Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26175/16.9T8LSB-A.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: SINDICATO
CUSTAS
ISENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I.Os sindicatos são pessoas colectivas privadas que têm em vista a defesa e promoção dos interesses sócio-profissionais seus associados.
II.As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos estão isentas de custas para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.
III.Os interesses sócio-profissionais dos associados não são interesses gerais, mas de grupo.
IV.O pedido de reconhecimento pela empregadora de que a pausa diária de 60 minutos que os seus trabalhadores em regime de laboração contínua beneficiam integra o período normal de trabalho diário respeita a todos enquanto grupo (os trabalhadores em regime de laboração contínua) e ao modo específico como disponibilizam a prestação do trabalho (a pausa deve ser incluída no tempo de trabalho, pelo que este se completa logo que perfeitas x horas por dia e não x + 1) e não só a cada um deles isoladamente considerados.
V.Por isso, o sindicato autor está isento de custas para defender esse interesse.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


Na presente acção declarativa com, processo comum, que AAA e outros, também sindicatos, intentaram contra BBB, S. A., os autores não pagaram a taxa de justiça por considerarem que se encontravam isentos de custas.

Na sua contestação a ré excepcionou o não pagamento da taxa de justiça pelos autores, sustentando que se não encontravam isentos de custas nem do pagamento da taxa de justiça, alegando que tal só se verifica quando actuam em defesa de interesses colectivos, o que não é o caso pois que aqui defendem interesses individuais dos seus associados.

Notificados, os réus responderam sustentando a sua tese inicial.
Proferido o despacho saneador, a Mm.ª Juíza alinhou pela tese dos autores e reconheceu que beneficiavam da isenção de taxa de justiça.

Inconformada, a ré interpôs recurso, pedindo que o despacho seja revogado e substituído por outra decisão que ordene a notificação dos autores para procederem ao pagamento da taxa de justiça, sob pena de ser absolvida da instância, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
1.O Douto Despacho Saneador parece não ter feito aplicação conforme da lei e do direito e por isso é passível de objectiva censura, ao conferir aos Autores a peticionada isenção da taxa de justiça.
2.Afigura-se, desde logo, sempre com respeito por opinião diferente, não se verificar, in casu, uma situação de transindividualidade artificial ou aparente, como se sufraga na Decisão em crise.
3.Dado ter sido alegado e de forma expressa, encontrar-se pendente acção judicial, intentada por dois trabalhadores, com o mesmo finalidade.
4.–Donde, ser difícil que os Autores possam agir em nome e defesa de interesses colectivos, mas apenas de um certo e determinado grupo de trabalhadores.
5.Razão pela qual se afigura manifesto, não poder ser concedido tal benefício aos Sindicatos Autores, como foi recentemente decidido pelo Acórdão Uniformizador do STA, n.º 5/2013, de 14 de Março.

Os autores não contra-alegaram.

Admitido o recurso na 1.ª Instância e remetido o processo a esta Relação de Lisboa, foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e a determinar que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito tendo nessa sequência a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta proferido parecer no sentido da improcedência da apelação.

Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.
Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito dos recursos, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4]

Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa saber se:
i. os sindicatos beneficiam de isenção de taxa de justiça quando defendem direitos dos seus associados.
***

IIFundamentos.

1.O despacho recorrido.
a)- Da falta de pagamento da taxa de justiça:

A Ré veio alegar que os Autores não beneficiam da isenção da taxa de justiça a que se refere a alínea f) do n.º 1 do art.º 4.º do Regulamento das Custas Processuais, alegando que tal prerrogativa só é conferida quando está em causa a prossecução interesses colectivos e dois dos seus associados já intentaram acção judicial com vista à prossecução dos seus direitos.

Os Autores pronunciaram-se pela inverificação da excepção, pugnando que gozam de isenção de taxa de justiça.

Importa apreciar:

Nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 1 al. f) do RCP, beneficiam de isenção de custas as pessoas colectivas sem fins lucrativos quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo estatuto ou legislação aplicável.

Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 5.º do CPT, as associações sindicais e empregadores são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam. Tal norma (especial de atribuição de legitimidade) reconhece interesse direito às associações sindicais e de empregadores para demandarem judicialmente, desde que estejam em causa interesses colectivos que representem.

Nestas acções, ao contrário das situações reguladas no n.º 2 do citado preceito (situações de representação), actuam em nome próprio ao abrigo da norma especial de atribuição de legitimidade plasmada no n.º 1 do art.º 5.º do CPT.

A distinção a fazer para efeitos desta norma é precisamente a mesma que teremos que fazer para efeitos do disposto no art.º 4.º, n.º 1 al. f) do RCP: Há que distinguir a defesa dos direitos e interesses colectivos da defesa colectiva dos direitos e interesses individuais dos trabalhadores.

No caso em apreço, estamos perante acção destinada a defender interesses comuns a um grupo determinado de trabalhadores, que sendo individualizáveis, beneficiam da característica da transindividualidade.

A noção de interesse colectivo não advém de estarem em causa interesses de muitas ou poucas pessoas, embora, na generalidade dos casos ocorra tal coincidência, mas sim da transindividualidade e indisponibilidade do bem jurídico tutelado e que se contrapõe aos direitos individuais homogéneos ou também denominados "direitos acidentalmente colectivos": aqueles que decorrem de uma origem comum e apenas possuem uma transindividualidade artificial ou aparente, em que os seus titulares são pessoas determinadas.

No caso dos autos, podemos afirmar a existência de um interesse jurídico de um grupo determinado de trabalhadores que se relacionada com a tutela de um bem jurídico colectivo.

Por conseguinte os Autores, actuando na acção em defesa de interesses colectivos, beneficiam de isenção de taxa de justiça.
Por todo o exposto, improcede a arguição da falta de isenção da taxa de justiça.

2.O direito.

Com a presente acção pretendem os autores, todos sindicatos, a título principal que:
a)- a seja reconhecido aos trabalhadores em regime de laboração continua nos departamentos designados SDA1, SDA2 e no INOC o direito a que seja considerada como parte integrante do seu período normal de trabalho diário a pausa diária de 60 minutos, enquanto se mantiverem em regime de laboração contínua;
b)- a manter o direito dos mesmos trabalhadores a um dia de descanso compensatório quando cada um deles perfaz, com a soma do tempo de trabalho com as pausas mencionadas na alínea anterior o período diário de 7,06 minutos; e
c)- a reconhecer como trabalho suplementar o tempo da pausa especial diária de 60 minutos prestado a partir de 1 de Junho de 2016 das mesmos trabalhadores enquanto não se efectivarem os pedido: alíneas a) e b);
e, subsidiariamente, que:
a)- seja reconhecido aos trabalhadores dos departamentos designados SDA1, SDA2 e no INOC que seja considerada como parte integrante do seu período normal de trabalho diário a pausa diária de 60 minutos, enquanto se mantiverem em regime de laboração contínua;
c)- a reconhecer como trabalho suplementar o tempo da pausa especial diária de 60 minutos prestado a partir de 1 de Junho de 2016.

De acordo com o art.º 4.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais "estão isentos de custas: (…) f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável".

Que os sindicatos são pessoas colectivas privadas resulta claro da circunstância de serem constituídas por pessoas físicas (trabalhadores).[5] E que os sindicatos têm em vista a defesa e promoção dos interesses sócio-profissionais seus associados também é conclusão que dali se retira sem qualquer espécie de dúvidas.[6]

Para Bernardo Lobo Xavier e outros, os interesses sócio-profissionais dos associados "não são interesses gerais, mas interesses de grupo, o que toma necessárias a identificação e delimitação dos interesses próprios do círculo de trabalhadores a abranger".[7]

Por sua vez, Monteiro Fernandes realça que "o interesse colectivo sindical é o interesse unitário do grupo; unidade no sentido de unificação de vontades, ainda que dissidentes; o contrário, por isso, da soma ou da uniformidade".[8]

Já o Supremo Tribunal de Justiça considerou que "o conceito de interesse colectivo assenta numa pluralidade de interessados, ou seja, na existência de vários indivíduos sujeitos aos mesmos interesses, devendo por isso tratar-se de interesses individuais iguais, ou pelo menos de igual sentido";[9] valendo por dizer que "os pertencentes a um grupo, classe ou categoria indeterminada, mas determinável de indivíduos, ligados entre si pela mesma relação jurídica básica, e válida e legalmente associados. São interesses de uma categoria, grupo ou classe de pessoas, não se reduzindo a um mero somatório de interesses individuais".[10]

O reconhecimento pela apelante de que a pausa diária de 60 minutos que os seus trabalhadores em regime de laboração contínua beneficiam integra o período normal de trabalho diário é algo que sendo individualizável por cada um deles, é certo, não deixa por isso de respeitar a todos enquanto grupo (os trabalhadores em regime de laboração contínua) e ao modo específico como disponibiliza a prestação do trabalho (a pausa deve ser incluída no tempo de trabalho, pelo que este se completa logo que perfeitas x horas por dia e não x + 1) e não, portanto, apenas a cada um deles isoladamente considerados. Daí que, como aliás bem refere a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, a situação em dissídio se mostre bem diferente daquela que foi apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão n.º 5/2013, de 14-03-2013, no processo n.º 1166/12, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 17-05-2013 e que uniformizou jurisprudência, ainda que para a ordem administrativa, uma vez que nesse caso "o requerente litigou em representação de uma sua associada, fazendo uma defesa colectiva dos direitos individuais dessa associada".

Assim sendo, bem decidiu a Mm.ª Juíza a quo em considerar que se encontravam isentos de custas, pelo que se deve confirmar a sua decisão.
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IIIDecisão.
Termos em que se acorda negar provimento à apelação e confirmar o despacho recorrido.
Custas pela apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
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Lisboa, 22-11-2017



(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)


[1]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5]Art.º 440.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[6]Art.º 440.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[7]Em Direito do Trabalho, 2.ª edição, Verbo, 2014, página 112.
[8]Em Direito do Trabalho, 18.ª edição, Almedina, 2017, página 663.
[9]No acórdão de 22-04-2015, no processo n.º 729/13.3TTVNG.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[10]Acórdão do mesmo Supremo, de 03-03-2016, no processo n.º 3704/12.1TTLSB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.