarece sobre o correspondente procedimento), que estes não enviaram a documentação solicitada e necessária para a análise da sua situação económica o que desencadeou a extinção do PERSI, igualmente comunicada por carta àqueles.” Tais elementos são, no seu entender, as cartas ditas de integração e extinção do PERSI juntas aos autos com o articulado de contestação e a prova testemunhal (mas quanto aos depoimentos testemunhais, limitou-se, em observância do disposto no art. 640.º, n.º 2, al. b), do CPC, a indicar  as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas FD… e MS… e a transcrever também excertos do depoimento desta última), invocando ainda, no corpo da sua alegação de recurso, os depoimentos do legal representante da Embargada e dos Embargantes (transcrevendo os excertos que considera relevantes). Mais defende, no corpo da sua alegação de recurso, que “os próprios Embargantes reconhecem nos seus depoimentos, valendo, assim, como confissão, que recebiam comunicações da Embargada.”  Invoca ainda, como princípio de prova escrita, em ordem a afastar a jurisprudência invocada pelos Apelantes, a existência de acordos extrajudiciais, sustentando que fazem igualmente prova do envio e receção das cartas: “os mesmos encontram-se assinados pelos Embargantes, que não impugnam a assinatura dos mesmos, e foram enviados para morada constante das cartas relativas ao PERSI.” Ademais, refere que pela proximidade das datas de algumas das cartas (relativas ao PERSI e a alguns dos acordos celebrados), não ser verosímil que as dos acordos fossem recebidas e as do PERSI não.
Atentemos na motivação da decisão da matéria de facto (que reproduzimos na parte útil pois terá de ser analisada globalmente, considerando que não existe um segmento especificamente dedicado à indicação dos concretos meios probatórios que foram relevantes para a formação da convicção do Tribunal recorrido quanto aos factos em apreço, o que, ainda assim, não obsta à compreensão dessa decisão; sublinhado nosso):
«Este Tribunal tomou em consideração todas as provas produzidas e analisadas em audiência final.
A matéria dada como provada resultou, em primeiro lugar, dos meios de prova documentais juntos aos autos principais de execução e ao presente Apenso de Embargos de Executado, neste último caso juntos através dos articulados e requerimentos das partes.
Mais se baseou este Tribunal no teor do depoimento de parte do legal representante da Embargada/Exequente, das declarações de parte dos Embargantes/Executados, e das declarações prestadas pelas testemunhas arroladas pela Exequente e ora Embargada.
Em primeiro lugar, o legal representante da Embargada/Exequente, JJ…, prestou um depoimento credível, convicto e verosímil, sufragando a versão da Embargada expressa no respetivo articulado da contestação. Como só poderiam ser valorados os factos desfavoráveis a esta parte (depoimento de parte), nada de relevante declarou nesse âmbito! De todo o modo, convém salientar que o mesmo declarou que (…) Realçou também que foram enviadas 3 (três) cartas de extinção do PERSI aos clientes e ora Executados, sendo que essas cartas foram dirigidas à morada destes últimos, fornecida pelos mesmos à Exequente e constante dos ficheiros informáticos centrais da ora Embargada. Concluiu dizendo que os ora Executados não comunicaram à Exequente qualquer mudança de residência para efeitos de notificação entre as partes. Por outro lado, e retomando a questão dos alegados defeitos do imóvel em discussão, o ora depoente afirmou que a denúncia dos defeitos na segunda fração adquirida pelos Executados ocorreu junto do Departamento de Cobranças da Exequente, mas, curiosamente (observação deste Tribunal), quando a situação de não pagamento de prestações vencidas do empréstimo em apreço já estava verificada. Declarou ainda que os 3 (três) contratos de mútuo são os únicos contratos existentes entre os clientes e ora Executados e a ora Exequente.
Quanto às declarações de parte dos Embargantes/Executados, ED… e MJ…, os mesmos prestaram declarações no sentido da tese por si expressa no respetivo articulado do requerimento inicial de embargos de executado, mas tais declarações não encontraram apoio nos meios de prova documentais juntos aos autos, nomeadamente no que concerne às alegadas questões das mais-valias fiscais e dos defeitos de construção do segundo imóvel por aqueles adquirido!
Em primeiro lugar, o Embargante/Executado, ED…, começou por declarar que a Exequente não o informou devidamente de que iria pagar mais-valias em consequência da dação, pois se soubesse, palavras suas, que iria pagar € 26.000 a esse título não teria realizado a dação. (…) O Executado ora declarante confessou que o Banco (ora Exequente) o interpelou para resolver a situação de incumprimento do empréstimo, mas contraditoriamente afirmou que não lhe foi pedida a apresentação de documentos, o que não convenceu minimamente este Tribunal face às regras da experiência comum e bancária, da lógica e do normal acontecer. (…)
Em segundo lugar, a Embargante/Executada, MJ…, mulher do também Executado/Embargante, começou por declarar que ela e seu marido não tinham alternativa senão contrair o empréstimo que originou a dívida que por sua vez originou os presentes autos, mas não explicou as razões dessa não alternativa. (…) Confessou também que recebeu cartas em casa provenientes do Banco ora Exequente, mas salientou que quem as lia era o seu marido e ora Executado. Referiu também a existência duma alegada dívida às Finanças no valor de € 26.000,00 (mais valias fiscais derivadas da diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda do primeiro imóvel adquirido pelo casal de Executados). Voltou a frisar que recebeu cartas em casa dirigidas pelo Banco ora Exequente, cartas essas que seu marido lia e que o deixavam preocupado em virtude de as mesmas respeitarem ao não pagamento das prestações do empréstimo contraído perante o aludido Banco. (…).
Por sua vez, as testemunhas arroladas pela Exequente e ora Embargada, FD..., BM…, MS…, MJA… e MA…, prestaram depoimentos credíveis, convictos e verosímeis, os quais apontaram no sentido da tese expressa pela Embargada/Exequente no respetivo articulado da contestação, sendo que tais declarações encontraram apoio nos meios de prova documentais juntos aos autos, nomeadamente no que concerne às questões da inexistência das mais-valias fiscais (pelo menos não provadas), da inexistência de defeitos de construção, no momento da aquisição e entrega, do segundo imóvel adquirido pelos Embargantes/Executados, e da integração dos mesmos Embargantes/Executados, por três vezes, no PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) !!!
