Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6526/18.2T8SNT-A.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
EXECUÇÃO FISCAL
VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
NATUREZA DA DECISÃO
LIQUIDAÇÃO DO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.–Após as alterações introduzida no Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, os Tribunais Tributários deixaram de ter competência para a decisão de verificação e graduação de créditos reclamados em execução fiscal, passando a mesma a competir aos órgãos de execução fiscal.

2.–O grau de intervenção judicial dos Tribunais Tributários no processo de execução fiscal é, na maior parte das vezes, muito diminuto e verifica-se, no caso da verificação e graduação de créditos, somente “a posteriori”, por via de reclamação, meramente facultativa, sendo esse um controlo de mera legalidade dos atos administrativos proferidos pelos órgãos de execução fiscal praticados nessa fase processual (Art. 276.º e ss. do CPPT).

3.–A decisão do órgão de administração fiscal em matéria de reconhecimento de créditos reclamados em execução fiscal e de consequente graduação dos mesmos não tem natureza de decisão judicial, não se podendo dizer que a mesma “transita em julgado”.

4.–Trata-se de decisão meramente administrativa, que não definem o direito aplicável nos mesmos termos estabelecidos para o poder judicial. Pois se assim fosse, haveria claramente uma violação do princípio constitucional da separação de poderes, consagrado no Art. 2.º da Constituição da República Portuguesa, atribuindo-se ao poder executivo competências próprias do poder judicial, com a agravante de a administração fiscal se encontrar a julgar ações em causa própria.

5.–Se, no ato de “liquidação” do julgado, constante dos autos de execução fiscal, elaborado pela Secretaria do Tribunal Tributário, se limita a reconhecer (indiretamente) que uma parte do crédito reclamado, relativo a juros, não era elegível para obter pagamento através do produto da venda de bem imóvel hipotecado, tendo em atenção o disposto no Art. 693.º n.º 2 do C.C., daí não decorre que não foi reconhecimento o crédito reclamado pela sua totalidade, mas apenas que foi restringida a garantia de pagamento aos valores efetivamente cobertos pela garantia real convencionada.

6.Verificando-se que os devedores efetuaram depósitos na conta bancária a que estava associado o contrato de mútuo, que serve de título executivo na ação principal, mesmo depois de verificado o incumprimento definitivo e a resolução desse contrato por iniciativa do banco mutuante, e tendo esses montantes sido imputados ao pagamento desse empréstimo, em condições que não foram apuradas, esses pagamentos só podem ser alocados, em último lugar, ao crédito devido a título de capital, atento o disposto no Art. 785.º n.º 2 do C.C..

7.–Compete aos executados, que deduziram embargos de executado, o ónus de prova da exceção perentória de pagamento da dívida exequenda a título de capital (cfr. Art. 342.º n.º 2 do C.C. e Art. 729.º al. g) do C.P.C.) e, não o fazendo, a execução deverá prosseguir para pagamento da quantia que se verificar ainda estar em dívida.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


A e B, executados nos autos principais, vieram deduzir, inicialmente em separado, oposição à execução, mediante embargos, contra a exequente C, pedindo a sua absolvição do pedido executivo de pagamento de quantia certa que contra si havia sido formulado pela exequente.
Para tanto, alegaram em sua defesa que nada devem, pois que a credora originária reclamou créditos emergentes do contrato de mútuo, com base no qual foi instaurada a execução, no valor global de €54.992,31, em sede de execução fiscal, tendo aí recebido a quantia de €44.591,60, com o produto da venda do imóvel hipotecado, tendo o remanescente, no montante de €10.400,77, sido pago pelos próprios executados, por meio de depósitos bancários efetuados em conta bancária de que eram titulares no Montepio Geral.
A exequente, notificada para o efeito, não apresentou contestação aos embargos, muito embora houvesse instaurado a ação executiva para pagamento da quantia de €37.908,64, a título de capital, acrescida de juros de mora à taxa legal dos créditos civis de 4%, vencidos, no valor de €10.381,77, e vincendos, até integral pagamento, tendo por base uma escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada pelos executados, na qualidade de mutuários, e pela Caixa Económica Montepio Geral, na qualidade de mutuante, sendo que por escritura de cessão de créditos, outorgada em 29/11/2016, a referida instituição bancária cedeu os créditos emergentes do referido contrato de mútuo, que agora pertencem à exequente, aí alegando ainda que a dívida exequenda corresponderá à quantia que ficou por pagar, mesmo após o acionamento da garantia hipotecária e consequente adjudicação do imóvel em execução fiscal.
Finda a fase dos articulados, foi designada audiência prévia, onde, por despacho de 5 de dezembro de 2019, se determinou, ao abrigo do Art. 267.º do C.P.C., a apensação no apenso “A”, relativo à oposição à execução deduzida pela executada A, do apenso “B”, relativo ao executado B.
Não tendo sido possível a conciliação das partes, foi proferido despacho saneador, identificando-se depois o objeto do litígio e enunciando-se os temas da prova, tendo o processo seguido termos para audiência de julgamento.
Produzida a prova requerida e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que julgou os embargos de executado improcedentes, por não provados, determinando o prosseguimento da execução.

É dessa sentença que, ambos os embargantes, vêm agora interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
a)-Com a interposição do presente recurso de apelação, pretendem os ora Alegantes, desde logo, arguir a nulidade da sentença, porque a Senhora Juiz “a quo” se pronunciou na sentença recorrida sobre questões que não foram suscitadas articuladas pelas partes
b)-E ainda porque, pelas razões que se indicarão, violou o princípio do caso julgado, consignado nos artigos 580 e 581º do C. P. Civil e que, por isso, também, foram violados pela sentença recorrida.
c)-Para além disso, pelo presente recurso, pretendem os ora Alegantes que esse Venerando Tribunal revogue a sentença recorrida na parte da mesma em que ela deu como provados determinados factos, que a seguir se elencarão e que a revogue na parte em que considerou improcedente os embargos apresentados pelos ora Alegantes.

d)-A Exequente/Embargada na ação em referência, apresentou requerimento executivo peticionando o seguinte:
«…7.- Nos termos do supra referido contrato, foi mutuado aos ora Executados a quantia de € 37.908,64.
«8.-Sucede que os Executados incumpriram o supra referido contrato a 24 de Maio de 2011.
«9.-Perante este facto, o primitivo credor bem como, posteriormente, o ora Exequente, interpelaram por diversas vezes os ora Executados com vista à regularização desta dívida.
«10.- Até à data, a dívida exequenda não foi paga mesmo após o acionamento da garantia hipotecária e consequente adjudicação do imóvel.
«11.-Pelo exposto, são os Executados responsáveis pelo pagamento junto do Exequente do valor de €37.908,64 a título de capital, acrescido dos juros de mora calculados com a taxa de juro aplicável, desde 24 de maio 2011 até à presente data, no valor de € 10.381,77 o que perfaz o valor total de € 48.290,41.»

e)-Por seu turno, os ora Apelantes, deduziram embargos invocando que pagaram a totalidade da dívida exequenda, conforme comprovaram pela junção aos autos da nota da liquidação e graduação dos créditos reclamados no âmbito do processo que, sob o n.º 1039/09.6BESNT, correu termos pela 3ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e pelos extratos de conta do Montepio Geral anexados aos autos em 20-12-2019 com a referência 16042332.
f)-A Exequente não contestou os Embargos apresentados pelos Executados.
g)-Do documento junto pela Exequente constante de pág. 79 do seu requerimento executivo, resulta que a dívida dos ora Apelantes é a de 0,01€.
h)-Ora, nem a Exequente, nem os Embargantes articularam o facto provado sob o n.º 3 dos Factos Provados, nem o mesmo é do conhecimento oficioso, razão, pela qual, não tendo sido deduzida contestação de embargos, não podia a Senhora Juiz “a quo” tê-lo dado como provado, tendo tomado posição sobre questões que estava impedia de o fazer, excedendo, claramente, a pronúncia.
i)-Isto, porque: ainda que a Caixa Económica Montepio Geral tivesse reclamado créditos no âmbito do processo que, sob o n.º 1039/09.6BESNT, correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no montante de €93.604,55, a verdade é que em tal processo só foram reconhecidos e graduados créditos no montante de 54.992,31€, o que, aliás, foi demonstrado e provado pelos Embargantes pelo Doc. 1 anexado com a sua petição e pela certidão que anexaram ao seu requerimento com a referência 34331299, em 16/12/2019,
j)-Tendo sido graduado o crédito no montante de 54.992,31€, não podia a Senhora Juiz “a quo”, na sentença recorrida, reconhecer um crédito da exequente superior a esse montante.
k)-Significa isto, que a decisão recorrida entra numa contradição insuperável com uma decisão anterior, violando o princípio do caso julgado.
l)-O Tribunal “a quo”, interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 580º e 581º do C. P. Civil, violando o princípio do caso julgado.

m)-Acresce que: o Tribunal “a quo” errou no julgamento da matéria de facto quando:
deu como provados os factos constantes no ponto 3. da sentença recorrida;
não deu como provado que, no âmbito do processo que sob o n.º 1039/09.6BESNT, correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foram reconhecidos e graduados créditos no valor de 54.992,31€, referente a:
- Capital em divida - 36.178,44€;
- Juros de mora (09.01.1999 a 05.12.2000) – 8.083,06€;
- Juros de mora (06.12.2000 a 09.01.2002 – limite de 3 anos, artigo 693º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil) - 4.358,22 €;
-Cláusula penal (06.02.1999 a 09.01.2002) – 4.234,36 €; - Despesas e seguros – 2.138,23€»;
não deu como provado que a “Caixa Económica Montepio Geral, S.A. não procedeu à dedução das quantias depositadas na conta e depósito à ordem referida no ponto 6. dos factos provados”.

n)-A Senhora Juiz “a quo” só julgou de facto, erradamente, como julgou porque, injustificadamente, como se demonstrará, não valorou o documento n.º 1 junto com a petição inicial e a certidão referente a tal documento anexada aos autos em 16/12/2019 com a referência 34331299, bem como o documento constante de página 79 junto com o requerimento executivo e o extrato bancário junto pela Caixa Económica Montepio Geral referente ao empréstimo bancário em causa nos presentes autos.
o)-Acresce que a Senhora Juiz recorrida não deu como provado que a “Caixa Económica Montepio Geral, S.A. não procedeu à dedução das quantias depositadas na conta de depósito à ordem referida no ponto 6. dos factos provados”,
p)-Quando, ao invés, devia tê-lo feito, pois que, para além da Embargada não ter contestado a ação, resulta do extrato bancário anexado aos autos que tais pagamentos foram feitos à Caixa Económica Montepio Geral.
q)-Ora, tendo a Exequente peticionado que «os Executados incumpriram o suprarreferido contrato a 24 de maio de 2021» e que, «Até à data, a dívida exequenda não foi paga mesmo após o acionamento da garantia hipotecária e consequente adjudicação do imóvel»
r)-E tendo os Embargantes demonstrado que, por sentença transitada, foram reconhecidos e graduados créditos à Caixa Económica Montepio Geral no valor de 54.992,31€, tendo a mesma recebido por conta do referido contrato de mútuo a quantia de 44.591,60€
s)-E pago entre 16/10/2001 e 30/03/2005, à Caixa Económica Montepio Geral, por meio de depósitos bancários efetuados na conta bancária associada ao empréstimo, quantia não inferior a €10.400,77,

t)-Será evidente que a Senhora Juiz “a quo” errou ao não dar como provado que: no âmbito do processo que sob o n.º 1039/09.6BESNT, correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foram reconhecidos e graduados créditos no valor de 54.992,31€, referente:
Capital em divida - 36.178,44€;
Juros de mora (09.01.1999 a 05.12.2000) – 8.083,06€;
Juros de mora (06.12.2000 a 09.01.2002 – limite de 3 anos, artigo 693º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil) - 4.358,22 €
Cláusula penal (06.02.1999 a 09.01.2002) – 4.234,36 €
Despesas e seguros – 2.138,23€»

u)-E ao não ter dado como provado que a “Caixa Económica Montepio Geral, S.A. não procedeu à dedução das quantias depositadas na conta e depósito à ordem referida no ponto 6. dos factos provados”.
v)-Tais respostas à matéria de facto são absolutamente erradas e contraditórias com os documentos juntos autos a que atrás se aludiu,
w)-Pelo que, a Senhora Juiz recorrida deveria, ao contrário, ter dado como provado que foram reconhecidos e graduados créditos no montante de 54.992,31€ e que a Caixa Económica Montepio Geral, S.A. não procedeu como devia ter feito à dedução das quantias depositadas na conta de depósito à ordem referida no ponto 6. dos factos provados e, consequentemente, ao ter incorrido em tais erros de julgamento da matéria de facto, a Senhora Juiz recorrida errou ao não julgar procedentes os embargos apresentados pelo ora Apelantes.
x)-Nesta conformidade, V. Exas., Senhores Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, após procederem a um novo julgamento da matéria de facto no sentido propugnado pelos ora Apelantes, não deixarão, seguramente, de revogar a sentença recorrida, na parte em que considerou que os Executados não lograram provar que pagaram à Exequente a totalidade da divida exequente,
y)-Devendo, ao invés, considerar provado que os Executados pagaram a totalidade da quantia exequenda.

Não foram apresentadas contra-alegações, sendo que a Mm.ª Juíza, ao admitir o recurso de apelação, ao pronunciar-se sobre as nulidades suscitadas deixou consignado que:
«Não se afigura que o Tribunal tenha violado o disposto no artigo 5.º, n.º 2, do CPC.
«De todo o modo, a consideração de um facto não alegado pelas partes não constitui causa legal de nulidade da sentença, por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), vício que se afere pelas questões de direito suscitadas pelas partes, e não pelos factos considerados pelo Tribunal para a resolução dessas mesmas questões de direito.
«Pelo exposto, nos termos do artigo 617.º, n.º 2, do CPC, indefiro a arguição de nulidade deduzida pelos recorrentes».

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II–QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são:
a)- A nulidade da sentença por excesso de pronúncia;
b)- A impugnação da matéria de facto;
c)-O valor da dívida exequenda e o caso julgado relativo ao reconhecimento e graduação de créditos reclamados em sede de execução fiscal; e
d)-A exceção perentória relativa ao pagamento da dívida exequenda.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso julgou por provada a seguinte factualidade:
1.–No dia 6 de Dezembro de 1993, Caixa Económica Montepio Geral, S.A., os ora executados e terceiros celebraram, por escritura pública, um acordo denominado «Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca», tendo os ora executados aí declarado, além do mais, que «[se] confessam solidariamente devedores à CEMG da quantia de sete milhões e seiscentos mil escudos [€37.908,64], que neste ato dela recebem a título de empréstimo (…) para aquisição do imóvel adiante hipotecado, que se destina exclusivamente à sua habitação permanente».
2.–Para garantia do empréstimo e demais encargos estipulados na referida escritura, foi constituída hipoteca sobre a fração autónoma, designada pela letra “V”, correspondente ao quarto andar C do prédio urbano sito no Casal C..., Lote ..., freguesia de A... C..., concelho de S_____.
3.–Correu termos no Serviço de Finanças de Sintra 3 processo de execução fiscal contra os ora executados, tendo a Caixa Económica Montepio Geral, S.A., em 09/04/2009, aí reclamado créditos emergentes do acordo referido em 1., a título de capital e juros de mora/cláusula penal, vencidos desde 09/01/1999, no valor global de €93.604,55, tendo o respetivo apenso corrido termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o n.º 1039/09.6BESNT.
4.–Em 09/07/2009, a fração autónoma identificada em 2. foi vendida no referido processo de execução fiscal por €47.516,00.
5.–Com o produto da venda do imóvel, foi paga à reclamante Caixa Económica Montepio Geral, S.A., a quantia de €44.591,60.
6.–Entre 16/10/2001 e 30/03/2005, os executados pagaram à Caixa Económica Montepio Geral, por meio de depósitos bancários efetuados na conta bancária associada ao acordo de empréstimo referido em 1., quantia não inferior a €10.400,77.

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Foi ainda aí julgado por não provados o seguinte facto:
- Caixa Económica Montepio Geral, S.A., não procedeu à dedução das quantias depositadas na conta de depósito à ordem referida no ponto 6. dos factos julgados provados.

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Tudo visto, cumpre apreciar.

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Delimitado o objeto do recurso e fixadas as questões a apreciar, iremos então debruçar-nos sobre elas pela ordem de precedência lógica, começando inevitavelmente pela nulidade imputada à sentença recorrida.

1.–Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Os Recorrentes vêm invocar a nulidade da sentença recorrida, porquanto a mesma julgou os embargos de executado improcedentes com fundamento na circunstância de não ser exato, como os embargados haviam alegado, que o credor originário tenha apenas reclamado o pagamento de €54.992,31 no âmbito da execução fiscal, na qual veio a ser penhorado e vendido judicialmente o imóvel que servia de garantia hipotecária ao mútuo donde emerge o crédito exequendo na ação executiva principal, pois apurou-se que afinal essa instituição bancária havia reclamado sim um crédito no valor total de €93.604,55. Neste pressuposto, considerou a sentença que a quantia de €54.992,31, alegada pelos embargantes como correspondente ao crédito emergente do contrato de mútuo hipotecário, seria somente o crédito que teriam direito a receber por força do produto da venda do imóvel. No entanto, sustentam agora os Recorrentes, que haveria erro de julgamento, porquanto, ainda que tivessem sido reclamados créditos no montante de 93.604,55€, a verdade é que só foram reconhecidos e graduados créditos no valor de €54.992,31. Pelo que, tendo tal decisão transitado em julgado, será esse valor, e não outro, o que poderia ser tido em consideração como emergindo do contrato de mútuo que serve de título executivo na execução principal. Defendem assim, em consequência, que, antes de mais, houve um excesso de pronúncia, porque a questão do valor dos créditos reclamados nunca foi suscitada por nenhuma das partes, nem pelos embargados, nem pelo exequente, que nem sequer contestou os embargos de executado.
Como vimos, o embargado não contra-alegou, mas o Tribunal a quo veio sustentar que não haveria nulidade da decisão recorrida, porque o vício previsto no Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C. só se reportaria a questões de direito e não a questões de facto, sendo que, no caso, quanto ao facto em consideração, foi observado o disposto no Art. 5.º n.º 2 do C.P.C., tendo por isso julgado inexistente a alegada nulidade.
Apreciando, temos de partir da consideração de que o Art. 615.º n.º 1 al. d), 2.ª parte, do C.P.C. efetivamente comina com o vício da nulidade da sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estamos perante um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
A este propósito, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 122), fazendo o enquadramento geral e doutrinário deste tipo de vícios da sentença, explicitava que existiam dois tipos de sentença viciada: «a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento;a segunda enferma de erro de atividade (erro de construção ou formação)». Ora, só o segundo tipo de situações se enquadra efetivamente na previsão do atual Art. 615.º do C.P.C..
A nulidade prevista na 2.ª parte da al. d) do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C. está diretamente relacionada com o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do Art. 608.º do C.P.C., segundo o qual: «O juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Mas já Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 143) chamava a atenção para o facto de que havia sempre que distinguir entre questões a apreciare razõesou argumentos aduzidos pelas partes. Escrevia o mesmo autor que: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Em conformidade, a pronúncia que é devida pelo juiz que profere a decisão final sobre o mérito da causa circunscreve-se às questões, ou pretensões formuladas pelas partes, de que o tribunal tenha o dever de conhecer decidir a causa, o que é realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pelas partes.
Incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente deve conhecer (Art. 608.º n.º 2 do C.P.C.) à exceção daquelas cujo conhecimento fique prejudicado pelo anterior conhecimento de outras.
No que tange especificamente ao vício do excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C.), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir, ao pedido e às exceções em que se centra o objeto do litígio.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2012 (Proc. n.º 469/11 - Relator: João Bernardo, disponível em www.dgsi.pt), à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada. Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia suscetível de integrar nulidade (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011 – Proc. n.º 2/08, Relator: Pereira Rodrigues, disponível no mesmo sítio).
A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/5/2012 – Proc. n.º 91/09 – Relator: Gilberto Jorge, sempre disponível no mesmo sítio).
No caso concreto, o que se constata é que o exequente, logo no requerimento executivo, alegou explicitamente, no artigo 10.º da exposição dos factos em que sustenta a sua pretensão, que: «10. Até à data, a dívida exequenda não foi paga mesmo após o acionamento da garantia hipotecária e consequente adjudicação do imóvel». Fazendo logo de seguida a liquidação do crédito no artigo 11.º, nos seguintes termos: «11. Pelo exposto, são os Executados responsáveis pelo pagamento junto do Exequente do valor de €37.908,64, a título de capital, acrescido dos juros de mora calculados com a taxa de juro aplicável, desde 24 de maio 2011 até à presente data, no valor de €10.381,77 o que perfaz o valor total de €48.290,41 (…)».Esta alegação parece ter como pressuposto que o capital mutuado, que era precisamente de €37.908,64, conforme é alegado no artigo 7.º do requerimento executivo, não foi objeto de qualquer pagamento, apesar do imóvel hipotecado, que garantia o pagamento desse crédito, ter sido objeto de venda e o produto desta ter sido entregue ao credor hipotecário.
Sucede que, quando os executados vieram opor-se à execução mediante a dedução de embargos de executado, invocaram o pagamento total da dívida exequenda emergente desse contrato de mútuo, tendo para o efeito junto aos autos a nota da liquidação e graduação dos créditos reclamados no âmbito do processo n.º 1039/09.6BESNT, que correu termos pela 3ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, alegando que, do crédito reclamado em tal processo, pela Caixa Económica Montepio Geral, foi reconhecido e graduado apenas pelo montante global de €54.992,31 (v.g. artigo 6.º da petição de embargos), sendo que esse banco aí recebeu a quantia de €44.591,60 (v.g. artigo 7.º da petição de embargos) e terá também recebido os remanescentes, €10.400,77, por depósitos efetuados pelo executado na conta bancária de que o mesmo era titular na Caixa Económica Montepio (v.g. artigo 8.º da petição de embargos).
Visto isto, é certo que nenhuma das partes alegou que o crédito efetivamente reclamado pela Caixa Económica Montepio Geral foi no valor de €93.604,55, mas não existe a mínima dúvida de que a questão de facto relativa ao valor do crédito reclamado por essa instituição bancária no âmbito da execução fiscal foi explicitamente suscitada pelos embargantes na sua petição inicial, que para o efeito indicaram que o valor reconhecido e graduado em execução fiscal, por referência à reclamação de créditos apresentada pelo banco mutuante, teria sido de €54.992,31. Portanto, não se trata de questão nova, nem de questão que não tenha sido suscitada pelas partes nos articulados.
O que se passou foi que, tratando-se estas questões de matéria dependente de prova documental autêntica, ou seja de certidão emitida pela autoridade onde esteve pendente a execução fiscal, sendo que estava claramente controvertido qual o valor do crédito emergente do contrato de mútuo dado à execução, o Tribunal ordenou que fosse oficiado à entidade competente para certificar esses factos e, bem assim, ao credor aí reclamante, tal como consta de despacho proferido em ata a 26 de junho de 2019, com vista a que essa situação fosse de facto devidamente esclarecida.
Nessa sequência, vêm a ser juntas, por ofícios: a 15 de julho de 2019, a reclamação de créditos do Montepio Geral e a informação sobre os pagamentos efetuados na conta bancária a que estava associado o crédito em causa nesta ação; e a 16 de dezembro de 2019 a certidão da execução fiscal.
Todos esses factos, que efetivamente eram controvertidos, em face das posições divergentes das partes, tendo em atenção, por um lado, o alegado no requerimento inicial executivo, e por outro, o alegado na petição inicial de embargos (cfr. Art. 732.º n.º 3, 2.ª parte do C.P.C.), foram assim objeto de apuramento no decurso da instrução do processo e traduzem a concretização de factos que foram alegados pelas partes, compreendendo-se assim no quadro legal do disposto no Art. 5.º n.º 2 al. b) do C.P.C..
Em suma, o tribunal decidiu questão suscitada pelas partes nos articulados, tendo por base os factos que apurou no decurso da instrução da causa e que constituíam a concretização efetiva da alegação dos embargantes. Logo, sem necessidade de maiores considerações não há excesso de pronúncia e a sentença não enferma da nulidade que lhe foi apontada pelos Recorrentes, improcedendo as conclusões que sustentam o contrário.

2.– Da impugnação da matéria de facto.
Os Recorrentes vieram impugnar a matéria de facto, sustentando que não poderia ser dado por provado o que ficou a constar do ponto 3 dos factos provados na sentença recorrida, sendo que a matéria de facto é omissa relativamente a determinados factos que identificou e o único facto dado por não provado deveria passar a provado, indicando para o efeito as razões que, no seu entender, determinariam decisão diversa.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova aí produzida.
No caso concreto não está sequer em causa a prova gravada produzida em audiência de julgamento, restringindo-se a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto aos documentos juntos autos e à apreciação do alegado pelas partes nos articulados, em função da distribuição do ónus de prova e da consideração do ónus de impugnação especificada.
Apreciemos então do merecimento das alegadas razões que sustentam a impugnação apresentada, de forma discriminada.

2.1.– Da impugnação do ponto 3 dos factos provados.
Os Recorrentes entendem que o ponto 3 dos factos provados na sentença recorrida não poderia ser dado por provado.
Nesse ponto é dado por assente que no Serviço de Finanças de Sintra 3 correu termos um processo de execução fiscal contra os executados, aqui Recorrentes, tendo a Caixa Económica Montepio Geral, S.A., em 09/04/2009, aí reclamado créditos emergentes do contrato de mútuo que serve de título executivo na ação executiva principal, a título de capital e juros de mora/cláusula penal, vencidos desde 9/1/1999, no valor global de €93.604,55, tendo o respetivo apenso corrido termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o n.º 1039/09.6BESNT.
Entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo não valorou convenientemente o documento n.º 1 junto com os embargos de executado e a certidão referente a tal documento, entretanto junta a 16/12/2019, bem como o documento constante da página 79, junto com o requerimento executivo e o extrato bancário junto pela Caixa Económica Montepio Geral referente ao empréstimo em causa nos autos, sendo que também não relevou que os embargos de executado não foram contestados pelo exequente.
Apreciando, com todo o devido respeito, não vemos como concluir nesse sentido, porque o facto provado no ponto 3 decorre precisamente da prova documental junta aos autos, sem desvalorizar a que os Recorrentes mencionam não ter sido devidamente ponderada. Por isso, não poderemos acompanhar o raciocínio que é proposto na impugnação sobre a decisão da matéria de facto.
Efetivamente, releva para o caso, muito em particular, o ofício do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sinta remetido aos autos a 15/7/2019 (Ref.ª n.º 15102896 - p.e.), donde consta precisamente que, na execução fiscal em menção, a Caixa Económica Montepio Geral, por petição a que foi aposto carimbo de entrada com data de 9/4/2009, reclamou um crédito no valor total de €93.604,55.
Este documento foi remetido aos autos pelo próprio Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a solicitação do Juízo de Execução onde pende a ação principal, fazendo por isso prova plena dos factos nele certificados (Art. 371.º n.º 1 do C.C.), não havendo, aliás, outra forma de provar esses mesmos factos.
Na verdade, sobre atos praticados num processo judicial não é admissível fazer prova por confissão, não sendo também possível relevar uma eventual admissão por acordo fundada na falta de impugnação especificada, pois o Art. 574.º n.º 2, 2.ª parte, do C.P.C., prevê exatamente essa situação ao ressalvar do efeito cominatório previsto para a ausência de impugnação especificada, os casos em que os factos «estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto» e as situações em que «não for admissível confissão sobre eles ou se só poderem ser provados por documento escrito». Ora, o caso em apreço preenche precisamente estas duas exceções, fazendo assim um pleno, relembrando-se aqui o que a propósito também já deixámos consignado no ponto 1. do presente acórdão, muito em particular sobre a eficácia impugnatória da defesa por antecipação exposta no requerimento inicial executivo relativamente a factos alegados na petição de embargos, tendo em atenção o disposto no Art. 732.º n.º 2 do C.P.C. (vide, ainda, sobre este tema, e neste sentido: Lebre de Freitas in “A Ação Executiva À Luz Do Código de Processo Civil de 2013”, 7.ª Ed., pág. 231; e Rui Pinto in “A Ação Executiva”, 2018, pág. 419).
Sem prejuízo do exposto, julgamos que teria todo o interesse para o conhecimento do mérito da causa que nela ficasse refletida quais as parcelas em que se subdivide o valor do crédito reclamado pelo banco na execução fiscal, tal como consta do requerimento então apresentado, cujo teor se mostra junto ao ofício de 15/7/2019.

Nessa medida, julgamos alteração a redação do ponto 3 dos factos provados que deverá passar a ser a seguinte:
«3.- Correu termos no Serviço de Finanças de Sintra 3 processo de execução fiscal contra os ora executados, tendo a Caixa Económica Montepio Geral, S.A., em 09/04/2009, aí reclamado créditos emergentes do acordo referido em 1., a título de capital e juros de mora/cláusula penal, vencidos desde 09/01/1999, no valor global de €93.604,55, tendo o respetivo apenso corrido termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o n.º 1039/09.6BESNT, sendo o valor reclamado de €36.178,44 a título de capital em dívida à data de 9/1/1999, a que acresceriam juros vencidos no valor de €8.083,06, de 9/1/1999 a 5/12/2000 à taxa de 11,7000219%; de €22.599,40, de 6/12/2000 a 5/8/2006, à taxa de 11,0199488%; de €1.774,33, de 6/8/2006 a 5/1/2007 à taxa de 11,7000219%; e €8.102,03, de 6/1/2007 a 9/4/2009, à taxa de 9,9199598%.

