Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
948/18.6T9LSB.L1-9
Relator: CRISTINA SANTANA
Descritores: ABUSO SEXUAL DE MENORES
ACTO SEXUAL DE RELEVO
DEFINIÇÃO DE COITO ORAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I-Tendo sido dado como provado que o arguido beijou e lambeu da zona vaginal da menor,  e que no artigo 171º nº 2 do CP está em causa uma noção objectiva ou médico-legal de cópula, coito e introdução vaginal ou anal e não a sua noção sociológica ou normativa. Desta forma o sexo oral feito pelo agressor/arguido na vítima, integra-se no conceito de acto sexual de relevo previsto no nº1 do artigo 171º do CP e não no nº 2; 
II- De facto o “leiv motiv” de ser da agravante do nº 2 é, sem dúvida, o carácter mais invasivo, perturbador e humilhante para a vítima (no caso uma criança) do acto em que ocorre a penetração da vagina, do ânus ou da boca, pelo que o sexo oral pode não integrar o conceito de coito oral nos termos e para os efeitos da previsão do nº 2 do artigo 171º do CP. O acto de lamber a vulva de uma criança menor de 14 anos não integra a agravante do nº 2 do preceito em análise;
   III-Refira-se que este entendimento é imposto pelo princípio da legalidade com inscrição constitucional ( artigo 29º, nº1, da CRP) e transposto para a lei ordinária ( artigo 1º, nº1, do CP), princípio do qual decorre a proibição de aplicação analógica da lei penal;
  IV- Assim, o arguido deve ser condenado, no que toca a estes factos, pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 171º, nº1, do CP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no tribunal da Relação de Lisboa 

I. RELATÓRIO
1.
No Processo Comum Colectivo nº 948/18.6T9LSB.L1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Cascais – Juiz 21, foi proferido acórdão que condenou o arguido [ JJ ... ], filho de [ OO ... ]e de [ AA ... ], nascido em xx.xx.xxxx, natural de S. Sebastião da Pedreira – Lisboa, solteiro, residente na Av. …, Lisboa, conforme dispositivo que se transcreve na parte relevante:
“..7. Decisão
Pelas razões de facto e de direito supra enunciadas, os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo, decidem:
a) Condenar o arguido [ JJ ... ] pela autoria material de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
b) Condenar ainda o referido arguido pela autoria material de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
c) Em cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, condenar o arguido [ JJ... ] na pena única de 5 (cinco) anos de prisão efectiva;
d) Ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal e artigo 16.º, n.º 2 da Lei n.º 130/2015, de 4.09, condenar o arguido [ JJ ... ] a pagar à menor [ AAA ... ] a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da prática dos crimes perpetrados e em que vai condenado nestes autos;…”
2.
Inconformado, o arguido interpôs recurso dessa decisão apresentando as seguintes:
Em conclusão:
1. O comprovado agir ilícito do arguido, integram a prática de um único crime de abuso sexual, em “trato sucessivo”, quer por atingir a mesma ofendida, quer por se ter repetido cerca de uma hora depois nas mesmas condições exógenas, num contexto de facilitação de realização plúrima do mesmo crime e de forma essencialmente homogénea.
2. “In casu” a excepção contida no n.º 3 do art.º 30.º do Código Penal quanto á não aplicabilidade da continuidade criminosa em “crimes praticados contra bens eminentemente pessoais” pode ceder perante o facto de o arguido não ter feito uso de violência física ou psíquica, directa ou indirecta, ameaça grave, abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela ou de uma dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou aproveitamento de temor causado pela vítima, isso sim incompatível com eventual diminuição de culpa do agente.
3.A qualificação jurídica da acção delituosa levada aa cabo pelo recorrente parece ser mais condizente com a prática de um único crime de abuso sexual, na vertente de “acto sexual de relevo” em menor de 14 anos.
4.Sem conceder quanto à maior intrusão do segundo crime praticado na ofendida, pode considerar-se ainda esta actuação integradora de “um acto sexual de relevo” e não cópula propriamente dita.(Segundo o douto Acórdão do TRC de 12.01.1996, in Colectânea…J XXI, vol. 1 pag 165 o “acto sexual de relevo inclui a  cópula vulvar e o toque, com objectos ou partes do corpo, nos órgãos genitais, seios, nádegas, coxa e boca” e ainda, em idêntico sentido, Ac TRL de 28.05.1997 in CJ XXII, vol 2 pag. 149).
5.Já que esta segunda actuação do arguido – uma hora depois da primeira - embora em si mesmo deva ser considerada “pessoal e socialmente significante”, por imprópria, desonesta, ou despudorada” todavia, pela sua pequena dimensão ocasionalidade ou instantaneidade, não será susceptível de entravar de forma significativa a livre determinação sexual da vítima” (Assim, FIGUEIREDO DIAS, anotação 12.º ao artigo 163.º in CCCP, ano 2012).
6.Como decorre do texto do art.º 171.º n.º 2 do Código Penal, o acto de molestar com a língua a vagina da ofendida não parece integrar o conceito de cópula, em nenhuma das suas vertentes (ora ou anal).
7. O recorrente terá assim praticado dois crimes abuso sexual de criança, ou seja, de acto sexual de relevo com menor de 14 anos, p. e p. pelo art.º 170.º n.º 1 do Código Penal, punido, cada um deles, com pena de prisão de 1 a 8 anos.
8.Nesta conformidade, entende-se que a pena a        aplicar por cada um desses apontados crimes não repugnaria ser a de um ano e seis meses de prisão – concordando o recorrente com a dosimetria e o critério de fixação da pena aplicada ao primeiro dos crimes, no douto acórdão. E ainda, utilizando o mesmo critério na formulação do cúmulo, a pena cumulatória a fixar deveria sê-lo em DOIS ANOS DE PRISÃO. Mais
10.º-A pena em causa deveria ter sido suspensa, de acordo com o disposto no art.º 50.º e 53.º do CP (com regime de prova) não existindo qualquer razão objectivável para que o Tribunal não considerasse a possibilidade de formulação de um juízo de prognose, atento o conteúdo do Relatório Social do arguido e tudo o mais que se provou a seu favor na materia de facto, capaz de mitigar, em certa medida, a intensidade do dolo.
11. Mesmo que o Tribunal Superior não acolha o apontado instituto (da suspensão) requer-se que a mesma prisão – por deste modo não ultrapassar o quantitativo de dois anos – seja sujeita à possibilidade de ser cumprida em regime de permanência na habitação (dada a redacção operada pela Lei 94/2017 de 23 de Agosto), dado ainda assim se garantir a finalidade da pena de prisão sendo que no caso vertente “tal medida alternativa acautela quer o interesse do Estado, quer o interesse do cidadão condenado (In acórdão do TRPorto de 21.032018 – 4.ªSecção, Relator: Francisco Mota Ribeiro) a propósito do campo de aplicação da citada Lei 94/2017.
Não tanto pelo sumariamente alegado, mas com o douto suprimento de Vossas Excelências, revogando o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro que, por mais douto e acertado, decida como peticionado, assim exercerão Vossas Excelências a melhor e a mais consentânea
3.

O recurso foi admitido por despacho proferido em 7.1.2020 – fls 242.
A Senhora Procuradora da República junto do Tribunal recorrido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Apresentou as seguintes conclusões:
1. Defende, o recorrente que toda a sua conduta deveria ter sido enquadrada na figura jurídica do crime continuado, previsto no art. 30.º, n.º 2, do Código Penal, uma vez que os factos foram praticados com uma hora de intervalo e nas mesmas condições de espaço e tempo, num contexto de facilitação e em execução de forma homogénea, a sua condenação deveria ter sido por num único crime de abuso sexual, tratando-se de um único crime em “trato sucessivo”.
2. O crime continuado integra uma situação que revela uma “gravidade diminuída” relativamente aos casos de concurso de crimes, pois apesar de abarcar “actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime, ou mesmo diversos tipos legais de crime, mas que, fundamentalmente, protegem o mesmo bem jurídico, e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções criminosas (...), devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente”.
3. No caso dos autos, tratando-se de crimes contra bem jurídico eminentemente pessoal, como é o bem jurídico da autodeterminação sexual da criança ofendida, ainda que as condutas tenham sido praticadas num curto espaço de tempo, logo, por força do disposto no art. 30.º, n.º 3, do Código Penal, tal não poderia ser subsumível à figura do crime continuado.