Começando pela testemunha FD…, diretor da agência da Exequente no Funchal desde 2005, a mesma declarou, com especial relevância para a decisão da causa, que, em relação aos contratos celebrados entre as partes, a redução de encargos mensais dos Executados/Embargantes derivou de negociação entre as partes e foi “fruto” duma opção esclarecida e livre dos clientes, ou seja, dos ora Executados. No que concerne à negociação prévia à aquisição do imóvel em causa, esta testemunha esclareceu que o ora Executado E… esteve no interior do dito imóvel com o colega (desta testemunha) BT… (também ora testemunha) antes da celebração da respetiva escritura pública. (…) Confirmou a integração dos Executados e ora Embargantes no PERSI. Esta testemunha também referiu não ter conhecimento de os clientes e ora Executados terem de pagar mais-valias e desconhecer, portanto, que esse fosse o motivo do incumprimento contratual perante a Exequente. (…) Por outro lado, a testemunha em apreciação descreveu a existência de 3 (três) contratos entre as partes: 1 – aquisição do imóvel; 2 – dação parcial do remanescente da primitiva dívida; 3 – despesas diversas (imposto de selo, despesas com o empréstimo, etc.). Concluiu que os Executados reduziram em cerca de 50% a dívida à Exequente. A este propósito, afirmou, de modo perentório e convincente, desconhecer que tivesse sido contratada entre as partes qualquer dação de mais-valias. Com especial relevância, a testemunha afirmou terem existido 3 (três) planos de reestruturação da dívida dos Executados, i.e., 3 (três) PERSI nos quais estes foram integrados tendo em vista poderem regularizar a dita dívida com redução dos montantes da respetiva prestação mensal. Mais declarou que o cliente, ou seja, o Executado recusou cumprir o acordado nos PERSI. Salientou ainda que houve uma dação apenas parcial em virtude de o imóvel não ter absorvido a totalidade da primitiva dívida, i.e., os Executados nada lucraram com o negócio. Logo, conclusão deste Tribunal, não houve mais-valias.
Por sua vez, a testemunha BM…, promotor bancário (prestador de serviços) na Exequente desde 2017 e gestor (vínculo laboral) na mesma Exequente desde dezembro de 2006, com relevância para a decisão da causa, declarou que cerca de um ano após a celebração dos contratos em apreço, o Executado E… começou a revelar ter dificuldades de cumprimento das suas obrigações para com a Exequente em virtude de ter adquirido um veículo automóvel que era a sua prioridade nesse momento. Acrescentou que mais tarde quis trocar de casa, dando origem à celebração de escritura de compra e venda do imóvel que originou a situação de dívida dos presentes autos. (…)
Quanto à testemunha MS…, gestora de cobranças da Exequente desde final de 2007, a mesma declarou, com importância para a boa decisão da causa, que os ora Executados foram integrados por mais de uma vez no PERSI. Realçou que o PERSI foi extinto, nessas situações, devido ao facto de o Executado não ter cumprido e/ou sequer aceitado os acordos que lhe foram propostos no sentido de baixar o valor da respetiva prestação mensal enquanto as suas dificuldades financeiras se mantivessem. Esta testemunha frisou que a queixa/reclamação apresentada pelo Executado, e relacionada com um alegado problema de tubagem de água e com a casa de banho, surgiu já numa fase de incumprimento contratual e relação à ora Exequente. Afirmou também, com especial relevância, que o Executado tinha rendimentos para pagar pontualmente as prestações mensais, sendo que o último acordo de pagamento ocorreu em Abril de 2015, quando os Executados já estavam em incumprimento, i.e., o último pagamento foi efetuado por estes até Abril de 2015, mas posteriormente não fizeram qualquer outro pagamento. Mais afirmou que o último acordo de pagamento ocorreu em Abril de 2015, foi reduzido a escrito e assinado por Exequente e Executados, sendo que ficaram documentados no sistema o acordo, o respetivo valor, etc.. Descreveu o procedimento seguido pela Exequente em todas as situações de acordo com clientes, como a desse último Acordo de 2015: eram enviadas cartas aos clientes, estes assinavam e faziam os respetivos pagamentos nos termos acordados.
Já no que respeita às declarações da testemunha MJA…, arquiteto e prestador de serviços regulares para a Exequente, declarou, com interesse para a boa decisão da causa, que subscreveu, ao serviço da empresa “Qualitas”, o relatório de avaliação do imóvel em discussão nos presentes autos (confirmou como sendo sua a assinatura constante de fls. 136). (…)
Passando agora à análise do teor das declarações da testemunha MA…, o mesmo referiu, aos costumes, ser consultor imobiliário da empresa “Direto E Simples – Comunicação Imobiliária, Lda.”, “Prediclube”, desde Maio de 2016, ter trabalhado nos serviços financeiros do Hospital entre 2012 e 2016, e ter estado ao serviço da ora Exequente no período compreendido entre Maio de 2006 e Novembro de 2012. Desde logo confirmou a sua visita ao imóvel ora em apreço e sito na Ponta do Sol, tendo em vista celebrar o novo contrato de empréstimo de compra e venda, com mútuo e hipoteca, entre Exequente e Executados. (…)»
Apreciando.
Os factos em questão dizem respeito ao cumprimento do disposto nos artigos 14.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10 (que estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações).
Atentemos no que dispõem estes artigos, na parte que ora importa:
Artigo 14.º
Fase inicial
1 - Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
(…) 4 - No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no número anterior.
Artigo 17.º
Extinção do PERSI
1 - O PERSI extingue-se:
(…)
3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.
Na alínea h) do art. 3.º deste diploma legal consta a seguinte definição: «Suporte duradouro» qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
Não se discute que um suporte duradouro possa ser, além do mais, um suporte em papel, ou seja, por exemplo, uma carta registada. Mas é fora de dúvida que a lei exige uma determinada forma para a comunicação da inserção do cliente no PERSI e da extinção deste.
Os Apelantes invocam jurisprudência, mormente o referido acórdão da Relação de Lisboa de 07-06-2018, segundo a qual esta forma de comunicação, não pode, por via de regra, ser provada por testemunhas. Acompanhamos essa jurisprudência. Com efeito, tendo em atenção o disposto nos artigos 364.º e 393.º, n.º 1, ambos do CC, pese embora não estejamos perante a exigência legal de uma certa forma para uma declaração negocial com o fim de fazer prova dela, mas antes perante a exigência legal de uma certa forma para comunicação de determinadas informações com o fim de fazer prova daquela, a razão de ser daqueles preceitos legais é a mesma, pelo que estes devem ser aplicados por analogia (cf. art. 10.º do CC). Isto é afirmado de forma categórica no referido acórdão da Relação de Lisboa: “se a lei exige uma forma para a [prova da] comunicação, não se pode saltar por cima da forma, provando a comunicação através de testemunhas.
E não se poderia invocar aqui aquilo que em geral se diz sobre estas normas, isto é, que elas já admitem prova testemunhal quando há um começo de prova escrita, porque esse começo de prova escrita não pode ser o próprio documento cuja existência se está a averiguar.”
Ademais, acompanhamos também as considerações feitas no referido acórdão da Relação de Lisboa, quando aí se explica que “Quem se quer prevalecer de declarações receptícias, isto é, cuja eficácia depende da prova da recepção das declarações pelos seus destinatários (art. 224/1 do CC), tem de ter o cuidado de fazer prova dessa recepção (art. 342/1 do CC). Essa prova pode fazer-se através de notificações avulsas (arts. 256 a 258 do CPC), mas faz-se normalmente com um aviso de recepção devidamente assinado de uma carta enviada pelo correio. Essa prova pode ainda ser feita, mais dificilmente, com um registo do envio da carta [como o exequente fez com o registo da carta doc. 8 junto pelos executados], junto com a prova do depósito na caixa de correio do destinatário, conjugados com as regras dos arts. 224 do CC).