2.2.–Da omissão nos factos provados relativa à matéria do reconhecimento e graduação do crédito reclamado na execução fiscal por apenas €54.992,31.
A segunda parte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apresentada pelos Recorrentes tem a ver com a circunstância da sentença ser omissa relativamente ao facto de apenas ter sido reconhecido e graduado, em sede de execução fiscal, um crédito de €54.992,31 relativamente ao contrato de mútuo hipotecário que serve de base à execução instaurada contra os executados no processo principal.

Sustentam os Recorrentes que esses factos deveriam ser relevados precisamente com base na mesma prova documental já a trás mencionada, donde resulta provado que no âmbito do processo de execução fiscal, que correu termos sob o n.º 1039/09.6BESNT, foram reconhecidos e graduados, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, créditos no valor de 54.992,31€, referentes a:
« Capital em divida – 36.178,44€;
« Juros de mora (09.01.1999 a 05.12.2000) – 8.083,06€;
« Juros de mora (06.12.2000 a 09.01.2002 – limite de 3 anos, artigo 693º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil) – 4.358,22 €
« Cláusula penal (06.02.1999 a 09.01.2002) – 4.234,36 €
« Despesas e seguros – 2.138,23€»

A tal acrescenta ainda o argumento de que essa decisão transitou em julgado e, portanto, deveria ser respeitado o sentido da decisão proferida em sede de ação de execução fiscal.
Apreciando, verificamos que consta do já citado ofício de 15/7/2019 (Ref.ª n.º 15102896 – p.e.), remetido aos autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que no âmbito da mencionada execução fiscal foram autuados, a 9 de abril de 2009, uns “autos de reclamação de créditos”, aí se identificando como credores reclamantes: a Caixa Económica Montepio Geral – pelo valor de €93.604,55; a Credifin – Banco Crédito ao Consumo, S.A. – pelo valor de €5.442,86; e o Serviço de Finanças de Sintra pelo valor de €19.179,20, tudo perfazendo um valor total de €118.222,61.
Mais se constata que, do teor da petição de reclamação de créditos da Caixa Económica Montepio Geral, a mesma reclama efetivamente um crédito no valor total de €93.604,55 (v.g. artigo 9.º), sendo €36.178,44 a título de capital em dívida à data de 9/1/1999 (v.g. artigo 8.º). Já os juros vencidos seriam no valor de €8.083,06, de 9/1/1999 a 5/12/2000 à taxa de 11,7000219%; de €22.599,40, de 6/12/2000 a 5/8/2006, à taxa de 11,0199488%; de €1.774,33, de 6/8/2006 a 5/1/2007 à taxa de 11,7000219%; e €8.102,03, de 6/1/2007 a 9/4/2009, à taxa de 9,9199598%, tal como ficou esclarecido no ponto 3 dos factos provados com a redação alterada constante do ponto 2.1 do presente acórdão.
Também verificamos que não existe nenhuma decisão, certificada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sobre o reconhecimento e graduação dos créditos reclamados. O que existe é um ato de “liquidação”, elaborado pela secretaria do tribunal, que dá conta de estar depositado nos autos o valor de €47.516,00, relativo à venda de imóvel ocorrida a 9/7/2009.
É nesse ato de liquidação que se faz a imputação dos valores devidos para efeitos de pagamentos. O que é feito nos seguintes termos: em primeiro lugar imputa €1.396,93 ao pagamento das custas da execução, nos termos do Art. 455.º do C.P.C., sobrando um saldo (a aplicar na graduação) de €46.119,07; em segundo lugar, imputa €1.047,47 ao pagamento de IMI dos anos de 2005, 2006 e 2007 e respetivos juros, aí identificados como crédito graduado em 1.º lugar da Fazenda Pública, ficando um saldo de €45.071,60; em terceiro lugar, imputa €44.591,60 ao pagamento do crédito da Caixa Económica Montepio Geral, que identifica como crédito graduado em 2.º lugar.
Mas, para além disso, aí também se faz uma discriminação das várias parcelas do crédito reclamado por essa instituição bancária, que foram tidos em conta para efeitos de imputação do pagamento pelo produto da venda do imóvel sobre que incidia a garantia hipotecária constituída a favor do banco.

É aí que se faz menção aos seguintes factos:
1.º-O capital em dívida era de €36.178,44 (o que é igual ao valor mencionado na reclamação de créditos apresentada pelo Montepio):
2.º- Os juros de mora eram de €8.083,06, relativos ao período de tempo de 9/1/1999 a 5/12/2000 (o que também coincide com o valor mencionado na reclamação de créditos desse banco);
3.º- Os juros de mora de 6/12/2000 a 9/1/2002 eram de €4.358,22. O que já não coincide com as demais verbas reclamadas a título de juros pelo Montepio Geral, que compreendiam também o período de tempo de 9/1/2002 a 9/4/2009. Mas, a este respeito, temos de pôr em evidência que a justificação para esta discrepância não decorre do facto de o crédito não ter sido reconhecido na totalidade, porque sobre essa matéria não consta documentada qualquer decisão (judicial ou administrativa). Pelo contrário, a justificação para essa limitação encontra-se no próprio ato de “liquidação”, quando aí se faz menção a que os juros contados eram só relativos a 3 anos, devido ao disposto no Art. 693.º n.º 1 e n.º 2 do C.C..
E, de facto, nos termos do Art. 693.º n.º 2 do C.C., por regra, a garantia de pagamento dada pela hipoteca nunca abrange mais do que os juros relativos a 3 anos.
4.º-Finalmente, indica-se ainda o valor de €4.234,36 de cláusula penal de 6/2/1999 a 9/1/2002 e o valor de €2.138,23 devido a título de despesas e seguro.
Portanto, no final, a secretaria só se teve em conta, no ato de “liquidação”, um crédito de €54.992,31, não porque fosse esse o crédito reclamado, nem porque foi esse o crédito reconhecido (judicial ou administrativamente), mas sim porque só esse seria elegível para efeitos de pagamento pelo produto da venda do imóvel hipotecado.
Assim, o máximo que se pode concluir do documentado nos autos é que do crédito de €54.992,31, que foi o tido em conta para efeitos estritos de pagamentos por força do produto da venda do imóvel hipotecado, o credor hipotecário recebeu €44.591,60.
Ora, do ponto 5. da matéria de facto provada na sentença recorrida já consta provado que: «5. Com o produto da venda do imóvel, foi paga à reclamante Caixa Económica Montepio Geral, S.A., a quantia de €44.591,60». O que não consta é a que verbas a secretaria imputou esse pagamento assim recebido, por força da “liquidação” feita no âmbito da execução fiscal.
Em todo o caso, temos de realçar que não pode ficar provado, ao contrário do sustentado pelos Recorrentes, que foi reconhecido e graduado o crédito reclamado pelo Montepio Geral no valor de apenas €54.992,31, porque a certidão junta aos autos não traduz a prova de nenhuma decisão nesse sentido.
Não há dúvida nenhuma que o credito reclamado por esse banco foi de €93,604,55 (cfr. Ofício de 15/7/2019), mas existiram verbas que não foram consideradas para efeitos de pagamentos por força do produto da venda do imóvel hipotecado, por razões relacionadas com os limites temporais da garantia hipotecária no que concerne aos juros, tendo em atenção o disposto no Art. 693.º n.º 2 do C.C..

Dito isto, apesar de tudo, julgamos que terá interesse ficar na matéria de facto provada o que efetivamente decorre do ato de “liquidação” da secretaria judicial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra relativamente ao crédito reclamado pelo Montepio geral, alterando a redação do ponto 5 dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
«5.- Com o produto da venda do imóvel foi paga à credora reclamante, Caixa Económica Montepio Geral, S.A., a quantia de €44.591,60, constando da liquidação, efetuada a 16 de fevereiro de 2011 pelo oficial de justiça do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito do processo de execução fiscal 1039/09.6BESNT, que aí teve em consideração, para efeitos de pagamento pelo produto da venda do imóvel hipotecado, um crédito no valor de 54.992,31€, referente a:
« Capital em divida -36.178,44€;
« Juros de mora (09.01.1999 a 05.12.2000) – 8.083,06€;
« Juros de mora (06.12.2000 a 09.01.2002 – *limite de 3 anos, artigo 693º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil) - 4.358,22 €
« Cláusula penal (06.02.1999 a 09.01.2002) – 4.234,36 €; e
« Despesas e seguros – 2.138,23€»

2.3.–Da impugnação da matéria de facto constante do único ponto dado por não provado.
A sentença recorrida deu como não provado um único facto, do qual resulta que o credor hipotecário original, a “Caixa Económica Montepio Geral, S.A.”, não procedeu à dedução das quantias depositadas na conta e depósito à ordem referida no ponto 6. dos factos provados.
Os Recorrentes põem em causa o julgamento desse facto, sustentando que dele fizeram prova, sustentada nos mesmos documentos que já foram mencionados no ponto 2.1. do presente acórdão e na ausência de contestação aos embargos de executado, concluindo assim que liquidaram todos os valores alegadamente em dívida na ação executiva.
Apreciando, diremos que, no que se refere ao efeito cominatório decorrente da falta de oposição aos embargos de executado, supomos que já deixámos suficientemente clara a nossa posição sobre o assunto. É evidente que, em face do disposto no Art. 732.º n.º 3 do C.P.C. e à posição de princípio do exequente, constante do por si alegado nos artigos 10.º e 11.º do requerimento inicial executivo, não podiam ser dados por admitidos por acordo pagamentos por conta do capital mutuado ou da dívida.
Trata-se, portanto, de matéria de facto controvertida sobre a qual deveria ser produzida prova, como efetivamente foi feito em audiência de julgamento, de acordo com o que ficou consignado em sentença em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que sustentou desse modo a sua convicção sobre o facto que ficou a constar do ponto 6 dos factos provados.
Quanto à matéria da relevância dos pagamentos em causa e sua imputação à dívida exequenda, temos de ter em consideração que o capital mutuado por escritura de 6 de dezembro de 1993 foi de Esc: 7.600.000$00, o que corresponde a €37.908,64 (cfr. artigo 1.º da reclamação de créditos do Montepio Geral apresentada na execução fiscal e escritura junta por ofício de 26/7/2019 - Ref.ª n.º 15174327 - p.e.).
Cumpre também evidenciar que o banco mutuante só veio a reclamar crédito, a título de capital, pelo valor de €36.178,44 (cfr. artigo 8.º da reclamação de créditos do Montepio Geral na execução fiscal). Pelo que, daí só se pode concluir que foram feitos pagamentos e cumpridas prestações por parte dos devedores mutuários, os quais foram imputados à liquidação parcial do capital e, logicamente, também de juros que se iam vencendo até que se verificou o incumprimento definitivo do contrato.
Por outro lado, o credor original também só alegou, na reclamação de créditos apresentada em execução fiscal, que o incumprimento dos mutuários só se verificou a partir de 1/9/1999 (cfr. artigo 5.º da reclamação de créditos). Portanto, a questão do incumprimento só se coloca a partir de 1 de setembro de 1999, sendo que os pagamentos feitos pelos executados, e dados por provados em 6., reportam-se ao período de 16/10/2001 a 30/03/2005.
Ora, foi oficiado à Caixa Económica Montepio Geral para esclarecer se recebeu qualquer pagamento, por meio de depósitos bancários, na conta bancária a que estava associada o contrato de mútuo dos autos, nomeadamente em valor não inferior a €10.400,77, como tinha sido alegado pelos embargantes. A resposta inicial dessa instituição bancária consta do mesmo ofício de 26-07-2019 (Ref.ª n.º 15174327 – p.e.), e foi a seguinte: «a conta de depósitos à ordem n.º 028.10.000692-4, à qual se encontrava associado o referido contrato, se apresenta saldada (saldo 0,00€) e sem movimentos desde 21/3/2005».

Mas, posteriormente, por ofício de 20/12/2019 (Ref.ª 16042332 - p.e.), a mesma instituição veio a juntar extratos bancários dessa mesma conta, donde constam os seguintes depósitos:
1- Em 8/5/2001 - 500.000,00 (PTE) – equivalente a €2.493,99
2- Em 18/6/2001 - 200.000,00 (PTE)
3- Em 13/7/2001 – 200.000,00 (PTE)
4- Em 20/8/2001 – 200.000,00 (PTE)
5- Em 12/9/2001 – 200.000,00 (PTE)
6- Em 16/10/2001 – 200.000,00 (PTE)
7- Em 30/11/2001 – 200.000,00 (PTE)/ €997,60 (EUROS)
8- Em 14/12/2001 – (CHEQUE) 586,09 (EUROS)
9- Em 14/12/2001 – 411,51 (EUROS)
10- Em 30/01/2002 – 500,00 (EUROS)
11- Em 21/02/2002 – 500,00 (EUROS)
12- Em 28/03/2002 – 500,00 (EUROS)
13- Em 30/04/2002 – 500,00 (EUROS)
14- Em 31/05/2002 – 500,00 (EUROS)
15- Em 01/07/2002 – 500,00 (EUROS)
16- Em 31/07/2002 – 500,00 (EUROS)
17- Em 30/01/2002 – 500,00 (EUROS)
18- Em 29/08/2002 – 500,00 (EUROS)
19- Em 30/09/2002 – 500,00 (EUROS)
20- Em 31/10/2002 – 500,00 (EUROS)
21- Em 02/12/2002 – 500,00 (EUROS)
22- Em 26/12/2002 – 500,00 (EUROS)
23- Em 30/01/2003 – 500,00 (EUROS)
24- Em 03/02/2003 – 500,00 (EUROS)
25- Em 01/04/2003 – 500,00 (EUROS)
26- Em 30/04/2003 – 500,00 (EUROS)
27- Em 30/05/2003 – 500,00 (EUROS)
28- Em 30/01/2002 – 500,00 (EUROS)
29- Em 14/07/2003 – 500,00 (EUROS)
30- Em 30/09/2003 – 500,00 (EUROS)
31- Em 13/11/2003 – 500,00 (EUROS)
32- Em 15/01/2004 – 500,00 (EUROS)
33- Em 12/02/2004 – 500,00 (EUROS)
34- Em 18/05/2004 – 500,00 (EUROS)
35- Em 24/08/2004 – 500,00 (EUROS)
36- Em 30/09/2004 – 500,00 (EUROS)
37- Em 30/11/2004 – 500,00 (EUROS)
38- Em 31/01/2005 – 250,00 (EUROS)
39- Em 30/03/2005 – 250,00 (EUROS)
O que dá um valor total de €18.989,19 de depósitos realizados entre 8/5/2001 e 30/3/2005.
A todos esses depósitos, na sua maioria com a indicação que foram feitos em “numerário”, seguem-se atos contabilísticos descritos como sendo cobrança do empréstimo e imposto de selo, como decorre explicitado do extrato de conta junto. Pelo que, inquestionavelmente que a Caixa Económica Montepio Geral imputou esses pagamentos à cobrança do empréstimo e encargos a ele inerentes.
Por isso, ficou a constar dos factos não provados que essa instituição não havia procedido à dedução nas quantias depositadas na conta de depósitos à ordem associada ao cumprimento do mútuo a que se reporta o crédito que aquela detinha sobre os executados. Isto, porque a prova documental em referência, resulta que essa instituição imputou esses depósitos à cobrança desse empréstimo.
É isso mesmo que resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto não provada constante da sentença recorrida, quando aí deixou consignado que: «Quanto ao facto julgado não provado (ponto 4.2. supra), por não se ter produzido qualquer prova que o demonstrasse, decorrendo ao invés da análise dos extratos bancários que todas as quantias depositadas na conta de depósitos à ordem aí identificada - associada ao contrato de mútuo ora em discussão - foram afetas ao pagamento de um empréstimo bancário (28200001221), que se presume ser o empréstimo titulado na escritura pública dada à execução».

Ainda assim não podemos deixar de pôr em evidência que a reclamação de créditos, apresentada pela Caixa Económica Montepio Geral em 9 de abril de 2009, junto do processo de execução fiscal, reclama um crédito de €93.604,55, acrescidos de juros vencidos desde a data em que fixou o incumprimento do contrato de mútuo (9/1/1999) até à data da reclamação (9/4/2009), o que faz pelo valor integral dos juros, sem fazer qualquer menção à dedução dos pagamentos que agora estão demonstrados nos autos.
Veja-se que, no período de 6/12/2000 a 5/8/2006, o banco reclama que se venceram juros no valor de €22.599,40, à taxa de 11,0199488%, sobre o capital em dívida de €36.178,44, sendo precisamente nesse período foram depositados na conta de depósitos à ordem os €18.989,19 a que se reportam os extratos bancários juntos. Ora, fazendo uso do programa de cálculo de juros do site “calculodejuros.pt”, facilmente se percebe que existe um erro no cálculo de juros relativo a esse período, que ascenderiam apenas a €22.588,48, e não ao valor de €22.599,40 indicado pelo banco reclamante. Mas, mais que isso, e sem prejuízo do apontado erro de cálculo que ninguém alguma vez suscitou, percebe-se perfeitamente que o credor reclamante pretendeu reclamar o valor dos juros por inteiro, como se não tivesse recebido qualquer pagamento por conta da dívida durante todo esse período, o que se provou não ser verdade.
O mesmo se passou igualmente os juros vencidos desde 9/1/1999 (data do início do incumprimento) até 5/12/2000, que seriam devidos à taxa de juro de 11,7000219%.
Quanto a estes primeiros juros de mora, posteriores ao incumprimento, reclama o credor o pagamento do valor de €8.083,06 de juros vencidos. Mas, uma vez mais, fazendo uso do mesmo site¸ verificamos que o valor dos juros devidos seriam de €8.071,47. Ou seja, relevando o reincidente erro de cálculo, que ninguém sequer pôs em causa antes, os juros foram reclamados por inteiro, como se não tivesse sido feito qualquer pagamento desde 9 de janeiro de 1999. O que, comprovadamente, não está correto.
Em conclusão, o banco imputou os valores que recebeu dos devedores à cobrança do crédito, mas não se evidencia em que condições o fez efetivamente. Sendo certo que os pagamentos foram feitos depois do alegado incumprimento definitivo do contrato e o credor reclamou o crédito em execução fiscal, por inteiro, como se não tivesse recebido aqueles pagamentos depois de 9 de janeiro de 1999.

Assim, em função da prova documental, existem duas incorreções na matéria de facto provada que não poderão deixar de ser feitas:
1.º-O valor efetivamente depositado pelos executados na conta de depósitos à ordem a que estava associado o empréstimo dos autos não foi apenas de €10.400,77 – ou, imprecisamente, de “valor não inferior a €10.400,77” –, mas sim no valor exato de €18.989,19; e
2.º-A Caixa Económica Montepio Geral, quando reclamou o crédito no valor total de €93.604,55, aí incluiu juros vencidos desde 9/1/1999 (data do incumprimento), como sendo devidos por inteiro, indiciando-se que não tenha descontado, no valor que reclamou em execução fiscal, o montante de €18.989,19 que recebeu entre 8/5/2001 e 30/3/2005.

Existem também outros pormenores que não podemos deixar de ter em atenção e que colocam o problema em termos diferentes do que é colocado pela impugnação da decisão da matéria de facto não provada agora em apreço.
Desde logo, verificamos que a Caixa Económica Montepio Geral veio a ceder o crédito sobre os executados a terceiros, em conjunto com muitos outros, e, aparentemente, ao que tudo indica, não deu conta aos cessionários do valor que efetivamente estaria em dívida por estes mutuários. Só assim se consegue perceber que o exequente, na ação principal, tenha reclamado como estando em dívida o capital mutuado, na íntegra (€37.908,64), quando o credor originário, na reclamação de créditos que apresentou em 9 de abril de 2009, no âmbito da execução fiscal já supramencionada, só reclamava o pagamento de €36.178,44, a título de capital.
Por outro lado, esta conclusão também se evidencia dos pedidos de prazo feitos pelo exequente no sentido de vir a esclarecer previamente a situação junto da Caixa Económica Montepio Geral (v.g. Requerimento de 15/07/2019 - Ref.ª n.º 15104857 - p.e.), sendo que na prática acabou por nunca lograr explicitar nos autos o que quer que fosse, não tomando qualquer posição no processo. Tudo isto, na sequência duma enigmática ausência de oposição aos embargos de executado, também de si muito sintomática da conclusão que acabámos de apresentar.
Em suma, aquilo que os autos indiciam é que a exequente, atual titular do crédito sobre os executados, não sabe qual é o valor que está efetivamente em dívida neste contrato de mútuo e, muito em particular, a título de capital.
Seja como for, como já tivemos oportunidade de evidenciar, o único facto dado por não provado até estaria conforme com a prova que sobre ele foi feita, porque em termos contabilísticos, expressos no próprio extrato de conta bancária, todos os pagamentos realizados pelos executados foram imputados à cobrança do empréstimo. Só que esse facto é completamente irrelevante, pois em termos concretos, o que releva é que no momento em que o banco reclamou o crédito, em sede de execução fiscal, fixando a data do incumprimento em 9 de janeiro de 1999, omitiu que desde então recebeu depósitos para pagamento dessa dívida, não tendo feito a devida imputação desses recebimentos posteriores ao incumprimento aos juros que reclamou, como seria devido nos termos do Art. 785.º n.º 1 do C.C..

Assim, ao abrigo do Art. 662.º n.º 1 do C.P.C., respeitando o sentido último da impugnação da matéria de facto, julgamos ordenar oficiosamente a alteração da redação do ponto 6. dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
«6.- Entre 08/05/2001 e 30/03/2005, os executados pagaram à Caixa Económica Montepio Geral, por meio de depósitos bancários efetuados na conta bancária associada ao acordo de empréstimo referido em 1., quantia de €18.989,19, nas seguintes datas e pelos seguintes montantes:
1- Em 8/5/2001 - 500.000,00 (PTE) – equivalente a €2.493,99
2- Em 18/6/2001 - 200.000,00 (PTE)
3- Em 13/7/2001 – 200.000,00 (PTE)
4- Em 20/8/2001 – 200.000,00 (PTE)
5- Em 12/9/2001 – 200.000,00 (PTE)
6- Em 16/10/2001 – 200.000,00 (PTE)
7- Em 30/11/2001 – 200.000,00 (PTE)/ €997,60 (EUROS)
8- Em 14/12/2001 – (CHEQUE) 586,09 (EUROS)
9- Em 14/12/2001 – 411,51 (EUROS)
10- Em 30/01/2002 – 500,00 (EUROS)
11- Em 21/02/2002 – 500,00 (EUROS)
12- Em 28/03/2002 – 500,00 (EUROS)
13- Em 30/04/2002 – 500,00 (EUROS)
14- Em 31/05/2002 – 500,00 (EUROS)
15- Em 01/07/2002 – 500,00 (EUROS)
16- Em 31/07/2002 – 500,00 (EUROS)
17- Em 30/01/2002 – 500,00 (EUROS)
18- Em 29/08/2002 – 500,00 (EUROS)
19- Em 30/09/2002 – 500,00 (EUROS)
20- Em 31/10/2002 – 500,00 (EUROS)
21- Em 02/12/2002 – 500,00 (EUROS)
22- Em 26/12/2002 – 500,00 (EUROS)
23- Em 30/01/2003 – 500,00 (EUROS)
24- Em 03/02/2003 – 500,00 (EUROS)
25- Em 01/04/2003 – 500,00 (EUROS)
26- Em 30/04/2003 – 500,00 (EUROS)
27- Em 30/05/2003 – 500,00 (EUROS)
28- Em 30/01/2002 – 500,00 (EUROS)
29- Em 14/07/2003 – 500,00 (EUROS)
30- Em 30/09/2003 – 500,00 (EUROS)
31- Em 13/11/2003 – 500,00 (EUROS)
32- Em 15/01/2004 – 500,00 (EUROS)
33- Em 12/02/2004 – 500,00 (EUROS)
34- Em 18/05/2004 – 500,00 (EUROS)
35- Em 24/08/2004 – 500,00 (EUROS)
36- Em 30/09/2004 – 500,00 (EUROS)
37- Em 30/11/2004 – 500,00 (EUROS)
38- Em 31/01/2005 – 250,00 (EUROS)
39- Em 30/03/2005 – 250,00 (EUROS)»

Mais julgamos eliminar o único facto dado por não provado, porque irrelevante e não por traduzir os factos que efetivamente interessam para o julgamento da causa, em face da prova documental junta aos autos, sendo aditado aos factos provados um ponto 7. com a seguinte redação:
«7.- A Caixa Económica Montepio Geral, S.A., ao apresentar a reclamação de créditos, em sede de execução fiscal, não deduziu ao crédito peticionado reconhecer e graduar os valores das quantias depositadas na conta de depósito à ordem referida no ponto 6. dos factos julgados provados.

3.–Do valor da dívida exequenda e do caso julgado relativo ao reconhecimento e graduação de créditos em sede de execução fiscal.
Os Recorrentes sustentam fundamentalmente o seu recurso de apelação no argumento de que houve uma decisão, no processo de execução fiscal, que reconheceu e graduou o crédito emergente do contrato de mútuo hipotecário, que serve de título executivo na ação principal, por apenas €54.992,31, pelo que não se poderia partir do pressuposto que o crédito exequendo seria de €93.604,55, como reclamado pelo Montepio Geral, sem violar a força do caso julgado.
Como já fomos expondo na apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, a questão da liquidação do crédito efetivamente em dívida pelos executados é central para a apreciação do pedido executivo principal de pagamento da dívida exequenda. No entanto, julgamos que a questão não pode ser colocada nos termos apresentados pelos Recorrentes, quer em via de apelação, quer em via de embargos de executado.
A questão não é de desrespeito pelo caso julgado, desde logo porque não há prova de que tenha havido decisão judicial sobre o reconhecimento e graduação do crédito reclamado pelo Montepio em sede de execução fiscal.
Diga-se que, não há prova dessa decisão judicial e, é muito provável, que não tenha sequer existido semelhante decisão, porquanto após as alterações introduzidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei n.º 55-A/2010 de 31/12, a competência para decidir a verificação e graduação dos créditos reclamados em execução fiscal deixou de estar atribuída aos Tribunais Tributários, passando para a administração fiscal responsável pela promoção desse tipo de execuções.
Temos de admitir que talvez seja esse o motivo pelo qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não certificou a existência de tal decisão judicial, porquanto a mesma seria omisso no processo, já que a reclamação de créditos foi autuada em 9 de abril de 2009 e o ato de liquidação do julgado ocorreu em 11 de fevereiro de 2011, sendo que, por essa altura, por força da mencionada alteração legislativa, geraram-se inúmeros conflitos de competência sobre quem poderia decidir as reclamações de crédito em execução fiscal, o que deu lugar a várias decisões publicadas do Supremo Tribunal Administrativo a resolver a questão em função da aplicação da lei no tempo.
Efetivamente, nos termos dos 239.º e ss. do CPPT, feita a penhora em execução fiscal, e junta a certidão de ónus e encargos, procede-se à convocação dos credores, um pouco à semelhança da ação executiva regulada no Código de Processo Civil. Sucede que, por força desse conjunto de alterações legislativas, quem promove a convocação dos credores é o próprio órgão de execução fiscal, se estiverem reunidas as condições para tanto a lei exige (cfr. Art. 240.º n.º 3 do CPPT). Mas, nos termos do Art. 246.º n.º 1 do CPPT, o processo de reclamação de créditos, já não segue os termos do Código de Processo Civil no que respeita à decisão de verificação e graduação de créditos, havendo apenas a possibilidade de reclamação efetuada para o Tribunal, nos termos dos Art.s 276.º a 278.º do CPPT.
Ou seja, por regra, as decisões sobre a verificação e graduação de créditos reclamados em execução fiscal passaram a ser tomadas diretamente pelo órgão da execução fiscal, embora se consagre o direito à reclamação dessas decisões para o Tribunal Tributário de 1.ª instância (cfr. Art. 276.º n.º 1 do CPPT).
O Supremo Tribunal Administrativo já decidiu a este propósito que: «após as alterações introduzida no Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, os Tribunais Tributários continuam a ter competência para conhecer da matéria relativa à verificação e graduação de créditos, tendo ocorrido apenas uma alteração da via ou forma processual adequada ao seu conhecimento, que deixou de ser o processo judicial de verificação e graduação de créditos, para ser o processo judicial de reclamação da decisão proferida pelo órgão da execução sobre a matéria, passando, assim, esta reclamação a constituir a forma processual de exercer a tutela jurisdicional no que toca à verificação e graduação de créditos» (Vide: Ac.s STA de 13/7/2011 – Proc. n.º 0510/11, Relatora: Isabel Marques da Silva; de 26/10/2011 – Proc. 0637/11 – Relator: Pedro Delgado, disponíveis em www.dgsi.pt). No entanto, o mesmo tribunal também pôs em evidência que, a partir dessa mencionada Lei do Orçamento de Estado de 2011, os Tribunais Tributários deixaram de ter competência para a decisão da verificação de créditos, transferindo-a para os órgãos de execução fiscal, passando os primeiros a ter apenas competência para decidir as reclamações que venham a ser apresentadas das decisões administrativas de verificação e graduação de créditos (cfr. Ac. STA de 10/4/2014 – Proc. n.º 07503/14 – Relator: Joaquim Condesso, disponível no mesmo sítio).
E esse é precisamente o problema, é que não se tratou apenas duma alteração de “forma” de processo, houve uma alteração de competências funcionais no âmbito da ação executiva relativamente ao procedimento que conduz ao reconhecimento e graduação de créditos reclamados em execução fiscal.
Também no processo de execução comum civil existem atos que são da competência da secretaria e do solicitador de execução, mas cabia ao juiz dirigir todo o processo. No entanto, na execução fiscal o juiz limita-se a tutelar a atividade da administração tributária, o que na prática implica um grau de intervenção judicial no processo de execução fiscal que na maior parte das vezes é muito diminuto (vide, a propósito: Rui Duarte Morais in “A Execução Fiscal”, 2.ª Ed., 2006, pág. 45). No final, a intervenção judicial verifica-se a posteriori, por via de reclamação, meramente facultativa, sendo esse um controlo de mera legalidade dos atos administrativos dos órgãos de execução fiscal.
Isabel Marques da Silva (in “Algumas considerações em torno do Código de Procedimento e de Processo Tributários” – Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 23, 2000, pág. 16 e ss.), considerando precisamente o caráter excecional da intervenção do juiz no direito de reclamação e de recurso das decisões do órgão de execução fiscal, entende que não justifica atribuir a natureza judicial ao processo de execução fiscal, por essa natureza pressupor que a direção do processo deveria competir a um juiz.
Estamos assim no quadro de mais uma manifestação de “desjudicialização” do processo de execução, agora aplicada ao processo tributário, em que se atribuem diretamente à administração fiscal competências para decidir, administrativamente, no âmbito duma execução fiscal, algumas questões que se passaram a assumir um caráter meramente procedimental.
É para nós claro que a decisão do órgão de administração fiscal em matéria de reconhecimento de créditos reclamados em execução fiscal e de consequente graduação dos mesmos não tem natureza de decisão judicial. Logo não se pode dizer que “transita em julgado”, nem dela pode ser interposto recurso, mas sim “reclamação” para o tribunal de 1.ª instância.
Trata-se, portanto, de decisão meramente administrativa, que não definem o direito aplicável nos mesmos termos estabelecidos para o poder judicial e em termos definitivos para as partes. Pois se assim fosse, haveria claramente uma violação do princípio constitucional da separação de poderes, consagrado no Art. 2.º da Constituição da República Portuguesa, atribuindo-se ao poder executivo competências próprias do poder judicial, com a agravante da administração fiscal se encontrar a julgar ações em causa própria…
Em consequência do exposto, não se poderia falar em violação do caso julgado, nem será com base numa decisão administrativa proferida no âmbito duma execução fiscal pelo órgão de execução fiscal que se poderá dizer que o crédito ali reclamado deixou de ter o valor que era mencionado na reclamação de créditos pelo credor original.
Mas, mesmo que assim não fosse, do ato de “liquidação” (único documentado nos autos a propósito da verificação e graduação de créditos), constante dos autos de execução fiscal, nada consta sobre a existência duma decisão sobre o valor do crédito reclamado, limitando-se a reconhecer (indiretamente) que uma parte do crédito reclamado, relativo a juros, não era elegível para obter pagamento através do produto da venda do bem imóvel hipotecado, tendo em atenção o disposto no Art. 693.º n.º 2 do C.C..
Portanto, no quadro da execução fiscal, a questão nunca foi de não reconhecimento do crédito pela totalidade do valor reclamado, foi apenas de restringir a garantia de pagamento, decorrente da venda do imóvel hipotecado, aos valores efetivamente cobertos pela garantia real convencionada, tal como foi decidido, e bem, na sentença ora recorrida.
De facto, nos termos do Art. 693.º n.º 1 do C.C. a hipoteca assegura os acessórios do crédito constante do registo. No entanto, o n.º 2 do mesmo preceito estabelece que: «tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos».
Foi por isso que, na liquidação do julgado, a secretaria não teve em consideração o valor dos juros vencidos depois de decorridos 3 anos do alegado incumprimento do contrato de mútuo hipotecário, colocando de fora da garantia de pagamento pelo produto da venda do imóvel os juros posteriores a 9 de janeiro de 2002.
Como explicitam Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª Ed., pág. 717), em comentário a este preceito legal: «A indicação rígida dos juros de três anos, sem concretização do período a que respeitam, tem a vantagem de afastar muitas dúvidas que se suscitam doutros países, como por exemplo, a de saber se estão garantidos por hipoteca os juros vencidos durante a execução (…) e terá ainda a vantagem de estimular, para além de certo limite, a diligência do credor exequente».
Daqui resulta que é indiferente a imputação que se faça do pagamento obtido pelo produto da venda do bem hipotecado relativamente a um concreto período de juros vencidos. Por outro, o espírito da lei vai no sentido de que o exequente deve ser diligente por forma a não deixar decorrer mais de 3 anos de juros vencidos em mora, pois corre por si o risco de não ver satisfeito o seu crédito pela garantia hipotecária, passando os demais juros vencidos a assumir a natureza de crédito comum, ou seja, de crédito sem garantia real de pagamento preferencial, tal como estabelecida no Art. 686.º do C.C..
Em suma, não será por força da graduação de créditos reclamados, traduzida materialmente na liquidação do julgado, operada em sede de execução fiscal, que os embargantes poderiam assentar na conclusão de que o crédito do mútuo ficou restrito ao valor de €54.992,31.
Sem prejuízo, existem efetivamente dificuldades no apuramento do valor do crédito efetivamente em dívida, tendo em atenção a reclamação de créditos apresentada pelo credor originário na execução fiscal, a existência de pagamento parciais que não foram tidos em consideração no crédito reclamado por esse banco e a circunstância do imóvel hipotecado ter sido objeto de venda e, nessa sequência, ter sido feita determinada imputação dos valores recebidos ao crédito emergente do mesmo contrato de mútuo. O que, no final, dá um resultado que dificilmente pode ser compaginado com o requerimento inicial executivo apresentado pelo exequente na ação principal.
Começando pela reclamação de créditos, já evidenciámos que a Caixa Económica Montepio Geral, banco mutuante no contrato que serve de título executivo na ação principal, reclamou na execução fiscal um crédito, a título de capital, no valor de €36.178,44, fixando o incumprimento dos devedores apenas a partir de 9 de janeiro de 1999. Ora, o exequente, na execução principal, sendo o atual titular desse crédito, por cessão, reclamou o pagamento da quantia de €37.908,64, que corresponde precisamente ao capital mutuado na escritura de mútuo, outorgada em 6 de dezembro de 1993, como se esse capital nunca tivesse sido pago por nenhuma prestação devida pelos devedores mutuários.
Assim sendo, em face da reclamação de créditos apresentada pelo credor originário, poderemos assentar na conclusão de que o capital em dívida, à data de 9 de abril de 2009 (data da apresentação da reclamação de créditos em execução fiscal), nunca poderia ser superior a €36.178,44.
Em segundo lugar, temos a questão dos pagamentos parciais realizados por depósito na conta a que estava associado o contrato de mútuo donde emerge a dívida exequenda.
É evidente que esses pagamentos, realizados entre 8/5/2001 e 30/3/2005, documentados no extrato de conta de depósitos à ordem que foi junta ao processo pelo Montepio Geral, refletem que os mutuários foram liquidando várias prestações que, como já vimos, o banco foi imputando à cobrança do empréstimo em causa.
Não sabemos é em que termos foram imputados ao pagamento do crédito exequendo, mas sabemos que o banco, ao reclamar créditos em execução fiscal, fixou o incumprimento do contrato em 9 de janeiro de 1999 e no cálculo dos juros de mora, que então fez, relativos ao período de 9/1/1999 a 9/4/2009, não deduziu qualquer valor à dívida, tendo feito o cálculo dos juros por inteiro, sem qualquer dedução.
Também sabemos que o valor dos juros calculados na reclamação de créditos (que somam €40.558,82), a que sempre acresceriam as despesas, é muito superior ao valor dos depósitos efetuados entre 8/5/2001 e 30/3/2005 (que somam €18.989,19). Pelo que, esses depósitos, em função do disposto no Art. 785.º n.º 2 do C.C., não introduziram qualquer alteração no capital em dívida, tal como reclamado pelo Montepio Geral na execução fiscal.
Em terceiro lugar, temos a “entorse” provocada pela venda do imóvel hipotecado e imputação do produto dessa venda ao pagamento das quantias em dívida ao credor mutuante.
Já vimos que o credor hipotecário recebeu €44.591,60 do produto da venda do imóvel hipotecado que garantia o pagamento preferencial do seu crédito, depois de liquidadas as custas da execução fiscal (cfr. Art. 455.º do C.P.C. pretérito, correspondente ao atual Art. 541.º do C.P.C. vigente) e de pagos os créditos por IMI, que gozavam de privilégio creditório imobiliário (cfr. Art.s 744.º e 751.º do C.C.).
Ora, a venda forçada do imóvel, em execução fiscal, importou fazer logo a liquidação do crédito emergente do mútuo em função da existência e efetivação material da garantia de pagamento preferencial decorrente da hipoteca (Art. 686.º do C.C.).
Mais, como em consequência na execução do imóvel, só parte dos juros de mora poderiam beneficiar do pagamento preferencial pelo produto da venda do bem hipotecado, por decorrência do disposto no Art. 693.º n.º 2 do C.C., chegamos à conclusão de que o crédito emergente do mútuo tinha uma vertente de capital, juros e despesas, em que assumia a natureza de crédito privilegiado, por beneficiar da regra de pagamento preferencial (Art. 686.º do C.C.), mas tinha outra vertente, relativa a juros que excedessem o prazo de 3 anos, em que assumia a natureza de crédito comum.
Sucede que, o valor da venda do imóvel, como resultou evidenciado dos autos, não chegava para liquidar a integralidade do crédito do banco. Em consequência, a liquidação do julgado operada pela secretaria imputou o produto da venda do bem hipotecado ao pagamento do crédito na parte em que o credor tinha direito a ver o seu crédito satisfeito com preferência.
Acresce que, por força da venda em execução, extinguem-se as garantias existentes sobre esse bem (Art. 824.º do C.C.), o que tem como resultado que ficou um remanescente do crédito reclamado, reconhecido e graduado, que subsiste por satisfazer e deixou de ter qualquer garantia de pagamento preferencial, passando a ser integralmente um crédito comum (cfr. Art.s 601.º e 604.º do C.C.).
Temos de realçar que a liquidação, operada pela secretaria do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no quadro da execução fiscal, não explicitou como efetuou a imputação do valor da venda do bem hipotecado às parcelas do crédito que teve em consideração como estando compreendidas pela garantia de pagamento preferencial.
De facto, considerou que o pagamento preferencial se reportava ao crédito de €54.992,31, discriminado do seguinte modo: €36.178,44 a título de capital; €8.083,06 a título de juros vencidos desde 9/1/1999 a 5/12/2000, mais €4.358,22 de juros vencidos desde 6/12/2000 a 9/1/2002; €4.234,36 de cláusula penal; e €2.138,23 de despesas e seguro. Mas, no final, limita-se a reconhecer o pagamento ao credor em causa pelo valor de €44.591,60.
Em todo o caso, a imputação omissa deve ser feita agora por nós em observância do disposto no Art. 785.º n.º 1 do C.C., começando pelas despesas, depois pela indemnização, depois pelos juros e só no final pelo capital.
Portanto, do crédito suscetível de pagamento preferencial pelo produto da venda do imóvel hipotecado, no valor total de €54.992,31, e tendo em conta que o credor hipotecário tinha direito a receber apenas €44.591,60, conclui-se que se logrou liquidar integralmente as despesas e seguro, os juros e cláusula penal contabilizados, ficando ainda por pagar a quantia de €10.400,71 a título de capital (€54.992,31 - €44.591,60 = €10.400,71).
Isto sem prejuízo de subsistir em dívida o crédito comum relativo a juros e respetiva cláusula penal referentes ao período posterior a 9/1/2002.

O credor reclamante, Montepio Geral, não deixou de reclamar esse valor, fazendo o seu cálculo desde 9 de janeiro de 1999 até 9 de abril de 2009, nos seguintes termos:
- €8.083,06, de 9/1/1999 a 5/12/2000 à taxa de 11,7000219%;
- €22.599,40, de 6/12/2000 a 5/8/2006, à taxa de 11,0199488%;
- €1.774,33, de 6/8/2006 a 5/1/2007 à taxa de 11,7000219%; e
- €8.102,03, de 6/1/2007 a 9/4/2009, à taxa de 9,9199598%.

Já vimos que estes valores enfermam de erros de cálculo, verificando-se, com recurso ao programa de cálculo de juros do site “calculodejuros.pt”, que são devidos apenas:
- €8.071,47, de 9/1/1999 a 5/12/2000 à taxa de 11,7000219%;
- €22.588,48, de 6/12/2000 a 5/8/2006, à taxa de 11,0199488%;
- €1.762,74, de 6/8/2006 a 5/1/2007 à taxa de 11,7000219%; e
- €8.102,03, de 6/1/2007 a 9/4/2009, à taxa de 9,9199598%.
A soma dessas 4 parcelas de juros vencidos entre 9/1/1999 a 9/4/2009, sobre o capital de €36.178,44, dá €40.524,72.
Mas, de acordo com a liquidação efetuada na execução fiscal, o banco credor recebeu a título de juros: €8.083,06 a título de juros vencidos desde 9/1/1999 a 5/12/2000, mais €4.358,22 relativa aos juros vencidos desde 6/12/2000 a 9/1/2002. Num total de €12.441,28, a título de juros vencidos. Pelo que, dos €40.524,72 de juros vencidos que eram efetivamente devidos ao banco até 9/4/2009, devem considerar-se liquidados, por força do produto da venda do imóvel hipotecado, os €12.441,28, ficando em dívida, como crédito comum, o remanescente de juros no valor de €28.083,44 (€40.524,72 - €12.441,28).
A esse crédito comum, de juros vencidos e não pagos, num total de €28.083,44, devem ser deduzidos os pagamentos parciais realizados pelos devedores por depósito na conta à ordem a que estava associado o contrato de mútuo dos autos, que perfazem €18.989,19. Tal deve ser feito, tendo em atenção o disposto nos Art.s 784.º n.º 1 e 795.º n.º 1 do C.C., pois devem imputar-se os pagamentos, na falta de menção em contrário, em primeiro lugar, aos créditos vencidos com menor garantia para o credor e que sejam mais antigos, começando primeiro pelos juros e só depois pela imputação ao capital.
O que quer dizer que, de juros de mora vencidos até 9/4/2009 (dada da apresentação da reclamação de créditos do Montepio Geral junto da execução fiscal), ficaram em dívida €9.094,25.
O crédito continuou a vencer juros de mora, sobre o capital inicialmente em dívida de €36.178,44, até à data em que foi feita a ordem de pagamento ao exequente do valor de venda do imóvel hipotecado, em 16 de fevereiro de 2011, sendo que o credor reclamante peticionou juros vincendos à taxa de 9,9199598% a partir de 9/4/2009 (cfr. artigo 10.º da petição da reclamação de créditos).
Assim, de 10/4/2009 até 16/2/2011, venceram-se juros de €6.656,65.

No final, do valor reclamado pelo Montepio Geral, ficaram em dívida em 16/2/2011 (data da liquidação do julgado em execução fiscal):
-€10.400,71 de capital mutuado;
-€9.094,25 de juros de mora vencidos sobre o capital de €36.178,44 desde 9/1/2002 até 9/4/2009 (já deduzidos dos pagamentos feitos pelos executados na conta a que estava associado o mútuo); e
-€6.656,65 de juros vencidos sobre o mesmo capital desde 10/4/2009 até 16/2/2011.

A partir de então os juros só seriam devidos sobre o capital de €10.400,71, que subsistiu em dívida como crédito comum.
Sucede que, o exequente, no requerimento inicial executivo, não reclamou o pagamento dos juros contratuais, nem a respetiva cláusula penal.
De facto, o exequente pede aí o pagamento do capital mutuado de €37.908,64, que indicou continuar em dívida, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável aos créditos meramente civis (4%), contados de 24 de maio de 2011.
Como já tivemos oportunidade de referir, tudo indica que o exequente não tinha a noção de que quantias estariam efetivamente em dívida por força deste contrato de mútuo. Também é possível que não tenha reclamado o pagamento de juros, como aqueles que atrás verificámos estarem em dívida de acordo com o contrato de mútuo, talvez prevendo que contra semelhante pretensão pudesse ser invocada a exceção da prescrição, em função do disposto no Art. 310.º al. d) do C.C..
Seja como for, o exequente apenas pediu o pagamento do capital mutuado ainda em dívida, sendo que, como vimos, esse valor não é de €37.908,64 pois, por força da venda em execução fiscal do imóvel hipotecado, o crédito a título de capital ficou reduzido a €10.400,7l.
Em face de todo o exposto, o exequente, enquanto cessionário do crédito emergente do contrato de mútuo que serve de título executivo na ação principal, continua a ser credor dos executados pelo valor de €10.400,71 a título de capital, acrescido dos respetivos juros de mora, cujo pagamento o exequente apenas reclama pela aplicação da taxa de legal aplicável aos créditos civis, por força da Portaria n.º 291/2003 de 1 de maio, aprovada no contexto do Art. 559.º n.º 1 do C.C., e desde a data de 24 de maio de 2011.
Procedem assim, só em parte, as conclusões que sustentam que o capital em dívida não seria de valor superior a €10.400,71 e que a sentença deveria ser revogada nesse pressuposto.

4.– Da exceção perentória do pagamento do capital.
Os Recorrentes sustentaram que pagaram o valor do capital em dívida através de depósitos que foram realizando na conta bancária a que estava associado o cumprimento do contrato de mútuo, que serve de título executivo na ação principal.
De facto, ficou provado que os executados efetuaram pagamentos por conta dessa dívida, mesmos depois de verificado o incumprimento do contrato de mútuo.
O banco mutuante, na reclamação de créditos que apresentou em execução fiscal, alegou ter rescindido esse contrato de mútuo por incumprimento dos devedores que fixou em 9/1/1999. Mas, depois dessa data, entre 8/5/2001 e 30/3/2005, os executados efetuaram depósitos para pagamento da dívida que totalizavam a quantia de €18.989,19.
Sucede que, esses depósitos, agora dados por provados no ponto 6., apesar de terem sido imputados ao pagamento do crédito emergente do contrato de mútuo, em condições que não foram apuradas, não chegavam sequer para liquidar os juros convencionais vencidos, indemnizações e encargos, tendo em atenção que deveria ser respeitada a regra estabelecida no Art. 785.º n.º 2 do C.C..
Assim sendo, não lograram os executados provar, como era seu ónus (cfr. Art. 342.º n.º 2 do C.C. e Art. 729.º al. g) do C.P.C.), que pagaram a dívida exequenda a título de capital, mesmo depois de deduzido o pagamento recebido pelo banco mutuante, na sequência da venda do imóvel hipotecado em execução fiscal, improcedendo as conclusões que sustentam o contrário do exposto.
Nessa medida, a sentença recorrida, que julgou os embargos improcedentes por não provados, deverá efetivamente ser revogada e substituída pela decisão de julgar os embargos parcialmente procedentes, devendo a execução prosseguir apenas para pagamento da quantia de €10.400,71, a título de capital, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% contados desde 24 de maio de 2011, tal como era reclamado pelo exequente no requerimento inicial executivo.

V–DECISÃO

Com os fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente por provada e, mesmo que improcedendo a apontada nulidade da decisão recorrida, mas procedendo a impugnação da matéria de facto, nos termos constante do ponto 2 do presente acórdão, julgamos revogar a sentença que julgou os embargos de executado totalmente improcedentes, que assim é substituída pela decisão de julgar parcialmente procedentes por provados os mesmos embargos de executado, devendo a execução principal prosseguir apenas para pagamento ao exequente da quantia de €10.400,71, a título de capital ainda em dívida do contrato de mútuo que lhe serve de título executivo, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% aplicável aos créditos civis, contados desde 24 de maio de 2011 e até integral pagamento, absolvendo os executados do demais pedido no requerimento inicial executivo.
- Custas por Apelantes e Apelado, na proporção do respetivo decaimento (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).

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Lisboa, 12 de Outubro de 2021


Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva