Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
836/14.5YRLSB-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
EXTRADIÇÃO
DATA DA INFRACÇÃO
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: CONCEDIDA A ENTREGA
Sumário: I – Efectuado um pedido de execução de um MDE, se se verificar que este regime não é aplicável, por causa da data da prática dos factos, deve aplicar-se o regime do sistema de extradição aplicável antes de 01/01/2004, ou seja, a Convenção Europeia de Extradição (CEE), se ambos os Estados forem partes contratantes, e, subsidiáriamente, pela Lei 144/99, de 31/08, e pelo CPP, nos termos do art.º 3º daquela Lei e do art.º 229º deste Código, desde que se mostrem cumpridos os requisitos de forma deste regime;

II - A demora na decisão definitiva da causa, ainda que constitua violação do art.º 6º da CEDH, não constitui, por si só, causa de recusa obrigatória ou facultativa da extradição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Em 27/08/2014, foi detido pela PJ[1] o Requerido XXX, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 26), em face da existência de MDE emitido pelas autoridades judiciárias da Itália.

O Requerido foi ouvido neste tribunal em 28/08/2014 (cf. acta de fls. 26/29), tendo-se oposto à execução do mandado e declarado não prescindir do benefício da regra da especialidade.

Nesta diligência, foi proferido despacho que julgou válida a detenção e determinou que o Requerido aguardasse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva e concedendo o prazo de 10 dias, para a dedução da oposição.

Em 23/09/2014, o Requerido deduziu a sua oposição a fls. 93/123, nos seguintes termos:

“…INTRODUÇÃO

O Estado Italiano emitiu em 19.10.2013, um MDE contra o ora requerido.

Resulta assim, deste MDE, que o requerido tem ainda a cumprir uma pena de 13 anos e 12 dias de prisão em cumprimento da sentença 3419/02 do Tribunal da Relação de Turim, proferida no processo 1891/01 RGNR, por factos praticados entre 1995 e 1997, e que transitou em julgado no dia 6.11.2007 no Tribunal Supremo Italiano.

APLICAÇÃO DO REGIME DO MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU Âmbito Temporal

Salvo sempre o devido respeito por posição diversa, é firme convicção do requerido que tendo em conta o momento da prática dos factos, não é possível ao Estado Italiano lançar mão do instrumento implementado pela decisão quadro 2002/584/JAI.

Na verdade, como indica o MDE, os factos foram praticados entre 1995 e dia 17 de Maio de 1995.

O artigo 32º da DQ 2002/584/JAI dispõem o seguinte:

Artigo 32º

Disposição transitória

1. Os pedidos de extradição recebidos antes de 1 de Janeiro de 2004 continuarão a ser regidos pelos instrumentos em vigor em matéria de extradição. Os pedidos de extradição recebidos a partir de 1 de Janeiro de 2004 serão regidos pelas regras adoptadas pelos Estados com a presente decisão-quadro. Todavia, qualquer Estado-Membro pode, no momento da aprovação da presente decisão-quadro, fazer uma declaração indicando que, enquanto Estado-Membro de execução, continuará a tratar de acordo com o sistema de extradição aplicável antes de 1 de Janeiro de 2004 os pedidos relacionados com factos praticados antes de uma data  que especificará. A data em questão não pode ser posterior a 7 de Agosto de 2002. A referida declaração será publicada no Jornal Oficial, podendo ser retirada a qualquer momento.

Ou seja, o n° 1 do artigo 322 da D.Q. 2002/584/JAI conferiu aos estados membros a possibilidade de declararem, no momento da aprovação do instrumento, que apenas aplicariam o regime do mandado com respeito a factos praticados após uma determinada data, a indicar, desde que anterior a 7 de Agosto de 2002.

Foi exatamente o que aconteceu com o Estado Italiano, conforme a declaração que fez constar aquando da aprovação daquela decisão quadro.

Declaração da Itália

A Itália continuará a tratar de acordo com as normas em vigor em matéria de extradição todos os pedidos relacionados com factos praticados antes da data de entrada em vigor da decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu, tal como previsto no artigo 32.º da mesma.

Não subsistem dúvidas em relação à data do pedido, ocorrido em 18/10/2013, ou seja, após a entrada em vigor da presente lei de transposição da disciplina do mandado de detenção europeu; todavia, o que impede a aplicação dessa normativa é a data da prática dos crimes pelos quais, em virtude do despacho de execução da pena, foi emitido o mandado de detenção europeu.

Trata-se de crimes realizados anteriormente a 1995 até 17.5.1997, data da detenção do arguido.

Por este motivo, na nossa opinião, a disciplina aplicável não pode ser a relativa ao mandado de detenção europeu (decisão-quadro 2002/584/JAI transposta para a ordem interna italiana com a Lei n. 69/2005 e para a lei Portuguesa n.9 65/2003) mas a prevista pelas disposições em matéria de extradição vigentes antes das citadas decisões.

III

QUESTÃO RELATIVA AO JULGAMENTO NA AUSÊNCIA

Conforme resulta bem claro do ponto 72 da promoção apresentada pelo M2P2 para a execução do mandado de detenção Europeu, a decisão foi proferida na ausência e que o sistema italiano prevê a possibilidade de revisão da pena aplicada e a aplicação de medidas de clemência, pelo que se suscitam duvidas sobre se a pena de prisão foi imposta por uma decisão proferida na ausência, e sobre quais as garantias legais conferidas à pessoa procurada.

Esclarecimentos e garantias que foram solicitadas por despacho proferido no auto de audiência e de acordo com o requerido no ponto c) da promoção do MºPº.

É assim que surge a resposta do Procurador Italiano no Tribunal de Turim a 28.8.2014.

O esclarecimento prestado pela MP italiano é a todos os níveis evasivo, sendo que, além do mais, falha na questão central colocada pelo tribunal da Relação de Lisboa: quais as garantias legais conferidas ao requerido em conformidade com o disposto no art.° 5º n.º1 da DQ 2002/584/JAI e no artigo 4ºA da DQ 2009/299/JAI.

De facto, basta comparar a carta do MP Italiano de 28.8.2014 com o que consta do ponto 3 d) do MDE para se perceber que não responde à questão fundamental e não indica qualquer garantia.

Escreveu-se claramente no MDE – ponto 3 d) – que o interessado não foi notificado pessoalmente ou informado de outro modo da da e do local da audiência que determinou a decisão proferida na sua ausência, mas são-lhe dadas as seguintes garantias legais após a sua entrega às autoridades judiciárias, sendo certo que logo se diz que estava representado por um advogado de defesa e esteve em prisão preventiva entre 17 de Maio de 1997 até o dia 3 de junho de 1998.

Ora uma coisa parece certa – e isso também parece ter entendido o MP no Tribunal da Relação de Lisboa – o arguido foi julgado na ausência, o que o MDE confirma no seu ponto 3 d), e deve o estado Italiano prestar garantias de revisão da pena e aplicação de medidas de clemência.

Parece claro para o requerido, analisando a carta de 28.8.2014, que o MP italiano quer fugir à questão central: quais as garantias de revisão de pena e de clemência ?

Antes, preferiu não dizer, por exemplo, como, e se, entre a data da libertação de 3 de junho de 1998 e 28.11.2012, não obstante os seus advogados terem conhecimento e estarem presentes em julgamento, se foi dado por qualquer meio conhecimento ao requerido da hora e local do julgamento e das decisões posteriores.

É que acreditando no que foi escrito no MDE, ponto 3 d), o requerido, não obstante ter estado preso — veja-se que passaram cerca de 4 anos até à decisão (1998-2002) — e ter sido representado por advogado, não_ foi notificado pessoalmente ou informado de outro modo da data e do local da audiência que determinou a decisão proferida na sua ausência.

Sobre isto, a carta do MP Italiano nada diz, e muito menos presta as necessárias garantias.

A decisão proferida na ausência da pessoa não notificada não transita em julgado.

Assim, de acordo com o regime processual português, quando um arguido foi julgado na sua ausência, a sentença não transita em julgado e é- lhe notificada logo que ele seja detido ou se apresente voluntariamente.

Nas situações de impossibilidade de notificar o arguido, a lei impede que o mesmo seja julgado na sua ausência e determina a suspensão dos termos do processo até à apresentação ou à detenção daquele.

Neste caso, foi o que aconteceu, pois o requerido não foi sequer notificado da data e hora do julgamento e nem sequer da decisão, o que, a acreditar no ponto 3 d) do MDE, seria impensável em Portugal.

Conforme dispõem o artigo 13.9 da Lei 65/2003:

Garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em casos especiais

A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:

a) Quando o mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança imposta por uma decisão proferida na ausência do arguido e se a pessoa em causa não tiver sido notificada pessoalmente ou de outro modo informada da data e local da audiência que determinou a decisão proferida na sua ausência, só será proferida decisão de entrega se a autoridade judiciária de emissão fornecer garantias consideradas suficientes de que é assegurada à pessoa procurada a possibilidade de interpor recurso ou de requerer novo julgamento no Estado membro de emissão e de estar presente no julgamento;

Tal como decorre deste MDE, foi precisamente assim que aconteceu, a que acresce o facto de a carta de 28.8.2014 do MP italiano não fornecer qualquer garantia adicional.

Neste sentido – embora para a alínea c) do artigo 132 - o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 17.9.2008 em que foi relator Manuel Braz:

I– De acordo com o art. 13° da Lei n.o 65/2003, a execução do MDE não terá lugar se não for prestada a garantia prevista para cada uma das distintas situações que elenco. A expressão "só terá lugar" tem carácter peremptório, pelo que a garantia é, assim, obrigatória.

II– No caso da alínea c), a garantia consiste na assunção por parte do Estado de emissão do compromisso de que devolverá, depois de ser ouvida, a pessoa procurada ao Estado de execução, para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas da liberdade a que seja condenada naquele, se o último sujeitar a decisão de entrega a essa condição.

III — Tal garantia tem de ser prestada antes da decisão de entrega, pois não assumindo o Estado de emissão esse compromisso, o Estado de execução, se condicionar a decisão de entrega à devolução da pessoa, para aqui cumprir a pena ou medida de segurança privativas da liberdade a que seja eventualmente condenada, não tem a garantia de que a condição será cumprida.

IV — A consequência da não prestação da garantia é a não prolação de decisão de entrega.

A garantia não foi prestada, pelo que por este fundamento, e nos termos da aliena a) do artigo 132 da lei 65/2003 deve ser recusada a entrega do requerido Nicola Assisi.

IV

QUESTÕES COLOCADAS PELO ACÓRDÃO TORREGIANI (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Sec. II, 8 de Janeiro de 2013) RELATIVAMENTE AOS MANDADOS DE DETENÇÃO EUROPEU E AOS PEDIDOS DE EXTRADIÇÃO APRESENTADOS POR PARTE DO ESTADO ITALIANO

Com a entrada em vigor, em 1.12.2009, do Tratado de Lisboa e do novo art. 6 TUE (que estabelece, entre mais, que os direitos fundamentais garantidos pela Convenção europeia para a tutela dos direitos do homem e das liberdades fundamentais resultantes das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, fazem parte do direito da União enquanto princípios gerais) o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem muda o seu papel tornando-se fonte diretamente aplicável no espaço da União.

Em 16 de Julho de 2009, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o Estado italiano no caso Suleimanovic c. Itália por violação do art.° 3 da Convenção Europeia dos direitos do homem.

Após menos de quatro anos, a Itália foi novamente condenada, no acórdão chamado Torregiani, datado de 8 de Janeiro de 2013, pelo tratamento desumano e degradante reservado aos detidos.

Como se enfatiza no parecer anexo subscrito pelos Professores Costa Andrade e Figueiredo Dias: Do lado dos factos, um enunciado começa por avultar, unívoco e seguro, correspondente a um dado, também ele líquido e aproblemático: em Janeiro de 2013, isto é, ao tempo em que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem se pronunciou sobre o caso Torreggiani e outros contra a Itália, o cumprimento de uma pena detentiva no sistema prisional italiano correspondia invariavelmente à submissão a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, se não mesmo a uma verdadeira "tortura". Vale por dizer que a vida nas prisões italianas decorria então, em frontal e sistemática violação do artigo 32 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Com efeito, no acórdão Torregiani (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Sc. II, acórdão 8 de Janeiro de 2013, Torregiani e outros v. Itália, ric. 43517/09, 46882/09, 55400/09, 57874/09, 35315/10, 37818/10) foi emitido no âmbito dos recursos, apresentados durante Agosto de 2009, por parte de 7 recorrentes contra o Estado italiano por violação do art. 3 da Convenção Europeia, disposição que proíbe os tratamentos desumanos e degradantes.

Da descrição apresentada pelos recorrentes resultava que cada um deles, nos estabelecimentos prisionais nos quais eram detidos, tinham como próprio espaço pessoal, menos de 3 m2. (e não os quatro recomendados pelo Comité para a prevenção da tortura do Conselho de Europa).

A este propósito, o Tribunal afirmou que, não só o espaço vital indicado não era conforme às previsões mínimas previstas na sua própria jurisprudência, mas que a situação tornava-se até mais grave por causa das ulteriores condições gerais que caracterizam a maior parte dos estabelecimentos prisionais italianos: referimo-nos, em particular, à falta por longos períodos de água quente, ventilação ou de luz.

Esta condição geral representa a violação das condições mínimas de bem-estar determinando um estado de vida degradante para os detidos.

O acórdão Torregiani merece uma análise aprofundada, não somente pelas questões tratadas mas também pelo seu valor em relação aos outros acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos dos Homem: a decisão em questão, de facto, representa um exemplo de "acórdão piloto" do Tribunal no que diz respeito ao problema estrutural que aflige os estabelecimentos prisionais do sistema prisional italiano.

O Tribunal, além de avaliar os pedidos individuais dos detidos que propuseram os recursos, julga por analogia casos ainda pendentes, reconduzíveis à mesma categoria que resultam então imputáveis ao mau funcionamento do Estado Italiano.

O mecanismo do "acórdão piloto" é uma forma que permite ao Tribunal, através do julgamento de um caso individual, identificar um problema estrutural, relevável em mais casos, individualizados como casos respetivos, realçando como característica comum um facto recorrente e a persistente violação da Convenção dentro de um determinado Estado.

Com o "acórdão piloto", o Tribunal não somente decide sobre a violação ocorrida no caso em concreto mas individua um problema estrutural e sistemático indicando ao legislador nacional Italiano os remédios necessários para superá-lo: no que diz respeito ao acórdão Torregiani, o problema relevado é o mau funcionamento do sistema prisional italiano que nada tem a que ver com o peculiar regime de detenção aplicado nos estabelecimentos nos quais se encontram detidos os que apresentaram recurso.

Neste plano sobreleva outrossim a circunstância decisiva de o Tribunal de Estrasburgo não ter circunscrito os seus juízos — quer os juízos de levantamento e caracterização da realidade, quer os juízos de valoração e de censura — aos factos e aos requerentes concretamente envolvidos no caso Torreggiani. Concretamente, não se ateve à consideração das coisas no interior das prisões de Busto Arsizio e de Piazensa, que deram origem ao processo. Proferido sob a forma de "acórdão-piloto", o aresto reporta os seus juízos a todo o sistema prisional italiano, considerando que as deficiências e males referenciados constituem marcadores estruturais e sistémicos de todo a administração prisional italiana. Nessa mesma medida erigindo o sistema penitenciário qua tale em tua/ das suas considerações e em destinatário da censura de violação do artigo 3° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem2.

A decisão de quo impõe uma intervenção do Estado italiano para eliminar a violação relevada; prevê-se, assim, uma obrigação de resultado cujo "devedor" é Itália e para cumprimento é estabelecido um último prazo: um ano desde o momento em que o acórdão se tornou definitivo (ou seja 27/5/2014).

Mais, o Tribunal indica, como possível solução ao problema identificado, o recurso a penas alternativas à prisão, realçando como não seja suficiente somente a indemnização ex post das consequências provocadas por essa violação e exige também uma importante melhoria das condições gerais da detenção, relembrando também as recomendações rec. (99)22 e rec. (2006)13 do Comité de Ministros.

O Tribunal confirmou assim a executoriedade das suas decisões, ex art°. 46 Convenção Europeia dos Direitos do Homem (interpretado neste sentido em virtude do art°. 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

Deve-se considerar que a posição do Tribunal em relação à Itália acerca da sobrelotação das prisões e, mais em geral, acerca da situação relativa ao inteiro sistema prisional   italiano, é fruto da constatação de uma grave omissão, perdurante no decorrer do tempo, das medidas estruturais idóneas para operar eficaz e estavelmente na direção sugerida pelo Conselho de Europa, enquanto todas as intervenções adotadas com carácter de urgência têm atenuado só parcialmente o fenómeno.

A este propósito, das estatísticas anuais resulta que a sobrelotação italiana, em 2012, era cerca de 145%, inferior somente à da Sérvia, enquanto atualmente (30 de Abril de 2014) a taxa de sobrelotação é de cerca de 122% - quando em Portugal andará pelos 100%.

Outro dado alarmante, é o relativo à taxa de suicídios de detidos que, em Itália, atinge 38,2% das mortes dentro da prisão.

Até o Comité de Ministros do Conselho de Europa, ainda em data 6 de Março de 2014, considerou as medidas adotadas pelo Governo italiano, até então, era insuficientes para satisfazer os requisitos expressos no acórdão Torreggiani, persistindo a situação de sobrelotação.

Como se refere no Parecer que segue em anexo3: Ora, como de todos os lados se reconhece e afirma, as reformas necessárias estão longe de ter sido coerente e consistentemente empreendidas e implementadas. Menos ainda, de produzir os efeitos bastantes para retirar fundamento à censura de violação do artigo 32 da Convenção Europeia, que foi fundada e pertinentemente subscrita pelo Tribunal de Estrasburgo. Por seu turno, a Itália não logrou demonstrar que as assinaladas carências e disfuncionalidades do sistema prisional e associadas sobretudo à sobrelotação, tenham sido neutralizadas ou ultrapassadas. Não admirando, por isso, que muitos tribunais estrangeiros concretamente Tribunais do Reino Unido, venham recusando dar cumprimento aos pedidos de extradição ou aos Mandados de Detenção Europeus emitidos pelas autoridades italianas. Isto em nome do propósito de evitar a submissão a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes ou de obviar ao risco sério e real da sua ocorrência.

São de facto evidentes as consequências do acórdão Torreggiani em matéria de decisões de extradição ativa e de mandados de detenção europeus emitidos pelas autoridades judiciárias italianas: é mesmo com base nas violações verificadas nessa decisão (e ainda não eliminadas, apesar da expiração do prazo concedido) que se poderá recusar a extradição ou a execução do mandado de detenção europeu em nome do respeito dos direitos fundamentais das pessoas requeridas.

Porém, para um rigoroso respeito da Convenção Europeia dos Direitos dos Homens, todos os Estados aderentes à Convenção não devem proceder à entrega em todos os casos nos quais há risco de expor a pessoa requerida a uma violação dos seus direitos fundamentais.

Veja-se, que o estado atual está longe ainda de se conformar com o art.º 3 da CEDH:

É o que certeiramente reconhecem e sublinham, entre outros, ROMANO e CONTE, autores do já citado relatório. Que, reportando-se ao mês de Maio de 2014, não deixam de sinalizar a distância que ainda falta percorrer para conformar a realidade prisional italiana segundo o modelo arquetípico pressuposto pelo Tribunal, mesmo pelo limiar mínimo das exigências da Convenção. Na formulação dos conhecidos autores italianos: "O problema da sobrelotação é um problema muito amplo, que requer uma reforma estrutural do ordenamento penitenciário e opções profundas de política penal, uma vez que ela se repercute em todos os serviços e tualivam desenvolvidas no interior de uma prisão e sobre a realidade extremamente complexa da instituição penitenciária".

A este propósito, em 11 de Março de 2014, a Queen's Bench Division do High Court inglês, deferiu o recurso de apelação de um cidadão da Somália, Hayle Abdi Badre, que contestou a sua entrega à Itália em execução de um mandado de detenção europeu.

Essa decisão é de fundamental importância, porque o acórdão Torreggiani do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é utilizado pelos juízes ingleses como argumentação principal para fundamentar a sua decisão, uma vez que, naquela altura, o Estado italiano não tinha ainda tentado resolver adequadamente o problema e, embora, existisse alguma melhoria, continuava quase inalterada a violação sistematizada da Convenção.

Naquela decisão lê-se que "...a situação mostra que existe um concreto risco de tratamentos contrários ao art°. 3 da Convenção e Itália não ofereceu elementos suficientes a eliminar esta dúvida. Estava à espera de receber alguma elucidação sobre a possibilidade de obter a liberdade prestando caução (se prevista), informações sobre o estabelecimento especifico onde o recorrente iria ser detido, mas as garantias oferecidas descritas na carta 2013 são somente genéricas, não contem nada de específico".

Do mesmo teor é também a decisão proferida a 17 de Março de 2014 com a qual o Juiz Howrd Riddle, Chefe da Westminster Magistrates Court, com base na anterior decisão da Administartive Court de Londres, recusou o pedido da Procuradoria Geral de Palermo negando a extradição para Itália de outro detido, tualiv Rancadore, condenado nos anos '90 a 7 anos de prisão por associação criminosa de tipo mafioso.

O juiz do referido tribunal, depois de ter ouvido o Dr. Patrizio Gonnella na sua qualidade de conhecedor das condições das prisões italianas, presidente da associação Antigone, que também foi diretor dos estabelecimentos prisionais de Padova, Pianosa, Pisa e San Giminiano, no respeito da case-law oferecida com o caso Badre, entendeu não poder decidir de forma diferente da anterior decisão jurisprudencial, mesmo tendo em consideração o facto que para o senhor Rancadore previa-se uma detenção em regime de "prisão dura".

Precisa-se ainda neste caso concreto, o estado de detenção dos que estejam atualmente a cumprir uma pena por um dos crimes previsto no art. 4 bis da lei n. 354/1975, disposição titulada "Proibição de concessão dos benefícios e apuramento da periculosidade social dos condenados por certos delitos", norma aplicável ao arguido.

O Comité de Ministros do Conselho de Europa com decisão, CM/del/Dev(2014) 1202 de 6 de Junho de 2014 reconheceu o esforço do Estado italiano na tentativa de resolver a sobrelotação das prisões, após a condenação em dois diversos processos, e decidiu aguardar até Junho de 2015 para se pronunciar definitivamente sobre o assunto e avaliar no detalhe as opções do governo através da apresentação do orçamento, por parte das autoridades italianas, às quais foram pedidas informações complementares sobre a aplicação dos acórdãos do Tribunal.

Trata-se da clara demonstração que, até hoje, a Itália não conseguiu respeitar as obrigações do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e que a completa adequação do sistema prisional aos mínimos europeus exigidos pela Convenção não foi ainda alcançado.

Porque, sublinha-se, as prisões italianas continuam a revelar níveis de sobrelotação, para além do desejável e tolerável. Com todo o conhecido cortejo de disfunções e de custos que acabam por converter a vida intra muros num doloroso tratamento desumano e degradante. Muito para além do que é exigível suportar em nome do cumprimento de uma pena.5

Repete-se que a sobrelotação persiste e as condições gerais na maior parte dos estabelecimentos prisionais são problemáticas, o resultado esperado com o acórdão Torreggiani não foi alcançado. A avaliação positiva dos esforços do legislador italiano não implica a eliminação de um problema que ainda existe em toda a sua gravidade.

Até hoje, os mortos durante detenção em 2014 são 61, dos quais 17 se suicidaram: dado de grande significado para efeitos da avaliação da situação prisional em todos os seus aspectos.

Outro dado lamentável é representado pelas condições médico-sanitárias: segundo um recente relatório da sociedade italiana de medicina e saúde prisional nas prisões italianas há boom de tuberculose, hepatite e Sida com números alarmantes. A incidência da tuberculose nos estabelecimentos prisionais é maior das 25 às 40 vezes que na população em geral e a mesma coisa pode-se dizer para a sida e hepatites.

O regime do MDE tem uma clara intenção de conferir mais celeridade em comparação com o regime da extradição, mas Apesar de tudo, e como de todos os lados se reconhece e sublinha, este regime está longe de ditar uma imposição da execução automática do Mandado. Para além das causas obrigatórias e facultativas de recusa (previstas tualivamente nos artigos 11g e 12° da Lei n° 65/2003, de 23 de Agosto) sobra igualmente líquido que o Mandado não pode em nenhum caso ser levado a cabo à custa do sacrifício dos direitos fundamentais ou da sua exposição ao risco real de sacrifício. O que vale tanto para os direitos fundamentais consagrados na Constituição como para os que são reconhecidos nas Convenções internacionais aprovadas e ratificadas por Portugal. E, concretamente, para os direitos humanos previstos e reconhecidos pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem6. A serem naturalmente assumidos com a compreensão, a extensão e a densidade axiológico-normativa que a Convenção lhes reconhece e adscreve. Concretamente, com o significado e o sentido que lhes empresta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.'

E concluído o requerido, como concluem tão ilustres mestres8:

7. A serem pertinentes, como se nos afigura, as considerações que deixamos expendidas permitem-nos concluir com segurança:

No estado tua/ das coisas, o cumprimento de pena nas prisões italianas corresponde à submissão a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes. Ou, ao menos, ao risco sério e real de submissão àqueles tratamentos.

Neste contexto, a execução de um Mandado Europeu de Detenção, a reclamar a entrega de um cidadão para cumprir pena — particularmente uma pena relativamente elevada — em prisão italiana redunda numa violação da proibição das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes constante do artigo 39 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Foi seguramente neste sentido que se pronunciou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem quando, confrontado com o caso Torreggiani e outros contra Itália (3013), concluiu que o sistema prisional italiano enfermava de carências e disfunções estruturais e sistémicas. Que tornavam o cumprimento de pena nas prisões italianas incompatível com a Convenção dos Direitos do Homem.

Na certeza de que aquelas deficiências sistémico-estruturais continuam, apesar de tudo, a ser a marca da vida intra muros nas prisões italianas.

e) À semelhança do que, em casos idênticos, vêm fazendo os tribunais britânicos, o Tribunal português deve recusar a execução do Mandado Europeu de Detenção que reclama a entrega do detido XXX para cumprir nas prisões italianas uma pena superior a 13 anos. Terá forçosamente de ser assim pelo menos enquanto as autoridades italianas não fizerem chegar ao processo dados que permitam concluir, com segurança, que o perigo de submissão a pena ou tratamentos desumanos ou degradantes foi definitivamente afastado.

Devendo assim, e nesta linha de argumentação, ser recusada execução do MDE e a consequente rejeição da entrega do requerido XXX ao Estado Italiano.

V

VIOLAÇÃO DO ARTIGO 6º DA CEDH

Os factos que foram julgados pelo Tribunal da Relação de Turim remontam a 1995-1997.

Este Tribunal proferiu acórdão em 2002.

Este acórdão, apenas se tornou definitivo em 2007.

A distância de mais de 10 anos entre a prática dos factos e uma decisão definitiva é incompatível com um prazo razoável de um processo equitativo.

O enorme intervalo temporal existente entre o momento da ocorrência dos factos constituintes do crime e o tempo em que o arguido se encontra a descontar a pena, bem como a longa duração do processo que julgou os referidos factos são elementos que merecem particular atenção.

Em relação às referidas circunstâncias, surge a violação de princípios fundamentais estabelecidos não somente no direito interno italiano mas, também e principalmente, nas fontes internacionais e europeias.

Acresce, que dificilmente se alcança qualquer finalidade da pena depois de mais de 10 anos de distância entre o mal e a decisão da pena e cerca 20 anos entre os factos o inicio do cumprimento da pena.

Repare-se que o mandado de detenção surge apenas em outubro de 2013, não sobressaindo do seu conteúdo que o requerido esteve numa situação de fuga até esse momento.

Outro aspecto sobre o qual merece refletir é a avaliação das medidas cautelares sofridas pelo requerido.

Como já se disse, o mesmo foi detido em 17/5/1997 e foi submetido a uma medida cautelar em prisão até 1/6/1998, quando foi libertado por vencimento dos prazos.

Depois da sua libertação, imediatamente, em 4 de Junho de 1998, foi-lhe aplicada a obrigação de permanência na habitação entre as 21h e as 7h, e a proibição de ausência do conselho de residência na horas diurnas.

Somente em 9 de Julho de 2002, ou seja decorridos mais de quatro anos, lhe foi revogada a obrigação de permanência na habitação, sendo-lhe confirmada a obrigação de apresentação diária à P.J.; em 28 de Maio de 2004, também neste caso por vencimento dos prazos máximos (6 anos), foi-lhe revogada a obrigação de apresentação.

Conforme resulta do ponto 3 do MDE, foi descontado somente o período de prisão preventiva (1 ano e 18 dias), sem avaliar o longo período de aplicação das medidas cautelares consistentes na obrigação de permanência na habitação – 4 de junho de 1998 a 9 de julho de 2002.

A este propósito, no Direito Penal – artigo 802 - e Processual Penal Português – 2012 - tal desconto não oferecia duvidas, pois com autorização para trabalhar durante o dia, estava verdadeiramente ao abrigo de uma obrigação de permanência na habitação.

A ausência deste desconto, como o atesta o mandado detenção europeu, viola o direito nacional, mas acima de tudo, também, o artigo 5º e 6º da CEDH.

Nestes termos e demais de direito:

Deve ser admitida a apresente oposição;

Deve ser ordenada a tradução dos documentos agora juntos – artigos 34º da Lei 65/2003 e artigo 92º n.º 6 do CPP;

Deve ser recusada a execução do mandado de detenção. …”.

Juntou o parecer de fls. 124/151 e os documentos de fls. 154/197.

O MP[2] respondeu em 24/09/2014, a fls. 199/200, pronunciando-se, em suma, pelo cumprimento do MDE.

Ouvido o Requerido e tidos em conta os documentos dos autos, consideramos assente a seguinte matéria de facto:

1) Em 18/10/201, foi emitido o MDE de fls. 47/59 (original e tradução), contra o Requerido, para cumprimento do remanescente de uma pena de 14 (catorze) anos e 4 (quatro) meses de prisão, que lhe foi plicada por decisão transitada em julgado em 06/11/2007, por, entre data não concretamente apurada anterior a 1995 e 17/05/1995, deter e importar para Itália estupefacientes, e por, em 17/05/1997, deter 182.84 Kg. de cacaína, crimes p. e p. pelos art.ºs 73º, 74º/1/2/3 e 80º do Decreto do Presidente da República Italiana n.º 309/1990 e art.º 110º do Código Penal Italiano;

2) O Requerido foi detido em Lisboa, no dia 27/08/2014, pelas 08.30 h. (fls. 4);

3) O Requerido tem nacionalidade Italiana.

*

Não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente os seguintes alegados pelo Requerido:
a) Que as condições de detenção em Itália violam a proibição de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.

*

Para fixar esta matéria de facto, o tribunal baseou-se nos seguintes elementos de prova:

Os factos foram dados como provados com base no MDE supra referido.

O facto a) foi dado como não provado porque o Requerido não juntou qualquer prova sobre a situação atual do sistema prisional italiano nem sobre as condições do(s) estabelecimento(s) onde cumprirá pena, limitando-se a juntar condenações anteriores do Estado Italiano por via dessas condições e recusas de outros Estados em extraditarem para Itália com base nessas condições, o que consideramos insuficiente para dar como provado que as condições hoje subsistentes são as apontadas pelo Requerido.

*

Cumpre decidir.

Questão prévia:

O Requerido alega que não é aplicável ao seu caso o regime do MDE, atenta a data dos factos.

E tem razão.

Na verdade, os factos ocorreram entre data não concretamente apurada anterior a 1995 e 17/05/1995 e em 17/05/1997, datas anteriores à entrada em vigor da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, de 13/06, transposta pela Lei 65/2003, de 23/08.

Ora, tendo em conta a declaração feita pela Itália[3], relativamente àquela Decisão-Quadro, e o disposto no art.º 32º[4] da Decisão-Quadro e no art.º 40º[5] da Lei 65/2003, de 23/08, forçoso é concluir que este regime do MDE não se aplica ao caso em apreço.

Por isso, o regime aplicável terá que ser o sistema de extradição aplicável antes de 01/01/ 2004, ou seja, a Convenção Europeia de Extradição (CEE), de que quer a Itália, quer Portugal são partes contratantes, e, subsidiáriamente, pela Lei 144/99, de 31/08, e pelo CPP, nos termos do art.º 3º daquela Lei e do art.º 229º deste Código.

Não existe qualquer exigência de forma deste regime que não esteja cumprido pelo pedido ora em apreço.

 “… A extradição constitui uma das formas de cooperação internacional em matéria penal, mediante a qual um Estado (requerente) solicita a outro Estado (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste, para efeitos de procedimento penal ou para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas de liberdade, por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.

As condições em que é admissível e pode ser concedida a extradição, quando Portugal seja Estado requerido (extradição passiva), são fixadas primeiramente pelas disposições constantes de tratados internacionais, multilaterais ou bilaterais sobre extradição em que Portugal seja parte, e, em geral, pelas disposições, substantivas e processuais, fixadas o regime jurídico relativo á cooperação internacional em matéria penal (Lei nº 144/99, de 31 de Agosto - LCIMP).

Embora a solução resultasse já do princípio da prevalência do direito internacional, consagrado no artigo 8º do Constituição, o artigo 229º do Código de Processo Penal afirma expressamente que a extradição (bem como outras formas de cooperação internacional relativamente à administração da justiça penal) é regulada pelos tratados e convenções internacionais, e só na sua falta ou insuficiência intervém o disposto em lei especial. É o que também, dispõe o artigo 3º nº 1 do LCIMP. …”[6].

*

O Requerido não é cidadão português (art.º 6º/1 da CEE e reserva formulada por Portugal).

As infracções por que foi condenado não são de natureza política, militar ou fiscal (art.ºs 3º a 5º da CEE).

Os crimes por que foi condenado são puníveis quer em Itália quer em Portugal.

Não se verifica qualquer das causas de recusa obrigatória previstas na CEE e nos art.ºs 6º a 8º e 32º da Lei 144/99, de 31/08.

Por outro lado, como vimos, o Requerido não foi julgado à revelia, pelo que não tem aplicação a causa de recusa facultativa prevista no art.º 3º do Segundo Protocolo Adicional à CEE.

Importa realçar que, não se tendo provado que as condições de detenção em Itália violam a proibição de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, para efeitos do disposto no art.º 6º/1-a) da CEDH[7], não se verifica esta causa de recusa.

Não se encontra pendente em Portugal qualquer processo com o mesmo objecto (art.º 18º/1 da Lei 144/99, de 31/08).

O Requerido não alegou qualquer facto que pudesse constituir a causa de recusa facultativa prevista no art.º 18º/2 da referida Lei.

Além disso, a CEE não prevê esta causa de recusa facultativa e Portugal também não formulou reserva que a consagrasse (contrarimente a outros países contratantes, como o Azerbaidjão, a Georgia, a Hungria, o Luxemburgo, a Holanda, a Noruega, a Rússia e a Suécia) pelo que entendemos que não se trata de uma lacuna, mas resulta da vontade das partes contratantes de não prever outras causas de recusa da extradição.

Como este tratado prevalece sobre aquela Lei, nunca poderia valer tal causa de recusa facultativa.

Por último a demora na decisão definitiva da causa, ainda que constitua violação do art.º 6º da CEDH, não constitui causa de recusa obrigatória ou facultativa.

*****

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, acordamos em deferir o requerido e, consequentemente, autorizar a extradição, para a Itália, para aí cumprir a pena em que foi condenado.

Sem custas (artigo 73º/1 da Lei nº 144/99, de 31/08), sem prejuízo do disposto no artigo 26º do mesmo diploma.

*

Notifique.

Dê conhecimento.

Após trânsito passe entregue os competentes mandados.

D.N..

*****

Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).

*****

Lisboa, 02/10/2014

João Abrunhosa

Maria do Carmo Ferreira

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[1] Polícia Judiciária.
[2] Ministério Público.
[3] Com o seguinte teor: “A Itália continuará a tratar de acordo com as normas em vigor em matéria de extradição todos os pedidos relacionados com factos praticados antes da data de entrada em vigor da decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu, tal como previsto no artigo 32.º da mesma.”.

[4]Artigo 32.º Disposição transitória
1. Os pedidos de extradição recebidos antes de 1 de Janeiro de 2004 continuarão a ser regidos pelos instrumentos em vigor em matéria de extradição. Os pedidos de extradição recebidos a partir de 1 de Janeiro de 2004 serão regidos pelas regras adoptadas pelos Estados-Membros de acordo com a presente decisão-quadro. Todavia, qualquer Estado-Membro pode, no momento da aprovação da presente decisão-quadro, fazer uma declaração indicando que, enquanto Estado-Membro de execução, continuará a tratar de acordo com o sistema de extradição aplicável antes de 1 de Janeiro de 2004 os pedidos relacionados com factos praticados antes de uma data que especificará. A data em questão não pode ser posterior a 7 de Agosto de 2002. A referida declaração será publicada no Jornal Oficial, podendo ser retirada a qualquer momento.

[5]Artigo 40.º Entrada em vigorVer jurisprudência
O regime jurídico do mandado de detenção europeu entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004, aplicando-se aos pedidos recebidos depois desta data com origem em Estados membros que tenham optado pela aplicação imediata da Decisão Quadro, do Conselho, de 13 de Junho de 2002 relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados membros, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 18 de Julho de 2002.”.
[6] Acórdão do STJ de 13/04/2005, relatado por Henriques Gaspar, in www.gde.mj.pt, processo 05P745. Também afirmando a posição infra-constitucional mas supra-legal do direito convencional internacional, ver Mário M. Serrano, in “Extradição – Regime e Praxis”, inserido no Volume I de “Cooperação Internacional Penal – Extradição – Transferência de Pessoas Condenadas”, Centro de Estudos Judiciários, 2000, págs. 27 a 29; Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, vol. I, Coimbra Editora, 2005, págs. 91 a 96; Ireneu Cabral Barreto, in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, Coimbra Editora, 2005, págs. 31 e 32; Iolanda A.S. Rodrigues de Brito, in “Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas”, Coimbra Editora, 2010, págs. 103 a 109, nestes dois últimos casos especificamente para a CEDH.
[7] Aplicável ex vi art.º 3º da CEE.