Toda a gente sabe isto (que são regras da experiência comum e da lógica das coisas) e sabem-no principalmente as empresas habituadas a lidar com situações em que é necessário fazer prova daquelas declarações, principalmente quando elas são feitas em negociações no âmbito de litígios ou de incumprimentos contratuais. (…)
Como diz Jorge Morais de Carvalho, depois de se referir à existência de vários meios de transmissão da declaração, pressupondo naturalmente a sua validade e suficiência:
“Se o objectivo é, por um lado, a prova do envio da mensagem e, por outro lado, uma maior certeza na efectiva recepção desta, o meio mais eficaz talvez ainda seja o correio tradicional, mas, neste caso, apenas se o envio for registado […].” (Os contratos de consumo, Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, Almedina, Junho 2012, pág. 151).
Ou seja, quando se quer provar o envio de uma carta, faz-se pelo menos o registo dela; quando se quer provar a recepção de uma carta, pede-se ainda o aviso de recepção ou requer-se uma notificação avulsa. Ninguém, em questões minimamente importantes, espera fazer prova do envio de cartas apenas com o depoimento de dois empregados seus que dizem tê-las enviado (o que, como se viu, nem sequer é o caso).
Quer isto dizer que se num processo judicial se diz que uma declaração receptícia foi feita e enviada, se exige logo, naturalmente, a prova disso através de uma certidão de uma notificação avulsa, ou de um a/r, ou de um registo e aviso, ou pelo menos de um elemento objectivo qualquer (por exemplo, uma referência, não impugnada, numa carta posterior à carta em causa).
A simples exibição de uma fotocópia de uma carta, que pode ser feita em qualquer altura, ou o depoimento de um empregado de uma empresa – que depende dos rendimentos que lhe advém do seu trabalho nela e que para além disso está a tentar provar que fez o seu trabalho como lhe é dito, agora, que devia ter feito – no sentido de ter escrito e enviado essa carta, facto que pode ser determinante para a sorte de uma acção, não têm valor probatório suficiente para convencer desse envio.”
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 27-04-2017, no processo n.º 37/15.5T8ODM-A.E1, conforme se alcança das seguintes passagens do respetivo sumário (disponível em www.dgsi.pt):
I- No artº 14º nº4 do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
II- O significado de tal expressão “suporte duradouro “é dado no artigo 3.º, alínea h) do citado diploma: “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
III- Por conseguinte, e exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “comunicação em suporte duradouro “ ou seja a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artº 362º do Cód. Civil, não poderia a omissão de tal prova da declaração da instituição bancária/embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal (face à ausência de confissão expressa dos embargantes )- cfr. artº 364º nº2 do Cód. Civil.
Atentemos então nos documentos em questão - as supostas cópias das cartas referidas nos pontos 51. a 57. do elenco dos factos provados -, em ordem a averiguar se efetivamente tais cartas foram enviadas pela Exequente e recebidas pelos Executados (admitindo que a receção se infere das expressões usadas nos pontos 51., 54. e 56., na parte em que se afirma que os Executados foram informados da sua integração nos PERSI e da extinção destes).
Em primeiro lugar, é patente que não estamos perante cartas registadas com aviso de receção, nem sequer perante meras cartas registadas, não constando dos autos nenhuma prova documental (mormente talão de registo, prova de depósito, aviso de entrega) da qual resulte a expedição e muito menos a receção dessas cartas. Portanto, a terem sido enviadas, terá sido por correio simples.
Ademais, não deixa de ser estranho que cada uma das cartas (uma por empréstimo) fosse dirigida a ambos os Embargantes (portanto, cada carta teria dois destinatários), ao invés de serem enviadas cartas separadamente para cada um deles.
Mais importante, verificamos que a morada constante de todas essas cartas é a seguinte:
RUA. … EDF VALE …
(SITIO DA RATEI
PONTA DO SOL
…-… PONTA DO SOL
Ora, como se alcança do confronto com as outras cartas datadas de 14-04-2015 (3 cartas, uma relativa a cada empréstimo), que terão sido enviadas pela Embargada - cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento de 26-01-2018 e que esta defende constituírem princípio de prova escrita -, tal morada está manifestamente incompleta. Com efeito, a morada (mais) completa que consta nestas últimas cartas é:
RUA. … EDF …
(SITIO DA RATEIRA) BL. …
PONTA DO SOL
…-… PONTA DO SOL
Aliás, no confronto com as outras cartas que se mostram assinadas pelos Executados, que terão sido enviadas em outras três ocasiões diferentes (junção documental feita no aludido requerimento), só nas de 19-11-2013 a morada coincide, constando nas datadas de 27-08-2013 uma morada diferente (Caminho …, …, …-… Ribeira Brava) e nas datadas de 22-09-2014 uma morada que não é inteiramente coincidente (Rua … – Edif. Vale …, …-… Ponta do Sol).
A incompletude destas moradas torna-se ainda mais patente se atentarmos nas escrituras públicas e na caderneta predial urbana, das quais resulta que a fração autónoma em apreço (designada pelas letras AK) está localizada no Bloco …, piso …, ou seja, o R/C (como é indicado na caderneta predial) do Edifício Vale …, Sítio da Rateira, Ponta do Sol.
Portanto, as moradas, além de incompletas, não coincidem, salvo quanto às cartas de 22-09-2014.
Ademais, as primeiras e últimas cartas (datadas de 27-08-2013 e 14-04-2015), tanto pelo seu conteúdo - sem qualquer referência ao teor das cartas cuja prova se discute, como pela altura em que foram enviadas (a primeira é anterior às cartas em apreço e a última é muito posterior), não podem ter qualquer relevância probatória, não se vislumbrando que possam estar relacionadas com as cartas ora em questão.
Quanto às outras (enviadas em 19-11-2013 e 22-09-2014), também não nos parece que possamos retirar da sua receção que as cartas de 05-11-2013 e 18-11-2013, por um lado, e de 03-09-2014 e 15-09-2014, por outro lado, tenham sido enviadas e recebidas. Isto porque não fazem qualquer referência às cartas em apreço nos autos, não podendo valer como princípio de prova escrita. Aliás, não podemos deixar de chamar a atenção para o intróito dessas outras cartas, designadamente quando aí se refere “Exmos. Sres., Na sequência do seu contacto telefónico, vimos (…)” e “Exmos Senhores, No seguimento das conversações mantidas telefonicamente e de acordo com o pedido de Vª Exa(s) (…)”.
Com efeito, se essas cartas estivessem incluídas num qualquer PERSI em curso, que tivesse culminado com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento (o que claramente não resulta do seu conteúdo), deviam mencioná-lo e nem faria sentido a extinção “automática” daquele procedimento nos termos descritos no ponto 56.
Por tudo isto, concluímos que, contrariamente ao que defende a Apelada, as cartas que juntou no seu aludido requerimento não servem de princípio de prova escrita, inexistindo prova documental que aponte no sentido do efetivo envio e sobretudo receção das cartas atinentes à integração no PERSI e à sua extinção.
Por outro lado, ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, os Embargantes não confessaram o recebimento dessas cartas, antes o negaram, tendo-o feito de forma clara no seu requerimento de 23-02-2016. Na audiência final, os Embargantes (cujos depoimentos ouvimos na íntegra) não foram confrontados com esses documentos, mas o Embargante negou ter recebido cartas do Banco Embargado em que fossem solicitados documentos para regularização da situação de incumprimento; afirmou que foi sempre ele quem se dirigiu ao Banco, várias vezes, por sua iniciativa para tentar resolver o problema que surgiu quando foi confrontado com a dívida às Finanças; e que se fosse necessário indicar os seus rendimentos para o Banco se disponibilizar a encontrar uma solução, tê-lo-ia feito.
A Embargante, nas declarações prestadas em audiência final, limitou-se a dizer que recebiam cartas do Banco em casa, sem precisar quais, acrescentando que não era ela quem recebia e lia essas cartas, sendo o seu marido que o fazia, o que parece plausível, considerando até que era de facto o Embargante quem sempre lidou diretamente com o Banco e se apresentava na agência, conforme este declarou e resultou também dos depoimentos das testemunhas FD… e BT….
Não existiu, pois, nenhuma confissão por parte dos Embargantes (aliás, sintomático disso é a inexistência de assentada em ata – cf. art. 463.º do CPC).
Para o caso de poderem ser valorados, atentámos nos demais meios probatórios invocados, ouvindo na íntegra a gravação dos depoimentos prestados pelas partes e pelas referidas testemunhas, desde já adiantando não terem levado à formação de uma convicção segura acerca da verificação dos factos controvertidos em apreço.
As declarações do legal representante da Embargada nada acrescentaram, até por não ter tido intervenção direta nos factos, limitando-se a dizer que existiram três PERSIs e que nunca houve resposta dos Executados.
Quanto aos depoimentos testemunhais, verifica-se da análise da decisão recorrida que apenas foram considerados relevantes para a formação da convicção do Tribunal recorrido os depoimentos das testemunhas FD… e MS…, na medida em que dos resumos dos depoimentos das demais nada consta a respeito dos factos em apreço. Os Apelantes na sua alegação de recurso transcrevem os excertos dos depoimentos daquelas duas testemunhas e afirmam que as outras não responderam sobre a matéria em causa. A Apelada também se apoia nesses depoimentos, indicando as passagens da gravação.
Mas a verdade é que estas testemunhas, bem como, aliás, a testemunha BT…, cujo depoimento também ouvimos, sendo funcionários do Banco, não tiveram, conforme resulta dos seus depoimentos, qualquer intervenção na elaboração e/ou envio das cartas em questão. Além disso, deram conta de diversos contactos que mantiveram com o Executado (as testemunhas FB… e BT… na agência do Banco onde desempenhavam funções e a testemunha M…, gestora de cobranças, esta apenas via telefónica), mas da descrição genérica que fizeram nada resultou que nos convencesse do efetivo envio e recebimento das cartas em causa.
Aliás, a testemunha F… explicou que tinham um Departamento próprio para lidar com as situações de incumprimento (Departamento de Direção de Clientes), não sendo a agência que acompanhava o processo de regularização do incumprimento. E a testemunha BT… referiu que o Executado, a dada altura, que não consegue precisar, se começou a deslocar várias vezes à agência (95% das vezes esteve na agência ia sozinho), dizendo que não conseguia pagar a prestação e procurando uma solução; sabia que o Executado tinha feito “pedidos de carência”, o que foi tratado no Departamento de Carência; na agência não dera seguimento a nenhuma proposta concreta para regularização integral da situação de incumprimento, tendo inclusivamente sido descartada (a testemunha considerou que nem fazia sentido analisar) uma proposta avançada pelo Executado de venda da (atual) casa, pois achavam que não iria resolver o problema.
A testemunha M… limitou-se a dar conta de conversas telefónicas de que resultaram acordos pontuais/transitórios que foram feitos (serão os documentos juntos com o requerimento de 26-01-2018). Aliás, não podemos deixar de pensar que o envio dessas outras cartas (face ao seu conteúdo e ao que foi descrito por esta testemunha) até parece contrariar a existência duma anterior ou paralela implementação e extinção dos PERSIs mediante as comunicações em apreço, atenta a forma desarticulada e até inconsequente como tudo se processaria.
Assim, concluímos que não existem elementos de prova objetivos que nos permitam considerar provados os factos descritos nos pontos 51. a 57. no que concerne ao envio e receção das cartas cujas cópias foram juntas aos autos com a Contestação, pelo que procedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso.
Quanto à restante factualidade aí referida, atinente às pontuais situações de incumprimento dos contratos, não resulta desses depoimentos nem dos documentos juntos com o requerimento de 26-01-2018 que (conforme alegado pela Exequente na sua Contestação) se verificavam nas datas em que tais supostas cartas foram enviadas. A primeira carta data de 27-08-2013 (referindo-se a 3 empréstimos com as Ref.ªs …, …, …, apenas alude a um valor então em dívida de 161,73 €, cujo pagamento devia ser efetuado até ao dia 30 desse mês, o que tudo indica ter sido feito (até pelos depoimentos das partes e das testemunhas e pelo confronto com os demais documentos). As (três) últimas cartas datam de 14-04-2015, sendo uma carta relativa a cada um dos empréstimos com as aludidas Ref.ªs, mencionando-se nestas que existia então “dívida vencida e actualmente em mora” / “dívida vencida e não paga” (sem indicar desde quando), acordando as partes que desde abril de 2015 e até março de 2016 os mutuários pagarão prestações mensais nos valores aí indicados.
Pela sua maior proximidade temporal com os factos em apreço, poderiam ser relevantes as demais cartas/acordos. Porém, face ao seu conteúdo e às declarações do Embargante e ao depoimento da testemunha M…, nem sequer nos parece seguro afirmar que em novembro de 2013 ou em setembro de 2014 existia uma situação de incumprimento. Com efeito, analisando as (três) cartas/acordos datadas de 19-11-2013 (e confrontando-as até com a anterior, datada de 27-08-2013, em que era solicitada a regularização de dívida atual, então vencida), não estamos convictos de que existisse então uma situação de incumprimento, já que se está perante um mero acordo para redução do valor da prestação dos empréstimos (uma carta para cada empréstimo, com as Ref.ªs …, … e …, e) “no período que decorre desde o dia 01/12/2013 até ao dia 01/01/2014”, na sequência de contacto telefónico feito pelo cliente, tendo por objetivo ajudar os clientes a encontrar uma solução, em virtude das dificuldades comunicadas.
O mesmo se diga quanto às (duas) cartas/acordos datadas de 22-09-2014, a respeito dos empréstimos com as Ref.ªs aí indicadas, em que no seguimento de conversações telefónicas e de acordo com o pedido do cliente se concede aos mutuários, na primeira carta, uma carência durante o período (o mês de outubro) correspondente a uma prestação sem qualquer pagamento, e na segunda uma redução do valor de 6 prestações mensais.
