Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17606/15.6T8LSB.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
CAUSA AUTÓNOMA DE EXTINÇÃO DA ACÇÃO
CRÉDITOS ABRANGIDOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: O artigo 17ºE nº 1 do CIRE não abrange os créditos vencidos após o despacho que, nos termos da al.a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE nomeou o administrador provisório, visando aquela norma apenas as dívidas existentes à data daquele despacho.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
       

           Relatório:

AA portador do cartão do cidadão n.º (…), válido até (…), emitido pela República Portuguesa, contribuinte fiscal n.º (…), residente na Rua (…), interpôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra “BB, SAD”, NIPC (…), com sede no (…) Lisboa, pedindo que esta seja julgada procedente e que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 11.003,75 (onze mil e três euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento, tudo com custas, procuradoria e o mais que seja legalmente devido.

Invocou para tanto, em síntese, que:

O autor e a ré celebraram em 12 de Julho de 2013 um contrato de trabalho desportivo;

-Em 23 de Janeiro de 2015, autor e ré celebraram um acordo de revogação do referido contrato de trabalho desportivo que produziu efeitos imediatos, extinguindo a relação laboral que vigorou até aquela data;

-Nos termos do disposto na cláusula segunda do acordo de revogação, ficou acordado que o autor, a título de compensação pecuniária global, receberia da ré a quantia de € 15.003,75 (quinze mil e três euros e setenta e cinco cêntimos), quantia que seria paga nas seguintes prestações mensais e sucessivas:

(i) Uma prestação de € 4.000,00 (quatro mil euros), paga a 26 de Janeiro de 2015; e (ii) Cinco prestações de € 2.200,75 (dois mil e duzentos euros e setenta e cinco cêntimos), que se venceriam no dia 15 dos meses subsequentes, ou seja, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2015; e

- A ré apenas pagou a primeira prestação, no valor de € 4.000,00 e, apesar de interpelada para proceder ao pagamento das prestações em falta, não só não pagou como nenhuma explicação deu ao autor para o seu incumprimento, pelo que lhe são devidas as prestações em falta.

Designada a audiência de partes, veio a Ré requerer que acção fosse declarada extinta, nos termos dos artigos 17.º - E n.º 1 do CIRE, por estar em curso o processo especial de revitalização da Ré e, consequentemente, fosse dada sem efeito a audiência de partes.

O Autor respondeu concluindo no sentido de ser indeferido o requerido pela ré e ordenado o prosseguimento dos autos com a realização da audiência de partes, seguindo os seus ulteriores termos até final, condenando-se a Ré nas custas do incidente a que deu causa.

Realizou-se a audiência de partes, não tendo sido obtida a sua conciliação e no âmbito da qual foi notificada a Ré para contestar, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pelo Autor e ser proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito, bem como foi proferido despacho a determinar a notificação da Ré para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos certidão do aludido PER (Processo Especial de Revitalização) contendo cópia da decisão que homologou, ou não, o Plano de Insolvência e cópia desse plano, nomeadamente no que respeita à dívida aí reclamada pelo aqui Autor e no que respeita ao decidido quanto a todas as dívidas abrangidas por esse plano e contendo ainda informação sobre o estado dos autos.

A Ré juntou aos autos os documentos em causa e prestou as informações solicitadas pelo Tribunal a quo e ainda afirmou que, no que concerne à presente acção, mantém a posição inicialmente assumida no seu requerimento datado de 8/07/2015, no qual requereu a extinção da presente acção, em virtude de estar em curso o seu processo especial de revitalização, o que obsta à instauração de novas ações tendentes à cobrança de dívidas contra a Devedora, nos termos do art. 17.º E n.º 1 do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas.

A Ré não apresentou contestação aos factos alegados pelo Autor na petição inicial.

Em 28.09.2015 foi proferido o seguinte despacho:

“(…)

Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, por absoluta falta de fundamento legal, indefere-se a pretensão formulada pelo Réu no sentido de ser declarada a extinção da instância.

Custas incidentais pelo Réu, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs (art. 7º/3 do R.C.Processuais, e Tabela II anexa a este Regulamento).

Notifique-se.”

Na mesma data foi proferida sentença que, ao abrigo do disposto nos artigos 56º al.a) e 57º do CPT, considerou provados, por confissão, os factos articulados pelo Autor e finalizou com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto, julga-se procedente a presente acção intentada pelo Autor AA contra o Réu “BB, SAD e, consequentemente, decide condenar-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 11.003,75 (onze mil e três euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação (07/07/2015) até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada.

Nos termos dos arts. 297º e 306º/2 do C.P.Civil de 2013, aplicáveis ex vi do art. 1º/2a) do C.P.Trabalho, fixa-se o valor da causa em € 11.003,75 (onze mil e três euros e setenta e cinco cêntimos).

Custas pelo Réu.

Notifique-se e registe-se.”

Inconformada, a Ré veio arguir a nulidade do despacho que a condenou em 4UC e interpor recurso deste e da sentença apresentando as seguintes conclusões:          

(…)

Termina pedindo que o recurso seja julgado totalmente procedente e consequentemente:

- Seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que, levando em consideração a excepção dilatória inominada invocada pela Recorrente no âmbito do processo, decrete a extinção da presente acção em virtude do processo especial de revitalização da Recorrente, nos termos do art. 17.º E n.º 1 do C.I.R.E;e

- Seja a Recorrente absolvida da condenação no pagamento de 4 UC.

O Autor contra alegou concluindo que não estão abrangidos pelo disposto no artigo 17º-E, n.º 1, do CIRE, os créditos vencidos após o despacho que procedeu à nomeação do administrador provisório, na medida em que este normativo se reporta apenas às dívidas existentes à data da decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do art. 17º-C do CIRE, devendo ser mantida a decisão recorrida.

O Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

Nos termos dos arts. 6º, 7º, e 417º/1 do C.P.Civil de 2013, aplicáveis ex vi do art. 1º/2a) do C.P.Civil, determina-se a notificação da Ré para, no prazo de 10 dias, esclarecer nos autos, de forma concreta e objectiva, se o recurso interposto é apenas da sentença ou é também do despacho que antecede a mesma (despacho «II» de fls. 86 a 89 dos autos e que apreciou a pretensão de extinção da instância), advertindo-se expressamente de que, não o fazendo, será condenada em multa e será considerado que o recurso interposto é apenas da sentença.”

A Ré respondeu:

“O recurso foi interposto do despacho que recaiu sobre os requerimentos de fls. 25/28 e 58/59 e da sentença proferida nos autos à margem referenciados, datada de 28/09/2015, quanto aos seguintes pontos:

(i) Não extinção da presente ação em virtude da pendência do processo especial de revitalização da Recorrente, nos termos do art. 17.º E n.º 1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante, “C.I.R.E.”); e

(ii) Condenação da Ré em 4 UC pela sua alegada “absoluta falta de fundamento legal”.

(iii) Ilegalidade da sentença recorrida.

Como se depreende da alegação, a ilegalidade da sentença recorrida foi invocada a título subsidiário por mera cautela de patrocínio, em virtude de a Mandatária do Recorrente não estar segura da possibilidade de recorrer autonomamente do despacho em causa sem recorrer da sentença para efeitos de revogação desta.

Sobre a arguida nulidade do despacho que indeferiu o pedido de extinção da instância o Tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos:

“(…)

Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, indefere-se a nulidade arguida pela Ré/Recorrente.

Notifique-se.”

O recurso foi admitido na forma, com o modo de subida e efeito adequados.

Neste Tribunal, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou parecer no sentido de que a decisão recorrida aparenta coerência na análise das questões equacionadas.

Notificadas as partes do mencionado parecer, não responderam.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso.

Sendo pacífico que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), nos presentes autos, importa conhecer:

1ª- Se o despacho que indeferiu o pedido de extinção da instância:

- padece de nulidade;

- viola o princípio do contraditório por emitir decisão surpresa;

- não interpretou correctamente o artigo 531º do CPC.

2ª- Se deve ser revogada a sentença e substituída por outra que declare a extinção da acção em virtude do processo especial de revitalização da Ré e absolva a Ré da condenação de 4UCs.