4. A unificação de todos os crimes praticados em apenas um crime, quando o tipo legal de crime impõe a punição pela prática de cada acto sexual de relevo, e sem que legalmente esteja prevista qualquer figura legal que permita agregar todos estes crimes, constitui uma punição contra a lei, desde logo, pela não aplicabilidade do regime do crime continuado, previsto no art. 30.º, n.º 2, do CP, por força do disposto no art. 30.º, n.º 3, do CP.
5. Entender, como o faz o recorrente, que tendo sido o mesmo tipo legal de crime preenchido duas vezes teremos de estar perante um único crime, será decidir contra legem, violando o princípio da legalidade, numa clara interpretação inconstitucional do disposto no arts. 171.º do CP, uma vez que se consuma um crime de abuso sexual, sempre que se ofenda o bem jurídico da autodeterminação sexual da criança, isto é, sempre que o novo acto constitua um novo constrangimento da vítima, ou seja, sempre que a vitima seja de novo abusada.
6. Nos crimes de abuso sexual de crianças, as exigências de prevenção geral têm uma finalidade relevante, e são acentuadas pela necessidade comunitariamente sentida de preservar os valores da liberdade na autodeterminação sexual da criança, que, em virtude da sua tenra idade não possui capacidade para se determinar livremente.
7. Não obstante as exigências de prevenção geral, não podem ser desconsiderados outros elementos, como sejam as necessidades de prevenção especial.
8. O recorrente já sofreu quinze condenações, percurso criminal, que ainda referente a crimes de diferente natureza, e, como bem refere o Acórdão recorrido “não pode deixar ser elemento revelador de uma personalidade marcadamente desconforme com o dever ser jurídico (…). revelador de uma personalidade desconforme com o direito e com as regras sociais vigentes.”
9. Por outro lado, não deixou o Tribunal de registar a postura assumida pelo arguido em audiência, “claramente desculpabilizadora da sua conduta, procurando imputar à menor, de forma insólita e perfeitamente inverosímil” a responsabilidades pelos acontecimentos.
10. Todos estes elementos foram devidamente ponderados, sendo a pena de 5 anos de prisão aplicada ao arguido fruto do correcto doseamento por parte do tribunal recorrido, em função quer das exigências de prevenção, quer de todas as circunstâncias provadas que depuseram no caso concreto a favor e contra o arguido.
11. Relativamente á suspensão da pena em alternativa á pena de prisão efectiva, o tribunal ponderou tal possibilidade afastando-a, no entanto, por entender serem os factos praticados de grande gravidade e com futuro impacto na vida da criança ofendida.
12. Por outro lado, a personalidade do arguido tal como revelada em sede de audiência de julgamento, evidenciando total ausência de do desvalor da sua conduta, não permitiram a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que a ressocialização ainda poderia ser alcançada, já que as finalidades da punição, quer na sua vertente de prevenção geral, quer de prevenção especial, não seriam devidamente acauteladas.”
13. Assim, não se vislumbrando a violação de qualquer normativo legal, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se aquela decisão, assim se fazendo a costumada Justiça!
4.
Nesta Instância, a Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta teve vista no processo, nos termos do disposto no artigo 416.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, tendo aderido à resposta apresentada pela Senhora Procuradora da República.
5.
Colhidos os vistos legais, realizou-se conferência.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1.
Conforme jurisprudência pacífica o Supremo Tribunal de Justiça – vide, por todos e dada a demais jurisprudência nele referida, Ac. de 28.4.99, CJ/STJ, 1999, tomo 2, página 196 -, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, isto sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões elencadas no art. 410º, nº2 e 3, do C.P.P..
Assim, face à conclusões apresentadas, são as seguintes as questões que constituem o objecto do recurso:
A) Qualificação jurídica: crime continuado ou concurso de infracções.
B) Qualificação jurídica: se o sexo oral levado a cabo pelo arguido integra o conceito de coito oral, punido nos termos do nº 2 do artigo 171º do C.Penal.
C) Medida da pena parcelar e do novo cúmulo jurídico.
D) Suspensão da pena de prisão.
E) Aplicação do artigo 43º do C.P.
2. A decisão recorrida ( transcrição na parte relevante):
“… 2. Fundamentação de Facto
2.1. Factos provados
Da discussão da causa e com relevância para a decisão resultaram provados os seguintes factos:
1. A menor [ AAA ... ] nasceu em xx  de xxx de xxxx, é filha de [ BBB ... ] e de [ CCC ... ], residindo em Janeiro de 2018 apenas com a sua progenitora na Rua …, Lote .C em …, em Lisboa.
2. A menor [ AAA ... ] frequentava habitualmente a residência do arguido, uma vez que a companheira deste, [GGG … ] era amiga de infância de progenitora da menor e era uma pessoa em quem esta depositava a sua confiança, permitindo que [ AAA ... ] aí pernoitasse.
3. [ AAA ... ] também gostava de frequentar a casa do arguido por ser muito amiga de R …, de 8 anos de idade, filha do arguido, com quem costumava brincar.
4. No fim-de-semana de 27 e 28 de Janeiro de 2018, a menor [ AAA ... ] pernoitou na habitação do arguido, sita na Avenida …, Lote C, em Lisboa.
5. Na segunda-feira à tarde, após sair da escola, a menor telefonou à sua mãe dizendo-lhe que iria pernoitar nessa noite na casa do arguido, pedido a que a progenitora da menor não se opôs.
6. Assim, após ter jantado e brincado com a sua amiga [ RRR … ], na casa desta, [ AAA ... ] adormeceu num colchão, que havia sido colocado sobre o chão, próximo da cama da [ RRR … ] no interior do quarto desta.
7. Por volta das 2h00 da madrugada já do dia 30 de Janeiro de 2018, o arguido entrou no quarto onde dormiam as menores e deitou-se no colchão onde se encontrava a menor [ AAA ... ].
8. Em seguida, aproveitando o facto da menor [ AAA ... ] se encontrar a dormir, o arguido, deitou-se ao seu lado, colocou uma das suas mãos nas mamas da menor, acariciando-as por cima do pijama que aquela envergava.
9. Na sequência de tal conduta, a menor abriu os olhos e reparou que o arguido se encontrava deitado ao seu lado.
10. Para evitar que aquele continuasse com tal conduta, a menor mexeu-se no colchão e tapou-se com a dita manta.
11. O arguido apercebendo-se que a menor tinha acordado, levantou-se e saiu do quarto.
12. Cerca das 3h00 da madrugada do mesmo dia, o arguido voltou a entrar no quarto da sua filha e verificando que as menores se encontravam a dormir, voltou a deitar-se ao lado da [ AAA ... ].
13. Acto contínuo, o arguido baixou as calças do pijama e as cuecas de [ AAA ... ] e com a língua, começou a lamber a vagina da menor.
14. Entretanto, a menor acordou e apercebendo-se do que estava a suceder afastou o arguido e puxou as calças e as cuecas para cima, tendo o arguido saído do quarto.
15. Tendo [ AAA ... ] enviado uma mensagem escrita a sua mãe, para dois primos e para a sua cunhada dizendo-lhes que “precisava de ajuda”.
16. Como ninguém lhe respondeu às mensagens, a menor acabou por voltar a adormecer.
17. No dia seguinte, a menor contou o que havia sucedido consigo durante a madrugada, tendo sido alertadas as autoridades policiais.
18. No dia 31 de Janeiro de 2018, pelas 11:13:29 UTC, o arguido através do seu telemóvel enviou uma mensagem para o telemóvel da mãe da menor [ AAA ... ] com o seguinte teor: “ Eu não sei o que passo pela minha cabeça não estava bem estava completamente alterado devido ao consumo excessivo de cocaína não tem perdão”, referindo-se aos comportamentos que havia tido com a menor no dia anterior e acima descritos.
19. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com a intenção de satisfazer os seus próprios impulsos sexuais e com vontade de dominar a liberdade de autodeterminação sexual da menor [ AAA ... ], bem sabendo que esta em razão da sua idade, ainda não possuía a capacidade e discernimento necessários para se autodeterminar sexualmente.
20. Mais sabia o arguido que a menor tinha apenas 12 anos de idade e que com a sua conduta molestava a integridade psicológica e emocional daquela, prejudicando gravemente o seu desenvolvimento sexual.
21. Não obstante, o arguido quis e manteve com a menor tais condutas, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou que:
22. O arguido [ Joel ... ] cresceu no seio de uma família humilde, constituída pelos pais e os seis irmãos, constituindo-se como o elemento mais novo do agregado.
23. O período da infância foi marcado pela privação de liberdade e prática de um modelo educativo rígido e austero, seguindo os princípios religiosos das Testemunhas de Jeová.
24. O progenitor era torneiro-mecânico e a progenitora dona de casa.
25. O registo comunicacional das figuras parentais era disfuncional, com fraca expressão afectiva e recorrendo frequentemente à aplicação de castigos físicos violentos.
26. O agregado residia num contexto social que o arguido descreve como perigoso.
27. Todo este enquadramento culminou num percurso escolar pobre, com a conclusão do 6.º ano de escolaridade, após a sua frequência durante quatro anos sucessivos, faltando o arguido às aulas para passear com os pares e desenvolver actividades lúdicas não estruturadas.
28. Aos quinze anos de idade iniciou actividade laboral numa oficina como aprendiz de mecânica, idade em que decidiu abandonar o agregado, após a aplicação de um castigo severo, tendo residido durante um mês como sem-abrigo.
29. Findo esse período, foi integrado no agregado do irmão mais velho, entretanto falecido, tendo o arguido cortado relações com os progenitores durante quatro anos.
30. Mais tarde desenvolveu actividade profissional como técnico de frio numa empresa de ar condicionado, onde desempenhou funções durante nove anos.
31. Posteriormente e durante a maior parte da vida adulta exerceu a função de taxista, desenvolvendo paralelamente trabalhos na área da mecânica automóvel.
32. [ Joel ... ] iniciou consumos canabinóides e anfetaminas aos doze anos de idade e de álcool aos quinze anos de idade.
33. Após a morte do progenitor, há doze anos, e no contexto da actividade de taxista, iniciou consumos de cocaína (fumada) que manteve ao longo dos anos de forma intensa, não obstante a existência de períodos de tratamento.
34. O arguido realizou tratamento no Centro das Taipas que abandonou por rejeitar a toma de medicação, e do qual há informação clínica, datada de 2013, que indica a obtenção de resultados alternadamente negativos e positivos em análises.
35. Relativamente aos consumos etílicos, aderiu ao tratamento na Unidade de Alcoologia de Lisboa, com componente medicamentosa, durante o cumprimento de outra medida na comunidade acompanhada pela DGRSP.
36. A nível afectivo, [ JJl ... ] iniciou uma relação conjugal há vinte e cinco anos, relacionamento do qual resultaram dois filhos, actualmente com vinte e um e dez anos de idade.
37. Há quatro anos, no contexto de uma separação da companheira, então doente oncológica e a necessitar do seu espaço pessoal (conforme relato da própria), o arguido terá tentado suicidar-se.
38. Afirma ter solicitado apoio psicológico, não tendo beneficiado deste serviço.
39. A relação conjugal é relatada em sede de relatório intercalar referente ao acompanhamento de uma pena suspensa, em Março de 2015, como conflituosa, tendo originado um inquérito de violência doméstica, o qual foi, contudo, arquivado.
40. O arguido iniciou a sua vida sexual aos doze anos de idade com uma vizinha, tendo recorrido na idade adulta à prostituição, ainda que saliente a facilidade em relacionar-se no âmbito da sua actividade profissional como taxista.
41. Avalia a sua vida sexual como positiva, sublinhando a existência de hipersexualidade sob o efeito da cocaína.
42. Apresenta-se conservador, expressando crenças de género.
43. O arguido associa o seu passado criminal à história aditiva e à profissão de maior risco de conflitualidade (taxista).
44. Na data dos factos subjacentes ao presente processo, [ JJ ... ] residia em Chelas, em habitação social atribuída em 2017 com a companheira, os dois filhos menores e a menor visada no processo, filha de uma conhecida/amiga da companheira que se encontrava provisoriamente com o agregado.
45. O relacionamento com a companheira, não obstante ter sido pautado por alguma conflitualidade, parece estar mais estável na actualidade.
46. [ JJ... ] não dispõe de rede alargada de apoio, em virtude de os progenitores já terem falecido e a relação com os irmãos ser conflituosa.
47. Após os factos em apreciação nos autos, [ JJ ... ] terá alcançado a abstinência dos consumos de cocaína, que à época seriam diários, considerando encontrar-se mais equilibrado no presente.
48. No período a que remontam os alegados factos o arguido trabalhava como motorista de táxi.
49. Em Maio de 2019 ingressou como bombeiro voluntário no Corpo de Bombeiros de …, onde se encontra a realizar o estágio de acesso à carreira, perspectivando integrar os quadros de pessoal a partir de Setembro de 2020, encontrando no Comandante do Quartel um modelo positivo.
50. [ JJ ... ] é beneficiário de Rendimento Social de Inserção no valor de € 317 e a companheira trabalha na área da hotelaria, onde aufere € 750 mensais.
51. A habitação camarária tem uma prestação mensal de € 9 e a habitação adquirida pela companheira tem um valor de € 150, não se identificando outros encargos regulares.
52. Relativamente à menor [ AAA … ], na sequência dos factos em apreço nos autos foi residir para Bruxelas com o progenitor.
53. Em termos das suas características pessoais, [ JJ ... ] aparenta ser detentor de traços de impulsividade e instabilidade emocional, que o próprio reconhece, salientando a sua intensificação, a par de formas de estar mais agressivas, em fase activa de consumos.
54. A companheira do arguido descreve um indivíduo sensível, não obstante as defesas iniciais que apresenta, conservador mas por vezes permissivo com os descendentes.
55. Refere também que a comunicação familiar em componentes mais íntimas como a sexualidade constitui um tema tabu.
56. Em termos de impacto, a presente situação acarretou, segundo a narrativa do arguido, sofrimento promovido pela imposição de afastamento da sua filha menor.
57. Por outro lado, o emergir do processo-crime em questão, impeliu [ JJ ... ] a alcançar a abstinência, constituindo-se como fonte de motivação para tal.
58. Relativamente à prática criminal de que vem acusado, [ JJ ... ] apresenta uma postura de vitimização, associada a um conjunto de distorções cognitivas, não identificando condutas passíveis de mutação, enquadrando a instauração do presente processo como retaliação pelo facto de terem circunscrito a permanência da menor na habitação em períodos diurnos.
59. Pese embora o arguido afirme ter colaborado na realização de uma perícia, expressa não aceitar uma condenação, mostrando-se indisponível para o que for determinado no âmbito de uma decisão judicial, nomeadamente sujeição a avaliação e eventual tratamento específico na área da sexualidade, que não reconhece como necessário.
60. No certificado do registo criminal do arguido encontram-se averbadas as seguintes condenações:
a) Por sentença transitada em julgado em 13.07.2001, proferida em 28.06.2001 pelo 6.º Juízo Criminal de Lisboa no âmbito do processo n.º 3818/99.1JDLSB, foi o arguido condenado na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 300$00, pela prática em 16.06.1999 de um crime de uso de documento alheio, pena que já se encontra extinta;
b) Por sentença transitada em julgado em 5.06.2003, proferida em 21.05.2003 pelo 6.º Juízo Criminal de Lisboa no âmbito do processo n.º 206/99.3SVLSB, foi o arguido condenado na pena única de 150 dias de multa, à taxa diária de € 4,50, pela prática em 23.01.1999 de um crime de ofensa à integridade física por negligência e um crime de omissão de auxílio, pena que já se encontra extinta;
c) Por sentença transitada em julgado em 29.09.2005, proferida em 8.06.2005 pelo 2.º Juízo Criminal de Lisboa no âmbito do processo n.º 697/03.0SKLSB, foi o arguido condenado na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, e na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática em 23.09.2003 de um crime de especulação, pena que já se encontra extinta;
d) Por acórdão transitado em julgado em 14.01.2008, proferido em 11.12.2007 pela 3.ª Vara Criminal de Lisboa no âmbito do processo n.º 155/99.5S6LSB, foi o arguido condenado na pena única de 300 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática em 1.08.1999 de um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de detenção ilegal de arma, pena que já se encontra extinta;
e) Por sentença transitada em julgado em 28.09.2009, proferida em 7.09.2009 pelo 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa no âmbito do processo n.º 100/09.1S9LSB, foi o arguido condenado na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, pela prática em 25.05.2009 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, penas que já se encontram extintas;
f) Por decisão condenatória transitada em julgado em 2.10.2009, proferida na mesma data pelo 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa no âmbito do processo n.º 232/09.6PLLSB, foi o arguido condenado na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática em 15.07.2009 de um desobediência, pena que já se encontra extinta;
g) Por sentença transitada em julgado em 15.10.2009, proferida em 15.09.2009 pelo 5.º Juízo Criminal de Lisboa no âmbito do processo n.º 689/06.7POLSB, foi o arguido condenado na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática em 31.05.2006 de um crime de consumo de estupefacientes, pena que já se encontra extinta;
h) Por sentença transitada em julgado em 28.03.2010, proferida em 8.03.2010 pelo 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa no âmbito do processo n.º 574/09.0PQLSB, foi o arguido condenado na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 meses, pela prática em 28.09.2009 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, penas que já se encontram extintas;
i) Por sentença transitada em julgado em 24.05.2010, proferida em 22.04.2010 pelo 6.º Juízo Criminal de Lisboa no âmbito do processo n.º 160/08.2PQLSB, foi o arguido condenado na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática em 22.03.2008 de um crime de desobediência qualificada, pena que já se encontra extinta;
j) Por sentença transitada em julgado em 20.09.2013, proferida em 5.07.2013 pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Alenquer no âmbito do processo n.º 82/13.5GCALQ, foi o arguido condenado na pena de 12 meses de prisão, substituída por prisão por dias livres, a cumprir em 72 períodos de 36 horas cada, pela prática em 3.06.2013 de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, pena que já se encontra extinta;
k) Por sentença transitada em julgado em 23.09.2010, proferida em 8.07.2010 pelo 4.º Juízo Criminal de Loures no âmbito do processo n.º 231/05.7PGLRS, foi o arguido condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, pela prática em 9.03.2005 de um crime de receptação;
l) Por acórdão transitado em julgado em 25.09.2012, proferido em 16.05.2012 pela 2.ª Vara de Competência Mista de Loures no âmbito do processo n.º 236/03.2JDLSB, foi o arguido condenado na pena única de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática em 23.12.2003 e 28.12.2003 de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla na forma tentada respectivamente, pena que já se encontra extinta;
m) Por sentença transitada em julgado em 30.03.2012, proferida em 29.02.2012 pelo 3.º Juízo Criminal de Lisboa no âmbito do processo n.º 2727/10.0TDLSB, foi o arguido condenado na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática em 7.09.2009 de um crime de desobediência, pena que já se encontra extinta;
n) Por sentença transitada em julgado em 21.12.2012, proferida em 31.10.2012 pelo 2.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira no âmbito do processo n.º 86/12.5GTALQ, foi o arguido condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses, pela prática em 30.06.2012 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, penas que já se encontram extintas;
o) Por sentença transitada em julgado em 20.05.2015, proferida em 19.03.2014 pelo Juízo Local Criminal de Torres Vedras – J1 no âmbito do processo n.º 18/13.3GBTVD, foi o arguido condenado em prisão por dias livres, a cumprir em 36 períodos com entrada no estabelecimento prisional às 9h00 de Sábado e saída pelas 21h00 de Domingo, pela prática em 23.05.2013 de um crime de consumo de estupefacientes.
2.2.         Factos não provados
Com relevância para a decisão a proferir não se provaram os demais factos constantes da acusação, designadamente:
a) Na madrugada do dia 30 de Janeiro de 2018, cerca das 02h00, o arguido cobriu-se com a manta que estava colocada sobre o corpo da menor [ AAA ... ].
b) O arguido também lambeu a zona genital de [ AAA ... ].
c) Por sentir medo e receio do que o arguido lhe pudesse voltar a fazer e não pretendendo acordar a sua amiga, [ AAA ... ] voltou a enviar outra mensagem ao seu primo [ KKK … ]  pedindo-lhe ajuda, não tendo obtido qualquer resposta.
2.3. Motivação da decisão de facto
Tal como resulta do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova deve ser apreciada no seu conjunto, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, sendo certo que a livre apreciação da prova não se confunde, em momento algum, com a afirmação de uma convicção fundada na mera subjectividade do julgador. Ao invés, é ponto assente que a livre convicção terá sempre de assentar numa valoração racional e crítica da prova produzida e examinada em audiência, harmonizável com as regras da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, permitindo objectivar a motivação da decisão tomada.
Cumpre fazer uma nota prévia assinalando-se que os crimes de contra a autodeterminação sexual ocorrem, as mais das vezes, em local resguardado, apenas entre o agressor e a vítima, sendo raros os casos em que há testemunhas dos mesmos, pelo que, necessariamente, a convicção a formar por banda do Tribunal será obtida por confronto e/ou compatibilização das versões apresentadas por aqueles – quando os mesmos pretendem depor em Tribunal –, conjugadas com os depoimentos das testemunhas arroladas.
Assim, o tribunal fundou a sua convicção na análise crítica da prova documental constante dos autos, designadamente a cópia de assento de nascimento de fls. 687, o registo de SMS extraído do telemóvel da mãe da menor, constante de fls. 30-34, auto de apreensão de fls. 53-34, elementos clínicos de fls. 485-490, documento de fls. 630, CRC de fls. 637-652 e relatório social de fls. 659-661.
Tais elementos documentais foram conjugados com o relatório de recolha de vestígios biológicos da menor e do arguido de fls. 203-210, e relatório de exame pericial de fls. 466-467 verso – do qual resulta que nas cuecas e calças do pijama da menor foi encontrada uma mistura de perfis de ADN da qual não podem ser excluídos a menor [ AAA ... ] e o arguido. Importa aqui realçar que o documento de fls. 447 a 454 não se reporta a perícia destes autos, mas sim uma outra, reportada ao ano 2009, no âmbito do processo n.º 388/09.8S4LSB – e ainda com as declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento e do confronto destas com as prestadas pelo arguido em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, ocorrido logo no dia 1.02.2018, susceptíveis de valoração nos termos previstos no artigo 357.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 3 do Código de Processo Penal.
Sopesaram-se ainda as declarações para memória futura prestadas em fase de inquérito pela menor [ AAA ... ] (documentadas em vídeo), que foram valoradas com a demais prova produzida, nos termos previstos no Código de Processo Penal.
Teve-se ainda em conta os depoimentos das testemunhas [ CCC ... ], mãe de [ AAA ... ], [ LLL ... ], assistente social no agrupamento de escolas que na data dos factos a menor frequentava, [ GGG ... ], companheira do arguido, [ JJJ ... ], filho do arguido, e [ HHH ... ], inspector da Polícia Judiciária, sendo que as demais testemunhas inquiridas nenhum conhecimento revelaram sobre a situação em apreço nos autos.
O arguido prestou declarações negando a prática da primeira situação que lhe é imputada na acusação, reconhecendo que foi a casa cerca das 02h00 da madrugada só para ir buscar dinheiro para gasóleo, saindo logo em seguida. Relativamente à segunda situação, reconheceu que cerca das 03h00 foi ao quarto onde estava sua filha e [ AAA ... ], limitando-se a baixar o computador, puxar a manta para cima do corpo de [ AAA ... ], dar um beijo à filha e em seguida foi para a sala, sustentando que quando estava na sala deitado no sofá a dormir, acordou com a menor [ AAA ... ] em cima de si, com a vagina na sua cara, afirmando que ainda teve um impulso e durante 15 a 20 segundos colocou a língua na vagina da menor, mas que logo a tirou de cima de si, não tendo contado nada a ninguém.
Tais declarações do arguido, em particular no que tange à segunda situação, são perfeitamente insólitas e nenhuma credibilidade nos mereceram, em particular quando confrontadas com as declarações que o arguido prestou em primeiro interrogatório judicial e com o teor da mensagem que o arguido enviou à mãe de [ AAA ... ] no dia seguinte.
Com efeito, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido [ JJ ... ] reconheceu a prática dos factos que lhe são imputados no que tange à segunda situação, dizendo que tinha sido uma tentação, que tinha consumido cocaína e que essa substância lhe dá excitação sexual e que nunca antes tinha tido idêntico comportamento. Tais declarações mostram-se bem mais verosímeis e lógicas do que a versão agora apresentada pelo arguido em audiência, não se mostrando minimamente credível que [ AAA ... ] tivesse tido o comportamento que o arguido lhe imputou, desde logo em face da forma como esta prestou as suas declarações. Realça-se ainda que a justificação avançada pelo arguido para a denúncia feita pela menor – o facto de querer ter relações sexuais com ele e o facto da [ AAA ... ] sentir inveja do arguido e da sua companheira enquanto família – é em sim mesma inusitada e inverosímil, acrescendo que se alguma dúvida restasse seria cabalmente dissipada com a observação das declarações prestadas pela menor.
Importa também referir que a justificação dada pelo arguido para essas declarações iniciais – teria sido aconselhado por inspectores da Polícia Judiciária a concordar com o que a menina tinha dito por que senão talvez fosse preso – não nos mereceram qualquer credibilidade, sendo certo que ainda que agentes policiais tivessem dito isso ao arguido, o que não se acredita, muito menos verosímil seria que uma pessoa que não tivesse tido uma actuação semelhante contra uma criança o viesse a admitir perante um juiz, tanto mais que o arguido estava assistido por advogado.
A menor [ AAA ... ] prestou declarações para memória futura, documentadas em vídeo, o que fez de forma envergonhada, contida e sofrida, mas ainda assim com encadeamento lógico, relatando com rigor as concretas condutas que o arguido teve para consigo, em dois momentos distintos daquela madrugada – num primeiro momento mexendo-lhe nas mamas com uma das mãos, e mais tarde baixando-lhe as calças do pijama e as cuecas e lambendo-lhe a vagina –, não tendo subsistido qualquer dúvida a este Tribunal quanto à actuação do arguido para com a menor ter decorrido da forma como esta descreveu. Com efeito, a postura corporal da menor (cabisbaixa, a agitação das mãos quando se inicia a abordagem dos concretos actos sexuais) e a forma como se expressou (com alguns silêncios e reduzindo o tom de voz quando se aproximava a altura de descrever os concretos actos sexuais, em particular o relativo ao coito oral, o que levou à interrupção da diligência em face do choro e descontrolo emocional evidenciado pela menor, comportamentos que só conferiram credibilidade ao seu relato, não subsistindo qualquer dúvida quanto à realidade fáctica ocorrida naquela madrugada ter sido a que foi relatada pela menor e não a descrita pelo arguido em audiência de julgamento.
Acresce que, o próprio arguido se coloca na residência em horas próximas às dos acontecimentos, sendo certo que mesmo que tivesse ido buscar dinheiro para pôr gasóleo, certo é que ninguém o viu sair – veja-se os depoimentos de [ GGG ... ], que viu o marido chegar a casa mas que entretanto foi-se deitar cerca das 02h e pouco, e de [ JJJ ... ], que asseverou que por volta dessa hora o pai foi ao seu quarto buscar dinheiro, tendo a testemunha permanecido no seu quarto, com os phones colocados nos ouvidos, pelo que naturalmente não podia ter-se apercebido do momento em que seu pai saiu de casa – pelo que nada impedia que o arguido se tivesse deslocado ao quarto onde estava a menor, apalpando-lhe os seios e saindo em seguida.
Às declarações já de si credíveis da menor, acresceram os testemunhos de [ CCC ... ] – que corroborou as declarações de [ AAA ... ] quanto à actuação do arguido –e, em particular, o de [ LLL ... ] – sem qualquer ligação ao arguido que permitisse algum tipo de animosidade para com este –, que logo no dia 30.01.2018, no recinto escolar, falou com [ AAA ... ], descrevendo a testemunha com rigor e encadeamento lógico o que a menor lhe contou que o arguido lhe fizera nessa madrugada, relatando ainda o estado anímico de [ AAA ... ], que estava muito ansiosa, nervosa e a chorar, mas ainda assim com um discurso coerente, o que levou a que a testemunha não tivesse duvidado da genuinidade daquele relato, como afiançou em audiência, relato, que se mostrou inteiramente coincidente com o declarado pela menor em sede de declarações para memória futura. Tal estado anímico de [ AAA ... ] foi ainda percepcionado pelo inspector [ HHH ... ], que contactou com a menor nesse mesmo dia no âmbito deste processo, descrevendo que esta se apresentava muito chorosa e nervosa.
Importa ainda referir que o testemunho de [ GGG ... ] evidenciou nervosismo e pouca espontaneidade – facto a que não será alheia a circunstância de o arguido ser seu companheiro –, procurando apresentar uma imagem pouco abonatória da menor [ AAA ... ] quanto ao tipo de conduta desta, nomeadamente as conversas mantidas sobre namoros e sexualidade e o supostos visionamento de filmes de cariz pornográfico, muito se estranhando que se tal fosse verdade a testemunha não tivesse relatado tais condutas à mãe de [ AAA ... ], o que reconheceu não ter feito, sendo que da conjugação de todos estes factores tal testemunho não nos mereceu credibilidade.
Quanto aos factos apurados atinentes às condições pessoais e de vida do arguido, sopesaram-se as suas declarações e o teor do relatório social e CRC a que se aludiu, bem como o testemunho de [ CS … ], comandante dos Bombeiros de Barcarena, que elucidou quanto à conduta do arguido enquanto estagiário naquela corporação.
Finalmente, a demais matéria dada como não provada resultou da insuficiência probatória verificada, porquanto a prova produzida revelou-se insusceptível de persuadir o Tribunal a decidir de forma diversa.
3. Enquadramento Jurídico-Penal
Ao arguido é imputada a autoria material, em concurso real e na forma consumada, de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, um p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, outro p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2 do Código Penal.
Dispõe o mencionado artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal que “quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos”.
Por seu turno, o n.º 2 estatui que “se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos”.
O crime de abuso sexual de crianças tem subjacente a protecção da liberdade de autodeterminação sexual, mais concretamente o direito da criança a um desenvolvimento são e harmonioso, quer ao nível físico, quer ao nível psíquico, e ainda da sua personalidade.
Pretende-se, assim, preservar a criança e o jovem de tenra idade de certos estímulos sexuais, em face da imaturidade dos mesmos, até que sejam capazes de decidir por si próprios como reagir perante tais estímulos.
Trata-se, pois, de proibir a prática de actos que condicionem de algum modo a liberdade de escolha e exercício da sexualidade da criança no futuro, pois, como é sabido, é essencial que o processo de desenvolvimento da sexualidade das crianças se exercite de forma sadia, sem pressas ou sobressaltos.
Dessa incapacidade natural resulta que o crime em análise é construído como um crime de perigo abstracto resultante da presunção implicitamente inscrita na lei, iuris et de iure, com razoável correcção,  do prejuízo físico e psíquico, para a pessoa da criança, na sua dimensão integral, que os actos sexuais de relevo, segundo o enunciado legal, podem  provocar.
Importa, agora, concretizar o conceito de acto sexual de relevo de molde a apurar se as condutas imputadas ao arguido são subsumíveis aos tipos legais imputados na acusação.
No caso do crime de abuso sexual de crianças, entende-se que acto sexual de relevo será todo aquele comportamento de cariz sexual que constitua uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade sexual do sujeito passivo e afectem, de maneira objectivamente significativa, a autodeterminação sexual de uma criança, havendo por parte do seu autor a intenção de satisfazer os seus impulsos sexuais .
No que concerne aos elementos típicos do ilícito, o agente pode ser qualquer pessoa, independentemente do género e orientação sexual, sendo que a vítima terá necessariamente de ser menor de 14 anos, com ou sem experiência sexual, sendo tal facto totalmente indiferente para o preenchimento deste tipo legal.
Quanto ao preenchimento do tipo de ilícito previsto no n.º 1, a conduta objectiva traduzir-se-á na prática com menor de 14 anos de acto sexual de relevo, ou levar a que o menor o pratique com terceiro, independentemente da idade desse terceiro, sendo que a conduta objectiva prevista no n.º 2 pressupõe a verificação de uma das modalidades aí previstas de acto sexual de relevo: cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou de objectos.
No que tange à dimensão subjectiva dos crimes em análise, está em causa um crime doloso, exigindo-se que o agente tenha conhecimento de todos os elementos típicos, podendo, contudo, o dolo assumir qualquer uma das suas modalidades (dolo directo, necessário ou eventual).
Revertendo o quadro legal exposto para o caso dos autos, apurou-se que na madrugada do dia 30 de Janeiro de 2018, cerca das 2h00 o arguido entrou no quarto onde dormiam a sua filha menor e [ AAA ... ], deitou-se no colchão onde esta última dormia, e colocou uma das suas mãos nas mamas da menor, acariciando-as por cima do pijama que esta envergava.
Não satisfeito com tal conduta, nessa mesma madrugada, por volta das 3h00 da madrugada, o arguido voltou a entrar no quarto, voltou a deitar-se ao lado de [ AAA ... ], e nessa ocasião baixou as calças do pijama e as cuecas da menor e com a língua, começou a lamber a vagina de [ AAA ... ].
Quanto à primeira conduta não se suscitam dúvidas de que se trata de um acto sexual de relevo apalpar as mamas de uma menina de 12 anos. Com efeito, tal como é sustentado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.05.2014 (processo n.º 362/09.4GDSNT.L1-9, disponível em www.dgsi.pt), reportando-se a caso semelhante ao dos autos, “tendo o arguido acariciado com a sua mão, exercendo pressão sobre uma das mamas de uma menor do sexo feminino de 11 anos de idade, quer, tendo noutra ocasião colocado uma das suas mãos sobre uma das mamas de outra menor do sexo feminino de 10 anos de idade, apalpando-a, tais actos integram e perfectibilizam o conceito legal de acto sexual de relevo, ínsito no nº 1 do artigo 171 do CP”.
Relativamente à segunda conduta perpetrada pelo arguido a evidência do preenchimento de tal conceito é ainda mais óbvia, integrando não apenas o conceito de acto sexual de relevo como de coito oral a que se alude no n.º 2 do supra citado artigo.
É, pois, manifesto que apalpar os seios e lamber a vagina de uma menor de 12 anos configuram actos sexuais de relevo, pois que são condutas que ofendem seriamente a intimidade e autodeterminação sexual daquela criança.
Apurou-se, de igual modo, que o arguido quis praticar com a menor esses actos de natureza e conteúdo sexual, o que conseguiu, sabendo, naturalmente, que se tratava de uma criança, então com 12 anos, o que não o impediu de actuar da forma descrita, o que fez naquelas duas distintas ocasiões com o propósito de satisfazer os seus impulsos sexuais, indiferente à perturbação que poderia causar no desenvolvimento daquela criança.
Conclui-se, pois, pela verificação de duas condutas autónomas, pois que o arguido renovou a resolução criminosa inicialmente tomada, sendo que ambas as condutas se apresentam dolosas, na modalidade de dolo directo.
Assim, verificados que estão todos os elementos típicos dos imputados crimes de abuso sexual de criança, inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, resta concluir pela condenação do arguido pela autoria material de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, um deles p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, incorrendo em pena de 1 a 8 anos de prisão, e outro p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2 do Código Penal, este punível com pena de 3 e 10 anos de prisão.
4. Escolha da Pena e sua Medida
4.1. Das penas parcelares
Do disposto no artigo 40.º do Código Penal resulta que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e o reforço da consciência jurídica comunitária na validade da norma infringida (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
A pena, por seu turno, não pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que esta é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar.
No caso em apreço, considerando que os crimes em que o arguido vai condenado apenas são punidos com pena de prisão, não se justifica chamar à colação o estatuído no artigo 70.º do Código Penal.
A determinação da medida concreta da pena obedece ao critério global que se encontra plasmado no artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal.
Do normativo em apreço extrai-se que aquela determinação será feita em função das categorias da culpa e das necessidades de prevenção (geral e especial), sendo nomeadamente as circunstâncias enunciadas no citado artigo 71.º, n.º 2 relevantes quer para a culpa, quer para a prevenção.
A medida da pena há-de ser dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. Esta protecção dos bens jurídicos assume aqui um significado que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção ou mesmo no reforço da vigência da norma infringida. Um significado que se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que decorre desde logo do princípio da necessidade da pena que o artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa consagra. A necessidade de tutela de bens jurídicos, não surge como o ponto exacto da pena, mas como uma espécie de moldura penal de prevenção, cujo ponto máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa concreta do agente, e cujo mínimo decorre do quantum de pena imprescindível, para assegurar a eficaz tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. A pena deve assim, em toda a sua extensão, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção de bens jurídicos. Esse limite mínimo de pena deve ser encontrado por intermédio de um raciocínio, mediante o qual devemos perguntar-nos qual o mínimo de pena capaz de, perante as circunstâncias relevantes do caso concreto, se mostrar ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade na validade da norma violada.
As necessidades de prevenção geral são significativas, atendendo à frequência com que condutas de idêntica natureza têm ocorrido no país, considerando ainda o alarme social que criam e os efeitos nefastos que causa nas vítimas, impondo-se repor a confiança e validade da norma jurídica violada.
Por outro lado, as necessidades de prevenção especial também assumem relevo, considerando o percurso criminal do arguido, que já sofreu quinze condenações criminais anteriores, ainda que por crimes de diferente natureza, o que não pode deixar de ser elemento revelador de uma personalidade marcadamente desconforme com o dever ser jurídico.
Aplicando os princípios sumariamente expostos ao caso em apreço, pondera-se:
- O grau de ilicitude do facto: que se situa num nível elevado, considerando as concretas condutas adoptadas pelo arguido e, desse modo, o nível de violação da intimidade da vítima, considerando-se ainda o abalo emocional sofrido pela vítima, como bem ficou patenteado no decurso das declarações para memória futura.
- A culpa: assumiu a modalidade de dolo directo e de elevada intensidade em ambas as condutas;
- As condições pessoais do arguido: aqui importa valorar os antecedentes criminais do arguido, que apesar de relativos a crimes de distinta natureza, em face da sua extensão, não poderão deixar de ser factor revelador de uma personalidade desconforme com o direito e com as regras sociais vigentes. Para tal desconformidade relevou ainda a postura assumida pelo arguido em audiência, claramente desculpabilizadora da sua conduta, procurando imputar à menor, de forma insólita e perfeitamente inverosímil (como já se expôs em sede de motivação da decisão de facto) a responsabilidade pelo seu acto, resultando do seu discurso e da forma como o foi alterando em audiência manifesta ausência de autocensura relativamente à sua conduta criminosa. A favor do arguido milita apenas a inserção familiar de que beneficia que, todavia, não se revelou factor suficientemente contentor, como bem espelha a sua conduta nos autos. No que tange à inserção laboral é claramente incipiente, não desenvolvendo o arguido uma actividade profissional remunerada, ainda que se considere como factor positivo a circunstância de estar a frequentar um curso de bombeiro voluntário.
Tudo visto e ponderado, tendo presente as molduras penais abstractamente aplicáveis, julga-se adequado, suficiente e proporcional ao caso em apreço e à salvaguarda das finalidades da punição condenar o arguido nas seguintes penas parcelares:
a) Quanto ao crime p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
b) Quanto ao crime p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
4.2. Da pena única
Dispõe o artigo 77.º do Código Penal que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única, onde são tidos em conta, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A pena aplicável terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas – não podendo, no caso da pena de prisão ultrapassar os 25 anos –, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 
No caso em apreço, a pena única terá como limites mínimo e máximo 4 anos e 6 meses e 7 anos de prisão respectivamente.
Ponderando todos os factos carreados para os autos, designadamente o circunstancialismo temporal em que os crimes foram perpetrados, sem esquecer os antecedentes criminais do arguido, considera-se adequado ao caso concreto condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
4.3. Da aplicação de uma pena substitutiva
Importa agora averiguar da possibilidade de aplicação de uma pena substitutiva da pena de prisão efectiva.
Tendo em conta as limitações decorrentes da medida da pena única a aplicada, impõe-se equacionar apenas a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
De acordo com o disposto no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, acrescentando agora o n.º 5, na redacção introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, que “o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”.
No caso que nos ocupa, pese embora o arguido goze de suporte familiar, certo é que este já se verificava antes da prática dos factos aqui em análise, não se tendo revelado contentor e dissuasor da prática de novos ilícitos criminais.
Por outro lado, a gravidade dos factos em apreço, o evidente impacto que os mesmos tiveram e terão na vida da vítima e ainda a personalidade do arguido tal como surgiu revelada em sede de audiência de julgamento, evidenciando total ausência de reconhecimento do desvalor da sua conduta, tentando ainda assacar à vítima a responsabilidade pelos actos sexuais que perpetrou na mesma, não permitem a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de que a ressocialização em liberdade ainda poderá ser alcançada, pois que as finalidades da punição, quer na sua dimensão de prevenção geral, quer de prevenção especial, não seriam devidamente acauteladas.
Conclui-se, pois pelo cumprimento efectivo da pena de prisão, em meio prisional, o que se decide.
5. Do pedido de arbitramento de indemnização
Dispõe o n.º 1 do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”.
Já o artigo 16.º, n.º 2 da Lei n.º 130/2015, de 4.09 (diploma que, além do mais, aprovou o Estatuto da Vítima, estabelecendo normas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade) estatui que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”, não se tendo verificado tal oposição no caso em apreço.
Tal pretensão indemnizatória foi desde logo formulada pelo Ministério Público na acusação deduzida, e oportunamente notificada ao arguido, que vai condenado pelos crimes de abuso sexual de crianças de que se encontrava acusado, pelo que se mostra igualmente observado o contraditório quanto a tal pretensão (cfr. n.º 2 do citado artigo 82.º-A do Código Penal).
Por outro lado, tal como vem sendo sustentado em acórdãos proferidos pelos Tribunais superiores, a atribuição de indemnização à vítima não exige a demonstração de particulares exigências de protecção da vítima, porquanto tais exigências foram dadas como pré-existentes pelo legislador na criação do tipo legal e ao consagrar a sua natureza de crime público.
Perante o que se deixa exposto e a factualidade apurada no que tange às concretas condutas que o arguido perpetrou contra a menor [ AAA ... ], ponderando ainda o impacto que as mesmas obviamente tiveram (veja-se o comportamento da menor no decorrer das declarações para memória futura), como também relatou sua mãe, e terão no desenvolvimento da sua personalidade e sexualidade, sem esquecer as condições económicas do lesante mas tendo presente que o montante indemnizatório também não poderá ser miserabilista, lançando mão da equidade enquanto critério de fixação do quantum indemnizatório, tem-se por justo e adequado condenar o arguido a pagar à menor [ AAA ... ] a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos….”
3. Apreciando e decidindo
No presente caso, atentas as questões a decidir, supra indicadas, não está em causa a reapreciação da matéria de facto, considerando-se esta assente, dado que não se verifica qualquer dos vícios elencados no artigo 410º, nº2, do C.P.P..
Assim, trata-se apenas de reapreciação de questões de direito.
A) Qualificação jurídica: crime continuado ou concurso de infracções.
Defende o recorrente que o arguido praticou um único crime de abuso sexual, tratando-se de um único crime em trato sucessivo.
Responde o Ministério Público que, no caso dos autos, tratando-se de crimes contra bem jurídico eminentemente pessoal, ainda que as condutas tenham sido praticadas num curto espaço de tempo, por força do disposto no artigo 30º, nº 3, do C.Penal, tal não poderia ser subsumível à figura do crime continuado.
Concorda-se com a posição do Ministério Público.
Na verdade, estando em causa crimes que são, sem dúvida, crimes contra bem jurídico eminentemente pessoal, o supra referido preceito legal consagra uma clara proibição legal de punição de diversos actos como crime continuado. Refira-se que tal entendimento saiu reforçado com a alteração do texto no nº 3 do artigo 30º do C.P., introduzida pela Lei nº 40/2019, de 3 de Setembro, que eliminou o segmento “ salvo tratando-se da mesma vítima”.
No mesmo sentido, vide a anotação nº 32 ao artigo 30º do C.Penal  in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem[1]: “… No caso da sucessão de vários crimes contra bens eminentemente pessoais, deve punir-se as condutas do agente em concurso efectivo. Esta é precisamente a consequência prática da supressão da benesse do crime continuado contra os bens eminentemente pessoais. Foi este o resultado prático pretendido pelo legislador. Portanto, é inadmissível a punição  de crimes  contra bens eminentemente pessoais como um único crime de “trato sucessivo”, ficcionando o julgador um dolo inicial que englobou todas as acções. Tal ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador (concorda, acórdão do STJ de 10.12.2012, processo 617/08.5PALGS.E2.S1.)
Como bem se analisa no Ac. STJ proferido no Proc. nº 657/13.2JAPRT.P1.S1, aqui aplicável “mutatis mutandis”: “…IX Tratando-se no presente caso de crimes contra bem jurídico eminentemente pessoal, como é o bem jurídico da liberdade sexual protegido pelo crime de violação, logo por força do disposto no artigo 30º, nº3, do CP, não podemos concluir estarmos perante um caso subsumível à figura do crime continuado. Trata-se sim de uma sucessão de crimes. …XII Ainda que as condutas estejam próximas temporalmente, ou sejam sucessivas, não podemos considerar estarmos perante um único crime. A punição de certa conduta a partir da reiteração ou da sua prática habitual, sem possibilidade de análise individual de cada ato, apenas decorre da lei, ou dito de outro modo, do tipo legal de crime. Unificar diversos comportamentos individuais que têm subjacente uma resolução distinta, sem que a lei tenha procedido a essa unificação, constituiu uma clara violação do princípio constitucional da legalidade, e, portanto, uma interpretação inconstitucional do disposto no artigo 164º do CP.”[2]
E, a recente jurisprudência do STJ é praticamente unânime na não admissão da figura do crime continuado ou trato sucessivo no que toca aos crimes contra a autodeterminação sexual.[3]   
Assim, verifica-se uma situação de concurso de crimes, improcedendo o recurso nesta parte.
B) Qualificação jurídica: se o sexo oral levado a cabo pelo arguido integra o conceito de coito oral, punido nos termos do nº 2 do artigo 171º do C.Penal.
   Os factos:
“…12- Cerca das 3h00 da madrugada do mesmo dia, o arguido voltou a entrar no quarto da filha e verificando que as menores se encontravam a dormir, voltou a deitar-se ao lado da [ AAA ... ].
13- Acto contínuo, o arguido baixou as calças do pijama e as cuecas de [ AAA ... ] e com a língua, começou a lamber a vagina da menor.
14- Entretanto, a menor acordou e apercebendo-se do que estava a suceder afastou o arguido e puxou as calças e as cuecas para cima, tendo o arguido saído do quarto…”  
Dispõe o artigo 171º do C.P., sob a epigrafe Abuso Sexual de crianças, que:” 1- Quem praticar acto sexual de relevo com menor de 14 anos, ou o leve a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos. 2- Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos…”.
Alega o recorrente que o acto de molestar com a língua a vagina da ofendida não integra o conceito de cópula oral ou, sequer, qualquer outro tipo de cópula e conclui que a factualidade dada como provada e supra referida integra o crime p. e p. pelo artigo 171º, nº1, do C.Penal, ficando excluída a incriminação do número 2 do mesmo preceito legal.
Ora, sendo indiscutível e aceite pelo recorrente que os factos em causa integram o conceito de acto sexual de relevo, a questão que se coloca é a de saber se integram o conceito de coito oral, como entendido na decisão recorrida.
Vejamos a doutrina e a jurisprudência:
“ O coito oral consiste na introdução, total ou parcial, do pénis de um homem na boca de outra pessoa, com ou sem erecção ( acórdão do STJ de 23.9.2004, in CJ, acs do STJ, 2004, 3,  164), com ou sem emissio seminis.”[4]
“ Só há cópula, coito anal ou coito oral com a penetração do pénis, respectivamente, na vagina, no ânus e na boca, pelo que, para se configurar a agravante qualificativa do nº 2 do artigo 172º do CP, tem de haver, pelo menos, um elemento do sexo masculino, mas tal não é discriminatório, pois este ou actua como agente ou como vítima, em igualdade de situação com o sexo feminino, que também pode ser agente ou vítima.”.[5]  
“ Para que se considere verificado o acto sexual de relevo consistente em cópula, coito anal, coito oral o que é necessário é que se verifique contacto físico, no sentido de penetração da vagina e/ou do ânus e/ou da boca pelo órgão sexual masculino, seja ela completa ou incompleta, sendo indiferente à consumação da cópula, bem como do coito   anal e do coito oral, a existência de emissio seminis.”.[6]
Tendo sido dado como provado que ”…o arguido beijou e lambeu da zona vaginal da menor…”, foi entendido que “I - No artigo 171º2 CP está em causa uma noção objectiva ou médico-legal de cópula, coito e introdução vaginal ou anal e não a sua noção sociológica ou normativa…II - O sexo oral feito pelo agressor/arguido na vítima, integra-se no conceito de acto sexual de relevo previsto no nº1 do artigo 171º do CP”.[7] 
E, segue-se o entendimento que vem sendo exposto.
Na realidade, a razão de ser da agravante do nº 2 é, sem dúvida, o carácter mais invasivo, perturbador e humilhante para a vítima (no caso uma criança) do acto em que ocorre a penetração da vagina, do ânus ou da boca.
Do exposto decorre que sexo oral pode não integrar o conceito de coito oral nos termos e para os efeitos da previsão do nº 2 do artigo 171º do CP. O acto de lamber a vulva de uma criança menor de 14 anos não integra a agravante do nº 2 do preceito em análise.
Refira-se que o entendimento seguido é imposto pelo princípio da legalidade com inscrição constitucional ( artigo 29º, nº1, da CRP) e transposto para a lei ordinária ( artigo 1º, nº1, do CP), princípio do qual decorre a proibição de aplicação analógica da lei penal.
Assim, o arguido deve ser condenado, no que toca aos factos ora em análise, pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 171º, nº1, do CP.
E, atento o sobredito, há que proceder à determinação da pena parcelar aplicável e reformular o cúmulo jurídico
C) Medida da pena parcelar e do novo cúmulo.
Pena parcelar:
Impõe-se agora proceder à determinação da medida da pena dentro da moldura abstracta cominada para este ilícito: pena de prisão entre um e oito anos.
Ensina o Professor Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Edição 2001, 110: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto máximo óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”.
Como bem se analisa no Ac. STJ de 28.9.2005, in CJSTJ, 2005, tomo III, p.173 : “…na dimensão das finalidades de punição e de determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral ( natureza e grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de  prevenção geral, conforme tenha provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial ( circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento ) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.”.
Dispõe o artigo 71º do Código Penal, sob a epígrafe Determinação da medida da pena, que:
1. A determinação da medida da pena, dentro os limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências cautelares.
2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena. 
Há que ponderar:
- Que o grau de ilicitude é muito elevado - considerando que se trata de menina com 12 anos de idade bem como a gravidade do acto perpetrado, especialmente abusivo, invasivo e desrespeitador desta criança, da sua intimidade, seguramente susceptível de perturbar o seu crescimento psíquico e emocional.
-  O modo de execução dos factos ( sendo que o arguido levou a cabo o acto abusivo no quarto onde dormia a sua filha, criança de 8 anos de idade, não ponderando os danos que ocorreriam caso esta acordasse e os presenciasse.
- Que o dolo é directo e intenso ( atento o fim com que o arguido actuou: satisfação dos seus desejos sexuais com uma criança ).
- Que em favor do arguido militam a inserção profissional e familiar.
- Que contra o arguido milita a ausência de interiorização e consciência do sentido de responsabilidades enquanto adulto e também enquanto pai, e de interiorização dos seus limites, negando a pratica dos factos.
- Que são elevadas as necessidades de prevenção geral, dada a gravidade do crime, a preocupação social e o repúdio relativamente a este tipo de crimes.
- Que são elevadas as necessidades de prevenção especial, dada a personalidade do arguido, o facto de não ter assumido a pratica do facto e os seus antecedentes criminais.
Com esses parâmetros, este Tribunal considera adequada, atenta a moldura legal, a pena de 3 anos de prisão.
Novo cúmulo jurídico:
Nos termos do disposto no artigo 77º, nº2, do C.Penal, a pena única terá como limite mínimo 3 ( três ) anos de prisão e como limite máximo 4 ( quatro ) anos e 6 ( seis) meses de prisão.
Dentro desta moldura abstracta aplicável, a pena única deve reflectir os factos na sua globalidade, a culpa do agente e as necessidades de prevenção.
De forma dolosa, o arguido praticou dois crimes, num crescendo de gravidade.
A sua actuação analisada de forma global reveste-se de elevada gravidade.
O arguido não demonstrou consciência do desvalor da sua actuação.
Todas estas circunstâncias conduzem à conclusão de que a pena única terá que revelar-se adequada às ponderosas necessidades de prevenção especial.
Também são muito ponderosas as necessidades de prevenção geral, dado o repúdio da comunidade perante crimes desta natureza, devendo a pena a aplicar corresponder ao mínimo de pena imprescindível ao restabelecimento da confiança colectiva na validade e vigência das normas violadas.
Assim, uma pena única de 3 (três ) anos e 10 ( dez ) meses de prisão, mostra-se adequada às necessidades de prevenção ( geral e especial) e não ultrapassa a culpa do arguido.
D) Suspensão da pena única de prisão:
Pugna o arguido pela suspensão da pena de prisão.
Há que analisar se se verificam os pressupostos da suspensão da pena única.
De acordo com o artº 50º do C.P., o tribunal decretará a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Trata-se de um poder dever, um poder vinculado do julgador que terá obrigatoriamente de suspender a execução da pena de prisão, sempre que se verifiquem os mencionados pressupostos.
A suspensão tem um conteúdo reeducativo e pedagógico. 
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, a finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente no futuro, da prática de novos crimes.
Assim, o tribunal tem que aferir se é viável um prognóstico favorável, se é previsível a socialização do arguido em liberdade. Nessa avaliação, o tribunal tem de atender às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao crime.
As condições de vida e a conduta do agente anteriores e posteriores ao crime  merecem censura: à data dos factos em análise, o arguido sofrera já quinze condenações ( cinco delas em penas de prisão suspensas na sua execução).
Mais haverá que considerar a personalidade do arguido, que se provou ser pessoa instável e impulsiva.
E, não admitiu a prática dos factos de forma integral e sem reservas. Não reconheceu o erro do seu grave procedimento.
Revela, pois, uma personalidade com desadequação às regras e normas sociais.
Considerando o comportamento delituoso do arguido na sua globalidade, a gravidade do mesmo, bem como o facto de não ter assumido o desvalor da sua actuação e os seus antecedentes criminais, entende-se que não é viável formular um prognóstico favorável.
Por outro lado, há que ponderar as fortes necessidades de prevenção geral positiva que se fazem sentir neste tipo de crimes”, com vista a restaurar a confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
Assim, a suspensão desta pena daria um sinal errado à comunidade.
Em face do exposto, não se suspende a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
E) Aplicação do artigo 43º do C.P.
Subsidiariamente, requer o arguido que lhe seja concedida a possibilidade de cumprir a pena de prisão em regime de permanência na habitação.
Atento o facto de a pena aplicada ser superior a dois anos de prisão, mostra-se prejudicada a apreciação deste ponto.
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Procede, assim, parcialmente, o recurso.
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram este Tribunal em julgar parcialmente provido o recurso interposto pelo arguido [ Joel ... ] e, em consequência, alterando parcialmente a qualificação jurídica em conformidade com o supra exposto, e assim decidem:
- Absolver o arguido do crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº2, do CP, pelo qual foi condenado na pena de 4 ( quatro ) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Manter a condenação do arguido na pena de 1 ( um ) ano e 6 ( seis) meses de prisão imposta pela pratica de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº1, do CP.
- Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de menor, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1, do CP, na pena de 3 ( três ) anos de prisão
- Alterar a pena única, fixando-a em 3 ( três) anos e 10 ( dez ) meses de prisão efectiva.
- No restante, manter o decidido.
Sem custas ( artigo 513º, nº1, a contrario, do CPP).

Lisboa,    10/09/2020
Cristina Santana
Margarida Vieira de Almeida
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[1] UCE, 3ª Edição Actualizada
[2] Ac. datado de 20.4.2016 e relatado pela Senhora Juíza Conselheira Helena Moniz
[3] Neste sentido, vide:
Ac. STJ de 22.3.2018, Proc. nº 467/16.5LSB.L1-S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Souto de Moura
Ac. STJ de 30.11.2016, Proc. nº 444/15.3JAPRT.G1.S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Pires da Graça
Ac. STJ de 27.2.2019, Proc. nº 2165/15.8JAPRT.P1.S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Vinício Ribeiro
[4] Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direito do Homem, UCE, 3ª Ed.
[5] Ac. STJ, de 22.4.2004, Proc. nº 1099/2004, Relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Santos Carvalho.
[6] Ac.TRE, de 10.4.2018, Proc. nº 524/14.2PBSTR.E1, Relatado pela Senhora Juíza Desembargadora Maria Leonor Botelho.
[7] Ac TRP de 11.5.2016, Proc nº 225/12.6JAAVR.P1, relatado pelo Senhor Desembargador Moreira Ramos.