Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2996/20.7T8CSC-D.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ADVOGADO
DIREITO DE PROTESTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I. O advogado tem direito a requerer na audiência de julgamento o que considerar oportuno à defesa dos interesses do seu representado; se lhe não for concedida a palavra ou o requerimento não for exarado na acta, tem o direito a protesto, que nesse deve obrigatoriamente constar da acta e fica a valer como arguição de nulidade (artigo 80.º do EOA).

II. Todavia, para que possa proceder a nulidade é preciso que o advogado especifique quais os esclarecimentos que pretendia e lhe não foi permitido obter e isso fique a contar da acta para poder ser emitido um juízo acerca da sua pertinência para a boa decisão da causa, pois que afinal o juiz goza de todos os poderes necessários para tornar útil e breve a discussão e para assegurar a justa decisão da mesma (art.º 602.º, n.º 1 do CPC).


(Elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


I – Relatório.


Notificado o despacho proferido pela Mm.ª Juiz a quo na presente acção declarativa, com processo comum, que AAA (e outros) intentaram contra BBB  (e outros), acerca do protesto que aquela lavrara na acta da sessão da audiência de julgamento que decorrera no dia 20-09-2022, dele veio a mesma apelar, pedindo que seja revogado, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"1. Vem o presente recurso interposto do despacho da M.ª Juíza a quo que, perante o requerimento de protesto apresentado pela mandatária da A., conclui inexistir fundamento legal ao exercício do direito de protesto por parte da mesma mandatária, exercício que considerou abusivo. Ora,
2. A M.ª Juíza a quo permite-se no mesmo despacho insinuar a existência de uma hipotética – e realmente de todo inexistente – infracção disciplinar, com uma referência que se revela não só de todo injustificada e despicienda, como até excedendo os limites do dever, que é relacional e recíproco, de urbanidade e correcção.
3. Dever esse a que a mesma magistrada se encontra obviamente vinculada. Por outro lado,
4. É preciso ter presentes as circunstâncias particulares – que precisamente a mesma Sra. Juíza a quo oblitera por completo – da presente acção, que é daquelas que justificam um ainda rigoroso controlo por parte dos Tribunais (visto respeitar, no entender da A. a uma sofisticada operação jurídico-formal de fraude à lei, v.g as relativas à transmissão de empresas ou estabelecimentos e aos despedimentos colectivos, e à necessidade de protecção dos direitos dos trabalhadores atingidos),
5. Exigindo do julgador uma ainda maior preocupação com a protecção do contraente mais débil, como forma de garantir a igualdade substancial das partes, com a busca da verdade material dos factos e com o predomínio da materialidade sobre a formalidade.
6. Havendo a mandatária da A., no exercício do seu mandato e em defesa dos direitos e legítimos interesses dos seus constituintes, entendido não apenas poder, mas até dever protestar contra a forma como a Sra. Juíza a quo não lhe tinha permitido colocar pedidos de esclarecimento ao depoente que acabara de prestar depoimento e em contrapartida tinha anuído aos pedidos de esclarecimentos apresentados pelo Ilustre Mandatário BBB
7. Indicando explicitamente – ao contrário do que erradamente refere o despacho impugnado – que os seus próprios pedidos de esclarecimentos se reportavam ao grupo …, ao modo como as diversas empresas se interligavam e sobretudo como a Fundação era a dona, a beneficiária e a dirigente efectiva do mesmo grupo,
8. Do mesmo passo que as questões colocadas pelo mesmo Ilustre mandatário se reportavam a factos sobre as quais o depoente não depusera e nomeadamente quanto às relações das RR. dos presentes autos com outras empresas de outros grupos que nada têm que ver com o objecto deste processo e a matérias a este totalmente estranhas.
9. Para a A., se já é errado tentar-se impedir a descoberta e a demonstração de factos instrumentais, complementares ou acessórios relativamente aos essenciais, mais errado é obstaculizar a dilucidação daqueles que interessam à A. e anuir à colocação de esclarecimentos e à suscitação daqueles outros que convêm à posição das RR. mas que nenhuma natureza de 'instância' ou de pedido de esclarecimento têm.
10. Essa é a convicção da mesma A., ainda que a M. Juíza a quo a possa considerar errada e até injusta, mas tal não pode ser sinónimo da atribuição à mandatária de reprováveis intuitos que manifestamente aquela não tem.
11. Mesmo que se pudesse aceitar o entendimento de que o requerimento apresentado pela mandatária da A., constituindo um protesto contra a situação criada, não corresponderia ao direito de protesto do art.º 80.º do EOA, o certo é que tal questão é completamente inócua já que é inequívoco que, por ele, a mandatária requereu/reclamou aquilo que, em benefício do patrocínio, entender reclamar.
12. O exercício de protestar ou reclamar contra aquilo que se considera injusto ou errado não é apenas um direito, mas um basilar dever deontológico de todo o Advogado,
13. Competindo-lhe fazê-lo com correcção – tal como a mandatária da A. aqui fez, pois em nada atingiu a pessoa a honorabilidade da pessoa da Sra. Juíza a quo, mas antes lhe censurou condutas – mas também com a plena liberdade que a consagração do papel do mandatário que pela CRP (art.º 208.º), que pelo ponto 20 aprovado no '8.º Congresso das Nações Unidas para a prevenção e tratamento dos delinquentes' necessariamente exige e impõe.
14. O Advogado tem que ouvir, tem que ver, tem que falar, e não metade, mas tudo o que, em consciência, entenda para defender, de forma correcta como foi aqui o caso, os interesses dos seus constituintes.
15. Não tem, pois, o despacho recorrido qualquer fundamento quer de facto, quer de Direito, sendo até susceptível de ser interpretado como uma ameaça, ética e legalmente inaceitável, sobre um Advogado no exercício das suas funções, e como tal deve ser integralmente revogado".

Nenhuma das rés contra-alegou.

Admitido o recurso na 1.ª Instância para subir imediatamente e em separado dos autos e remetido a esta Relação, foram os autos com vista ao Ministério Público,[1] tendo o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto sido do seguinte parecer:
"(...)
A autora AAA vem interpor recurso desse despacho, alegando que 'Vem o presente recurso interposto do despacho da MJ Juíza a quo que, perante o requerimento de protesto apresentado pela mandatária da A., conclui inexistir fundamento legal ao exercício do direito de protesto por parte da mesma mandatária, exercício que considerou abusivo' (conclusão 1) e requerendo que o despacho recorrido seja integralmente revogado (conclusão 15).
No designado protesto apresentado pela mandatária da autora, pode ler-se o seguinte:
'(...) exercer o seu direito de protesto relativamente à forma como efectivamente a audiência de julgamento correu termos, relativamente aos critérios quanto aos esclarecimentos, que no seu entender, não que não se mostraram iguais relativamente às partes. A Mandatária dos autores viu-se impedida de colocar diversos esclarecimentos, ou uma manifesta má vontade que a mandatária colocasse esses mesmos pedidos de esclarecimentos sendo esta a sua função a exercer neste douto Tribunal. Incluindo-se as referências às declarações da autora a instâncias do ilustre mandatário da Fundação BBB, que não viu tal tratamento ser dado em igualdade de circunstâncias, o que no entender da mandatária subscritora consubstancia um tratamento diferenciado com potencial influência no resultado do presente litígio (...).
E, no momento em que se pretende evidenciar esse 'tratamento diferenciado' entre as partes, invoca-se no referido requerimento de protesto que:
'Em vista estão os pedidos de esclarecimentos concretos feitos quanto ao empregador e a companhia do Grupo … com outras empresas de outros grupos que não são parte neste processo e que nada têm a ver com este processo nem são arguidos factos relativamente a essas circunstâncias ou foram feitos esclarecimentos relativamente a essa matéria. Contudo já os pedidos de esclarecimentos feitos pela mandatária subscritora quer quanto à autonomia das empresas do grupo … quanto a empresas do grupo … ou até mesmo relativamente a outros temas, a mesma viu-se impedida de os fazer, ou sendo colocados pedidos de esclarecimentos os mesmos nunca o foram nos termos ou com os efeitos que eram pretendidos.'.
Ou seja, embora não mencione os concretos esclarecimentos que a mandatária da autora entende que deveria ter sido admitida a suscitar, bem como os que o mandatário da ré não poderia ter sido autorizado a formular, apresenta, ainda assim, os temas relativamente aos quais manifesta a sua discordância e que se prendem com as relações entre as empresas dentro do grupo …e com outras fora do mesmo grupo.
Todavia, importa perceber se o protesto tinha um efectivo efeito útil e qual seria.
Ora, manifestamente, não estando especificadas no protesto as concretas questões que a mandatária da autora pretendia que fossem colocadas à declarante, não se vislumbra qual o resultado efectivo que se pretendia alcançar com o mesmo.
E a este propósito, pela sua similitude com a situação que se aprecia neste recurso, traga-se à colação o que se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-07-2009 (p. 2/03.5TAESP-B.P1):
'Embora apelidando o requerimento de protesto - qualificação correcta se se considerar a tomada de posição enquanto manifestação de discórdia; qualificação incorrecta se se considerar o incidente, tal como o descreve a lei -, o que resulta claramente da acta é que o que o mandatário da arguida pretendeu foi manifestar o seu desacordo, irresignação, oposição, ao modo como a inquirição da testemunha estava a ser efectuada pelo juiz do processo. O mandatário do arguido lavrou 'protesto' não por ter sido impedido de requerer oralmente ou por escrito, mas porque o desenvolvimento da inquirição era incorrecto, em seu entender. É isto que resulta claramente da acta.'
No entanto, tal não legitima, como se faz no despacho recorrido, que se possa 'apelidar o exercício do direito de protesto efectivamente exercido como abusivo.'
Mas, como se disse, pretende a autora apelante que o 'despacho recorrido seja integralmente revogado'. Ora, também aqui cabe perguntar qual seria o efeito útil dessa revogação. Efectivamente, não se vislumbra qualquer consequência do ponto de vista do desenvolvimento do processo que pudesse resultar da eventual procedência do recurso.
O protesto ficará nos autos, como já está, e da revogação do despacho recorrido não resultará qualquer consequência na subsequente tramitação processual.
A procedência do recurso só teria repercussão no desenvolvimento da lide, podendo por isso dizer-se que a autora tinha um real interesse nessa decisão, se a revogação do despacho implicasse que fosse proferida outra decisão diferente da que consta desse despacho. Ora, não se alcança que outra decisão deveria ser proferida nem a autora o requer.
A revogação do despacho recorrido não parece poder ser tida como um fim em si mesmo. Nessa medida, não se vislumbrando qualquer efeito para o desenvolvimento do processo, carece de utilidade a pretensão formulada na apelação, pelo que não se afigura que o recurso deva ser julgado procedente".

Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.

Colhidos os vistos, cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo de se atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[2] Assim, a questão a resolver é apenas a de saber se:
• deve o recurso ser provido e com que efeitos.
***

II - Fundamentos.
1. Dados processuais relevantes:
1.1 O despacho recorrido:
"Nos termos e com os fundamentos constantes da acta que antecede, veio a Ilustre Mandatária dos Autores exercer o seu direito de protesto, ao abrigo do disposto no art.º 80.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Apreciando.
No dia 20 de setembro de 2022 no âmbito da audiência final que teve lugar nos referidos autos, pelas 14h00, em que foram tomadas declarações à Autora AAA e, após a ora signatária a ter interrogado aos factos por si indicados e admitidos, foi dada a palavra à Ilustre Mandatária dos Autores para pedir esclarecimentos, o que fez.
Por entender que nem todos os esclarecimentos formulados pela Ilustre Mandatária dos Autores relevavam para o objecto dos autos e/ou já tinham sido respondidos pela declarante, a ora signatária não deferiu todos os pedidos formulados quanto a alguns dos esclarecimentos pretendidos pela Ilustre Mandatária dos Autores.
Perante tais indeferimentos, a Ilustre Mandatária dos Autores manifestou o seu descontentamento, nos precisos termos que constam da gravação da respectiva audiência, não tendo formulado, em momento algum, intenção de deduzir qualquer requerimento para a acta.
Após, foi dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Ré BBB, a quem foram também deferidos e/ou indeferidos os esclarecimentos formulados, com base em igual critério: relevarem, ou não, (os pedidos de esclarecimento formulados) para o objecto dos autos e/ou já, terem ou não, sido respondidos pela Autora.
Finda a tomada de esclarecimentos por parte do Ilustre Mandatário da Ré BBB, pediu a Ilustre Mandatária dos Autores a palavra e, após lhe ter sido concedida, exerceu o seu Direito de Protesto, que ficou a constar da respectiva acta e se encontra gravado, quanto à forma como decorreu a referida audiência e bem assim aos critérios adoptados pelo Tribunal quanto ao (in)deferimento dos esclarecimentos formulados por aquela, afirmando que a ora signatária impediu de colocar esclarecimentos ou manifestou má-vontade em colocá-los, o que, refere, não ter visto acontecer com o Ilustre Mandatário da Ré BBB.
No uso do invocado Direito de Protesto, em nenhum momento, esclareceu a Ilustre Mandatária dos Autores, em que medida é que o(s) esclarecimento(s) que o Tribunal não permitiu que fosse(m) formulado(s), relevaria(m) para a boa decisão da causa.
Também não concretizou a razão pela qual o(s) esclarecimento(s) formulado(s) pelo Ilustre Mandatário da Ré, e que mereceram a anuência do Tribunal, não relevam para a boa decisão da causa.
Limitou-se, apenas, a referir alguns dos esclarecimentos por si formulados e que foram indeferidos e alguns dos esclarecimentos formulados pelo Ilustre Mandatário da Ré que foram deferidos, não invocando sequer a violação, por parte do Tribunal, de qualquer comando legal, o que podia e devia ter feito e que, naturalmente, seria apreciado, sendo ainda certo que sempre teve a acta à disposição para requerer o que tivesse por conveniente conforme, aliás, lhe foi sugerido pela ora signatária.
Fez ainda constar, no uso do Direito de Protesto, que, no entender da Ilustre Mandatária dos Autores, a conduta da ora signatária, consubstancia um tratamento diferenciado entre as partes com potencial resultado no resultado do presente litígio.
Vejamos.
Dispõe o artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados que:
1 - No decorrer de audiência ou de qualquer outro acto ou diligência em que intervenha, o advogado deve ser admitido a requerer oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever do patrocínio, sem necessidade de prévia indicação ou explicitação do respetivo conteúdo.
2 - Quando, por qualquer razão, não lhe seja concedida a palavra ou o requerimento não for exarado em acta, pode o advogado exercer o direito de protesto, indicando a matéria do requerimento e o objecto que tinha em vista.
3 - O protesto não pode deixar de constar da ata e é havido para todos os efeitos como arguição de nulidade, nos termos da lei.
Resulta do transcrito normativo legal, que a figura do protesto ocorre quando, no decurso de audiência ou de qualquer acto ou diligência, o advogado não é admitido a requerer oralmente ou por escrito. Perante este comportamento do juiz que dirige os trabalhos – de impedir a tomada de posição do advogado –, este exercerá o direito de protesto: protesto por ter sido impedido de formular, oralmente ou por escrito, o seu requerimento.
Ora, conforme se pode concluir da acta da audiência, não foi nada disto que sucedeu no caso.
Embora apelidando o requerimento de protesto – qualificação correcta se se considerar a tomada de posição enquanto manifestação de discórdia; qualificação incorrecta se se considerar o incidente, tal como o descreve a lei –, o que resulta claramente da acta é que o que a Ilustre Mandatária dos Autores pretendeu foi manifestar o seu desacordo, irresignação, oposição, quanto ao facto de não lhe terem sido deferidos todos os esclarecimentos que quis formular à Autora no decurso da tomada de declarações desta.
A Ilustre Mandatária dos Autores lavrou 'protesto' não por ter sido impedida de requerer oralmente ou por escrito, mas porque o desenvolvimento da inquirição era, em seu entender, incorrecto.
É isto que resulta claramente da acta.
E não se tratando tecnicamente do direito de protesto, o requerimento/exposição levado a cabo pela Ilustre Mandatária dos Autores surge no exercício do direito de, com urbanidade, civilidade e prosseguindo os interesses dos seus constituintes, reclamar contra algo que entenda estar a ser levado a cabo de forma incorrecta, ou mesmo ilegal.
Qualquer diligência é passível de diferentes posições, opiniões, entendimentos, diferenças que podem, evidentemente, ser expressas por cada um dos participantes.
Sendo tais divergências manifestadas com respeito, civismo, no estrito respeito da lei e deveres deontológicos, terão elas que ser tidas, claro está, como integrando o desenvolvimento normal da lide.
Mas não foi isso que sucedeu in casu.
De facto, no exercício do seu direito de protesto, a Ilustre Mandatária imputou à ora signatária - Juiz da Causa -, um tratamento diferenciado entre as partes com potencial resultado no presente litigio, afirmação essa que, s.m.o, não pode passar incólume, por extravasar, de forma evidente e manifesta, uma defesa combativa, assertiva, séria e convicta dos interesses dos seus constituintes, bem como a finalidade do invocado Direito de Protesto, não se cingindo, por isso, a uma manifestação, com respeito, civismo, no estrito respeito da lei e deveres deontológicos, consubstanciada no desenvolvimento normal da lide.
Tal afirmação põe em causa a imparcialidade da ora signatária e é susceptível de, em abstracto, condicionar a sua conduta processual, não se crendo, contudo, que alguma vez, tenha sido esta (condicionar a conduta processual da ora signatária) a intenção da Ilustre Mandatária dos Autores, sob pena de, a ocorrer, poder estar em causa, pelo menos, um ilícito disciplinar, que seria oportuna e prontamente comunicado à Ordem dos Advogados.
De facto, como a Ilustre Mandatária dos Autores não pode deixar de saber, a independência do juiz é, acima de tudo, um dever – um dever ético-social, devendo o desempenho deste, inter alia, ser rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e, mais do que isso, a assegurar a confiança, a das partes e a geral, na objectividade da jurisdição
Assim, pese embora o direito de discordar, seja lícito, enquanto manifestação, com respeito, civismo, no estrito respeito da lei e deveres deontológicos, consubstanciada no desenvolvimento normal da lide, e no âmbito do mandato conferido, considerando os termos em que o mesmo foi, in casu, exercido – e que está retratado na acta -, não pode deixar de se apelidar o exercício do direito de protesto efectivamente exercido como abusivo.
Contudo, atendendo ao momento em que tal protesto foi deduzido, e não se crendo, repita-se, que tenha sido exercido com o fim de conseguir um objectivo ilegal, situação insusceptível de ser confundida, com posições que podem ser encaradas como erros técnicos (como se entende ser o caso), sendo ainda certo que o exercício do direito de protesto não foi intencionalmente dirigido a retardar o andamento dos trabalhos, nem ao entorpecimento do processo (requisitos cumulativos da figura), após ponderação, entende-se não haver lugar a condenação a título de taxa sancionatória excepcional.
Face ao exposto, é forçoso concluir inexistir fundamento legal ao exercício do direito de protesto por parte da Ilustre Mandatária dos Autores, tal como consagrado no art.º 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados".

1.2 O protesto em acta da Ilustre Mandatária da apelante:
"A mandatária dos autores vem nos termos do art.º 80.º do estatuto da Ordem dos Advogados, exercer o seu direito de protesto relativamente à forma como efectivamente a audiência de julgamento correu termos, relativamente aos critérios quanto aos esclarecimentos, que no seu entender, não que não se mostraram iguais relativamente às partes. A Mandatária dos autores viu-se impedida de colocar diversos esclarecimentos, ou uma manifesta má vontade que a mandatária colocasse esses mesmos pedidos de esclarecimentos sendo esta a sua função a exercer neste douto Tribunal. Incluindo-se as referências das declarações da autora a instâncias do ilustre mandatário da BBB, que não viu tal tratamento ser dado em igualdade de circunstâncias, o que no entender da mandatária subscritora consubstancia um tratamento diferenciado com potencial influência no resultado do presente litígio, pelo que requer que a questão seja apreciada devidamente. Em vista estão os pedidos de esclarecimentos concretos feitos pelo Ilustre mandatário da BBB quanto ao empregador e a companhias do Grupo …com outras empresas de outros grupos que não são parte neste processo e que nada têm a ver com este processo nem são arguidos factos relativamente a essas circunstâncias ou foram feitos esclarecimentos relativamente a essa matéria. Contudo já aos pedidos de esclarecimentos feitos pela mandatária subscritora quer quanto à autonomia das empresas do grupo … quanto a empresas do grupo … e até mesmo relativamente a outros temas, a mesma viu-se impedida de os fazer, ou sendo colocados pedidos de esclarecimentos, os mesmos nunca o foram nos termos ou com os efeitos que eram pretendidos.
A este respeito deduz o Termo de Protesto".

2. O direito.
Vejamos então como decidir a questão atrás enunciada.
           
O art.º 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (a Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro) estatui que:
"1 - No decorrer de audiência ou de qualquer outro acto ou diligência em que intervenha, o advogado deve ser admitido a requerer oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever do patrocínio, sem necessidade de prévia indicação ou explicitação do respetivo conteúdo.
2 - Quando, por qualquer razão, não lhe seja concedida a palavra ou o requerimento não for exarado em acta, pode o advogado exercer o direito de protesto, indicando a matéria do requerimento e o objecto que tinha em vista.
3 - O protesto não pode deixar de constar da acta e é havido para todos os efeitos como arguição de nulidade, nos termos da lei".

A este propósito convém lembrar as sábias palavras escritas por Germano Marques da Silva, num contexto legislativo pretérito, é certo, mas integralmente replicável no actual:
"I. O significado comum da palavra protesto é o de declaração formal de que um acto é ilegal ou que se não aceita e é também nesse sentido que é usada no n.º 2 do art.º 64.º do EOA. Se o advogado for impedido de requerer, quando o entender conveniente no exercício do patrocínio ou o requerimento não for exarado em acta, pode exercer o direito de protesto e o acto de protesto deve constar da acta.
O protesto, segundo o n.º 2 do referido art.º 64.º, só tem, pois, lugar, quando o advogado for impedido de requerer ou o requerimento não for exarado na acta e corresponde à declaração formal de não aceitação da decisão do tribunal, por violação do direito que lhe é atribuído pelo n.º 1 do art.º 64.º do EOA, mas o que importava essencialmente era o conteúdo do requerimento que o Advogado pretendia formular e a sua transcrição na acta e é por isso que no protesto se deve indicar a matéria do requerimento e o objecto que tinha em vista. É esta declaração formal que é havida para todos os efeitos como arguição de nulidade.
(…)
Não é ao protesto enquanto declaração de arguição de nulidade no decurso de acto ou diligência que se refere o art.º 64.º do EOA, mas ao direito de protesto pelo impedimento do exercício do dever de patrocínio por parte do advogado.
III. O n.º 1 do referido art.º 64.º do EOA dispõe que no decorrer da audiência ou de qualquer outro acto ou diligência em que intervenha, o advogado deve ser admitido a requerer oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever de patrocínio.
É ao advogado que cumpre definir a oportunidade de requerer o que tiver por conveniente ao patrocínio, mas casos há em que se o requerimento não for imediato, isto é, no próprio momento em que determinado acto do processo está a ser praticado, o requerimento perde eficácia. Assim, por exemplo, se durante a audiência se comete uma irregularidade, deve logo ser arguida; se não o for, fica suprida (art.º 123.º do CPP). Por isso que o juiz não conhece o conteúdo do requerimento antes deste ter sido formulado, o advogado deve ser admitido a requerer no momento que ele próprio considerar oportuno. O requerimento será depois deferido ou indeferido, mas não pode é ser recusada a sua formulação. Se recusada a formulação do requerimento, então e só então há lugar ao protesto, nos termos do art.º 64.º do EOA, direito do advogado que lhe é conferido pelo seu estatuto profissional de fazer constar da acta o impedimento do exercício do patrocínio, protesto que não pode deixar de constar da acta.
(…)
O n.º 3 do art.º 64.º do EOA dispõe que o protesto é havido para todos os efeitos como arguição de nulidade, nos termos da lei. Esta nulidade não é só a do acto judicial impeditivo da formulação do requerimento — o advogado tem o direito de requerer o que julgar conveniente ao dever de patrocínio — mas também a eventual nulidade que pela via do requerimento se pretendia arguir.
(…)
O protesto é, pois, um meio instrumental, uma declaração formal de que um acto é ilegal e corresponde à arguição da nulidade (em sentido amplo) dessa ilegalidade. Não é um desabafo, não é um aparte, é um acto formal de arguição de uma nulidade de processo".[3]
           
Em linha com isto tem seguido a jurisprudência, como foi no caso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13-01-2022, no processo n.º 721/21.4BELRS-R1, publicado em http://www.dgsi.pt, assim sumariado:
"I. Na prossecução do dever de patrocínio, o Advogado deve ser admitido a requerer o que tiver por conveniente no decorrer da audiência ou outro ato em que intervenha (artigo 80/1 do EOA).
II. Apenas nos casos em que não seja concedida a palavra ao MI Advogado ou o requerimento não seja lavrado ou transcrito em ata é que está previsto o exercício do direito ao protesto.
III. Assim, o direito ao protesto, previsto no artigo 80.º do EOA tem subjacente que o direito a requerer tivesse sido negado".

Foi também esse o entendimento do acórdão da Relação do Porto, de 08-07-2009, no processo n.º 2/03.5TAESP-B.P1, publicado em http://www.dgsi.pt, citado pelo Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, conforme se pode ver das palavras dele colhidas:
"Resulta da lei, portanto, que a figura do protesto ocorre quando, no decurso de audiência ou de qualquer acto ou diligência, o advogado não é admitido a requerer oralmente ou por escrito. Perante este comportamento do juiz que dirige os trabalhos – de impedir a tomada de posição do advogado –, este exercerá o direito de protesto: protesto por ter sido impedido de formular o seu pedido.
Ora, conforme se pode concluir da acta da audiência, não foi nada disto que sucedeu no caso. Embora apelidando o requerimento de protesto – qualificação correcta se se considerar a tomada de posição enquanto manifestação de discórdia; qualificação incorrecta se se considerar o incidente, tal como o descreve a lei –, o que resulta claramente da acta é que o que o mandatário da arguida pretendeu foi manifestar o seu desacordo, irresignação, oposição, ao modo como a inquirição da testemunha estava a ser efectuada pelo juiz do processo. O mandatário do arguido lavrou “protesto” não por ter sido impedido de requerer oralmente ou por escrito, mas porque o desenvolvimento da inquirição era incorrecto, em seu entender. É isto que resulta claramente da acta.
E aqui não cabe, claro está, avaliar da razão substancial do requerimento, análise que não tem razão de ser nesta sede.
Portanto, o enquadramento do caso não tem qualquer semelhança com o protesto do art.º 75.º do E.O.A.".

E na mesma linha seguiu o acórdão da Relação de Guimarães, de 25-11-2019, no processo n.º 1099/17.T9BGC.G1, publicado em http://www.dgsi.pt:
"I - O direito ao protesto que se encontra previsto no n.º 2 do artigo 362.º do CPP e o artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09.09, consiste no direito instrumental, no exercício do patrocínio do advogado, de requerer, no decorrer de audiência ou de qualquer outro ato ou diligência em que intervenha, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever de patrocínio.
II - A violação desse direito constitui irregularidade processual, cfr. artigo 123.º do CPP. Por isso, do protesto deve constar o conteúdo do requerimento que o advogado pretendia formular e de que foi impedido, pois a irregularidade só deve ser reparada se afectar o valor do ato praticado e não assim se for inócua".

Temos, assim, consagrado na lei o direito do advogado a requerer na audiência de julgamento o que considerar oportuno á defesa dos interesses do seu representado; se lhe não for concedida a palavra ou o requerimento não for exarado na acta, tem o direito a protesto, que nesse deve obrigatoriamente constar da acta e fica a valer como arguição de nulidade.

Todavia, no caso sub iudicio não foi isso que se passou, pois a Mm.ª Juiz a quo não deixou de conceder a palavra nem impediu a Ilustre Mandatária da autora de requerer no decurso da audiência de julgamento. É certo que a Ilustre Mandatária se insurgiu contra a circunstância de ter sido "impedida de colocar diversos esclarecimentos, ou uma manifesta má vontade que a mandatária colocasse esses mesmos pedidos de esclarecimentos", mas a verdade é que não precisou quais terão sido os esclarecimentos em causa nem isso conta da acta, pelo que não pode ser emitido um juízo acerca da sua pertinência para a boa decisão da causa; e convém não esquecer que o art.º 602.º do Código de Processo Civil estatui no n.º 1 que "o juiz goza de todos os poderes necessários para tornar útil e breve a discussão e para assegurar a justa decisão da causa" e no n.º 2 que "ao juiz compete em especial: a) Dirigir os trabalhos e assegurar que estes decorram de acordo com a programação definida; (…) c) Tomar as providências necessárias para que a causa se discuta com elevação e serenidade; d) Exortar os advogados e o Ministério Público a abreviarem os seus requerimentos, inquirições, instâncias e alegações, quando sejam manifestamente excessivos ou impertinentes, e a cingirem-se à matéria relevante para o julgamento da causa, e retirar-lhes a palavra quando não sejam atendidas as suas exortações".

E assim sendo, não pode conceder-se a apelação.
***

III - Decisão.
Termos em que se acorda negar provimento à apelação.
Custas pela apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
*


Lisboa, 15-03-2023.


(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)


[1] Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[2]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[3]In Direito de protesto, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 59, Volume III, Dezembro de 1999, páginas 851 a 853, consultado em https://portal.oa.pt/upl/%7Bd501a337-4ab7-4011-a47a-33e1eacab813%7D.pdf.