Fundamentação de facto.

A factualidade com relevância para a decisão da causa é a que resulta do relatório que antecede para o qual se remete.            

Fundamentação de direito.

(…)          

Vejamos, agora, se deve ser revogada a sentença e substituída por outra que declare a extinção da acção em virtude do processo especial de revitalização e absolva a Ré da condenação em 4UCs.

Antes de mais, cumpre relembrar que o pedido de extinção da acção foi conhecido no despacho acima citado, tendo a sentença sido proferida de imediato, no mesmo dia.

A recorrente, ao pretender a revogação da sentença e a sua substituição por outra que declare a extinção da acção e a absolva da condenação em custas cuja taxa de justiça foi fixada em 4UCs está, necessariamente, a pretender a revogação do mencionado despacho, pois apenas neste foi apreciada a questão da extinção da acção e condenada a Ré nos termos referidos.

E tal conclusão também terá de ser extraída da invocação, por parte da recorrente, de que a dita questão constitui uma excepção dilatória inominada e que, por isso, deveria ter sido conhecida na sentença e não num despacho autónomo a título incidental, como foi.

Salvo o devido respeito, não concordamos com o entendimento da recorrente de que se trata de uma excepção dilatória inominada, pois como já dissemos, trata-se, sim, de uma causa autónoma de extinção da acção prevista no artigo 17º-E do CIRE.

Mas será que, no caso, estamos perante um incidente da instância?

Sobre os incidentes da instância escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre na obra citada, pag.178, “ Os incidentes (art.292) são procedimentos anómalos, isto é, sequências de atos que exorbitam da tramitação normal do processo e têm, por isso, carácter eventual, visando a resolução de determinadas questões que, embora sempre de algum modo relacionadas com o objecto do processo, não fazem parte do encadeado lógico necessário à resolução do pleito tal como ele é inicialmente desenhado pelas partes (Castro Mendes, Limites objectivos cit., p.198 e Lebre de Freitas, Introdução cit., nºs 1.2.1.II.5 (4)); ver também a nota introdutória ao título III, antes do art.292).

Ora, não temos dúvidas que o requerimento de 8 de Julho de 2015 no qual a recorrente, invocando a existência do PER, pede que seja declarada a extinção da acção e dada sem efeito a audiência de partes configura um incidente.

Sucede, porém, que na audiência de partes a recorrente foi notificada para juntar os documentos relativos ao PER e para contestar, sendo certo que ao requerer a junção aos autos de tais documentos, afirmou, ainda, manter a posição assumida no requerimento de 8 de Julho de 2015, mantendo, assim, o seu pedido de extinção da acção.

Ou seja, ao juntar os documentos solicitados pelo Tribunal a quo e ao manter o seu requerimento de extinção da acção, o que fez no prazo que lhe foi concedido para contestar, a recorrente está, também, a apresentar a sua defesa que fundamenta na existência do PER e que, em seu entender, determina a extinção da acção. Ou seja, a recorrente está a contestar.

O que a recorrente não fez foi impugnar os factos invocados pelo Autor na petição inicial.

E independentemente do modo como apresentou a sua defesa, o certo é que esta absorveu o requerimento de 8 de Julho de 2015 que perdeu a sua autonomia e a sua natureza incidental, passando a integrar a sua contestação, razão pela qual não podia o Tribunal a quo ter condenado a recorrente em custas incidentais, pela simples razão de que já não havia incidente mas, tão só, contestação da recorrente, fundamentada na existência do PER.

Assim sendo, terá de ser revogado o despacho em causa na parte em que condenou a recorrente no pagamento das custas incidentais e fixou a taxa de justiça em 4UCs.

Por outro lado e independentemente da forma que revestiu a decisão, a questão que ainda se coloca e que, no fundo, é a questão fulcral destes autos é a de saber se o Tribunal a quo deveria ter declarado a extinção da acção em virtude da pendência do processo especial de revitalização da Ré, o que implicaria a revogação do despacho e, consequentemente, da sentença.