Tudo indica, pois, que até abril de 2015 (e salvo quanto ao valor em mora referido na carta de agosto de 2013, regularizado no decurso desse mês, e que não vem ao caso) os Executados foram conseguindo, porventura também por via dos referidos acordos pontuais de carência, efetuar os pagamentos das prestações, sem entrarem na situação de incumprimento. O que, aliás, é consequente, com a matéria de facto provada nos pontos 4., 8., 12. e 47., da qual resulta que as dificuldades no cumprimento dos contratos surgiram em finais de 2014 e que o incumprimento destes se verificou a partir de 01-05-2015.
Assim, em conclusão, os pontos 51. a 57. devem ser eliminados do elenco dos factos provados, o que se decide.
2.ª questão – Do cumprimento do PERSI
Discute-se neste recurso a aplicação do regime consagrado nos artigos 12.º e seguintes - atinentes ao denominado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) - do referido Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (que estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações).
Conforme exemplarmente resumido nos dois primeiros pontos do acórdão do STJ de 09-02-2017, proferido na Revista n.º 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 - 7.ª Secção (sumário disponível em www.stj.pt):
I - O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – instituído pelo DL n.º 272/2012, de 25-10, que está em vigor desde 01-01-2013 e é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito – constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (arts. 14.º a 17.º do referido diploma legal). 
II - Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (art. 18.º, n.º 1, al. b), do citado DL n.º 272/2012). 
O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão tecendo a este respeito as seguintes considerações:
– Do alegado incumprimento do “PERSI” e da alegada inexigibilidade do título:
Quando em face de contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro (artigo 2º deste Decreto-Lei) se preveja/verifique uma situação de incumprimento, a ora Exequente age, nos termos do artigo 6º do mesmo Decreto-Lei, no sentido de disponibilizar aos mutuários toda a informação e acompanhamento, de modo a alcançar uma resolução extrajudicial para o referido incumprimento.
Na presente situação concreta, os Executados foram integrados no PERSI três vezes, tendo sido informados:
- Por cartas datadas de 05.11.2013 (cfr. Doc. n.º 3 junto com a contestação), da implementação do PERSI no que concerne aos três contratos de mútuo, títulos executivos da presente Execução, por se encontrarem estes, à data, em incumprimento;
- Por cartas datadas de 06.05.2014 (cfr. Doc. n.º 4 junto com a contestação), da implementação do PERSI relativamente aos contratos de mútuo n.º … e n.º …, por se encontrarem estes, à data, em incumprimento;
- Por cartas datadas de 03.09.2014 (cfr. Doc n.º 5 junto com a contestação), da implementação do PERSI relativamente aos três contratos de mútuo, por se encontrarem estes, à data, em incumprimento.
Em todas estas cartas de integração no PERSI, a Exequente solicitava ao Executado os documentos essenciais para análise da melhor solução para a situação de incumprimento dos Executados.
Porém, de todas as vezes, os mutuários não enviaram a documentação solicitada, no prazo de 10 dias previsto no artigo 15º, n.º 3, do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro.
Os Executados foram devidamente informados quanto aos termos do PERSI (cfr. Docs. 3, 4 e 5 juntos com a contestação – às cartas de integração sempre se anexou um documento informativo referente aos termos do PERSI), pelo que têm perfeito conhecimento de que a omissão de colaboração por parte dos clientes bancários no que respeita à prestação de informações ou disponibilização de documentos solicitados é causa de extinção do PERSI, nos termos do artigo 17º, n.º 2, al. d), do citado Decreto-Lei.
A Exequente enviou oito cartas, em três datas diferentes.
Os Executados vêm aditar que a Exequente terá alegadamente agido em violação das garantias do cliente bancário consagradas no artigo 18º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei em apreço, invocando que, não tendo procedido à extinção do PERSI, estaria impedida de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Acontece que a Exequente extinguiu os procedimentos com fundamento no artigo 17º, n.º 2, al. d), do citado DL, tendo os Executados sido de tal informados, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 17º do mesmo Decreto-Lei:
- Por cartas datadas de 18.11.2013, quanto aos três contratos de mútuo dados à Execução (cfr. Doc. n.º 6 junto com a contestação);
- Por cartas datadas de 19.05.2014, relativamente aos contratos de mútuo n.º … e n.º …, objeto da presente execução (cfr. Doc. n.º 7 junto com a contestação);
- Por cartas datadas de 15.09.2014, relativamente aos três contratos de mútuo (cfr. Doc. n.º 8 junto com a contestação).
Estas cartas, tal como as cartas de integração no PERSI acima descritas, também foram enviadas para a morada dos Executados identificada na Execução e em relação à qual os Executados nunca comunicaram à Exequente qualquer alteração, pelo que, por este último facto e tratando-se de oito cartas enviadas em três momentos diferentes, óbvio se torna concluir que foram recebidas pelos Executados, o que aliás foi confirmado/confessado pela própria Executada em sede de declarações de parte.
Como tal, carece de fundamento a invocação de abuso do direito, uma vez que, havendo incumprimento por parte dos mutuários e tendo sido cumpridos todos os ditames do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro por parte da Exequente, esta, ao intentar a presente ação executiva contra os Executados, age no exercício legítimo de um direito que é seu, não excedendo qualquer dos limites impostos pelo artigo 334º do CC.
Os Apelantes criticam esta decisão, defendendo, em síntese, que a Exequente não cumpriu o ónus da prova dos factos que alegou a respeito da implementação do PERSI, sendo até incongruente a sua posição a esse propósito, «bastando para o efeito atender às datas das próprias alegadas comunicações – não descurando não haver sido apurada qualquer data para a sua (suposta) efectiva realização.
19º Com efeito, considerando o prazo legal previsto no art. 15º, nº 2, do regime do PERSI e supostamente concedido, e bem assim mais considerando as regras elementares da experiência comum (e, desde logo, o tempo mínimo expectável para a recepção e envio de quaisquer comunicações), afigura-se ser o mesmo absolutamente incompatível com os intervalos entre as datas da suposta implementação do PERSI e as datas do seu suposto encerramento – ou seja, o mesmo teria sido in casu, e de cada vez, extinto, por (suposta) falta de resposta dos Executados, antes mesmo de decorrido o prazo minimamente expectável para esta poder ser sequer enviada, e ainda menos recebida pela Exequente.
 20º O caso evidencia-se, com particular acuidade, no que toca às supostas comunicações de 03/09/2014 e de 15/09/2014: ficcionando a hipótese, meramente académica, da recepção no próprio dia de envio, acontece que o prazo de dez dias daí decorrente terminaria no sábado 13/09/2014, como tal transferindo-se para segunda-feira dia 15/09/2014 – ou seja, estando ainda em perfeito prazo de resposta pelos Executados, já a Exequente havia extinto o PERSI com suposto fundamento na omissão daquela.
21º Ora, o cumprimento do PERSI tem de ser real e efectivo, cabendo “à entidade de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida” em prol “do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção.” (Ac. do TRC de 19-06-2018, proferido no processo 29358/16.8YIPRT.C1).»
A Exequente-Embargada, por seu turno, sustenta que “integrou os Executados no PERSI não uma mas três vezes – duas delas quanto a todos os contratos e uma outra quanto a dois –, procedimento que veio a ser extinto por falta de colaboração daqueles, e sempre cumprindo todos os trâmites legais, sendo perfeitamente legítima a execução movida contra aqueles.” Conclui ainda que:
14. Os “escassos” 12 dias de intervalo a que os Embargantes se referem correspondem a um intervalo temporal superior ao prazo legal definido no artigo 15º, nº 3 do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro – a lei refere um prazo máximo de 10 dias.
15. Os prazos previstos no aludido Decreto-Lei não são prazos judiciais, pelo que não tem aplicação a regra invocada e ainda que se equacione que tal carta tenha, efectivamente, sido recepcionada num sábado – o que será improvável – sempre se teria como cumprido o prazo legal, nos termos do artigo 279.º do CC.
16. Mais, resulta claro dos autos que a Exequente não se limitou a extinguir o PERSI e, acto contínuo, executar os Recorrentes, tendo ficado demonstrado que após a extinção do último PERSI, a Exequente e os Embargantes acabaram por contactar e celebrar acordos para tentar fazer face à situação de incumprimento, acordos esses que acabaram por ser incumpridos pela banda dos Recorrentes.
Apreciando.
Conforme decorre desde logo do preceituado no art. 12.º do referido diploma legal (em vigor desde 1 de janeiro de 2013 – cf. art. 40.º) as instituições de crédito devem promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
Remetemos por economia para os preceitos legais já citados, lembrando ainda que nos termos do art. 15.º do referido Decreto-Lei, a instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito.
A ação executiva à qual os presentes embargos estão apensos baseia-se precisamente em documentos que consubstanciam contratos de crédito celebrados em 28-12-2012 (cf. pontos 1. a 15. dos factos provados) entre a Exequente, instituição de crédito, e os Executados, clientes bancários, tendo sido invocado por aquela o respetivo incumprimento contratual por parte destes últimos, verificado a partir de maio de 2015 (como resulta dos factos provados), pelo que estamos, sem margem para dúvida, no âmbito de aplicação do referido diploma legal - cf. artigos 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 3.º, alíneas a), c) e e). Aliás, as partes não o discutem, aceitando que assim é, divergindo apenas quanto à questão de saber se foi devidamente cumprido o disposto no aludido Decreto-Lei a respeito do PERSI: os Executados defenderam na petição de embargos que a Exequente não promoveu as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), sustentando a Exequente, por seu turno, que diligenciou, em 3 ocasiões distintas e com referência aos 3 contratos de crédito, pela implementação de PERSI, remetendo para os documentos que juntou com a Contestação.
A jurisprudência tem considerado que, não tendo a instituição de crédito diligenciado previamente à instauração da ação executiva pela implementação de PERSI, se está, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, já que não estando demonstrado o prévio cumprimento por parte da instituição de crédito dos princípios e regras imperativas estabelecidas naquele Decreto-Lei, a mesma não pode intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito - cf. art. 17.º, n.º 1, al. al. b) -, faltando assim um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da pretensão.
De salientar que, conforme acima aflorado, a lei exige que a integração dos clientes bancários no PERSI e a extinção do mesmo lhes sejam devidamente comunicadas em suporte duradouro (cf. artigos 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, do referido diploma legal), tratando-se, sem dúvida, de declarações recetícias, o que significa que tinha que ser feita a prova da existência dessas comunicações, do seu envio e da sua receção pelos executados, cabendo o ónus da prova desses factos à instituição de crédito, já que se trata de condição indispensável para o exercício do direito que pretende fazer valer. Neste sentido, se pronunciaram os acórdãos indicados pelos Apelantes, em que destacamos:
- o já acima aludido acórdão da Relação de Évora de 27-04-2017, conforme se alcança das seguintes passagens do respetivo sumário:
I- No artº 14º nº4 do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
(…) IV- Além do mais, tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário ( artº 224º nº1 -1ª parte do Cód. Civil que consagra a teoria da recepção), sendo sobre a instituição bancária/embargada que recaía o ónus de o provar ( artº 342º nº1 do mesmo código.
- o referido acórdão da Relação de Lisboa de 07-06-2018, cujo sumário citamos pelo seu interesse:
I.– Não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da recepção de uma declaração receptícia (art. 224/1 do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objectivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra não impugnada, quando aliás essa carta, segundo a própria decisão recorrida que a deu como provada, não faz sentido no contexto em causa.
II.– As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14/4 e 17/3 do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364/2 e 393/1, ambos do CC) excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação).
III.– Não se demonstrando a existência da comunicação da integração dos executados no PERSI, não existe uma condição objectiva de procedibilidade da execução (art. 18/1-b do referido DL 227/2012 e ac. do TRL de 26/10/2016, proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1), pelo que esta não pode prosseguir.
IV.– No caso dos autos não existem quaisquer factos que indiciem sequer que os executados, ao invocarem a impossibilidade da execução, por força do que antecede, estejam a agir com abuso de direito (art. 334 do CC).
- e o acórdão da Relação de Évora de 28-06-2018, no processo n.º 2791/17.0T8STB-C.E1, citando-se parte do respetivo sumário:
1 - Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação comtemplada pelo Dec. Lei 227/2012 é a proibição de sobre eles serem intentadas ações judiciais, proibição esta que impende sobre o credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no PERSI e a sua extinção – cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b).
2 - A preterição de sujeição do devedor ao PERSI, por parte do Banco credor, consubstancia incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objetiva de procedibilidade da própria pretensão, que deve ser enquadrada com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias.
3 - O regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso. (…)
Veja-se ainda, a título exemplificativo, o acórdão da Relação de Évora de 08-03-2018, no processo n.º 2267/15.0T8ENT-A.E1, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Em face da matéria de facto provada, impõe-se concluir que a Exequente-Embargada não logrou demonstrar o efetivo cumprimento das normas imperativas atinentes à integração dos Executados no PERSI, pois não foi feita prova da existência e envio das (alegadas) de integração (e de extinção) do PERSI, nem muito menos da sua receção pelos Executados.
Seja como for, mesmo que tivessem sido enviadas as alegadas cartas (cujas cópias foram juntas com a Contestação), daí não resultaria, a nosso ver, que a Exequente tivesse respeitado na íntegra as regras legais consagradas no aludido diploma legal.
Com efeito, estamos perante cartas supostamente enviadas da sede da Embargada, em Lisboa, para a morada dos Embargantes, na Madeira, razão pela qual nem sequer é possível considerar que as mesmas tenham sido entregues no prazo de entrega do correio normal (que é de 3 dias úteis), sendo facto notório (até publicitado na página oficial dos CTT) que esse prazo pode ser alargado no caso de correspondência para as Regiões Autónomas dos Açores e Madeira.
Mas ainda que pudessem ser considerados os 3 dias para a receção da correspondência (e não podem), é fácil verificar que antes mesmo de findar o prazo de 10 dias concedido aos Embargantes já a Embargada estaria, com as cartas que terá, segundo alegou, subsequentemente enviado, a dar por extintos os procedimentos em questão. Aliás, em bom rigor, apenas seria relevante, a ter existido, o último PERSI, mas neste caso, ainda que a carta tivesse sido recebida pelos Embargantes a 08-09-2014 (3.º dia útil), já a 15-09-2019 estava a ser extinto o PERSI, o que claramente violaria o propósito da lei nesta matéria.
Ademais, não podemos olvidar que o incumprimento contratual que está em causa nos autos apenas se verificou a partir de maio de 2015 (conforme se infere dos factos provados, sendo certo que só a partir dessa data são peticionados juros de mora; aliás, isto também resulta da motivação da sentença recorrida; e, de facto, tanto o depoimento da testemunha M… como o teor carta de 14-04-2015 apontam nesse sentido). E o que se discute é se a Exequente podia intentar a ação executiva (à qual os presentes embargos estão apensos) para satisfação do seu crédito, com fundamento nesse concreto incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito (invocado como causa de pedir), sabendo-se que a lei proíbe essa demanda judicial entre a data da integração do devedor no PERSI e a sua extinção – cf. art. 18.º, n.º 1, alínea b).
Ora, nada indica que o invocado incumprimento contratual seja anterior ao alegado envio da última (alegada) carta (setembro de 2014). Portanto, não se vislumbra de que forma possa ter sido efetivamente promovida a integração dos Executados no PERSI quando estes, a partir de maio de 2015, deixaram de pagar as prestações dos contratos de mútuo celebrados em 28-12-2012.
Conclui-se, pois, pelo incumprimento por parte da Exequente das regras legais imperativas atinentes ao PERSI.
3.ª questão - Do abuso do direito
A Exequente-Embargada, prevenindo a hipótese de ser acolhida a pretensão dos Executados-Embargantes a este respeito vem agora, na sua alegação de recurso, invocar abuso do direito, alegando designadamente que:
10. Em todo o caso, e mesmo que não seja dado como provado o efectivo cumprimento do PERSI, pela Embargante, o que de modo algum se concede, nunca tal facto tornaria ilegítima a execução movida e o seu prosseguimento, precisamente porque houve, de facto, tentativas concretas de solucionar o incumprimento dos Embargantes através de acordos, designadamente com envio e análise de documentação relativa à sua condição económica, que só não se concretizaram com a retoma dos empréstimos por incumprimento daqueles.
11. Pelo que, ainda que não tivesse sido cumprido, em concreto, o PERSI, a verdade é que nenhum direito ou expectativa dos Embargantes foi violado ou ficou frustrada e os acordos a que acima se fez menção, aliados ao depoimento da testemunha MS…, tornam perfeitamente clara esta matéria, que também foi acertadamente dada como provada.
12. Pelo que, dadas as concretas circunstâncias, actuam os Embargantes em abuso de direito, o que expressamente se invoca, ao invocarem o incumprimento do PERSI quando bem sabem de todas as diligências feitas (veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2017, proferido no âmbito do processo 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt).
Vejamos.
Como é consabido o Código Civil de 1966 consagrou no art. 334.º o abuso do direito na conceção objetiva, dispondo que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. O abuso do direito é, assim, o excesso patente dos limites impostos pela boa fé, não se tornando necessário que tenha havido a consciência de se excederem esses limites.
E tem sido entendido que para determinar quais os limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes o julgador deverá atender às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, devendo para apurar do fim social ou económico do direito considerar os juízos de valor positivamente consagrados na lei.
A doutrina e a jurisprudência vêm dando abundante contributo para a compreensão desta figura. Em especial, a doutrina tem elaborado com base na jurisprudência dos tribunais superiores, uma série de hipóteses típicas concretizadoras da cláusula geral da boa fé. Destaca-se a proibição de venire contra factum proprium, que visa impedir uma pretensão incompatível ou contraditória com a anterior conduta do pretendente; ocorre sempre que uma pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou negócio invocando, por exemplo, uma determinada causa de resolução, denúncia, nulidade ou anulação, quando já tinha feito crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito.
Nas palavras de Baptista Machado, no estudo “Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium”, in “Obra Dispersa”, Vol. I - págs. 415 a 418 - e RLJ anos 116, 117 e 118 – n.º 3735, págs. 170 e ss., o funcionamento do instituto depende da verificação de três pressupostos:
1º) uma situação de confiança, isto é, uma conduta ou omissão (simples passividade) de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; por outras palavras, uma conduta ou omissão (inércia) que desperta na contraparte a convicção de que também no futuro se comportará, coerentemente, da mesma maneira;
2º) um investimento na confiança, o que significa que a contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos (não removíveis ou dificilmente removíveis a não ser com a paralisação do direito) se aquela confiança vier a ser frustrada;
3º) a boa fé da contraparte que confiou, ou seja, que a contraparte tenha agido tomando o cuidado e as precauções usuais no tráfego jurídico, desconhecendo uma eventual divergência entre a intenção aparente do responsável pela confiança e a sua intenção real.
Uma outra situação, próxima do “venire”, é a “verwirkung”, que visa vetar o exercício de um direito subjetivo ou de uma pretensão quando o seu titular, por os não ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos, assumindo o seu posterior exercício natureza desleal e intolerável.
Menezes Cordeiro, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1.º Vol. 1987/88, pág. 373 e ss. indica ainda como figura parcelar de comportamento inadmissível a suppressio, que se caracteriza por o exercente de um direito deixar passar um tal lapso de tempo sem exercer esse direito que, quando o faça, contraria a boa fé. Reconduz-se à figura da surrectio, em que, por força da boa fé, o exercente vê, contra ele ou em termos que ele deva respeitar, formar-se um direito que, de outro modo, não existiria.
Uma outra figura suscetível de configurar um abuso do direito é o exercício em desequilíbrio: verifica-se quando o exercente de um direito exerce uma atividade que causa danos a outrem inutilmente ou quando provoca uma desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício que impõe a outrem.
A jurisprudência é, desde há largos anos, muito rica na identificação de situações em que se justifica lançar mão deste instituto. Lembramos a síntese exemplar feita no acórdão do STJ de 21-09-1993 in CJ III - 19 “a complexa figura do abuso do direito é uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social (...) em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito, dito de outro modo, o abuso do direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo mas este poder formal é exercido em aberta contradição, seja com o fim (económico e social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica envolve o seu reconhecimento”.
Ainda, a título exemplificativo, referimos o acórdão do STJ de 14-03-2019, proferido no processo n.º 1189/15.0T8PVZ.P1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), citando parte do respetivo sumário pelo seu interesse:
I - O alcance do princípio do abuso do direito excede o conjunto dos grupos ou tipos de casos considerados na doutrina e na jurisprudência – como a exceptio doli, o venire contra factum proprium, o tu quoque ou o desequilíbrio no exercício jurídico – e, por consequência, não é absolutamente necessário coordenar a situação sub judice a algum dos tipos enunciados.
II - O conteúdo do princípio da proibição do tu quoque é o de que quem actua ilicitamente, em desconformidade com o direito, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma actuação ilícita da contraparte.
Volvendo ao caso dos autos, não obstante a abrangência do instituto do abuso do direito, parece-nos inevitável concluir que não se encontram provados quaisquer factos que permitam considerar verificado um caso de abuso do direito.
Desde logo, não se nos afigura que o circunstancialismo que antecedeu a celebração dos três contratos de mútuos (ora em incumprimento), em dezembro de 2012, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10 (1 de janeiro de 2013 – cf. art. 40.º do referido diploma legal), mormente a referida dação em cumprimento, seja obstáculo à implementação do PERSI.
Estamos perante novos contratos de crédito, cujas dificuldades no pagamento das prestações apenas surgiram em finais de 2014 (cf. ponto 47. dos factos provados), o que parece ter sido despoletado em 2014 com a exigência de pagamento pela Autoridade Tributária de uma dívida fiscal dos Embargantes, que estes começaram a pagar em prestações a partir de julho de 2015 (cf. pontos 32. e 33. dos factos provados). Ora, seja qual for a natureza dessa dívida, parece-nos evidente que os Executados deviam, a partir do momento em que surgiu a situação de mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito (causa de pedir da ação executiva), desde 01-05-2015, ter sido devidamente integrados no PERSI.
E não se diga que, em face dos rendimentos e das despesas dos Executados, isso seria inútil, já que, além de nos parecer existir uma margem para corte em algumas despesas (mormente telecomunicações e outras), existiam também rendimentos acrescidos a considerar (subsídios de férias e de Natal).
Ademais, mesmo sem considerarmos a possibilidade desses cortes e estes outros rendimentos, existe um valor remanescente disponível que poderia ser afetado ao pagamento das prestações dos contratos de mútuo se o valor das mesmas pudesse ser temporariamente reduzido de forma a acomodar o acréscimo do valor das despesas que adveio da necessidade de pagamento daquela dívida fiscal.
De qualquer forma, a avaliação da capacidade financeira dos clientes bancários devia ser efetuada na sede própria, do PERSI (ou, pelo menos, num procedimento idóneo equivalente, imbuído dos mesmos princípios e garantias), podendo levar à apresentação de propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades.
A Exequente devia então ter feito os contactos preliminares a que se refere o art. 13.º do referido diploma legal (do qual resulta que, além de informar os clientes do atraso e dos montantes em dívida, devia desenvolver diligências no sentido de apurar as razões do incumprimento verificado). Mantendo-se o incumprimento, devia obrigatoriamente proceder à integração dos clientes no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (e, repete-se, dos factos provados apenas resulta que o vencimento das obrigações em causa se verificou em 01-05-2015), com vista à regularização da situação de incumprimento dos três créditos de mútuo (estamos em crer que no âmbito de um único procedimento) – cf. art. 14.º do mesmo Decreto-Lei.
Sem isso e até à extinção do PERSI, não podia intentar ações judiciais tendo em vista em satisfação do seu crédito, designadamente a ação executiva à qual os presentes embargos estão apensos – cf. art. 18.º, n.º 1, al. b).
De salientar ainda que não estão provados (nem foram oportunamente alegados, no Requerimento executivo ou na Contestação – cf. artigos 551.º, 573.º e 732.º do CPC) os factos ora invocados pela Exequente a respeito de acordos (pontuais) que terão sido feitos antes da situação de incumprimento contratual que constitui a causa de pedir da ação executiva.
Ademais, a jurisprudência que emerge do acórdão do STJ invocado pela Embargante não pode ser transposta para o caso dos autos precisamente pela disparidade dos factos sobre que versa. Veja-se que nesse acórdão de 09-02-2017 (que já acima referimos), e conforme consta do respetivo sumário, estava em causa uma ação executiva intentada no ano de 2013 (depois da entrada em vigor do DL n.º 272/2012), situando-se o incumprimento dos executados em 2011, resultando da facticidade provada que em maio de 2011 a exequente havia iniciado um procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento dos executados, equiparado ao PERSI, que se prolongou até março de 2013 e que só não se concretizou através de dação em cumprimento de um imóvel por facto imputável a estes últimos. Daí que se tenha considerado não ser de aplicar ao caso o regime previsto no DL n.º 272/2012, de 25-10, sob pena de a pretensão dos executados/oponentes configurar abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (art. 334.º do CC). Acrescentando-se ainda, nesse acórdão, que a circunstância de os executados/oponentes não terem sido formalmente integrados no PERSI não lhes retirou direitos, nem lhes reduziu expectativas legítimas, posto que a ação executiva só foi instaurada depois de gorada a concretização da solução negociada por razões só àqueles imputáveis. 
O mesmo se diga da jurisprudência vertida no acórdão do STJ de 19-02-2019, proferida no processo n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), conforme se alcança da seguinte passagem do respetivo sumário: “sob pena de se incorrer em abuso de direito, não faria sentido que, bem mais de um ano depois do início do incumprimento e depois de terem estado em curso negociações, sem sucesso (de parte a parte), fosse exigível à exequente a integração formal dos executados no regime do PERSI”.
Na verdade, não emerge dos factos provados nenhuma razão objetiva para que a Exequente pudesse confiar que, caso instaurasse (como fez, em 01-10-2015) uma ação executiva contra os Executados fundada no incumprimento, verificado a partir de 01-05-2015, dos contratos de mútuo (celebrados em 28-12-2012), eles se iriam abster de invocar na sede própria as garantias de que beneficiavam por força de lei imperativa.
Ou que, ao fazê-lo, os Executados estivessem manifestamente a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, sobretudo quando tudo indica que para aquele incumprimento contribuiu decisivamente a circunstância de se terem vistos confrontados (em 2014) com uma dívida fiscal à Fazenda Pública atinente à mais-valia correspondente às operações feitas, no valor total superior a 25.000,00 €, encontrando-se em cobrança - com a instauração de execuções fiscais em meados de 2015 -, à ordem da qual os Executados vêm pagando, desde julho de 2015, a quantia mensal de mais de 300,00 (cf. pontos 32. a 35. dos factos provados).
Assim, concluímos que a defesa dos Executados não configura um abuso do direito.
Destarte, procedem as conclusões da alegação de recurso e deve ser concedido provimento ao mesmo, com a absolvição dos Executados da instância executiva e a sua consequente extinção - cf. artigos 277.º, al. a), e 732.º, n.ºs 4 e 5, do CPC.
Vencida a Embargada-Apelada, é responsável pelas custas processuais, em ambas as instâncias (artigos 527.º e 529.º ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e, em sua substituição, julgar procedente a oposição mediante embargos deduzida pelos Executados/Embargante/Apelantes, absolvendo-os da instância executiva e declarando a mesma extinta.
Mais se decide condenar a Exequente-Apelada no pagamento das custas processuais devidas na ação executiva, na respetiva oposição mediante embargos e no presente recurso.
D.N.

Lisboa, 21-05-2020
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua