Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5501/18.1JFLSB-A.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: COMPETÊNCIA
CONTRAFACÇÃO DE MOEDA
PASSAGEM DE MOEDA FALSA EM ACORDO COM O FALSIFICADOR
TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
TRIBUNAL CENTRAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDOS
Sumário: - Se aos arguidos são imputados crimes que constituem “infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional” cometidas em comarcas pertencentes a tribunais da Relação diferentes, nos termos do artigo 120.º, n.º1, al. k), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, seria competente o Tribunal Central de Instrução Criminal (T.C.I.C.), o que se refere à incompetência meramente funcional, e não em razão da matéria, já que ambos os tribunais, T.I.C. e T.C.I.C., se inserem na jurisdição criminal, divergindo apenas quanto ao âmbito territorial/funcional, tendo este último uma competência territorial mais vasta (nacional), mas apenas para certos tipos de crime.
- Ainda que se parta do pressuposto de que os crimes de contrafacção de moeda, p. e p. pelo artigo 262.º, e de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador, p. e p. pelo artigo 264.º, n.º1, do Código Penal são infracções económico-financeiras, haverá que averiguar, no caso, da dimensão internacional ou transnacional das mesmas.
- A dimensão internacional ou transnacional dos crimes resulta, em princípio, de serem cometidos em mais de um Estado; sendo cometidos num só Estado, uma parte substancial da sua preparação, planeamento, direcção ou controlo tenha lugar noutro Estado; tendo sido cometidos num só Estado, envolvam a participação de um grupo criminoso organizado que pratique actividades criminosas em mais de um Estado; ou sendo cometidos num só Estado, produzam efeitos substanciais noutro Estado.
- Se, da informação colhida resulta que o processo de inquérito se iniciou em Lisboa, com a notícia, chegada à Polícia Judiciária de Lisboa, vinda de congéneres europeias, da detecção de notas falsas com origem em Portugal, designadamente enviadas de agência dos correios de Lisboa e se, existem outros arguidos para além do recorrente e havendo uma investigação criminal que está em curso, ainda se mantêm por determinar os locais onde todos os factos ocorreram, sendo que, como já se disse, foi em Lisboa que o processo teve início e é em Lisboa que prossegue por ser onde primeiro chegou a notícia do crime, entende-se a escolha, para definição da competência, do critério da prioridade temporal do conhecimento dessa notícia, sem prejuízo do que possa vir a resultar de diverso, a posteriori, quanto à definição da competência, fruto do desenvolvimento da investigação e da fixação dos factos e das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram praticados.
- A falta de fundamentação do despacho que aplique medida de coacção, que anteriormente constituía uma simples irregularidade, passou a configurar uma nulidade com a revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, encontrando-se o dever de fundamentação vinculado a um determinado conteúdo, mas não se encontrando tal nulidade expressamente prevista como insanável (artigo 119.º), tem-se concluído tratar-se de uma nulidade relativa, nos termos do artigo 120.º do C.P.P. e, por conseguinte, dependente de arguição pelo Ministério Público ou pelo arguido, se presentes no acto, no próprio acto e antes que o mesmo termine – art. 120.º n.º 3, alínea a) –, perante o tribunal da decisão, sob pena de sanação. 
- Nos casos em que exista um muito forte perigo de fuga, a obrigação de permanência na habitação, mesmo que fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância (OPHVE), não previne eficazmente esse perigo.
- Se no caso, porém, se definiu existir “algum perigo de fuga, não tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa” o que relativiza o perigo de fuga, não há razão para negar a aplicação da obrigação de permanência na habitação, o mesmo se podendo afirmar em relação ao perigo de perturbação do inquérito.
- O arguido deve continuar em prisão preventiva até ao início da execução da medida agora decidida, pois enquanto não estiver eficazmente garantido que não irá ausentar-se de casa, não estará acautelado o fortíssimo perigo de continuação da actividade criminosa – apesar de este se mostrar diminuído face às apreensões efecuadas - e, caso não seja possível a execução da vigilância electrónica, manter-se-á a medida de prisão preventiva imposta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1. No termo do primeiro interrogatório judicial dos arguidos MP e GF , melhor identificados nos autos, foi decidido que aguardassem os arguidos os ulteriores termos processuais em prisão preventiva.
           
2. Os arguidos recorreram para esta Relação, concluindo nos seguintes termos:

2.1. Recurso de MP (transcrição das conclusões):
1. O presente recurso tem como objecto o douto Despacho de 3.07.2019, proferido no âmbito do processo acima identificado (supra transcrito), na parte em que determinou que o Arguido, ora Recorrente, aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção prisão preventiva, com fundamento nas disposições constantes dos artigos 191.° a 194.°, 195.°, 202.°, n.° 1, alínea a) e 204.°, alíneas a), b) e c), todos do CPP.
2. Ao Recorrente foi imposta a medida de coacção de prisão preventiva, porque tanto o Ministério Público, como a Mma. Juiz a quo, consideraram haver fortes indícios da prática, pelo ora Recorrente, em concurso efetivo, de um crime de contrafação de moeda, p. e p. pelo art.° 262.° do Código Penal e um crime de passagem de moeda falsa em concerto com o falsificador, p. e p. pelo art.° 264.°, n.° 1, com referência à pena do art.° 262.° do Código Penal.
3. Através do presente recurso não se pretende discutir a prova indiciária recolhida ou sequer a qualificação jurídica dos factos, e isto sem embargo de o Recorrente
4. São, em síntese, os seguintes os fundamentos do recurso:
a) Violação de lei, de princípio constitucionais e da CEDH - artigos 191.°, n.° 1, 193.°, n.°s 1, 2 e 3, a 194.°, n.° 6, al. d), 202.°, n.° 1, alínea a) e 204.°, alíneas a), b) e c), todos do CPP, artigos 18.°, n.° 2, 27.°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, da CRP, artigos 5.° e 6.° da CEDH, princípio da presunção da inocência e princípio da necessidade - emergente da desnecessidade, desadequação e desproporcionalidade da medida prisão preventiva;
b) Violação do dever de fundamentação expresso no artigo 194.°, n.° 6, al. d), do Código de Processo Penal com referência aos artigos nos artigos 193.°, n.°s 2 e 3 e 204.°, alíneas a), b) e c), do CPP;
c) Aplicação de normas materialmente inconstitucionais (cuja aplicação deveria ter sido recusada pelo Tribunal “a quo” - artigo 204.° da CRP);
d) Nulidade da Decisão recorrida por contradição insanável entre os respectivos fundamentos (artigo 410.°, n.° 2, al. b), do CPP); e
e) Nulidade da Decisão recorrida emergente da violação do dever de fundamentação expresso no artigo 194.°, n.° 6, al. d), do Código de Processo Penal, com referência aos requisitos expressos nos artigos 193.°, n.°s 2 e 3 e 204.°, alíneas a), b) e c), do CPP.
5. Discorda, desde logo, o Recorrente, da necessidade, adequação e ou proporcionalidade da medida de coacção aplicada.
6. O Arguido tem 26 anos, não tem antecedentes criminais, tem o curso de design, estuda para Piloto de aviação comercial, trabalha na área do design e do imobiliário e conta com o incondicional apoio da família.
7. Os dados do Arguido constam da sua identificação civil de fls    e o seu enquadramento profissional resulta das suas declarações (acima citadas parcialmente citadas e transcritas de forma integral e juntas à presente motivação por facilidade).
8. Conforme consta da douta decisão recorrida, a actividade criminosa a que reportam os autos remonta aos anos de 2016/7, referindo-se no douto despacho recorrido que a mesma deu azo à impressão de, pelo menos, “20.459 notas, o que corresponde a um valor de 1.022.950 euros
9. O envolvimento do Arguido, ora Recorrente, nos factos ocorreu, de forma fortuita, cerca de dois meses antes da sua detenção, tendo redundado na colaboração da produção de um escasso número de notas falsas;
10. Tal envolvimento deu-se devido à intenção inicial de o Arguido adquirir (ou poder usar) impressoras profissionais para os trabalhos de design gráfico.
11. O Arguido confessou a essencialidade dos factos (leia-se, aceitou ter praticado factos inequivocamente integradores dos requisitos objectivos e subjectivos do tipo de contrafacção de moeda, confissão que complementou em sede de segundas declarações prestadas no dia 1 de Agosto de 2019), não planeou, nem montou o esquema utilizado para a impressão das notas falsas, e, sobretudo, apenas participou nos factos durante um curto período de tempo.
12. Tais circunstâncias de facto, constantes dos autos, não foram, salvo o devido respeito, devidamente ponderadas pela Mma. Juíza a quo.
13. Revelador da postura do Arguido é o que consta do auto de apreensão do Apenso A e que aqui se reproduz: “MP referiu de livre vontade que também guardava algum material relacionado com a produção de notas falsas numa casa do seu amigo RM que estava desabitada na Rua … em Cantanhede. RM foi contactado e disponibilizou-se em comparecer na residência de MP.’’
14. O acervo de bens apreendidos constantes do respetivo auto de apreensão é impressivo e revela que o Arguido, desde o primeiro momento, procurou colaborar com a investigação, e que auxiliou relevantemente na apreensão da prova, circunstância que não foi sequer ponderada na douta decisão recorrida.
15. Face ao exposto, mesmo quem entendesse que o Recorrente tentou relativizar a sua responsabilidade nos factos teria de aceitar que é completamente diferenciador no que respeita ao apuramento do seu envolvimento saber se o Arguido esteve, ou não, relacionado com os factos que levaram, desde 2016/17 à falsificação de mais de um milhão de euros de notas falsas, sendo necessário ter em conta o momento recente do seu envolvimento e ajusta medida do mesmo;
16. Resulta do disposto no artigo 204.º do CPP que nenhuma medida de coacção - para além do Termo de Identidade e Residência - pode ser aplicada quando se não verifique alguma das condições previstas e elencadas no artigo 204.º do CPP, isto é:
a) fuga ou perigo de fuga;
b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, ou,
c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
17. Exige ainda o normativo, de modo expresso e inequívoco, que os perigos de que faz depender a sua aplicação sejam apreciados e se verifiquem em concreto.
18. Com efeito, apenas uma fundamentação do Despacho que contenha essa concreta indicação permitirá o respectivo controlo da legalidade, essencial para efeitos da eventual interposição de recurso, bem como, para assegurar os direitos de defesa do Arguido, designadamente, ao abrigo do disposto no artigo 32.°, n.°s 1 e 2 da CRP.
19. Em relação ao invocado perigo de fuga do Recorrente alegadamente verificado nos presentes autos, referiu a Mma. Juiz a quo o seguinte: “Por outro lado, verifica-se algum perigo de fuga, não tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa, mas, efectivamente, todos os arguidos, o arguido MP nasceu na Suíça, tem ligação à Suíça, tem família na Suíça, (...). Ou seja, é natural, pelo facto de terem vivido muitos anos nestes países, que tenham ali os seus contados, ou seja, não é um perigo de fuga meramente teórico, mas é um perigo de fuga que se verifica em concreto, devido a, por um lado, a moldura penal que está sobre eles e, portanto, há algum apelo que possa existir de tentarem dificultar a acção da Justiça aqui em Portugal.”
20. Salvo o devido respeito, que é muito, são frágeis os argumentos apresentados, não estando o douto despacho recorrido estribado em circunstâncias concretas que demonstram qualquer predisposição do Recorrente para implementar qualquer fuga à acção da justiça.
21. Por um lado, a nacionalidade estrangeira, por si só, não determina a necessidade de prisão preventiva para o Arguido indiciado pela prática de crimes graves.
22. De facto, o Recorrente tem a sua vida perfeitamente estabelecida em Portugal, aqui tendo a sua residência e centro de vida privada desde 2014.
23. Por outro, ao contrário do que foi entendido, a moldura penal do crime indiciado, só por si, não faz presumir o perigo de fuga, porquanto a lei não estabelece essa presunção;
24. Nem tão-pouco a circunstância de a família do Arguido ter residência fora do país pode, sem mais, corresponder à existência de um perigo concreto de fuga.
25. Os artigos 194.°, n.° 6, al. d) e 204.°, alínea a), do Código de Processo Penal, quando interpretados (como o foram na Decisão recorrida), no sentido de, na decisão que decrete a prisão preventiva e para esse efeito, se poder julgar verificado o perigo de fuga com base na circunstância de o Arguido ter nascido no estrangeiro e ou ter lá família e na moldura penal do crime indiciado, sem que complementarmente se indiquem quaisquer outros factos, razões ou circunstâncias concretas e pessoais que suportem esse entendimento, são materialmente inconstitucionais, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 27.°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
26. Mas, de igual forma, mesmo quando aplicado de forma isolada (e ainda que em sede de recurso), o artigo 204.°, alínea a), do Código de Processo Penal, quando interpretado, no sentido de, para efeitos de prisão preventiva, se poder julgar verificado o perigo de fuga com base na circunstância de o Arguido ter nascido no estrangeiro e ou ter lá família e na moldura penal do crime indiciado, sem que complementarmente se indiquem quaisquer outros factos, razões ou circunstâncias concretas e pessoais que suportem esse entendimento, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 27.°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
27. Em relação ao perigo de perturbação do inquérito por parte do Recorrente, alegadamente também verificado nos presentes autos, decidiu-se na douta decisão recorrida que: “ Verifica-se em concreto o perigo de perturbação do decurso do inquérito, e isto porque há suspeitos que ainda não foram intersectados. tendo o suspeito JP que, de facto, precisamos de localizar. Se estes arguidos fossem restituídos à liberdade, possivelmente, aliás, ele já terá sido alertado para a detenção e para o que se passa aqui, e, portanto, de alguma forma, a prova a recolher poderia ficar comprometida. ”,
28. Sendo que, mais adiante, se refere: “É certo que os arguidos não têm antecedentes criminais, mas o que é certo também, é que, pelo menos, para nós parece, numa perspectiva indiciária, fazendo um juízo de prognose daquilo que se passará em julgamento, por um lado, há prova abundante, não se trata de unta prova que se vá escapar entre os dedos das nossas mãos. Nós temos a apreensão de toda a parafernália utlizada para fabricar as notas, temos a apreensão de encomendas, temos as vigilâncias, portanto, tentos uma série de prova que já será imutável relativamente aquilo que se passa, e, portanto, com base nessa prova, com base nos valores em causa, com base no facto de ser uma actividade prolongada no tempo, parece-nos que a moldura penal abstrata que está em causa, fazendo um juízo de prognose os arguidos serão condenados numa pena de prisão efectiva. ”
29. Como se verifica pela mera leitura da mesma, existe contradição insanável entre os fundamentos da douta decisão recorrida. Por um lado, adianta-se o argumento de que caso os Arguidos sejam restituídos à liberdade poderão comprometer a recolha prova, por outro, o douto despacho recorrido admite que um dos suspeitos visados, e que não foi possível deter, possivelmente terá já ter sido alertado para a “detenção e para o que se passa aqui”...;
30. Acresce que, a douta decisão recorrida não explica, em concreto, o motivo pelo qual essa prova poderia ser comprometida, designadamente, se o Arguido foi sujeito a prisão domiciliária sob vigilância electrónica.
31. Mas, a douta Decisão recorrida incorreu numa outra contradição insanável entre os seus fundamentos, a saber: Por um lado, a douta decisão recorrida não parece ter qualquer dúvida que, com a prova existente, que qualifica como “imutável, existirá condenação a prisão efectiva; Mas, por outro, considera, de forma incongruente, que o ora Recorrente ainda pode perturbar a prova...;
32. Ao contrário do que se decidiu na douta decisão recorrida, face, designadamente, à real dimensão do seu recente envolvimento nos factos (sem olvidar a gravidade dos mesmos), à sua idade, à ausência de antecedentes criminais, à sua inserção profissional e familiar e ao auxílio voluntário na apreensão de prova, não é provável (nem necessária) a aplicação ao Arguido de uma pena de prisão efectiva;
33. Mas, mesmo que assim não fosse, a justa medida da pena e a sua eventual efectividade apenas deverá ser determinada em sede de julgamento, e não em sede de aplicação de medidas de coacção.
34. O douto despacho recorrido ao afirmar como provável a aplicação ao Arguido de uma pena de prisão efectiva antecipou já, erradamente (porque em sede de primeiro interrogatório judicial), a aplicação ao mesmo de uma pena de prisão efectiva (o que inculca a ideia da impossibilidade legal da sua suspensão, e de se tratar, portanto, de uma pena necessariamente superior a cinco anos de prisão).
35. Salvo o devido respeito, o Tribunal "a quo” aplicou a medida de coacção prisão preventiva como uma medida punitiva antecipatória da prática dos factos e da sua gravidade, incorrendo na violação dos princípios do processo equitativo (artigo 6.° da CEDH), da presunção da inocência (artigo 32.°, n.° 2, 1.ª parte, da CRP) e da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso (artigo 18.°, n.° 2 da CRP) e dos artigos 27.°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, da CRP.
36. O douto despacho recorrido escusa-se a efectuar qualquer tipo de ponderação concreta acerca da verificação do perigo de interferência no inquérito por parte do Recorrente - e não dos Arguidos em geral - centrando a sua argumentação no facto de haver outros sujeitos eventualmente envolvidos nos crimes em causa e não trazidos ainda à justiça.
37. Com efeito, representaria uma gravíssima violação das garantias de defesa do Arguido, aceitar-se a verificação do perigo de perturbação do inquérito com base no simples facto de poder haver, eventualmente, outros sujeitos envolvidos cuja detenção não foi ainda possível.
38. O perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo terá de surpreender-se em factos que indiciem a actuação do arguido com o propósito de prejudicar a investigação.
39. Porém, não decorre dos autos, nem da douta decisão recorrida, uma qualquer prova, e ou indicação precisa, da existência de uma ligação directa (objectiva e subjectiva) entre o Recorrente e qualquer circunstância capaz de gerar perigo de “perturbação de inquérito”, outrossim, da actuação do Recorrente decorre precisamente uma inquestionável postura de colaboração em relação à investigação (v.g. a colaboração que de “livre vontade” permitiu recolher a prova constante do Apenso A).
40. Neste sentido, é absolutamente infundada qualquer alegação no sentido de o Recorrente vir a exercer algum tipo de pressão sobre outros sujeitos processuais, ou de outro modo vir a perturbar o inquérito - e se mais não diz o Recorrente a este respeito, tal resulta apenas do facto de, dada a omissão de concretização por parte da douta decisão recorrida, não ter o Recorrente de que se defender!
41. Os artigos 194.º, n.º 6, al. d) e 204.º, alínea b), do Código de Processo Penal, quando interpretados (como o foram na Decisão recorrida), no sentido de, na decisão que decrete a prisão preventiva e para esse efeito, se poder julgar verificado o perigo de perturbação do inquérito com base na mera circunstância de existirem suspeitos não detidos a quem o Arguido poderia passar informação, sem que se apresentem quaisquer outros factos, razões ou circunstâncias concretas e pessoais que suportem esse entendimento, são materialmente inconstitucionais, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 21°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
42. Mas, de igual forma, mesmo quando aplicado de forma isolada (e ainda que em sede de recurso), o artigo 204.°, alínea b), do Código de Processo Penal, interpretado, no sentido de, para efeitos de prisão preventiva, se poder julgar verificado o perigo de perturbação do inquérito com base na mera circunstância de existirem suspeitos não detidos a quem o Arguido poderia passar informação, sem que se apresentem quaisquer outros factos, razões ou circunstâncias concretas e pessoais que suportem esse entendimento, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 21°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado:
43. A douta decisão recorrida afirma a verificação do perigo de continuação da actividade criminosa, mas, em concreto, nunca o Tribunal “a quo” se detém na pessoa do Recorrente, nas suas características pessoais, nos comportamentos que assume, e na previsibilidade de, dados esses factores, se vir a concretizar tal perigo.
44. A douta decisão recorrida apenas afirma, genericamente, a verificação do perigo de continuação da actividade criminosa atendendo ao facto de se tratar de uma situação que não aconteceu apenas uma vez e se tratar de uma rede organizada, ignorando, sem explicação, a circunstância de o Arguido desenvolver profissionalmente a actividade de designer, de ter referido o apoio financeiro prestado por seus pais e de o alegado grupo criminoso (em que, mesmo para o Ministério Público, ele só teria participado na fase final) ter sido desmantelado, com a quantidade de apreensão de bens realizada, onde se inclui todo o material e impressoras necessárias à invocada possibilidade de continuação da actividade criminosa.
45. Acresce que, na douta Decisão recorrida deixou, indevidamente, de ser ponderado a favor do Arguido e a propósito do invocado perigo de continuação da actividade criminosa que o mesmo entregou “de livre vontade” o equipamento (apreendido no Apenso A) que justamente lhe permitiria, se em liberdade, tal hipotética continuação.
46. A detenção e a prisão preventiva a que o Recorrente foi sujeito, bem como a mera pendência do presente processo penal, constituiu (e continuará a constituir) um enorme choque e preocupação que, certamente, será suficiente para o afastar de qualquer futura reincidência. E, sobretudo, não existe qualquer elemento nos autos que afaste esta conclusão!
47. É no mínimo insólito que, apesar de o Recorrente ser primário e ter (desde o início) confessado todos os elementos objectivos e subjectivos constitutivos dos crimes indiciados, a Mm.ª Juíza a quo considere que o mais adequado será a colocação do Recorrente sob prisão preventiva!
48. Assim, não se pode igualmente dar por verificado, no caso dos autos, algum perigo de o Recorrente continuar a atividade criminosa que lhe vem imputada.
49. Os artigos 194.°, n.° 6, al. d) e 204.°, alínea c), do Código de Processo Penal, quando interpretados (como o foram na Decisão recorrida), no sentido de, na decisão que decrete a prisão preventiva e para esse efeito, se poder julgar verificado o perigo de continuação da actividade criminosa, sem que se apresentem quaisquer factos, razões ou circunstâncias concretas e pessoais que suportem esse entendimento, são materialmente inconstitucionais, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 27.°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
50. Mas, de igual forma, mesmo quando aplicado de forma isolada (e ainda que em sede de recurso), o artigo 204.°, alínea c), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de, para efeitos de prisão preventiva, se poder julgar verificado o perigo de continuação da actividade criminosa, sem que se apresentem quaisquer factos, razões ou circunstâncias concretas e pessoais que suportem esse entendimento, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 21°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Finalmente,
51. Para a verificação do invocado perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública a douta decisão recorrida considerou que: “(...) também se verifica algum perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas na vertente que foi enunciada pelo Ministério Público, ou seja, a vertente que decorre, no fundo, da segurança que tem que existir, designadamente, no que se refere à circulação do papel-moeda de que circula é efectivamente aquele que foi emitido pelo Banco Central Europeu ou pelos Bancos nacionais que tenham competência para isso. Estamos a falar já de um elevado valor monetário, portanto, põe em causa a segurança, a certeza que deve existir sempre que um de nós pega numa nota e ter a certeza de que aquela nota é uma nota que, efectivamente, foi emitida por quem tinha poder para tal”
52. Salvo o devido respeito, tais elementos são claramente insuficientes para considerar verificado o perigo indicado.
53. Desde logo, no caso em apreço, a douta decisão recorrida considera que apenas existe “algum" perigo, e, consequentemente, é na própria decisão recorrida que se "confessa" que o alegado perigo (agora em causa) não se verifica sequer com a intensidade legalmente exigida, por a lei apenas se referir a casos em que a liberdade do Arguido ''perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas”.
54. Além desse facto, também foram considerados, por parte do douto despacho recorrido, para fundamentar a conclusão sobre a existência deste perigo, os elevados montantes contrafeitos, o que, em última análise, acentua a ideia de falta de segurança da sociedade acerca da proveniência do papel-moeda.
55. Porém, além do Arguido apenas ter estado envolvido na contrafacção de moeda, durante cerca de dois meses, com um valor muitíssimo mais reduzido, as medidas de coacção apenas têm finalidades processuais e não de protecção do próprio Arguido ou de defesa da sociedade.
56. O que legítima a aplicação da medida de coacção não é perigo de uma qualquer perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas;
57. A perturbação legalmente revelante tem de ser causada pelo Arguido ou a este imputável e de resultar de um seu comportamento futuro e provável, e não do próprio crime cometido (Ac. TRL. processo 78/15.2JBLSB.L1-5).
58. Donde, a ausência de qualquer facto ou elemento de prova que, no caso concreto, indicie que o Arguido virá a adoptar comportamentos ou atitudes que irão comprometer de forma grave a ordem e tranquilidade públicas, faz com que não se mostre verificado o referido perigo.
59. Pelo exposto, verifica-se que, face ao concreto caso do Recorrente, também este invocado perigo não se encontra preenchido.
60. O artigo 204.°, alínea c), do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de, para efeitos de prisão preventiva, se poder julgar verificado o perigo de perturbação grave da ordem e a tranquilidade públicas, sem que se indiquem factos pessoais ou elementos de prova concretos que indiciem que o Arguido virá a adoptar comportamentos ou atitudes que as irão comprometer, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 27.°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado:
61. Os artigos 194.°, n.° 6, al. d) e 204.°, alínea c), do Código de Processo Penal, quando interpretados (como o foram na Decisão recorrida), no sentido de, na decisão que decrete a prisão preventiva e para esse efeito, o perigo de perturbação grave da ordem e a tranquilidade públicas poder resultar da natureza e ou gravidade do próprio crime cometido e não de um comportamento futuro e provável do Arguido, são materialmente inconstitucionais, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 21°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2 e 32.°, n.° 1 e 2 todos da Constituição da República Portuguesa.
62. Mas, de igual forma, mesmo quando aplicado de forma isolada (e ainda que em sede de recurso), o artigo 204.°, alínea c), do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de, para efeitos de prisão preventiva, o perigo de perturbação grave da ordem e a tranquilidade públicas poder resultar da natureza e ou gravidade do próprio crime cometido e não de um comportamento futuro e provável do Arguido, são materialmente inconstitucionais, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 21°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2 e 32.°, n.° 1 e 2 todos da Constituição da República Portuguesa.
63. Quanto à necessidade de ponderação da medida de coacção concretamente aplicada ao Arguido à luz dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, tal como dispõe o artigo 193.° do CPP, dedicou a douta decisão recorrida somente um parágrafo do Despacho recorrido, a saber: “Tudo isto para dizer que, assim sendo, a única medida de coação que é proporcional à gravidade do crime cometido pelos arguidos, por um lado, e é adequada a afastar os perigos que se enunciaram, aplicando-se os critérios da necessidade e da proporcionalidade é, efectivamente, a medida de coacção de prisão preventiva, sendo qualquer outra medida insuficiente para o fazer, designadamente, as medidas promovidas pela defesa. ”
64. Na óptica do Recorrente, decidir sem mais, que a medida de coação de prisão preventiva é a única que se afigura adequada, necessária e proporcional, atenta a gravidade objectiva e subjectiva dos factos indiciados, redunda, afinal, em fundamentação nenhuma!
65. Desde logo porque não se logra minimamente demonstrar, no caso concreto do ora Recorrente, a razão pela qual não será adequada, proporcional e suficiente a aplicação de qualquer das outras medidas de coacção menos gravosas, como a de obrigação de permanência na habitação (medida privativa da liberdade e, por isso, igualmente idónea a acautelar um hipotético perigo de fuga), ou outras de natureza não detentiva.
66. Não bastará, assim, ao Ministério Público e ao Juiz de Instrução Criminal, referir que a prisão preventiva é a única medida de coacção que se afigura suficiente: será, ainda e sempre, necessário que circunstanciadamente se demonstre por que motivo todas as outras medidas de coacção previstas na lei se revelam inadequadas e insuficientes e, acima de tudo, qual a justificação para que se postergue o critério decisório expressamente imposto ao julgador pelo artigo 193.°, n.°s 2 e 3 do CPP.
67. Ao contrário do que pressupõe a douta Decisão recorrida, não pode razoavelmente considerar-se que no caso ”sub judice” subsiste risco de fuga, de perturbação do decurso do inquérito ou de continuação da actividade criminosa, na eventualidade de o Recorrente ficar sujeito a obrigação de permanência na sua habitação.
68. De que concretas influências se poderia socorrer o Recorrente para prosseguir a sua alegada actividade criminosa? E, a existir concretamente algum hipotético e ou ténue perigo de fuga - o que não se concede - é evidente que o mesmo seria sempre, adequada e suficientemente, acautelado com o recurso à vigilância electrónica.
69. Em suma, a medida de coacção de prisão preventiva imposta ao Recorrente é manifestamente desnecessária e desproporcional, não podendo a mesma ter-se por justificada à luz de qualquer exigência cautelar do processo, que legalmente a legitime como a única concretamente adequada e suficiente a prevenir tal finalidade.
70. Pelo que se conclui que o despacho sob recurso violou os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e suficiência, genericamente previstos no artigo 193.°, n.° 1, 2 e 3 do CPP e, especificamente, no que respeita aos requisitos da aplicação da medida de prisão preventiva, consagrados no artigo 28.°, n.° 2 da CRP e no corpo do artigo 202.°, n.° 1 do CPP.
71. Os artigos 193.°, n.° 3 e 194.°, n.° 6, al. d), do Código de Processo Penal, quando interpretados (como o foram na douta Decisão recorrida), no sentido de admitir a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, sem que a decisão que a decrete tenha de apresentar as razões pelas quais se afastou a aplicação da obrigação de permanência na habitação e que demonstram a insuficiência desta para satisfazer as exigências cautelares, são materialmente inconstitucionais, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 27.°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
72. Mas, de igual forma, mesmo quando aplicado de forma isolada (e ainda que em sede de recurso), o artigo 193.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de admitir a aplicação da medida de coação de prisão preventiva sem que que se tenham de apresentar as razões concretas pelas quais se afastou a aplicação da obrigação de permanência na habitação e que demonstram a insuficiência desta para satisfazer as exigências cautelares, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 27.°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
73. Verifica-se, pelo exposto, a nulidade da douta Decisão recorrida decorrente da contradição insanável (acima evidenciada) entre os respectivos fundamentos (artigo 410.°, n.° 2, al. b), do CPP), mas, igualmente, a nulidade decorrente da violação do dever de fundamentação previsto 194.°, n.° 6, al. d), do Código de Processo Penal, com referência à verificação dos requisitos previstos nos artigos 193.°, n.°s 2 e 3 e 204.°, do CPP.
74. Os artigos 120, n.° 3, al. a), e 410.°, n.° 3, do CPP, interpretados no sentido de se dever julgar sanada, por não ter sido arguida até final do acto, a nulidade decorrente a violação, pela decisão que aplique a prisão preventiva, do dever de fundamentação previsto no artigo 194.°, n.° 6, al. d), do CPP, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.°, n.°s 1 e 2, 21°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
75. Efectivamente, a previsão infra-constitucional de tal violação como nulidade sanável, e a consequente impossibilidade do seu conhecimento oficioso, e ou arguição em sede de recurso, consubstancia uma solução normativa desproporcional à tutela efectiva de qualquer direito, liberdade e garantia (e, designadamente, da celeridade processual), que restringe de forma desnecessária o direito ao recurso do Arguido relativamente a uma decisão que colide de forma frontal com o direito à liberdade e segurança;
76. Restringindo ainda forma evidente, em violação do disposto no artigo 18.°, n.° 1, da CRP, os poderes deveres do Tribunal de recurso sancionar com a anulação a ilegalidade decorrente, a limite, da total ausência de apreciação dos requisitos legal e constitucionalmente exigidos para a aplicação da prisão preventiva;
77. Tal solução normativa, para não esvaziar totalmente o direito ao recurso sobre a decisão que aplica a prisão preventiva, obriga ao Tribunal de recurso (cuja intervenção se deveria restringir à reapreciação dos requisitos da prisão preventiva, a limite, totalmente desprezados) a apreciar a questão da aplicabilidade da prisão preventiva sem a possibilidade de sindicar a fundamentação da decisão recorrida (autorizando inclusivamente a sua total inexistência), ou seja, como se de um Tribunal de l.ª instância se tratasse, pondo assim e ainda, por via da solução normativa adoptada, em causa o princípio da hierarquia e a organização dos Tribunais constitucionalmente consagrados (artigo 210.° da CRP);
78. A mesma solução normativa autoriza ainda que a ilegalidade da prisão preventiva, decretada em violação do disposto no artigo 194.°, n.° 6, al. d), do CPP, se considere sanada ainda antes do decurso do prazo de recurso quanto à decisão que a decretou, pondo em causa, designadamente, a tutela efectiva do direito previsto no artigo 21°, da CRP (desde logo, porque encontrando-se a nulidade sanada, por não ter sido arguida no acto, a questão da ilegalidade da prisão deixaria de poder ser declarada pelo Tribunal de recurso, o que é, por exemplo, pressuposto do direito à indemnização previsto no n.° 5 deste artigo).
79. Ao julgar, como julgou, aplicando ao Arguido a medida de coacção prisão preventiva violou a douta Decisão recorrida os artigos 191.°, n.° 1, 193.°, n.°s 1, 2 e 3, a 194.°, n.° 6, al. d), 202.°, n.° 1, alínea a) e 204.°, alíneas a), b) e c), todos do CPP, o artigo 6.° da CEDH, o princípio da presunção da inocência, o princípio da necessidade e os artigos 18.°, n.° 2,27.°, n.° 1 e 2,28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, da CRP, aplicando normas materialmente inconstitucionais em violação do disposto no artigo 204.° da CRP.
Termos em que, deve o presente recurso ordinário ser julgado procedente, e, consequentemente, revogada a douta Decisão recorrida na parte que determinou a sujeição do Arguido, ora Recorrente, à medida de coacção prisão preventiva, ordenando-se a sua imediata restituição à liberdade.
Mais requer que a douta decisão recorrida seja substituída por outra que determine a aplicação ao Arguido, ora Recorrente, de medida de coacção menos gravosa, adequada e suficiente às exigências cautelares do processo, e, designadamente:
a) Para além de TIR, a medida de coacção prevista no artigo 200.° do CPP, na modalidade de proibição de contactos com Arguidos e todos os terceiros identificados como suspeitos nos autos, admite-se ainda que seja também determinada obrigação de apresentações periódicas semanais e a proibição da saída do território nacional, o que o Arguido desde já aceita (medidas que permitiriam ao Arguido continuar a trabalhar e a estudar);
Ou, a limite, e sem conceder:
b) A medida de obrigação de permanência na habitação, com recurso aos meios de vigilância electrónica, prevista no art. 201.° do CPP, conjugada com a medida de proibição de contactos com Arguidos e todos os terceiros identificados como suspeitos nos autos.

2.2. Recurso de GF  (transcrição das conclusões):
A. - No caso em apreço, não se verifica um perigo de fuga da arguida.
B. - Para dar como verificado este perigo, a decisão recorrida baseou-se, essencialmente, em circunstâncias meramente abstractas, teóricas e conclusivas.
C. - Caso não tenha provimento o pedido da conclusão B., resulta, inclusivamente, dos presentes autos de inquérito factos que demonstram não haver perigo de fuga da arguida.
D. - No douto despacho recorrido não se fez uma devida apreciação global dos elementos objectivos do receio de fuga que tenha sido possível extrair do processo.
E. - Não obstante a conclusão B., as circunstâncias invocadas no despacho recorrido, por si só e sem mais, não permitem afirmar, em concreto, a existência de um perigo de fuga da arguida.
F. - Não existe ainda, in casu, um perigo de perturbação do decurso do inquérito.
G. - Também aqui, a Meritíssima Juíza de Instrução baseou-se em fundamentos puramente teóricos e conclusivos, deduzido de presunções meramente abstractas e genéricas, para dar como verificado este perigo.
H. - Caso não tenha provimento o pedido da conclusão G., se se atentar aos factos extraídos do processo verifica-se, inclusivamente, não haver perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente para aquisição, conservação e veracidade da prova; pelo contrário, resulta inequivocamente do mesmo a colaboração da arguida com a justiça, designadamente na recolha de prova.
I - Não obstante a conclusão G., os motivos alegados para que se tenha chegado à conclusão que, in casu, se verifica um perigo de perturbação do decurso do inquérito não têm qualquer fundamento.
J.- Não existe também, in casu, um perigo de continuação da actividade criminosa.
L. - No despacho recorrido não se fez a este propósito um juízo de probabilidade de reiteração criminosa da arguida, consubstanciado num juízo de prognose, rigoroso e preciso, apoiado nas circunstâncias do caso, nos concretos factos indicados no processo e na personalidade revelada pela arguida.
M. - Mais uma vez aqui, verifica-se que os fundamentos alegados no despacho recorrido resultam de afirmações genéricas, abstractas, imprecisas e conclusivas, sem ligação com os concretos factos extraídos do processo, pondo, inclusivamente, todos os arguidos em iguais circunstâncias.
N. - Caso não tenha provimento o pedido da conclusão M., o argumento invocado baseia-se, essencialmente, em circunstâncias que, por si só e sem mais, não são suficientes para concluir que, in casu, se verifica um perigo de continuação da actividade criminosa.
O. - E, também aqui, os motivos alegados para que se tenha chegado à conclusão que, in casu, se verifica um perigo de continuação da actividade criminosa não têm qualquer fundamento.
P. - Em todo o caso, a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação sobre vigilância electrónica (OPHVE) evitaria este perigo atendendo aos efectivos indícios existentes nos autos sobre a arguida.
Q. - Finalmente, também não se verifica, in casu, um perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.
R. - Não resulta dos autos, nem do despacho recorrido, nomeadamente, circunstâncias particulares, verificadas e aferidas em concreto, que a actuação da arguida tenha gerado ou possa, no futuro, gerar intranquilidade na sociedade portuguesa, nas relações comerciais deste país e insegurança na circulação desse papel-moeda, pois, além do mais, nem mesmo resulta que a ordem pública tenha consciência concretamente destes factos indiciados.
S.- Não resulta ainda da natureza ou circunstâncias do crime cometido ou da personalidade da arguida o perigo de continuação da actividade criminosa, como vimos, pelo que, consequentemente, afasta a existência um possível perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.
T. - Caso não tenha provimento os pedidos das conclusões anteriores, em todo o caso, ao aplicar à arguida a medida de coação de prisão preventiva não se observou devidamente aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
U. - Assim, violou-se os princípios gerais subjacentes à aplicação das medidas de coação e dos requisitos para aplicação da prisão preventiva, nomeadamente, os artigos 27.º, n.º 3, 28.º, n.º 2 e 32.º da CRP, I9l.º, n.º l, 193.º, 202.º e 204.º do CPP.
V. - No caso em apreço dever-se-ia ter dado preferência à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201.°, n.º 1, 2 e 3, do CPP.
W. - Face a tudo quanto acima se expôs, deve ser revogada a douta decisão recorrida e, assim, alterar a medida de coacção de prisão preventiva aplicada à arguida, ora recorrente, pela obrigação de permanência na habitação, não se opondo a recorrente, se tal for considerado necessário, que essa medida de coacção seja acompanhada de vigilância electrónica.

3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, sustentando que os recursos não merecem provimento, concluindo:

3.1. Recurso do arguido MP:
1- A decisão, ora recorrida, contém todos os elementos indicados nas diferentes alíneas do artigo 194.°, n.º 6, do Código de Processo Penal, designadamente ali foram elencados os concretos factos imputados ao arguido, os elementos de prova constantes dos autos dos quais resulta tal indiciação e a sua qualificação jurídica, como também foi feita uma análise fundamentada dos concretos perigos verificados no caso sub judice, os quais, na óptica da Meritíssima Juiz de Instrução Criminal justificaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva.
2 - Pelo exposto, o douto despacho não padece de qualquer vício, nulidade ou irregularidade.
5 - Ao contrário do alegado pelo recorrente verifica-se, no caso subjudice, um concreto e real perigo de fuga, perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação do inquérito e perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, pelo que a medida de coacção de prisão preventiva mostra-se adequada, proporcional e necessária.
4 - Com efeito, MP, apesar de ter nacionalidade portuguesa, nasceu na Suíça, país onde viveu até 2014 e onde ainda terá familiares e amigos.
5 - O próprio afirmou que reside sozinho, sendo certo que não lhe é conhecida qualquer actividade profissional lícita e remunerada.
6 - Nesta conformidade, atenta a natureza dos crimes sob investigação, a pesada moldura penal que lhes corresponde, aliado ao facto de o arguido dispor, meios ou condições, designadamente a nível económico e social, para se subtrair à acção da justiça e às suas responsabilidades criminais, concluímos que existe um fundado e real perigo de que o mesmo se venha a subtrair à acção da Justiça, colocando-se em fuga.
7 - Por outro lado, o arguido, ora recorrente, começou a praticar os factos ilícitos de que se encontra indiciado, pelo menos, desde Abril do presente ano, não se tratando assim, de um facto isolado.
8 - Das intercepções telefónicas e vigilância realizadas resulta que aquele pressionou um amigo para lhe arranjar estafetas para a entrega das encomendas contendo as notas por si contrafeitas nos CTT, bem como que já havia recrutado um colaborador para o ajudar na produção das mesmas.
9 - Tais elementos de prova, conjugados com o volume de material encontrado e apreendido na sua residência, denotam que MP pretendia expandir a sua actividade criminosa, a qual se suspeita que praticava já por conta própria.
10 - Termos em que, mais uma vez, se conclui que a decisão recorrida não merece qualquer censura, já que se verifica um concreto e real perigo de continuação da actividade criminosa, devidamente analisado e sustentado em factos concretos.
11 - Não obstante o acervo probatório já recolhido, a verdade é que cumpre ainda levar a cabo a realização de inúmeras diligências, tanto mais que se logrou determinar que os arguidos actuaram conjuntamente com outros indivíduos, ainda por identificar e localizar.
12 - Pelo exposto, somos do parecer que se verifica o perigo do arguido, uma vez em liberdade, tentar contactar aqueles com quem colaborou para, de alguma forma, impedir a sua identificação, localização e cabal apuramento dos factos sob investigação.
13 - Nesta conformidade, mostra-se perfeitamente justificado o receio de que o arguido possa condicionar a prova, dissimulando a sua actividade criminosa e impedindo a descoberta da verdade, antecipando-se à intervenção da acção penal, pelo que nenhuma censura merece - também nesta parte — a decisão ora recorrida. 
14 - Mais entendemos que se verifica igualmente, um real perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, uma vez que, no âmbito da presente investigação, foram detectadas e apreendidas na Europa, designadamente em Portugal, mais de vinte mil notas contrafeitas (correspondentes a um valor superior a um milhão de euros) do indicativo produzido pelos arguidos.
15 - Tal comportamento gera um evidente alarme e intranquilidade na sociedade, pois coloca em causa o normal funcionamento das transacções comerciais, um dos pilares em que assenta a economia de qualquer Estado.
16 - Acresce que a sujeição do arguido às medidas de coacção por si sugeridas de proibição de contacto com os demais arguidos, de obrigação de apresentações periódicas ou de proibição de se ausentar para o estrangeiro permitiriam a sua livre circulação não só por Portugal, como também pela Europa (no Espaço Schengen), permitindo-lhe colocar-se em fuga e assim furtar-se à acção da Justiça.
18 - Tais medidas de coacção tão pouco acautelariam devidamente o perigo de perturbação do decurso do inquérito, designadamente o perigo para aquisição e veracidade da prova, já que permitem o contacto com os demais suspeitos, assim impedindo a sua identificação e localização.
19 - Por fim, entende-se que, salvo outra e melhor opinião, de entre o leque das medidas legalmente tipificadas, não se encontra qualquer outra medida que, no caso em concreto, responda de forma suficientemente eficaz aos assinalados perigos, já que, mesmo a sujeição do arguido à medida de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização através do recurso a meios técnicos de controlo à distância não será apta à prossecução dos fins cautelares em referência.
20 - Cumpre ter presente que era a partir da sua residência que MP desenvolvia a sua actividade criminosa, sendo que, uma vez em liberdade, nada o iria impedir de a retomar.
21 - Por outro lado, tendo em conta a medida abstracta das penas cominadas para os diferentes crimes indiciados, os factores que se anteveem relevantes para a sua graduação e a prognose que é possível fazer sobre a sua concreta medida, não se afigura que a prisão preventiva constitua, no presente caso, e por ora, um excesso.
           
3.2. Recurso da arguida GF :
1 - Ao contrário do alegado pela recorrente verifica-se, no caso sub judice, um concreto e real perigo de fuga, perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação do inquérito e perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, pelo que a medida de coacção de prisão preventiva mostra-se adequada, proporcional e necessária.
2 - Com efeito, GF  tem nacionalidade francesa, país onde viveu e onde ainda terá familiares e amigos.
3 - Nesta conformidade, atenta a natureza dos crimes sob investigação, a pesada moldura penal que lhes corresponde, aliado ao facto da arguida dispor, meios ou condições, designadamente a nível económico e social, para se subtrair à acção da justiça e às suas responsabilidades criminais, concluímos que existe um fundado e real perigo de que a mesma se venha a subtrair à acção da Justiça, colocando-se em fuga.
4 - Por outro lado, a arguida, ora recorrente, começou a praticar os factos ilícitos de que se encontra indiciada em 2016, sendo que não lhe é conhecida qualquer actividade profissional lícita e remunerada.
5 - Termos em que, mais uma vez, se conclui que a decisão recorrida não merece qualquer censura, já que se verifica um concreto e real perigo de continuação da actividade criminosa, devidamente analisado e sustentado em factos concretos.
6 - Não obstante o acervo probatório já recolhido, a verdade é que cumpre ainda levar a cabo a realização de inúmeras diligências, tanto mais que se logrou determinar que os arguidos actuaram conjuntamente com outros indivíduos, para além do supra mencionado JP, ainda por identificar e localizar.
7 - Pelo exposto, somos do parecer que se verifica o perigo da arguida, uma vez em liberdade, tentar contactar aqueles com quem colaborou para, de alguma forma, impedir a sua identificação, localização e cabal apuramento dos factos sob investigação.
8 - Nesta conformidade, mostra-se perfeitamente justificado o receio de que a arguida possa condicionar a prova, dissimulando a sua actividade criminosa e impedindo a descoberta da verdade, antecipando-se à intervenção da acção penal, pelo que nenhuma censura merece - também nesta parte - a decisão ora recorrida.
9 - Mais entendemos que se verifica igualmente, um real perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
10 - Com efeito, no âmbito da presente investigação foram detectadas e apreendidas na Europa, designadamente em Portugal, mais de vinte mil notas contrafeitas (correspondentes a um valor superior a um milhão de euros) do indicativo produzido pelos arguidos.
11 - Tal comportamento gera um evidente alarme e intranquilidade na sociedade, pois coloca em causa o normal funcionamento das transacções comerciais, um dos pilares em que assenta a economia de qualquer Estado.
12 - Acresce que a sujeição da arguida à medida de obrigação de permanência na habitação não pouco acautelaria devidamente o perigo de perturbação do decurso do inquérito, designadamente o perigo para aquisição e veracidade da prova, já que permite o contacto com os demais suspeitos, assim impedindo a sua identificação e localização.
13 - Por fim, entende-se que, salvo outra e melhor opinião, de entre o leque das medidas legalmente tipificadas, não se encontra qualquer outra medida que, no caso em concreto, responda de forma suficientemente eficaz aos assinalados perigos, já que, mesma a sujeição da arguida à mencionada medida de coacção, mesmo que com recurso à fiscalização através do recurso a meios técnicos de controlo à distância não será apta à prossecução dos fins cautelares em referência.
14 - Cumpre ter presente que era, sobretudo, a partir da sua residência que GF  desenvolvia a sua actividade criminosa, sendo que, uma vez em liberdade, nada a iria impedir de a retomar.
15 - Por outro lado, tendo em conta a medida abstracta das penas cominadas para os diferentes crimes indiciados, os factores que se anteveem relevantes para a sua graduação e a prognose que é possível fazer sobre a sua concreta medida, não se afigura que a prisão preventiva constitua, no presente caso, e por ora, um excesso.
 
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu parecer no sentido de que os recursos não deverão ser provido, limitando-se a subscrever a resposta do Ministério Público em 1.ª instância.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., o arguido/recorrente, aproveitando a oportunidade de resposta ao parecer, veio invocar a “nulidade insanável por incompetência material do tribunal” com “pedido de libertação imediata”.
Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
Cumpre agora apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Identificam-se, em síntese, como questões a apreciar e decidir:
Recurso de MP:
- Violação do dever de fundamentação expresso no artigo 194.º, n.º 6, al. d), do C.P.P. com referência aos artigos nos artigos 193.º, n.ºs 2 e 3 e 204.º, alíneas a), b) e c), do CPP;
- Nulidade da decisão recorrida por contradição insanável entre os respectivos fundamentos (artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP);
- Alegada aplicação de normas materialmente inconstitucionais;
- Não verificação dos perigos invocados e violação dos princípios da presunção de inocência e da necessidade – alegadamente emergente da desnecessidade, desadequação e desproporcionalidade da medida prisão preventiva.
- Da ponderação de outras medidas de coacção menos gravosas.
Recurso de GF :
- Da alegada não verificação dos perigos invocados como fundamento da medida de coacção imposta e da suficiência e adequação da obrigação de permanência na habitação.
           
2. Após primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, foi proferido oralmente pela Mmª Juíza o despacho recorrido, objecto de gravação áudio, que se transcreve:

“(...) indiciam fortemente os autos a prática pelos arguidos em co-autoria material e na forma consumado de um crime de contrafacção de moeda, p. e p. pelo artigo 262.º, n.º 1 do Código Penal, e, de um crime de passagem de moeda falsa em concerto com o falsificador, p. e p., de acordo com o disposto no artigo 264.º n.º 1, com referência à pena do artigo 262.º do Código Penal.
Os factos que se consideram fortemente indiciados são aqueles que constam do despacho de apresentação do Ministério Público (fls. 595 a 600), os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos, tendo os mesmos como suporte probatório, os meios de prova indicados pelo Ministério Público (fls. 600 e 601) que aqui se dão por integralmente reproduzidos e também parcialmente as declarações prestadas pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório.
Ora, os arguidos vieram, em sede de primeiro interrogatório, todos a prestar declarações, de alguma forma, todos eles quiseram afastar as suas responsabilidades ou dizer que a responsabilidade que tinham nos actos era muito limitada. Portanto, apesar de o arguido MP e a arguida GF afirmarem que sabiam que estavam errados, o primeiro foi sempre apresentando como justificação de não ter ganho nada com isto e a segunda foi sempre dando como justificação o facto de ser ameaçada pelo JP , seu ex-namorado. Também os pais da arguida GF  portanto, os arguidos A.  e B.  tinham muito medo do ex-namorado da filha e, portanto, acabaram por admitir e deixar que tudo isto fosse realizado nas suas casas.
O que é que nós temos efectivamente aqui? Os presentes autos e, aliás, isso vem referido, tiveram início em informações obtidas no âmbito de cooperação internacional, em que se dava conta que um indevido que usa o pseudónimo "C. ” se dedicaria através da “darkweb " à venda de notas contrafeitas. Foram, no decurso do ano de 2018, apreendidos diversos envelopes que tinham no seu interior notas falsas de 50, todos eles, aparentemente, enviados de Portugal. Foi feita uma apreensão de uma encomenda postal, que no seu interior 125 notas falsas de 50 euros, dos indicativos em causa, portanto, porque os indicativos das notas falsas também estão aqui indicados, em Novembro de 2018, no complexo de cargas da DHL no aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto. E foi, a partir daí, possível identificar a rede criminosa organizada que, pelo menos, desde 2017, se dedicava a fabricar estas notas e a colocá-las à venda através da “darknet
Identificou-se, efectivamente, como elementos da rede o cabecilha, o tal JP , a co-arguida GF, o co-arguido MP, os pais da co-arguida GF  entre outros que ainda não foram detidos. O material para fazer as notas falsas, o papel, as etiquetas de hologramas, etc, era adquirido previamente a fornecedores na China. Inicialmente, era transportado para a residência da família da GF  portanto, o senhor A.  e a Senhora Dona B.  na tal Rua …, em Mouronho, e ali ficava.
No decurso do mês de Abril, após ter adquirido aos fornecedores papel e outro material, foi remetida para casa de um tia da GF  em Cantanhede, e, depois, tudo indica, terá sido transportado para a residência em Valadares, onde a GF em colaboração, por vezes, com o MP e, outras vezes, com os seus pais procediam ao fabrico das notas falsas. Também parece que, mais tarde, terá sido utilizada uma outra residência de uma pessoa que ainda não foi interrogada, que é o RM e que foi recrutado para esta rede conf orme como também nos foi dito, não directamente, mas pelas declarações que prestou pelo arguido MP.
A responsabilidade do JP  que também ainda não está detido era efectivamente recolher as encomendas das notas falsas e os pagamentos, tudo isso feito através da "darknet”. Portanto, após receber estas encomendas, transmiti-a as mesmas à GF  e, isto tudo através de chamadas efectuadas via-VOIP, de forma a manter o conteúdo encriptado e, assim, inacessível às autoridades. É importante ter presente que a primeira nota referente a esta contrafacção foi detectada em Janeiro de 2017, no Montenegro, e veio também a ser detectada em Portugal, mais tarde em 2017, em Junho, mas em Leiria. Depois, no outro lote, por assim dizer, de notas falsas há um aperfeiçoamento das notas inicialmente feitas, portanto, a primeira vai ser detectada, na Irlanda, também em 2017. Portanto, desde de 2017 até Março de 2019, foram apreendidas notas desta mesma série, ou seja, falsificadas desta mesma forma, 20 459 notas, o que corresponde a um valor de 1 022 950 euros. A passagem destas notas corre um pouco por todo o espaço europeu, mas, sendo, de facto, França e Alemanha, os países com maior incidência. Vemos aqui que o arguido A. é responsável pela expedição, pelo menos, da encomenda a que corresponde o código de rastreamento AWB8035817112, onde estavam 125 notas falsas de 50 euros, que foi remetido no dia 22/1/2018, e, isto conforme também consta dos meios de prova. Também vemos aqui que a arguida GF fez várias importações desde 2016, entre o ano de 2016 e 2017, de papel vindo da China, tintas, hologramas, tudo para ser utilizado na contrafacção destas moedas, fazendo a mesma também transferências de dinheiro para a China, tudo apontando ser, de facto, o pagamento destas importações.
Também foi possível apurar que, em 14 de Outubro de 2018, o pai, aqui o coarguido A.  fez uma grande importação de papel da China, conforme consta da informação da autoridade aduaneira. Temos também, portanto, a apreensão em 18 de Abril de 2019 no posto CTT de Valadares de 16 envelopes destinados a diversos países da Europa que continham no seu interior notas falsas, a saber 119 notas falsas de 10 euros e 135 notas falsas de 50 euros. Foi possível ver-se que foi uma criança que foi usada para colocar os envelopes dentro dos correios, portanto, dirigiam-se à estação dos correios, mas, não dentro dos correios, portanto, à parte exterior dos correios, onde a arguida GF acompanhada de uma criança que, porventura, seria a sua sobrinha terá feito a expedição destes envelopes. Depois, são detectados outros envelopes de natureza semelhante e contendo também este tipo de notas. Também foi possível ver, e contrariando aquilo que nos foi aqui passado pela arguida GF  o grande medo que tinha do seu ex-namorado, no fundo, a pressão que este fazia e as ameaças que sofria para continuar a fazer parte desta rede, de facto, temos aqui uma extensa conversa telefónica entre a arguida e o actual namorado, na qual o que perpassa dessa conversa é que a grande preocupação dela era saber quando é que iria ser paga, como é que iria ser paga e, no fundo, já não ter tanto controlo das operações e haver coisas que ela, no fundo, já não tinha o controlo. Também é importante salientar aqui que, contrariamente ao que a mesma afirma que nunca fez notas falsas, as intercepções telefónicas dão-lhe outra explicação, ou seja, por um lado, temos uma conversa entre ela e a sua mãe, em que ela diz que queria imprimir as quinhentos que tinha para fazer e, por outro lado, temos o telefonema em que a mesma está muito contente porque conseguiu fazer tudo perfeitamente, portanto, no fundo, saiu tudo perfeito. Isto tudo para dizer que efectivamente que a versão que nos é trazida pelos arguidos de se desculparem e, no fundo, “sacudirem a água do seu capote ” e a sua responsabilidade, imputando tudo ao dito JP , que é a pessoa que, efectivamente, não lemos razão para desconfiar, está no cérebro de toda esta actividade. O que é certo é que qualquer um dos co-arguidos que nós ouvimos aqui tinha um papel importante e aderiram, participavam, faziam, sabiam que estava errado, aliás, o arguido MP disse mesmo que o arguido JP lhe contou do passado dele, portanto ele sabia a pessoa com quem se estava a meter e, mesmo assim, acedeu a fazer parte e a participar nisto. Em termos de perigos, verifica- se um fortíssimo perigo de continuação da actividade criminosa. Nós estamos a falar de uma rede que se dedica de uma forma organizada, cada um tem o seu papel, há feitura e há difusão, por assim dizer, destas notas falsas. Não é uma situação que aconteceu uma vez, não é uma pessoa inexperiente que imprimiu duas ou três notas lá em casa para ver se conseguia. E uma rede organizada que se dedica a isto e, pelo menos, desde de 2017, ou seja, teve aqui um período de actividade no tempo muito longo, sendo certo que o arguido MP não entra em 2017, só mais recentemente, todos os outros já estariam envolvidos desde altura. Se fosse que aqui eles nos querem fazer parecer, designadamente, a versão da arguida GF e de seus pais, do medo, o que é certo é que os mesmos nunca reportaram qualquer medo ou queixa à polícia quando sabem que o suspeito JP reside na Colômbia. Portanto, poderiam ter posto termo, se fosse como os mesmos dizem, a esta actividade.
Verifica-se em concreto o perigo de perturbação do decurso do inquérito, e isto porque há suspeitos que ainda não foram intersectados, tendo o suspeito JP que, de facto, precisamos de localizar. Se estes arguidos fossem restituídos à liberdade, possivelmente, aliás, ele já terá sido alertado para a detenção e para o que se passa aqui, e, portanto, de alguma forma, a prova a recolher poderia ficar comprometida. Por outro lado, verifica-se algum perigo de fuga, não tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa, mas, efectivamente, todos os arguidos, o arguido MP nasceu na Suíça, tem ligação à Suíça, tem família na Suíça, os restantes arguidos em França, a arguida B.  tem nacionalidade francesa, a arguida GF tem dupla nacionalidade, francesa e portuguesa, só o arguido A.  tem só nacionalidade portuguesa, mas viveu em França. Ou seja, é natural, pelo facto de terem vivido muitos anos nestes países, que tenham ali os seus contactos, ou seja, não é um perigo de fuga meramente teórico, mas é um perigo de fuga que se verifica em concreto, devido a, por um lado, a moldura penal que está sobre eles e, portanto, há algum apelo que possa existir de tentarem dificultar a acção da Justiça aqui em Portugal. Por fim, também se verifica algum perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas na vertente que foi enunciada pelo Ministério Público, ou seja, a vertente que decorre, no fundo, da segurança que tem que existir, designadamente, no que se refere à circulação do papel-moeda de que circula é efectivamente aquele que foi emitido pelo Banco Central Europeu ou pelos Bancos nacionais que tenham competência para isso. Estamos a falar já de um elevado valor monetário, portanto, põe em causa a segurança, a certeza que deve existir sempre que um de nós pega numa nota e ter a certeza de que aquela nota é uma nota que, efectivamente, foi emitida por quem tinha poder para tal.
Ê certo que os arguidos não têm antecedentes criminais, mas o que é certo também, é que, pelo menos, para nós parece, numa perspectiva indiciária, fazendo um juízo de prognose daquilo que se passará em julgamento, por um lado, há prova abundante, não se trata de uma prova que se vá escapar entre os dedos das nossas mãos. Nós temos a apreensão de toda a parafernália utlizada para fabricar as notas, temos a apreensão de encomendas, temos as vigilâncias, portanto, temos uma série de prova que já será imutável relativamente aquilo que se passa, e, portanto, com base nessa prova, com base nos valores em causa, com base no facto de ser uma actividade prolongada no tempo, parece-nos que a moldura penal abstrata que está em causa, fazendo um juízo de prognose, os arguidos serão condenados numa pena de prisão efectiva. Tudo isto para dizer que, assim sendo, a única medida de coação que é proporcional à gravidade do crime cometido pelos arguidos, por um lado, e é adequada a afastar os perigos que se enunciaram, aplicando-se os critérios da necessidade e da proporcionalidade é, efectivamente, a medida de coacção de prisão preventiva, sendo qualquer outra medida insuficiente para o fazer, designadamente, as medidas promovidas pela defesa. Admite-se que, relativamente aos arguidos A.  e B.  se possa pedir a elaboração de um relatório para se ponderar a obrigação ou não de permanência na habitação destes arguidos, tendo em conta aqui, a idade dos mesmos, o estado de saúde do arguido A.  e também, de alguma forma, o facto de. havendo a detenção da arguida GF  nos parecer que, se calhar, há coisas que eles por si próprios não farão sem, no fundo, a ajuda desta filha, e, portanto, poder-se-á ponderar, caso, de acordo com aquilo que vier a ser dito pelo relatório, a aplicação a estes arguidos de tal medida.
Por ora, com o contexto, as provas e os elementos que temos considero ser de aplicar aos arguidos, a todos eles, a medida de coação de prisão preventiva. Assim, ao abrigo do disposto nos artigos n. °s 191. ° a 194. °, 195. " 202. ° n. ° I, alínea a), 204. ", alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal, determino que os arguidos aguardem os ulteriores trâmites processuais em prisão preventiva, indeferindo a aplicação de outras medidas, designadamente, as requeridas pela defesa.
Desde já, determino que se solicite à DGRSP, aos serviços de vigilância electrónica, a elaboração de relatório relativamente aos arguidos A. Santos e B. Fernandes, para aferir da possibilidade de se aplicar aos mesmos a medida de coação da obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Determino que sejam passados mandatos de condução dos arguidos ao estabelecimento prisional, se dê cumprimento ao disposto no artigo n. ° 194. º, n. º 10, caso os arguidos o consintam, que se extraia cópia para translado, que se comunique ao tribunal de execução de penas a medida de coacção, ora, aplicada e ainda fixe os honorários da senhora intérprete em I UC.

***
3. Apreciando

Recurso de MP

3.1. Questão prévia
Aproveitando a oportunidade da resposta ao parecer do Ministério Público junto desta Relação (artigo 417.º, n.º2, do C.P.P.) – em que a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta se limitou, no essencial, a manifestar a sua concordância com a resposta do Ministério Público junto da 1.º instância -, veio o recorrente MP introduzir uma questão não antes suscitada: a da “nulidade insanável por incompetência material do Tribunal/do pedido de libertação imediata”.
A dita “nulidade insanável”, que o recorrente subsume ao artigo 120.º, al. e), do C.P.P. (presume-se que a referência ao artigo 120.º e não ao 119.º se deva a mero lapso), alegadamente decorrente “da incompetência do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa”, determinaria a “nulidade da douta decisão recorrida”, alicerçando o arguido/recorrente os seus argumentos na circunstância de se estar perante “infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional”, em que a actividade criminosa ocorreu “em comarcas pertencentes a diferentes tribunais da Relação”, razão por que, no seu entender, competente é o Tribunal Central de Instrução Criminal.
Vejamos.
Relativamente à questão da competência, importa realçar que, a confirmar-se a posição do recorrente, a consequência não seria a nulidade da decisão recorrida e a consequente e imediata restituição à liberdade do arguido.
Realmente, ao manifestar o entendimento de que o tribunal que decretou a prisão preventiva - o T.I.C. de Lisboa -, é incompetente para o efeito, nos termos do artigo 120.º, n.º1, al. k), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, uma vez que lhe são imputados crimes que constituem “infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional” cometidas em comarcas pertencentes a tribunais da Relação diferentes, razão por que sustenta ser competente o Tribunal Central de Instrução Criminal (T.C.I.C.), o que o arguido/recorrente está a invocar não é a incompetência “material”, mas sim a incompetência meramente funcional, já que ambos os tribunais, T.I.C. e T.C.I.C., se inserem na jurisdição criminal, divergindo apenas quanto ao âmbito territorial/funcional, tendo este último uma competência territorial mais vasta (nacional), mas apenas para certos tipos de crime.
Esta a razão de ser irrelevante, em princípio, em termos de habeas corpus, a competência funcional dos tribunais, já que a intervenção de juiz diferente do competente segundo as regras da repartição funcional de competências não envolve nenhuma diminuição de garantias para o arguido, como tem vindo a ser decidido pelo S.T.J. (por exemplo, acórdão de 10-10-2007, processo 07P3777, disponível em www.dgsi.pt – como os que venham a ser citados sem outra indicação - especificamente em relação ao T.I.C. versus T.C.I.C.).
É o que se extrai de vários artigos do C.P.P., nomeadamente, do artigo 33.º, n.º 3, que dispõe no sentido de que as medidas de coacção ordenadas pelo tribunal declarado incompetente conservam eficácia mesmo após a declaração de incompetência, embora devam ser convalidadas ou infirmadas pelo tribunal competente, sem que a lei estabeleça prazo para tal, se bem que deva ser breve.
Quer isto dizer que, além de o tribunal declarado incompetente manter uma competência residual para a prática de actos processuais urgentes, as medidas de coacção e de garantia patrimonial que tiver ordenado conservam a sua eficácia, ainda que devam ser reapreciadas pelo tribunal competente.
Por conseguinte, a pretensão de libertação imediata, no pressuposto de que o arguido/recorrente tivesse a razão do seu lado quanto à questão da competência, carece de qualquer fundamento legal.
Entrando agora na questão suscitada.
De harmonia com o disposto no artigo 120.º, n.º1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, compete ao T.C.I.C. a competência para proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, quando a actividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes tribunais da Relação, quanto aos seguintes crimes:
a) Contra a paz e a humanidade;
b) Organização terrorista e terrorismo;
c) Contra a segurança do Estado, com excepção dos crimes eleitorais;
d) Tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, salvo tratando-se de situações de distribuição directa ao consumidor, e associação criminosa para o tráfico;
e) Branqueamento de capitais;
f) Corrupção, peculato e participação económica em negócio;
g) Insolvência dolosa;
h) Administração danosa em unidade económica do sector público;
i) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
j) Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, nomeadamente com recurso à tecnologia informática;
k) Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional.
Trata-se de crimes cuja coordenação da direcção da sua investigação pertence ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal, de harmonia com o artigo 47.º, n.º1, do Estatuto do Ministério Público ainda vigente (aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, sucessivamente alterada).
É a circunstância de integrar os factos criminosos sob investigação no âmbito das infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional que leva o arguido/recorrente a sustentar a competência do T.C.I.C.
São conhecidas as dificuldades de definição legal de conceitos como criminalidade económico-financeira e organizada, pois, como realça Jorge Reis Bravo, criminalidade organizada e criminalidade económico-financeira não são, rigorosamente, conceitos (técnico-) jurídicos, mas sim conceitos eminentemente operativos ou instrumentais (cfr. Para um modelo de segurança e controlo da criminalidade económico-financeira - Um contributo judiciário, Working Papers nº 18 / 2013 OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude – texto que passamos a seguir de perto).
Sublinha Jorge Reis Bravo que os conceitos de criminalidade organizada e de criminalidade económico-financeira são geográfica e historicamente mutáveis e não coincidentes, não incorporando um significado eminentemente técnico-jurídico [criminal], antes se traduzindo em conceitos classificatórios que relevam em distintos ângulos de incidência. “Ambas as categorias não se confundem nem se excluem. Graficamente, poderiam representar-se como dois círculos sobrepostos que coincidem na maior parte da área de ambos, apenas com margens não sobrepostas (em forma de quarto minguante e de quarto crescente) pertinentes em exclusivo a cada um dos conceitos. O carácter polissémico das expressões não evita que possa considerar-se haver criminalidade organizada que não é económico-financeira, assim como haverá criminalidade económico-financeira que não é organizada.”
Apresentam-se, por vezes, como características do crime organizado a corrupção, violência, sofisticação, continuidade, estrutura e hierarquização, disciplina, actividades diversificadas, envolvimento em actividades empresariais legítimas, a permanência e racionalização e a empresarialização das actividades delituosas, sendo certo que alguns desses elementos poderão não se verificar.
Diz Jorge Reis Bravo:
No conceito (amplo) de criminalidade organizada estará implícita, de forma quase consensual, a tutela do bem jurídico «tranquilidade pública». Assim, enquanto conceito abrangente, podem nele integrar-se as tipologias penais respeitantes aos diversos “tráficos ilícitos” (de pessoas, de órgãos, de estupefacientes, de armas, de veículos) – o que compreensivelmente implica sempre o emprego de meios de maior ou menor estruturação e sofisticação – a áreas de incriminação no âmbito do terrorismo, da associação criminosa, da imigração irregular, da extorsão, do rapto e sequestro, da receptação, do branqueamento, entre outros” (ainda que reconhecendo que o branqueamento, apesar de inserido no conteúdo do conceito legal de «criminalidade altamente organizada» - artigo 1.º, al. m) do C.P.P. -, é uma tipologia “arquetipicamente atinente à criminalidade económico-financeira”).
Já quando ao conceito de criminalidade económico-financeira, adopta o referido autor um conceito operativo restritivo, tributário do ensinamento de W. HASSEMER, de acordo como o qual, a criminalidade económico-financeira se traduziria “no conjunto de comportamentos penalmente relevantes que, pretendendo obter avultados ganhos [ilícitos], violam, directa ou indirectamente, as normas que regulam a “ordem económica” e os bens ou interesses financeiros ou económicos do Estado (numa perspectiva obviamente supra-individual), podendo caber no conceito os elencos das infracções indicadas na lei, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1 da Lei n.º 36/94, de 29-09 e 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11-01, além dos crimes do mercado de valores mobiliários, o branqueamento e outras conexas, dele se excluindo áreas de incriminação limítrofes (v.g., no âmbito tributário, falencial/insolvencial, societário, contra a propriedade intelectual, a cibercriminalidade em sentido próprio, o terrorismo, os crimes ambientais e urbanísticos, etc.)”.
Não se deixa de reconhecer, porém, a dificuldade de definição destes conceitos, já que, em rigor, como Jorge Reis Bravo adverte, só o conceito definitório de “criminalidade altamente organizada” encontra o conteúdo da sua definição precipitado em lei.
Aqueles conceitos são mencionados entre os dispositivos da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro (Medidas de combate à corrupção e criminalidade económico-financeira), da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro (Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira) e no artigo 1.º, al. m) do C.P.P. (definição formal de criminalidade altamente organizada).
Nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94 prevêem-se as infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática e as infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional, conceitos que repetem-se em disposições legais inseridas em diversos regimes jurídico-processuais e estatutários. Ao remeterem para «infracções económico-financeiras» parecem pressupor uma prévia definição legal desse conceito que pura e simplesmente não existe.
O já supra referido artigo 47.º, n.º 1 da Lei n.º 47/86, ao estabelecer o elenco de crimes da competência do DCIAP, enumera diversas tipologias que se enquadram nos conceitos genéricos da criminalidade económico-financeira e organizada.
A Lei n.º 5/2002 (que estabelece medidas especiais de investigação quanto à criminalidade organizada e económico-financeira) consagra no n.º 1 do seu artigo 1.º um elenco de tipos penais que pretende densificar normativamente aqueles conceitos.
O crime de contrafacção de moeda e de títulos equiparados a moeda surge inserido nesse artigo [actual alínea o)].
O n.º 3 consagra uma cláusula de remissão genérica para a aplicabilidade do regime probatório especial da Lei n.º 5/2002 “aos demais crimes referidos no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro”, que são concretamente os crimes de administração danosa em unidade económica do sector público, de fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, as infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática e as infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional, e que não se encontram expressamente replicadas no artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2002, julgando-se que a lei pressupõe, também nestes casos, o carácter organizado.
Por sua vez, o regime legal que define a admissibilidade de Acções Encobertas - Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto - estabelece, na listagem dos tipos de crime susceptíveis de merecer medidas de investigação encoberta, tipologias que se podem integrar nos conceitos de criminalidade económico-financeira e organizada, mas curiosamente, no artigo 2.º, alíneas p), q) e r), distingue as infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada ou com recurso à tecnologia informática, as infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional e a contrafacção de moeda, títulos de créditos, valores selados, selos e outros valores equiparados ou a respectiva passagem.
No âmbito da competência reservada de investigação da Polícia Judiciária, estabelecido no artigo 7.º, n.º 2 da Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto (que aprova a Organização da Investigação Criminal), contempla-se na alínea d) a contrafacção de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e outros valores equiparados ou a respectiva passagem. No n.º3, porém, alínea j), surge a referência aos crimes económico-financeiros, como se a dita contrafacção os não integre.
O que verificamos é que a lei utiliza conceitos de criminalidade económico-financeira e organizada sem que se infira qual o concreto conteúdo dos mesmos, pois como assinala Jorge Reis Bravo, “não resultam da lei critérios substantivos ou materiais dos conceitos em apreço (de criminalidade económico-financeira e de criminalidade organizada). O único que a lei precipita positivamente é um elenco abstracto de tipologias penais que preenche o conceito formal de “criminalidade altamente organizada”. Mas, relativamente aos dois outros, o preenchimento da sua definição permanece omisso.”
Posto isto, mesmo que se parta do pressuposto de que os crimes de contrafacção de moeda, p. e p. pelo artigo 262.º, e de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador, p. e p. pelo artigo 264.º, n.º1, do Código Penal são infracções económico-financeiras, haverá que averiguar, no caso, da dimensão internacional ou transnacional das mesmas – que é invocada pelo arguido/recorrente
Temos um grupo de pessoas, essencialmente da mesma família - pai, mãe, filha, ex-companheiro e amigos deste - que se dedicavam à produção de notas falsas (50€ e 10€), produção essa que efectuavam nas suas próprias residências e que vendiam através da internet -“dark web", enviando-as pelo correio para Portugal e diversos países da Europa, como encomendas ou correspondência comuns.
A conexão internacional das actividades delituosas em causa está na circunstância de algum do material utilizado na contrafacção ter sido importado de fornecedores situados no estrangeiro e de algumas das notas contrafeitas terem como destino outros países.
A dimensão internacional ou transnacional dos crimes resulta, em princípio, de serem cometidos em mais de um Estado; sendo cometidos num só Estado, uma parte substancial da sua preparação, planeamento, direcção ou controlo tenha lugar noutro Estado; tendo sido cometidos num só Estado, envolvam a participação de um grupo criminoso organizado que pratique actividades criminosas em mais de um Estado; ou sendo cometidos num só Estado, produzam efeitos substanciais noutro Estado (socorremo-nos, aqui, dos critérios utilizados no seio dos instrumentos normativos das Nações Unidas).
Não havendo indicações de que a preparação, planeamento, direcção ou controlo da actividade criminosa tivesse lugar noutro Estado, ou que se trate de actividade criminosa a envolver a participação de um grupo criminoso organizado que pratique actividades criminosas de contrafacção de moeda em mais de um Estado, a dimensão internacional ou transnacional da actividade, pelo que se apura, é dada apenas pela circunstância de uma parte das notas contrafeitas se destinar a ser enviada para o estrangeiro, conforme encomendas efectuadas pela internet.
A circunstância de um dos elementos, por questões circunstanciais relacionadas com outros problemas anteriores com a justiça, ter ido residir, a dada altura, para a Colômbia, onde prosseguiu a actividade de venda das notas falsas através da internet, não atribui “dimensão internacional’' aos factos em causa.
Assim, a nosso ver, os elementos dos autos – como já se disse, um grupo de pessoas, essencialmente da mesma família - pai, mãe, filha, ex-companheiro e amigos deste - que se dedicavam à produção de notas falsas, produção essa que efectuavam nas suas próprias residências e que vendiam através da internet, enviando as notas pelo correio de Portugal para Portugal e diversos países da Europa, como encomendas ou correspondência comuns -, ainda que alguns dos seus efeitos se tenham produzido em países estrangeiros (como lugares de destino de encomendas), não configuram a dimensão internacional ou transnacional exigível.
Acresce que em momento se algum se refere, no despacho de apresentação dos arguidos, tratar-se de “uma rede de dimensão transnacional ou internacional”, sendo certo que ao Ministério Público compete dirigir o inquérito, fixando os factos imputados, com o seu enquadramento e qualificação.
Por outro lado, o grupo cuja actuação ilícita está em análise, aparentemente, circunscreve-se a um conjunto de pessoas localizadas em Portugal e que aqui praticaram os factos criminosos, e ainda que exista uma actuação organizada, falta-lhe estrutura, hierarquização, disciplina e complexidade que lhe confiram a dimensão necessária para se falar em criminalidade económico-financeira cometida de forma organizada, nomeadamente com recurso à tecnologia informática – que, no caso, se traduziu apenas na utilização da internet, mais propriamente da chamada dark web ou de plataformas de conversação, para recepção de encomendas.
Aqui chegados, ocorre perguntar a razão de terem sido os arguidos apresentados a 1.º interrogatório no T.I.C. de Lisboa, quando as actividades descritas se reportam a diversas comarcas diversas do país, como Braga. Porto, Vila Nova de Gaia e Cantanhede.
Da informação colhida resulta que o processo de inquérito se iniciou em Lisboa, com a notícia, chegada à Polícia Judiciária de Lisboa, vinda de congéneres europeias, da detecção de notas falsas com origem em Portugal, designadamente enviadas de agência dos correios de Lisboa.
Tal foi comunicado ao DIAP de Lisboa, prosseguindo o processo contra desconhecidos.
Na sequência das diligências efectuadas, foram autorizadas, pelo Mm.º Juiz do T.I.C. de Lisboa, intercepções telefónicas.
Os autos dão conta da realização de diversas diligências urgentes, até à identificação e localização dos envolvidos, realização de buscas e apreensões, detenção a apresentação à Mm.ª Juíza do T.I.C. de Lisboa onde o inquérito tramitava e tramita.
Pois bem: existindo outros arguidos para além do recorrente e havendo uma investigação criminal que está em curso, ainda se mantêm por determinar os locais onde todos os factos ocorreram, sendo que, como já se disse, foi em Lisboa que o processo teve início e é em Lisboa que prossegue por ser onde primeiro chegou a notícia do crime, razão por que entendemos que se justificou, para definição da competência, a opção pelo critério da prioridade temporal do conhecimento dessa notícia.
Isto sem prejuízo do que possa vir a resultar de diverso, a posteriori, quanto à definição da competência, fruto do desenvolvimento da investigação e da fixação dos factos e das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram praticados.
Conclui-se que não se verifica a invocada nulidade.

3.2. Também em sede de resposta ao parecer, veio o arguido “responder”, afinal, à resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, alegando factos novos e juntando 19 documentos, alegadamente “para tutela do direito, liberdade e garantia que está em causa (a Liberdade do Arguido), por se tratarem de documentos supervenientes e ou que só se tornaram, em termos práticos, acessíveis ao Arguido em data posterior à prolação da doura decisão recorrida, resultando a sua necessidade da sua junção da posição tomada pelo Ministério Público e da necessidade de evidenciar nos autos que os invocados perigos que justificaram a prisão preventiva não se verificam”.
A nosso ver, o recorrente incorre em equívoco: não há resposta à resposta ao recurso.
Realmente, o que o recorrente faz, aproveitando a ocasião do artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., não é responder ao parecer do Ministério Público junto desta Relação, mas antes responder à resposta apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância.
Por outro lado, não há fundamento que autorize o recorrente a juntar os 19 documentos que apresentou com a “resposta” ao parecer.
Não oferece dúvidas que o tribunal de recurso, ao sindicar o despacho objecto de recurso, não pode apreciar elementos de prova que o tribunal recorrido não considerou, nem podia considerar.
Na verdade, é de há muito pacífico, na doutrina e na jurisprudência que os recursos estão configurados no nosso sistema processual penal como remédios jurídicos, visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram, nem podiam ter sido, suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido (cfr. Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal- Notas e Comentários, Coimbra, 2008, com abundantes referências doutrinais e jurisprudenciais, págs. 848-849).
Quer isto dizer que o recurso destina-se a que o tribunal superior aprecie a bondade da decisão recorrida, face ao direito aplicável ao caso e tendo em conta, também, os elementos existentes nos autos aquando da sua prolação e a que o tribunal recorrido teve acesso, não sendo admissível a junção de documentos para prova de factos com a motivação do recurso – e, por maioria de razão, na ocasião proporcionada pelo artigo 417.º, n.º2 -, sendo certo que, se a Relação atendesse ao conteúdo dos documentos agora juntos, não formularia um juízo sobre a justeza da decisão recorrida, considerando os elementos ao dispor do tribunal a quo, mas estaria a proferir decisão nova sobre a questão.
Argumenta o recorrente que a junção dos documentos é “para tutela do direito, liberdade e garantia que está em causa (a Liberdade do Arguido), por se tratarem de documentos supervenientes e ou que só se tornaram, em termos práticos, acessíveis ao Arguido em data posterior à prolação da doura decisão recorrida, resultando a sua necessidade da sua junção da posição tomada pelo Ministério Público e da necessidade de evidenciar nos autos que os invocados perigos que justificaram a prisão preventiva não se verificam”.
Não tem razão.
Após a prolação do despacho em causa, podia o arguido/recorrente, a todo o tempo, dirigir-se ao tribunal recorrido e requerer a revogação e substituição da medida de coacção aplicada, ao abrigo do artigo 212.º do C.P.P., apresentando, então, as razões que entendesse pertinentes e os meios de prova – in casu, os referidos documentos – que, no seu juízo, deviam determinar a revogação do despacho de aplicação de medida de coacção e que, alegadamente, só obteve em data posterior a mesmo.
Actuando dessa forma, o arguido/recorrente determinaria que o tribunal de 1.ª instância se pronunciasse por novo despacho, de que poderia vir a interpor recurso.
Não foi esse o caminho seguido, mas antes o de invocar o pretexto, a nosso ver insubsistente, de que a necessidade da junção dos documentos decorreu da “posição tomada pelo Ministério Público e da necessidade de evidenciar nos autos que os invocados perigos que justificaram a prisão preventiva não se verificam”, quando o que está em causa não é a posição do Ministério Público, mas sim a plasmada pelo tribunal no despacho recorrido – que é a que nos compete sindicar, com os elementos de que, ao tempo, o tribunal recorrido dispunha.
Assim, os documentos juntos com a resposta ao parecer do Ministério Público não poderão ser atendidos.

3.3. O recorrente não questiona o juízo de indiciação constante do despacho recorrido.
Alega existir violação do dever de fundamentação expresso no artigo 194.º, n.º 6, al. d), do C.P.P. com referência aos artigos nos artigos 193.º, n.ºs 2 e 3 e 204.º, alíneas a), b) e c), do CPP e ser a decisão recorrida nula por contradição insanável entre os respectivos fundamentos, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. b), do C.P.P.
Em primeiro lugar, importa reter que os vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, dizem respeito à sentença, reportando-se à decisão sobre a matéria de facto provada (e não provada) que não existe no despacho de aplicação de medida de coacção, onde apenas consta matéria de facto indiciada.
Assim tem-se entendido relativamente à decisão instrutória e não há razão para entender diferentemente quanto ao despacho de aplicação de medida de coação (quanto à decisão instrutória, ver ac. R. Porto, de 18/04/2012, Proc. n.º 4454/10.9TAVNG.P1; ac. R. de Évora, de 03/07/2012, Proc. n.º 4016/08.0TDLSB.E1; ac. R. de Lisboa, de 12/05/2015, Proc. n.º 2135/12.8TAFUN.L1-5).
Que este é o entendimento consentâneo com a lei extrai-se da circunstância de a verificação de qualquer dos vícios enunciados no artigo 410.º ter como consequência (quando não for possível decidir da causa) o “reenvio do processo para novo julgamento”, nos termos dos artigos 426.º e 426.º-A, do C.P.P., o que pressupõe que os vícios tenham derivado de um julgamento anterior – da matéria de facto, entenda-se - plasmado numa sentença.
Em suma: os vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, são vícios da decisão de facto de uma sentença – factos provados e não provados e respectiva motivação de facto -, enquanto o que o recorrente invoca como constituindo uma “contradição insanável entre os respectivos fundamentos”, mais não é do que a manifestação, legítima, da sua discordância em relação ao discurso fundamentador que o tribunal expressou a propósito dos perigos que importava acautelar através da imposição de medida de coacção.
Quanto à nulidade por alegada falta de fundamentação:
O despacho de aplicação de uma medida de coacção é um acto judicial decisório e, como tal, deve ser fundamentado, estando a decisão em causa sujeita, em termos gerais, à disciplina do artigo 97.º, n.º 4 e 5, e, em termos específicos, do artigo 194.º, n.º 6, do C.P. Penal (na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).
A falta de fundamentação do despacho que aplique medida de coacção, que anteriormente constituía uma simples irregularidade, passou a configurar uma nulidade com a revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, encontrando-se o dever de fundamentação vinculado a um determinado conteúdo.
Como tal nulidade não está expressamente prevista como insanável (artigo 119.º), tem-se concluído tratar-se de uma nulidade relativa, nos termos do artigo 120.º do C.P.P. e, por conseguinte, dependente de arguição pelo Ministério Público ou pelo arguido, se presentes no acto, no próprio acto e antes que o mesmo termine – art. 120.º n.º 3, alínea a) –, perante o tribunal da decisão, sob pena de sanação (ver ac. da Relação do Porto, de 3-06-2009, processo 1324/08.4PPPRT-A.P1; ac. da Relação de Guimarães, de 18-01-2010, processo 758/09.1JABRG-H.G1; ac. da Relação do Porto, de 20-2-2010, processo 760/09.3PPPRT-A.P1; ac. da Relação de Coimbra, de 16-02-2011, processo 474/08.1JACBR-B.C1; ac. da Relação do Porto, de 31-10-2018, processo 328/16.8GAVLG-A.P1). 
Não foi arguida, no próprio acto, qualquer nulidade a respeito de qualquer pretensa falta de fundamentação.
Atente-se que, a nosso ver, o entendimento exposto acerca do regime de arguição não enferma de qualquer desconformidade com a C.R.P., sabido que o arguido esteve, como não podia deixar de estar, assistido por advogado durante o 1.º interrogatório, que logo poderia ter invocado a alegada nulidade, o que não fez, sendo que, se o tivesse feito, ainda teria a oportunidade de exercer do direito de recurso para a Relação do despacho que a apreciasse e decidisse.
Em todo o caso, mesmo admitindo-se, num entendimento mais favorável que também tem sido acolhido por alguma jurisprudência, que a arguição possa ser feita não já perante o tribunal da prolação da decisão controvertida, mas em fundamento de recurso (ao abrigo do artigo 410.º, n.º3, do C.P.P.), ainda assim, numa apreciação de meritis do argumento da falta de fundamentação, o mesmo não merece acolhimento.
Prescreve o n.º 1 do artigo 141.º do C.P. Penal:
«1. O arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que lhe for presente com a indicação circunstanciada dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam

O n.º4 do mesmo artigo dispõe que o juiz, após as perguntas relativas à identificação do arguido, deverá informá-lo, além do mais que aí se refere, dos motivos da detenção, dos factos concretamente imputados e dos elementos do processo que os indiciam.
O juiz tem o dever de informar o detido; esse dever de informação tem um conteúdo definido nas diversas alíneas do n.º4 do artigo 141.º; a indicação circunstanciada imposta pelo n.º1 é a que permite ao juiz informar o detido nos termos legais, dando a essa informação o conteúdo informativo prescrito na lei.
Os autos de interrogatório, antes da revisão de 2007, continham normalmente uma fórmula já impressa, a seguir à identificação do arguido (esta a fazer nos termos habituais), documentando que o juiz dera cumprimento ao disposto no artigo 141.º, n.º4 (disposição que dizia: “Seguidamente, o juiz informa o arguido dos direitos referidos no artigo 61.º, n.º1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos motivos da detenção, comunica-lhos e expõe-lhe os factos que lhe são imputados”).
Questionava-se de que devia ou não ser informado o arguido e com que limites durante o 1.º interrogatório, tendo sido proferidas algumas decisões pelo Tribunal Constitucional sobre a questão, ou mais propriamente, sobre determinadas interpretações normativas do artigo 141.º, n.º4, que foram julgadas inconstitucionais.
O n.º4 do artigo 141.º, segundo o texto introduzido com a revisão de 2007, passou a preceituar:
«4. Seguidamente, o juiz informa o arguido:
a) Dos direitos referidos no n.º 1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário;
b) Dos motivos da detenção;
c) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; e
d) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
ficando todas as informações, à excepção das previstas na alínea a), a constar do auto de interrogatório.»

O conteúdo do auto de interrogatório, nesta parte em que consigna os termos em que foi cumprido o dever de informação, tem o maior relevo, porquanto na fundamentação do despacho que venha a aplicar ao arguido, na sequência do interrogatório judicial, qualquer medida de coacção, à excepção do termo de identidade e residência, só podem ser considerados factos e elementos do processo que lhe tenham sido comunicados. Com a revisão do Código de Processo Penal, a fundamentação do despacho de aplicação de medidas de coacção exige, sob pena de nulidade e não de simples irregularidade por falta de fundamentação de acto decisório, a enunciação de determinado conteúdo que está previsto, presentemente (com a redacção introduzida pela Lei n.º 20/2013) no n.º6 do artigo 194.º e se encontra condicionado pelo dever de comunicação a que se reporta o citado artigo 141.º, n.º4.
Compulsados os autos de recurso, verifica-se que os mesmos são integrados, além do mais, por cópia (certificada) do auto de interrogatório judicial do qual consta, além do mais, a concreta indicação dos factos imputados e das provas, sendo que, posteriormente, o despacho de aplicação de medida de coacção indica os factos fortemente indiciados e a base probatória dos mesmos por meio de remissão para “o despacho de apresentação do Ministério Público (fls. 595 a 600), os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos, tendo os mesmos como suporte probatório, os meios de prova indicados pelo Ministério Público (fls. 600 e 601) que aqui se dão por integralmente reproduzidos e também parcialmente as declarações prestadas pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório”.
Prescreve o artigo 194.º, n.º6:
«A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º».

In casu, o despacho de aplicação de medida de coacção considera fortemente indiciados os factos constantes da referida narração, louvando-se nos elementos de prova que foram indicados, contém também a subsunção jurídico-penal, identifica os perigos previstos no artigo 204.º do C.P.P. e justifica com base nos mesmos a medida de coacção imposta.
A nosso ver, o arguido/recorrente confunde coisas diversas: a ausência ou deficiência de fundamentação legalmente exigida com uma fundamentação que não o convença quanto às razões apresentadas pelo tribunal.
Ora, a fundamentação, nos termos legais, visa permitir a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial e não promover, necessariamente, o convencimento do destinatário da decisão quanto ao bem fundado dessas razões, posto que, percebidas estas, podem os sujeitos processuais argumentar para que o tribunal de recurso altere a decisão.
Perante as concretas razões apresentadas no despacho recorrido, tem o arguido a oportunidade de, como efectivamente fez, as impugnar por meio de recurso, sustentando não se verificarem os perigos que o tribunal identificou e que fundamentaram a aplicação da medida de prisão preventiva.
Nessa sede, não estamos perante qualquer vício de fundamentação, gerador de nulidade do despacho recorrido, mas antes face ao inconformismo do recorrente com a apreciação que o tribunal fez sobre a verificação dos perigos que importava acautelar.
Vejamos, pois, a questão dos perigos.
           
3.4. De harmonia com o disposto no artigo 191.º, n.º1, do C.P.P., as medidas de coacção visam dar resposta a necessidades processuais de natureza cautelar, necessidades que resultam da existência dos perigos ou de algum dos perigos enunciados nas três alíneas do artigo 204.º daquele mesmo diploma, a saber:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
A pelo menos aparente contradição entre o princípio de que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória e a sujeição a medidas de coacção antes da sua condenação apela a um critério de concordância prática que, segundo Castro e Sousa, significará que o recurso aos meios de coacção em processo penal deve respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e intervenção mínima. Estes princípios «nada mais são do que emanação do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido que impõe que qualquer limitação à liberdade do arguido anterior à condenação com trânsito em julgado deva não só ser socialmente necessária mas também suportável» (Os meios de coacção no novo código de processo penal, Jornadas de direito processual penal. O novo código de processo penal, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra, Livraria Almedina, 1995, p. 150).
O artigo 193.º, n.º1, do C.P.P., estabelece que as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Consagram-se neste preceito os princípios da adequação e da proporcionalidade.
O princípio da adequação exige que a medida seja apta e idónea para satisfazer as exigências cautelares do caso, devendo ser escolhida de acordo com estas exigências (e não outras). Como ensina Germano Marques da Silva, uma medida é adequada «se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para a realização das exigências cautelares» (Curso de Processo Penal, II, 4.ª edição, Verbo, Lisboa, 2008, p. 303).
A adequação é qualitativa (aptidão da medida, pela sua natureza, para realizar os fins cautelares pretendidos) e quantitativa (no que toca à sua duração ou intensidade).
 Dispõe o n.º 3 desse mesmo artigo que a execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências que o caso requerer.
O princípio da adequação é integrado pelo princípio da proporcionalidade que impõe que a medida seja proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada. Deste princípio infere-se que ainda que uma medida de coacção possa ser justificada pelas exigências cautelares do caso, poderá a mesma não ser proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente será aplicada ao arguido. A gravidade deverá ser ponderada em função do modo de execução do crime, dos bens jurídicos violados, da culpabilidade do agente e, em geral, de todas as circunstâncias que devem ser consideradas em sede de determinação da medida concreta da pena.
Em estreita ligação a estes princípios está o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva, consagrado pelo artigo 193.º, n.º 2, do C.P.P. e em conformidade com o artigo 28.º, n.º2, da Constituição da República: a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes outras medidas de coacção constantes do catálogo legal.
Tendo em vista que a decisão recorrida fundamenta a aplicação da medida de prisão preventiva na verificação dos perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa, perturbação do inquérito e perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, vejamos se tais perigos se verificam e se a medida de coacção imposta se revela adequada e proporcional, revelando-se inadequadas ou insuficientes outras medidas de coacção constantes do catálogo legal.

3.4.1. Não oferece particular dificuldade a justificação da aplicação de uma medida de coacção quando se verificou a fuga (o que pressupõe o perigo de a mesma se repetir) ou se verifica o perigo de fuga, já que entre as finalidades das medidas de coacção conta-se a de assegurar a sujeição do arguido ao procedimento e o cumprimento das eventuais reacções criminais que, no termo do processo, lhe venham a ser impostas.
Quando se fala em fuga ou perigo de fuga, pretende-se assinalar que as medidas de coacção poderão funcionar ex post, perante a constatação de uma fuga já realizada e em ordem a evitar o perigo de uma nova fuga, ou ex ante, prevenindo uma eventual fuga futura.
Como se realça no acórdão desta Relação, de 25 de Outubro de 2010, proferido no processo 219/11.09JELSB-B.L1-5, o perigo em causa ocorrerá:
« (…) sempre que, face à contextualidade do caso e tendo em conta a experiência de vida, seja legítimo um juízo de prognose nesse sentido, ou seja, que existe um real risco de fuga ou, pelo menos, que se verifica uma forte probabilidade de tal acontecer.
Esse perigo será tanto maior quanto mais gravosa for a pena que, previsivelmente, lhe venha a ser aplicada».

Por sua vez, afirma-se no acórdão da Relação de Coimbra, de 19 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 222l/l0.9PBAVR-A.Cl, que o perigo “deve ser real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, e resultar da ponderação de factores vários, como sejam toda a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como quaisquer outros, como a idade, saúde, situação económica, profissional e civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar. (...) primordial é averiguar-se, em face do circunstancialismo concreto do caso, se a pessoa em causa tem ou não, ao seu dispor, meios ou condições, designadamente a nível económico e social, para se subtrair à acção da justiça e às suas responsabilidades criminais ou se existe um sério perigo que tal venha a suceder, independentemente da gravidade dos crimes indiciariamente cometidos”.
No caso concreto, o despacho recorrido – que tem a marca da oralidade – assinala que “verifica-se algum perigo de fuga, não tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa, mas, efectivamente, todos os arguidos, o arguido MP nasceu na Suíça, tem ligação à Suíça, tem família na Suíça, os restantes arguidos em França, a arguida B.  tem nacionalidade francesa, a arguida GF tem dupla nacionalidade, francesa e portuguesa, só o arguido A.  tem só nacionalidade portuguesa, mas viveu em França. Ou seja, é natural, pelo facto de terem vivido muitos anos nestes países, que tenham ali os seus contactos, ou seja, não é um perigo de fuga meramente teórico, mas é um perigo de fuga que se verifica em concreto, devido a, por um lado, a moldura penal que está sobre eles e, portanto, há algum apelo que possa existir de tentarem dificultar a acção da Justiça aqui em Portugal.
Constata-se que a Mm.ª Juíza considerou que o perigo de fuga não é tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa, comparação que faz expressamente, relativizando o perigo em causa ao dizer “algum perigo”, que tem o sentido de “um tanto de” ou “um pouco de” com função de determinante.
Aceitando-se que a qualidade de estrangeiro ou de ter uma relação com país estrangeiro não pode ser critério determinante da agravação da situação processual, não podemos deixar de reconhecer que as concretas condições pessoais dos arguidos, em que se inscreve a circunstância de terem ligações a países estrangeiros, onde viveram muitos anos e manterão os seus contactos, facilita e potencia a existência de “algum perigo de fuga”, tanto mais que estamos perante crimes puníveis com prisão de 3 a 12 anos – constatação que se aplica também ao arguido/ora recorrente.
Face à gravidade de tais ilícitos e à probabilidade de vir a ser aplicada uma pena de prisão, infere-se que, face às regras da experiência de vida, quem, nas concretas circunstâncias do arguido/recorrente, se vê confrontado com a séria possibilidade de ser privado da liberdade, naturalmente, se tiver oportunidade para tal, procurará escapar à acção da justiça, o que é potenciado pela facilidade das suas conexões a outros países e por condições pessoais que favorecem a sua mobilidade para se pôr em fuga.
No entanto, repete-se, a Mm.ª Juíza apenas reconheceu a existência de “algum perigo”, inferior ao de continuação da actividade criminosa, e enquanto tal – “algum perigo” – não se alcança que o juízo formulado pela Mm.ª Juíza seja desprovido de razoabilidade e que, ao formulá-lo, tenha a Mm.ª Juíza efectuado uma interpretação dos artigos 194.º, n.º6, al. d) e 204.º, al. a), do C.P.P. que contrarie os artigos 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 1 e 2, 28.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1 e 2 e 205.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Referia-se o artigo 204.º, alínea c), na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ao perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.
Com a alteração da referida alínea, operada pela Lei n.º48/2007, passou a mencionar-se o perigo, em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Não está em causa a invocação de um alegado e genérico “alarme social”, mas antes situações em que a libertação, sem mais, do arguido ponha em causa, em razão de circunstâncias particulares e em concreto, com alto grau de probabilidade e gravemente, a ordem e a tranquilidade públicas, em razão da sua conduta ou personalidade, não bastando a convicção de que certo tipo de crimes podem em abstracto causar emoção ou perturbação pública.
Diz-se no despacho recorrido que “também se verifica algum perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas na vertente que foi enunciada pelo Ministério Público, ou seja, a vertente que decorre, no fundo, da segurança que tem que existir, designadamente, no que se refere à circulação do papel-moeda de que circula é efectivamente aquele que foi emitido pelo Banco Central Europeu ou pelos Bancos nacionais que tenham competência para isso. Estamos a falar já de um elevado valor monetário, portanto, põe em causa a segurança, a certeza que deve existir sempre que um de nós pega numa nota e ter a certeza de que aquela nota é uma nota que, efectivamente, foi emitida por quem tinha poder para tal.”
Também nesta sede a Mm.ª Juíza qualifica o perigo como “algum”.
A nosso ver, o que é invocado insere-se mais no domínio das finalidades de prevenção criminal – prevenção geral – ou punitivas do que no âmbito dos perigos que fundamentam a aplicação de medidas de coacção.
Afigura-se-nos, por conseguinte, que esse “algum perigo”, nos termos que foram enunciados, não satisfaz como fundamento de aplicação de medida coactiva.
No que toca ao perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, «perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova», importa acautelar não só a prova já produzida, mas também a que resultar de futuras diligências de investigação. Como resulta do estabelecido na alínea b), do artigo 204.º, do C.P.P., o perigo de perturbação em causa prende-se com a aquisição, conservação ou veracidade da prova e tanto pode ocorrer no decurso da fase de inquérito, como posteriormente a esta, como seja na de instrução – a que se reportam os artigos 286.º a 310.º, do C.P.P. -, ou mesmo de julgamento, nestas primacialmente nas vertentes da sua conservação ou veracidade.
Diz-se no despacho recorrido:
«Verifica-se em concreto o perigo de perturbação do decurso do inquérito, e isto porque há suspeitos que ainda não foram intersectados, tendo o suspeito JP  que, de facto, precisamos de localizar. Se estes arguidos fossem restituídos à liberdade, possivelmente, aliás, ele já terá sido alertado para a detenção e para o que se passa aqui, e, portanto, de alguma forma, a prova a recolher poderia ficar comprometida.»
O que importa é avaliar a capacidade efectiva de o arguido para impedir ou perturbar a investigação e especialmente a recolha de prova ou a sua conservação ou genuinidade.
Da forma como a Mm.ª Juíza fundamenta este perigo resulta radicar o mesmo, segundo entende, na possibilidade de os arguidos, por contacto com outros envolvidos na actividade criminosa, virem a propiciar que estes escapem à malha da justiça e dissipem provas ainda não apreendidas.
Trata-se de um perigo real, ainda que seja de ponderar que o despacho recorrido, mais adiante, salienta que “há prova abundante, não se trata de uma prova que se vá escapar entre os dedos das nossas mãos. Nós temos a apreensão de toda a parafernália utlizada para fabricar as notas, temos a apreensão de encomendas, temos as vigilâncias, portanto, temos uma série de prova que já será imutável relativamente aquilo que se passa (…)”.
A afirmação da existência de “prova abundante” e de que “temos uma série de prova que já será imutável relativamente aquilo que se passa” não contradiz a concomitante afirmação da existência do perigo de que os arguidos, na fase de investigação em curso e segundo ensinam as regras da experiência, uma vez colocados em liberdade, possam vir a contactar outro ou outros suspeitos, colocando em causa a sua localização/detenção e a dissipação de provas que ainda não foram apreendidas nos autos.
Afigura-se-nos, então, que existe – recorrendo à formulação do despacho recorrido quanto a outros perigos – apenas “algum perigo”, o que, assim entendido, não constitui uma interpretação dos artigos 194.º, n.º6, al. d) e 204.º, al. b), do C.P.P. que contrarie os artigos 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 1 e 2, 28.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1 e 2 e 205.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Um perigo é um perigo e não a certeza da sua concretização.
Finalmente, temos o perigo de continuação da actividade criminosa.
Identificamos na alteração de redacção do artigo 204.º, al. c), do C.P.P., operada em 2007, a preocupação de clarificar o texto legal, de modo a realçar que não se trata de acautelar a prática de um qualquer crime pelo arguido, mas de prevenir a continuação da actividade criminosa pela qual está indiciado no processo, nos termos do que já era o nosso entendimento.
A este propósito, não se fala no despacho recorrido de “algum perigo”, mas antes de um perigo “fortíssimo”.
Diz-se assim:
«Em termos de perigos, verifica-se um fortíssimo perigo de continuação da actividade criminosa. Nós estamos a falar de uma rede que se dedica de uma forma organizada, cada um tem o seu papel, há feitura e há difusão, por assim dizer, destas notas falsas. Não é uma situação que aconteceu uma vez, não é uma pessoa inexperiente que imprimiu duas ou três notas lá em casa para ver se conseguia. E uma rede organizada que se dedica a isto e, pelo menos, desde de 2017, ou seja, teve aqui um período de actividade no tempo muito longo, sendo certo que o arguido MP não entra em 2017, só mais recentemente, todos os outros já estariam envolvidos desde altura. Se fosse que aqui eles nos querem fazer parecer, designadamente, a versão da arguida GF e de seus pais, do medo, o que é certo é que os mesmos nunca reportaram qualquer medo ou queixa à polícia quando sabem que o suspeito JP  reside na Colômbia. Portanto, poderiam ter posto termo, se fosse como os mesmos dizem, a esta actividade
Como já se afirmou, o despacho recorrido tem a marca da oralidade e da espontaneidade inerente.
Os factos imputados ao arguido não se traduzem num mero facto isolado, mas ainda assim são recentes.
Não lhe era conhecida uma actividade lícita e remunerada de forma regular e permanente.
Face à experiência que o arguido adquiriu com a sua actividade criminosa, ao volume e qualidade do material encontrado e apreendido na sua residência e à ausência de uma actividade lícita e remunerada de forma regular e permanente, o juízo de verificação do perigo de que o arguido, tendo oportunidade, prosseguirá na sua actividade criminosa, seja para outros, seja por conta própria, como forma de obter réditos, é, a nosso ver, inteiramente fundado: trata-se de um perigo real e sério.
Entendimento que, adiantamos, não constitui uma interpretação normativa dos artigos 194.º, n.º6, al. d) e 204.º, al. c), do C.P.P. que contrarie os artigos 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 1 e 2, 28.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1 e 2 e 205.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
A apreensão do material necessário à actividade criminosa – papel, tinteiros, etiquetas, vernizes, hologramas, impressoras, computadores, guilhotina de corte, etc – limita em parte esse perigo, mas não o elimina, em função da possibilidade de vir a ser substituído.
As declarações que o arguido/recorrente prestou em sede de 1.º interrogatório não alteram o juízo que formulamos a propósito de cada um dos perigos enunciados, afigurando-se que o mesmo limitou-se a admitir aquilo que, com toda a clareza, não lhe era possível negar face à prova recolhida, mas procurando desculpabilizar-se.
No presente caso, a medida de coacção imposta é adequada a realizar os objectivos que com ela se pretende, atingir – prevenir a concretização dos assinalados perigos – e, por outro lado, em caso de condenação pelos factos indiciados, não é de excluir a aplicação de prisão efectiva, pese embora se trate de delinquente primário.
Não se trata aqui de qualquer juízo de condenação antecipada, mas sim de dizer que a medida imposta não se mostra desproporcionada à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas e é, de igual modo, adequada para conter os perigos  identificados.
Porém, o artigo 193.º, n.º3, do C.P.P., no quadro do princípio da necessidade e da subsidiariedade da prisão preventiva, estabelece a preferência da obrigação de permanência na habitação em relação à prisão preventiva. Esta só pode ser imposta se, nomeadamente, a obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, não puder conter os perigos que visa prevenir dentro de limites socialmente toleráveis.
A jurisprudência tem identificado situações em que a obrigação de permanência na habitação, como medida alternativa à prisão preventiva e com preferência sobre esta, não se mostra adequada à realização das finalidades cautelares visadas.
É o que acontece nos casos em que exista um muito forte perigo de fuga – em que a obrigação de permanência na habitação, mesmo que fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância (OPHVE), não previne eficazmente esse perigo.
Como já se disse, o despacho recorrido que importa sindicar identificou “algum perigo de fuga, não tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa”.
Com esta formulação do despacho recorrido - que relativiza o perigo de fuga, ainda que o reconhecendo -, não há razão para negar a aplicação da obrigação de permanência na habitação, o mesmo se podendo afirmar em relação ao perigo de perturbação do inquérito, tal como o configuramos supra.
Finalmente, quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa, já se disse entendermos ser real e efectivo, sendo certo que a actividade em causa era realizada pelo arguido na sua residência, o que, em princípio, desaconselharia a aplicação da OPHVE.
Porém, com a apreensão do material necessário à actividade criminosa – papel, tinteiros, etiquetas, vernizes, hologramas, impressoras, computadores, guilhotina de corte, etc – esse perigo fica limitado, ainda que não eliminado,
Afigura-se-nos que através do confinamento do arguido ao espaço da sua residência, desde que a obrigação de permanência seja acompanhada de eficaz vigilância electrónica, atenuam-se consideravelmente os perigos que justificaram a imposição da prisão preventiva.
Não se vislumbra que o arguido/ora recorrente, estando em casa, possa praticar novos crimes da mesma natureza, pois não deixará de ter consciência de que uma eventual ausência da sua residência será imediatamente detectada e terá consequências, assim como que na situação em que se encontra estará sujeito a eventuais vigilâncias e medidas destinadas a detectar alguma possível aquisição de material que lhe permita dar continuidade à contrafacção.
Assim, perante o exposto e ponderando o disposto no artigo 193.º, n.º3, do C.P.P., tendo em vista a forma como o despacho recorrido configura os perigos a acautelar, conclui-se que a medida coactiva prevista no artigo 201.º, n.º1, do C.P.P., se revela suficiente para satisfazer as exigências cautelares que o caso requer, desde que estejam asseguradas as condições de que depende a fiscalização por vigilância electrónica. Em cumulação, o arguido/recorrente deve ser proibido de estabelecer contactos com qualquer dos restantes arguidos, terceiros identificados como suspeitos e testemunhas identificadas nos autos.
Aqui chegados, confrontamo-nos com a circunstância de a utilização dos meios de vigilância electrónica depender da obtenção de consentimentos e da solicitação prévia de relatório aos serviços de reinserção social, nos termos dos artigos 4.º e 7.º, n.º2, da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro.
Há quem entenda caber ao tribunal de recurso solicitar a elaboração do relatório pelos serviços de reinserção social, exigido para o efeito pelo artigo 7.º, n.º2, da Lei n.º 33/2010.
Porém, a nosso ver, tal solução não se mostra compatível com o prazo dentro do qual este tipo de recurso deve ser julgado.
Afigura-se-nos, por conseguinte, que depois de se afirmar, aqui e agora, que se verificam os pressupostos materiais de que depende a aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, haverá que averiguar, na 1.ª instância, se estão ou não reunidas as condições necessárias para o efeito de execução de tal medida - tanto a nível das infra-estruturas necessárias à vigilância electrónica, como do enquadramento familiar e consentimentos (foi a solução adoptada, além de outros, no acórdão da Relação de Guimarães, de 6 de Março de 2006, publicado na C.J., Ano XXXI, tomo II, p. 275; no acórdão da Relação do Porto, de 16.11.2011, processo 828/10.3JAPRT-D.P1, disponível em www.dgsi.pt; e bem assim em alguns acórdãos não publicados desta 5.ª secção da Relação de Lisboa).
O arguido continuará em prisão preventiva até ao início da execução da medida agora decidida, pois enquanto não estiver eficazmente garantido que não irá ausentar-se de casa, não estará acautelado o perigo de continuação da actividade criminosa.
E caso não seja possível a execução da vigilância electrónica, manter-se-á a medida de prisão preventiva imposta.
Entendimento que não assenta em qualquer violação de princípios legais, constitucionais e da CEDH - artigos 191.°, n.° 1, 193.°, n.°s 1, 2 e 3, a 194.°, n.° 6, al. d), 202.°, n.° 1, alínea a) e 204.°, alíneas a), b) e c), todos do C.P.P., artigos 18.°, n.° 2, 27.°, n.° 1 e 2, 28.°, n.° 2, e 32.°, n.° 1 e 2 e 205.°, n.° 1, da C.R..P, artigos 5.° e 6.° da CEDH, princípio da presunção da inocência e princípio da necessidade.
As medidas de coacção estão sempre subordinadas à cláusula rebus sic stantibus, pelo que, alterados os elementos dos autos, no decurso do processo, designadamente por via do desenvolvimento da investigação, quanto à indiciação ou quanto às exigências cautelares, o tribunal, oficiosamente ou mediante requerimento que lhe seja apresentado, não deixará de reponderar a situação quanto a este e aos demais arguidos.
Assim, o recurso merece parcial provimento.

Recurso de GF

3.5. A arguida alega a não verificação dos perigos invocados como fundamento da medida de coacção imposta e da suficiência e adequação da obrigação de permanência na habitação.
Desde logo, a alegada inexistência de perigos contradiz o pedido do recurso, de que a medida imposta seja substituída por obrigação de permanência na habitação, se necessário com vigilância electrónica, pois esta medida jamais poderia ser imposta sem a verificação de algum dos perigos previstos no artigo 204.º do C.P.P.
De harmonia com o disposto no artigo 191.º, n.º1, do C.P.P., as medidas de coacção visam dar resposta a necessidades processuais de natureza cautelar, necessidades que resultam da existência dos perigos ou de algum dos perigos enunciados nas três alíneas do artigo 204.º daquele mesmo diploma, a saber:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
No que toca à exigência de fumus comissi delicti para que seja aplicada uma medida de coacção, é sabido que a aplicação da prisão preventiva, da obrigação de permanência na habitação e da proibição e imposição de condutas (artigos 200.º, n.º1, 201.º e 202.º do C.P.P.) pressupõe a verificação de fortes indícios da prática do crime em questão. Questiona-se, por vezes, se a avaliação indiciária que permite a afirmação da existência de fortes indícios, para efeito da aplicação de uma medida de coacção que os exija como pressuposto específico, terá um conteúdo mais ou menos exigente do que a contida no conceito de indícios suficientes, para efeito de dedução de acusação ou prolação de pronúncia.
Afirma Germano Marques da Silva, referindo-se aos fortes indícios: “(…) embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é pelo menos necessário que face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição” (Curso de Processo Penal, II, 4.ª edição, Verbo, Lisboa, 2008, p. 294).
Tal como refere Fernanda Palma, entendemos que os indícios de que resulta uma possibilidade razoável de condenação e que por isso são suficientes, na avaliação efectuada no final do inquérito e da instrução, não poderão deixar de ser graves ou fortes, “no sentido de serem factos que permitem uma inferência de tipo probabilístico da prática do crime (enquanto facto) de elevada intensidade, permitindo estabelecer uma conexão com aquela prática altamente provável”. Os fortes indícios, por sua vez, caracterizam-se também por uma qualificação de intensidade, mas a sua avaliação, para aplicação de uma medida de coacção, poderá ocorrer em qualquer altura do processo, com base nos elementos probatórios então disponíveis, mesmo quando o inquérito ainda não permita a dedução de acusação por existirem outras diligências a realizar. No entanto, os indícios até então recolhidos, para serem avaliados como fortes, terão de ser já intensos, para que, com base neles e na representação dos factos que suscitam, o juiz possa formular já um juízo (provisório) sobre a prática dos factos de elevada probabilidade (sobre esta matéria, a referida autora pronunciou-se em “Acusação e pronúncia num direito processual penal de conflito entre a presunção de inocência e a realização da justiça punitiva”, I Congresso de Processo Penal – Memórias, Almedina, 2005, p. 122).
A arguida/recorrente não discute os indícios, nem que a indiciação seja forte.
O artigo 193.º, n.º1, do C.P.P., estabelece que as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Consagram-se neste preceito os princípios da adequação e da proporcionalidade.
O princípio da adequação exige que a medida seja apta e idónea para satisfazer as exigências cautelares do caso, devendo ser escolhida de acordo com estas exigências (e não outras). Como ensina Germano Marques da Silva, uma medida é adequada «se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para a realização das exigências cautelares» (Curso de Processo Penal, II, 4.ª edição, Verbo, Lisboa, 2008, p. 303).
A adequação é qualitativa (aptidão da medida, pela sua natureza, para realizar os fins cautelares pretendidos) e quantitativa (no que toca à sua duração ou intensidade).
Dispõe o n.º 3 desse mesmo artigo que a execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências que o caso requerer.
O princípio da adequação é integrado pelo princípio da proporcionalidade que impõe que a medida seja proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada. Deste princípio infere-se que ainda que uma medida de coacção possa ser justificada pelas exigências cautelares do caso, poderá a mesma não ser proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente será aplicada ao arguido. A gravidade deverá ser ponderada em função do modo de execução do crime, dos bens jurídicos violados, da culpabilidade do agente e, em geral, de todas as circunstâncias que devem ser consideradas em sede de determinação da medida concreta da pena.
Em estreita ligação a estes princípios está o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva, consagrado pelo artigo 193.º, n.º 2, do C.P.P. e em conformidade com o artigo 28.º, n.º2, da Constituição da República: a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes outras medidas de coacção constantes do catálogo legal.
Tendo em vista que a decisão recorrida fundamenta a aplicação da medida de prisão preventiva na verificação dos perigos de fuga, continuação da actividade criminosa, perturbação do inquérito e perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, vejamos se tais perigos se verificam e se a medida de coacção imposta se revela adequada e proporcional, revelando-se inadequadas ou insuficientes outras medidas de coacção constantes do catálogo legal.
Muito do que passamos a dizer reproduz o que já se disse a propósito do outro recurso objecto dos presentes autos.
Como se disse supra, não oferece particular dificuldade a justificação da aplicação de uma medida de coacção quando se verificou a fuga (o que pressupõe o perigo de a mesma se repetir) ou se verifica o perigo de fuga, já que entre as finalidades das medidas de coacção conta-se a de assegurar a sujeição do arguido ao procedimento e o cumprimento das eventuais reacções criminais que, no termo do processo, lhe venham a ser impostas.
Quando se fala em fuga ou perigo de fuga, pretende-se assinalar que as medidas de coacção poderão funcionar ex post, perante a constatação de uma fuga já realizada e em ordem a evitar o perigo de uma nova fuga, ou ex ante, prevenindo uma eventual fuga futura.
No caso concreto, o despacho recorrido – que tem a marca da oralidade – assinala que “verifica-se algum perigo de fuga, não tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa, mas, efectivamente, todos os arguidos, o arguido MP nasceu na Suíça, tem ligação à Suíça, tem família na Suíça, os restantes arguidos em França, a arguida B. tem nacionalidade francesa, a arguida GF tem dupla nacionalidade, francesa e portuguesa, só o arguido A. tem só nacionalidade portuguesa, mas viveu em França. Ou seja, é natural, pelo facto de terem vivido muitos anos nestes países, que tenham ali os seus contactos, ou seja, não é um perigo de fuga meramente teórico, mas é um perigo de fuga que se verifica em concreto, devido a, por um lado, a moldura penal que está sobre eles e, portanto, há algum apelo que possa existir de tentarem dificultar a acção da Justiça aqui em Portugal.
Assinala-se, desde logo, que a Mm.ª Juíza considerou que o perigo de fuga não é tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa, comparação que faz expressamente, relativizando o perigo em causa ao dizer “algum perigo”, que tem o sentido de “um tanto de” ou “um pouco de” com função de determinante.
Aceitando-se que a qualidade de estrangeiro não pode ser critério determinante da agravação da situação processual, não podemos deixar de reconhecer que as concretas condições pessoais dos arguidos, em que se inscreve a circunstância de terem ligações a países estrangeiros, onde viveram muitos anos e manterão os seus contactos – a recorrente até tem dupla nacionalidade, portuguesa e francesa - facilita e potencia a existência de “algum perigo de fuga”, tanto mais que estamos perante crimes puníveis com prisão de 3 a 12 anos.
Face à gravidade de tais ilícitos e à probabilidade de vir a ser aplicada uma pena de prisão efectiva, infere-se que, face às regras da experiência de vida, quem, nas concretas circunstâncias da arguida/recorrente, se vê confrontada com a séria possibilidade de ser privado da liberdade, naturalmente, se tiver oportunidade para tal, procurará escapar à acção da justiça, o que é potenciado pela facilidade das suas conexões a outros países e por condições pessoais que favorecem a sua mobilidade para se pôr em fuga.
No entanto, repete-se, a Mm.ª Juíza apenas reconheceu a existência de “algum perigo”, inferior ao de continuação da actividade criminosa, e enquanto tal – “algum perigo” – não se alcança que o juízo formulado pela Mm.ª Juíza seja desprovido de razoabilidade e mereça censura.
Referia-se o artigo 204.º, alínea c), na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ao perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.
Com a alteração da referida alínea, operada pela Lei n.º48/2007, passou a mencionar-se o perigo, em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Não está em causa a invocação de um alegado e genérico “alarme social”, mas antes situações em que a libertação, sem mais, da arguida ponha em causa, em razão de circunstâncias particulares e em concreto, com alto grau de probabilidade e gravemente, a ordem e a tranquilidade públicas, em razão da sua conduta ou personalidade, não bastando a convicção de que certo tipo de crimes podem em abstracto causar emoção ou perturbação pública.
Diz-se no despacho recorrido que “também se verifica algum perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas na vertente que foi enunciada pelo Ministério Público, ou seja, a vertente que decorre, no fundo, da segurança que tem que existir, designadamente, no que se refere à circulação do papel-moeda de que circula é efectivamente aquele que foi emitido pelo Banco Central Europeu ou pelos Bancos nacionais que tenham competência para isso. Estamos a falar já de um elevado valor monetário, portanto, põe em causa a segurança, a certeza que deve existir sempre que um de nós pega numa nota e ter a certeza de que aquela nota é uma nota que, efectivamente, foi emitida por quem tinha poder para tal.”
Também nesta sede a Mm.ª Juíza qualifica o perigo como “algum”.
A nosso ver, o que é invocado insere-se mais no domínio das finalidades de prevenção criminal – prevenção geral – ou punitivas do que nos perigos que fundamentam a aplicação de medidas de coacção.
Afigura-se-nos, por conseguinte, que esse “algum perigo”, nos termos enunciados, não satisfaz como fundamento de aplicação de medida coactiva.
No que toca ao perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, «perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova», importa acautelar não só a prova já produzida, mas também a que resultar de futuras diligências de investigação. Como resulta do estabelecido na alínea b), do artigo 204.º, do C.P.P., o perigo de perturbação em causa prende-se com a aquisição, conservação ou veracidade da prova e tanto pode ocorrer no decurso da fase de inquérito, como posteriormente a esta, como seja na de instrução – a que se reportam os artigos 286.º a 310.º, do C.P.P. -, ou mesmo de julgamento, nestas primacialmente nas vertentes da sua conservação ou veracidade.
Diz-se no despacho recorrido:
«Verifica-se em concreto o perigo de perturbação do decurso do inquérito, e isto porque há suspeitos que ainda não foram intersectados, tendo o suspeito JP que, de facto, precisamos de localizar. Se estes arguidos fossem restituídos à liberdade, possivelmente, aliás, ele já terá sido alertado para a detenção e para o que se passa aqui, e, portanto, de alguma forma, a prova a recolher poderia ficar comprometida.»
Da forma como a Mm.ª Juíza fundamenta este perigo resulta radicar o mesmo, segundo entende, na possibilidade de a arguida, por contacto com outros envolvidos na actividade criminosa, vir a propiciar que estes escapem à malha da justiça e dissipem provas ainda não apreendidas.
Trata-se de um perigo real, ainda que seja de ponderar que o despacho recorrido, mais adiante, salienta que “há prova abundante, não se trata de uma prova que se vá escapar entre os dedos das nossas mãos. Nós temos a apreensão de toda a parafernália utlizada para fabricar as notas, temos a apreensão de encomendas, temos as vigilâncias, portanto, temos uma série de prova que já será imutável relativamente aquilo que se passa (…)”.
Afigura-se-nos, então, que existe – recorrendo à formulação do despacho recorrido quanto a outros perigos – apenas “algum perigo”, o que, assim entendido, constitui um juízo que não merece censura.
Finalmente, temos o perigo de continuação da actividade criminosa.
Identificamos na alteração de redacção do artigo 204.º, al. c), do C.P.P., operada em 2007, a preocupação de clarificar o texto legal, de modo a realçar que não se trata de acautelar a prática de um qualquer crime pelo arguido, mas de prevenir a continuação da actividade criminosa pela qual está indiciado no processo, nos termos do que já era o nosso entendimento.
A este propósito, não se fala no despacho recorrido de “algum perigo”, mas antes de um perigo “fortíssimo”.
Diz-se assim:
«Em termos de perigos, verifica-se um fortíssimo perigo de continuação da actividade criminosa. Nós estamos a falar de uma rede que se dedica de uma forma organizada, cada um tem o seu papel, há feitura e há difusão, por assim dizer, destas notas falsas. Não é uma situação que aconteceu uma vez, não é uma pessoa inexperiente que imprimiu duas ou três notas lá em casa para ver se conseguia. E uma rede organizada que se dedica a isto e, pelo menos, desde de 2017, ou seja, teve aqui um período de actividade no tempo muito longo, sendo certo que o arguido MP não entra em 2017, só mais recentemente, todos os outros já estariam envolvidos desde altura. Se fosse que aqui eles nos querem fazer parecer, designadamente, a versão da arguida GF e de seus pais, do medo, o que é certo é que os mesmos nunca reportaram qualquer medo ou queixa à polícia quando sabem que o suspeito JP reside na Colômbia. Portanto, poderiam ter posto termo, se fosse como os mesmos dizem, a esta actividade

Indicia-se que a arguida/recorrente começou a praticar os factos ilícitos de que se encontra indiciada, pelo menos, desde 2016, não lhe sendo conhecida uma actividade lícita e remunerada de forma regular e permanente.
Tendo em conta a experiência adquirida pela arguida e a ausência de uma actividade profissional lícita e remunerada, justifica-se o juízo da existência de um real e concreto perigo de continuação da actividade criminosa.
No presente caso, a medida de coacção imposta é adequada a realizar os objectivos que com ela se pretende, atingir – prevenir a concretização dos assinalados perigos – e, por outro lado, em caso de condenação pelos factos indiciados, não é de excluir a aplicação de prisão, pese embora a arguida não tenha antecedentes criminais.
Como já se disse antes, não se trata aqui de qualquer juízo de condenação antecipada, mas sim de dizer que a medida imposta não se mostra desproporcionada à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas e é, de igual modo, adequada para conter os perigos que o despacho recorrido identificou.
Porém, o artigo 193.º, n.º3, do C.P.P., no quadro do princípio da necessidade e da subsidiariedade da prisão preventiva, estabelece a preferência da obrigação de permanência na habitação em relação à prisão preventiva. Esta só pode ser imposta se, nomeadamente, a obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, não puder conter os perigos que visa prevenir dentro de limites socialmente toleráveis.
A jurisprudência tem identificado situações em que a obrigação de permanência na habitação, como medida alternativa à prisão preventiva e com preferência sobre esta, não se mostra adequada à realização das finalidades cautelares visadas.
É o que acontece nos casos em que exista um muito forte perigo de fuga – em que a obrigação de permanência na habitação, mesmo que fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância (OPHVE), não previne eficazmente esse perigo.
O despacho recorrido que importa sindicar identificou “algum perigo de fuga, não tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa”.
Com esta formulação do despacho recorrido que relativiza o perigo de fuga, ainda que o reconhecendo, não há razão para negar a aplicação da obrigação de permanência na habitação, o mesmo se podendo afirmar em relação ao perigo de perturbação do inquérito, tal como o configuramos supra, sendo certo que, em relação aos pais da recorrente, o tribunal a quo logo abriu as portas à possibilidade de aplicação da obrigação de permanência na habitação.
Finalmente, quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa, já se disse entendermos ser real e efectivo, sendo certo que a actividade em causa era realizada pelos arguidos pelo menos em parte nas suas residências, o que, em princípio, desaconselharia a aplicação da OPHVE.
Porém, com as apreensões efecuadas esse perigo fica limitado, ainda que não eliminado,
No caso em apreço, afigura-se-nos que através do confinamento da arguida ao espaço da sua residência, desde que a obrigação de permanência seja acompanhada de eficaz vigilância electrónica, atenuam-se consideravelmente os perigos que justificaram a imposição da prisão preventiva.
Não se vislumbra que a arguida/ora recorrente, estando em casa, possa praticar novos crimes da mesma natureza, pois não deixará de ter consciência de que uma eventual ausência da sua residência será imediatamente detectada e terá consequências, assim como que na situação em que se encontra estará sujeita a vigilâncias e eventuais medidas destinadas a detectar alguma eventual aquisição de material que permita dar continuidade à contrafacção.
Não resulta dos factos concretamente indiciados que a arguida ocupasse uma posição de chefia ou preponderância entre os arguidos que permita ajuizar que, a partir da residência, poderá coordenar, orientar ou comandar a continuação da actividade criminosa, a realizar por terceiros.
Não vemos, pois, que estejam presentes razões objectivas (ou, pelo menos, o tribunal recorrido concretamente as não indica) para afastar a aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, tendo em vista os perigos que estão em causa e o princípio da excepcionalidade/subsidiariedade da prisão preventiva.
Assim, perante o exposto e ponderando o disposto no artigo 193.º, n.º3, do C.P.P., tendo em vista a forma como o despacho recorrido configura os perigos a acautelar, conclui-se que a medida coactiva prevista no artigo 201.º, n.º1, do C.P.P., se revela suficiente para satisfazer as exigências cautelares que o caso requer, desde que estejam asseguradas as condições de que depende a fiscalização por vigilância electrónica. Em cumulação, a arguida/recorrente deve ser proibida de estabelecer contactos com qualquer dos restantes arguidos, terceiros identificados como suspeitos e testemunhas identificadas nos autos – com excepção de seus pais, no caso de vir a cumprir a medida de coacção na mesma residência.
Aqui chegados, confrontamo-nos com a circunstância de a utilização dos meios de vigilância electrónica depender da obtenção de consentimentos e da solicitação prévia de relatório aos serviços de reinserção social, nos termos dos artigos 4.º e 7.º, n.º2, da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro.
Há quem entenda caber ao tribunal de recurso solicitar a elaboração do relatório pelos serviços de reinserção social, exigido para o efeito pelo artigo 7.º, n.º2, da Lei n.º 33/2010.
Porém, a nosso ver, tal solução não se mostra compatível com o prazo dentro do qual este tipo de recurso deve ser julgado – 30 dias, a contar “do momento em que os autos forem recebidos”, ou seja, a contar da entrada no Tribunal da Relação (cfr. artigo 219.º, n.º1, do C.P.P.).
Afigura-se-nos, por conseguinte, que depois de se afirmar, aqui e agora, que se verificam os pressupostos materiais de que depende a aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, haverá que averiguar, na 1.ª instância, se estão ou não reunidas as condições necessárias para o efeito de execução de tal medida - tanto a nível das infra-estruturas necessárias à vigilância electrónica, como do enquadramento familiar e consentimentos (foi a solução adoptada, além de outros, no acórdão da Relação de Guimarães, de 6 de Março de 2006, publicado na C.J., Ano XXXI, tomo II, p. 275; no acórdão da Relação do Porto, de 16.11.2011, processo 828/10.3JAPRT-D.P1, disponível em www.dgsi.pt; e bem assim em alguns acórdãos não publicados desta 5.ª secção da Relação de Lisboa).
A arguida continuará em prisão preventiva até ao início da execução da medida agora decidida, pois enquanto não estiver eficazmente garantido que não irá ausentar-se de casa, não estará acautelado o perigo de continuação da actividade criminosa.
E caso não seja possível a execução da vigilância electrónica, manter-se-á a medida de prisão preventiva imposta.
As medidas de coacção estão sempre subordinadas à cláusula rebus sic stantibus, pelo que, alterados os elementos dos autos, no decurso do processo, designadamente por via do desenvolvimento da investigação, quanto à indiciação ou quanto às exigências cautelares, o tribunal, oficiosamente ou mediante requerimento, não deixará de reponderar a situação quanto a esta e aos demais arguidos.
Assim, o recurso merece parcial provimento.

***
III – Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:
A) Indeferindo a questão prévia pelo mesmo suscitada, conceder parcial provimento ao recurso interposto por MP, determinando-se que este aguarde os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, nos termos previstos no artigo 201.º, n.º1 e 3, do C.P.P., caso a sua exequibilidade venha a ser verificada na 1.ª instância, tanto a nível das infra-estruturas necessárias à vigilância electrónica, como dos consentimentos, acrescendo a proibição de contactos com qualquer dos restantes arguidos, terceiros identificados como suspeitos e testemunhas identificadas nos autos.
 Até à conclusão dos procedimentos com vista à execução da vigilância electrónica, todos a realizar na 1.ª instância, o arguido/recorrente continuará em prisão preventiva, medida que se manterá caso se venha a verificar não ser possível a execução da vigilância electrónica.

B) Conceder parcial provimento ao recurso interposto por GF , determinando-se que esta aguarde os ulteriores termos processuais sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, nos termos previstos no artigo 201.º, n.º1 e 3, do C.P.P., caso a sua exequibilidade venha a ser verificada na 1.ª instância, tanto a nível das infra-estruturas necessárias à vigilância electrónica, como dos consentimentos, acrescendo a proibição de contactos com qualquer dos restantes arguidos, terceiros identificados como suspeitos e testemunhas identificadas nos autos – com excepção de seus pais, no caso de vir a cumprir a medida de coacção na mesma residência.
 Até à conclusão dos procedimentos com vista à execução da vigilância electrónica, todos a realizar na 1.ª instância, a arguida/recorrente continuará em prisão preventiva, medida que se manterá caso se venha a verificar não ser possível a execução da vigilância electrónica.

Sem tributação.

Comunique de imediato e via fax o teor do presente acórdão à 1.ª instância.

Lisboa, 08 de Outubro de 2019
Jorge Gonçalves
Carlos Espírito Santo