Vejamos:

Dispõe o artigo 1º do CIRE na versão introduzida pela Lei nº 16/2012 de 20 de Abril:

1 - O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

2 - Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I.

Nos termos do artigo 17-A:

1 - O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
2 - O processo referido no número anterior pode ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação.

E o artigo 17º-C estabelece que:

1- O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

2- A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.

3- Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adotar os seguintes procedimentos:

a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações;

b) Remeter ao tribunal cópias dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo.


4- O despacho a que se refere a alínea a) do número anterior é de imediato notificado ao devedor, sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 37.º e 38.

Por seu turno refere o artigo 17º-D:

1- Logo que seja notificado do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta.
2- Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.

3- A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.
4- Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva.

E, por fim, determina o artigo 17º-E:

1- A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.”

Sobre a expressão “acções para cobrança de dívidas” escreve-se no Acórdão deste Tribunal e Secção, proferido em 01.06.2016, no processo nº 1444/16.1.T8LSB.L1 em que a ora relatora interveio como 2ª adjunta: (…) De acordo com o art.º 17.º-E, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas «a decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação».

É, pois, por causa do sentido a dar à expressão «acções para cobrança de dívidas» ali utilizada que a autora traz o recurso ao desembargo desta Relação de Lisboa. Sabendo-se que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores se mostra cindida na resposta a dar a essa questão, alinhando uns no sentido de ali verem todas as acções, sejam elas declarativas de condenação no pagamento de quantia certa, quer as executivas para o mesmo fim e outros por se limitarem às acções executivas

Por nós, alinhamos nesta última corrente, pela seguinte ordem de razões:

Em primeiro lugar, por força do elemento literal: é verdade que a lei ali não distinguiu, apertis verbis, entre acções de cariz declarativo e acções de reporte executivo e recomenda a hermenêutica que, em princípio, ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus. Porém, neste particular sempre teremos que relevar que, pese embora isso, a lei se refere a «quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor» e não tão-só a «acções». Ora, é sabido que apenas nas executivas e não também nas acções declarativas se cobram dívidas; nestas, apenas se afirma, no que aqui interessa, a existência de direitos de crédito. E a questão não é de somenos, pois que para uma dívida poder ser coercivamente cobrada tem que por qualquer forma ter sido declarada por sentença transitada em julgado ou para isso estar suficientemente documentada e, em qualquer dos casos, tem que ser certa, exigível e líquida em face do título ou assim preliminarmente tornada no processo próprio executivo. Ou seja, só as executivas são verdadeiramente «acções para cobrança de dívidas contra o devedor», desde logo por suporem o direito já declarado por qualquer das formas previstas na lei ─ e isso não acontece quando o trabalhador impugna judicialmente o despedimento ou afirma a existência de outros créditos laborais. Pelo que e em conclusão diremos que afinal se a lei não usou expressa ou literalmente a expressão acções executivas sempre deixou suficiente rasto para se perceber que comporta apenas aquela e não também as declarativas.

Em segundo lugar, sabemos que o processo especial de revitalização tem uma finalidade própria, assim assinalada na lei: «destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização». Ora, se o prosseguimento de acção executiva se mostra incompatível com o assinalado fim, já o mesmo não ocorre com a acção declarativa. É que só naquela se procede à reparação coactiva do direito do credor e, portanto, à efectiva excussão do património do devedor, desde a penhora dos bens deste ao pagamento do crédito daquele, enquanto nesta o tribunal apenas se limita a declarar o direito.

Por fim, convém não esquecer que o plano judicialmente homologado não garante de modo algum o sucesso do seu desfecho final e, portanto, não coloca o devedor à margem de uma futura declaração de insolvência, caso em que o credor tem interesse em já ter visto declarado o direito, tornando-o, por conseguinte, juridicamente inatacável. Entretanto não o pode executar, é certo, mas não retira, em absoluto, interesse à prossecução da acção declarativa.”

E como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23.02.2016, in www.dgsi.pt “os efeitos do plano de recuperação, aprovado em sede de processo especial de revitalização, estão circunscritos aos efeitos de créditos constituídos e reconhecidos, e não também aos créditos litigiosos, quanto à sua constituição ou validade; alargar os efeitos do referido plano a estes créditos equivaleria a violar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.”

Por outro lado, não temos dúvidas que no artigo 17º-E, nº 1 do CIRE não estão abrangidos os créditos vencidos após o despacho que procede à nomeação do administrador provisório (neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.01.2015 citado na decisão recorrida).

Na verdade, da análise da tramitação deste processo extrai-se que este apenas abarca créditos vencidos e identificados e não créditos futuros, como seria o caso dos autos, na medida em que à data em que foi proferido o despacho a que alude a al.a) do nº 3 do artigo 17º-C, o crédito do Autor ainda não se tinha vencido.

Assim, como refere a decisão recorrida e resulta dos autos, o crédito do Autor venceu-se depois de intentado o PER da recorrente, bem como depois de proferido o despacho a que alude a al.a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE (este foi proferido em 30.07.2014), ou seja, muito antes de vencido o crédito do Autor e muito antes de intentada a acção).

É certo que se desconhece em que data é que o mencionado despacho foi publicado no Portal Citius. Mas sabendo-se, porque resulta de fls. 41 dos autos, que a sentença que homologou o plano de revitalização da Ré foi publicada em 11.05.2015, ainda antes de proposta a acção, impõe-se concluir que aquele despacho, há muito teria sido publicado e há muito estaria esgotado o prazo de 20 dias para a reclamação de créditos.

Repare-se, ainda, que o acordo de revogação do contrato de trabalho do Autor ocorreu em plena pendência do PER. E neste acordo, o Autor reconheceu, expressamente, que o valor que reclamara naquele processo já se encontra abrangido no valor a atribuir, a título de compensação pecuniária global, no âmbito da revogação do contrato de trabalho.

E como também refere a decisão recorrida, dos elementos juntos aos autos, não consta que o valor reclamado pelo Autor no PER aí tivesse sido reconhecido, nem que a Ré tivesse invocado que reconheceu esse valor no âmbito daquele processo.

A verdade é que perante o quadro factual apurado impõe-se acompanhar a decisão recorrida quando afirma que “ ao celebrar tal acordo de revogação com o Autor, quando sabia que há muito estava findo qualquer prazo de reclamação de créditos no âmbito do PER e sendo que não tomou qualquer conduta no sentido de incluir o novo crédito dele resultante nos créditos abrangidos pelo PER, o Réu sabia que estava a constituir um novo crédito não abrangido pelo PER”, pelo que é inadmissível que venha, agora, escudar-se no nº 1 do artigo 17º-E do CIRE para não cumprir o acordo celebrado com o Autor, tanto mais que tal norma, como dissemos, não abrange o crédito do Autor porque vencido depois do despacho que nomeou o administrador provisório e, claramente, depois de decorrido o prazo de reclamação de créditos.

Em consequência, entendemos que o despacho recorrido, nesta parte, não merece censura.

Tendo-se concluído pela improcedência do recurso do despacho na parte em que indeferiu o pedido de extinção da acção, necessariamente, teria esta de prosseguir, como prosseguiu com a prolação da sentença e condenação da Ré, decisão que também não merece reparo, dado que a recorrente não impugnou os factos invocados pelo Autor na petição inicial.

Salienta-se, ainda, que, apesar da recorrente pedir que a sentença seja revogada, a verdade é que faz depender essa revogação da revogação do despacho proferido anteriormente, nada acrescentando quando ao mais que aquela decidiu.

Considerando o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 527º do CPC, as custas são da responsabilidade da recorrente.

Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em:

-Julgar parcialmente procedente o recurso do despacho que indeferiu o requerimento de extinção da acção e, em consequência, revogam tal despacho na parte em que condenou a recorrente em custas incidentais no valor de 4UCs;

- Manter, no mais, o referido despacho.

- Julgar improcedente o recurso da sentença que confirmam na íntegra.

Custas pela recorrente.

           

Lisboa, 13 de Julho de 2016

Maria Celina de Jesus de Nóbrega

Paula de Jesus Jorge dos Santos

Claudino Seara Paixão

Decisão Texto Integral: