Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
241/14.3TTBRR.L1-4
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
SANÇÃO DISCIPLINAR CONSERVATÓRIA
REDUÇÃO A ESCRITO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: O procedimento disciplinar comum instaurado por empregador visando aplicar ao trabalhador uma sanção disciplinar conservatória em principio deve ser reduzido a escrito sob pena da sua nulidade e da sanção cominada.
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:

AA propôs acção com processo comum contra BB, Sa.

Pediu: “ser anulada a sanção disciplinar de suspensão de trabalho por cinco dias com perda de retribuição, bem como a nulidade do processo disciplinar, e condenando-se o R. a pagar à A:

A) Restituir à A a quantia indevidamente descontada, acrescida de juros legais desde a data da respetiva retenção até pagamento integral;
B) Pagar-lhe uma indemnização que não deve ser inferior a 10 vezes da retribuição perdida, acrescida de juros desde a data da citação até integral pagamento”.

Alegou, em síntese: trabalha por conta da R desde 01.03.2005, no BB do Montijo, com a categoria profissional de Operadora Especializada; em 26.03.2013, na sequência de um processo disciplinar foi punida com a sanção de cinco dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade; porém, a mesma não praticou qualquer infração disciplinar, tendo sido diligente no cumprimento dos seus deveres em 22.02.2013; não confessou que tenha cumprido os procedimentos devidos; instauraram-lhe de imediato um processo disciplinar, alegando violação do dever de zelo, diligência, obediência e lealdade e nunca invocando quaisquer factos ilícitos, nem fazendo prova dos mesmos; a R violou de forma grosseira os seus direitos, bem como os formalismos exigidos nos procedimentos disciplinares previstos no artº 328 e seg. do CT, porquanto aplicou uma sanção disciplinar sem observância de audiência prévia; além de se ouvir o trabalhador, haveria que proceder às diligências razoáveis por ele indicadas para o apuramento dos factos relevantes; embora fosse ouvida sobre a ocorrência pelos seus superiores hierárquicos, antes da aplicação da sanção, não foi informado do exercício da ação disciplinar e, consequentemente, não foi colocado em condições de organizar uma defesa consciente e eficaz; daí a nulidade da sanção cominada; no exercício do poder disciplinar a entidade patronal, também deve atender aos princípios a observar na aplicação das sanções, nomeadamente proporcionalidade da gravidade da infração e culpabilidade do infrator, conforme dispõe o nº 1 do artº 330ª do CT; a sanção aplicada deve considerar-se abusiva, nos termos do art.º 331º do CT; e deve a R indemnizar nos termos previstos nos nºs 3 e 4 do mesmo preceito, não podendo ser inferior a 10 vezes a importância da sanção pecuniária ou da retribuição perdida.

Ocorreu audiência de partes, sem que conciliação houvesse.

A R contestou, alegando em súmula: a A não cumpriu obrigação a seu cargo em 22.02 e no dia seguinte foi confrontada com os respetivos factos pelo Chefe de Secção; havia reincidência na violação dos seus deveres; no mês de Outubro de 2012 foi alvo de processo disciplinar pelo incumprimento dos mesmos procedimentos tendo, na conclusão do mesmo, sido sancionada com a suspensão da prestação de trabalho com perda de retribuição e antiguidade por 2 dias; o processo disciplinar foi reduzido a escrito, a A foi confrontada com os factos que lhe eram imputados que os confessou e não solicitou qualquer diligência de prova; cumprida a audiência da trabalhadora e o exercício do seu direito do contraditório, foi aplicada sanção disciplinar, cujo fundamento foi também ele reproduzido em documento escrito, lido pela A que concordou com o seu teor, assinando-o; a falta de empenho da A foi grave e merecedor de censura disciplinar e não pode deixar de afetar a sua confiança que vinha depositando na sua idoneidade profissional; a A violou os deveres de zelo, diligência, obediência e lealdade, tendo deixado de promover todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, nos termos dos artºs 128º, alªs c), e), f) e h), do CT; a sanção foi proporcional; o processo disciplinar não está sujeito à forma escrita, pois não é um processo disciplinar com vista ao despedimento com justa causa, pelo que não enferma de qualquer invalidade, respeitando todos os requisitos exigidos pela lei; e a A litigou de má-fé devendo ser condenado em multa e indemnização nunca inferior a 2.000,00€.

A A respondeu, mantendo a sua posição inicial e opondo-se à imputação da litigância de má-fé.

Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual se decidiu de mérito:
(…)

Nesta conformidade, julgo procedente a excepção peremptória de nulidade do procedimento disciplinar e, consequentemente:

a) declaro nula e sem qualquer efeito a sanção aplicada a AA;
b) condeno a ré BB, S.A. a limpar o cadastro disciplinar da autora e a devolver-lhe a quantia referente à sanção disciplinar de suspensão do trabalho por cinco dias com perda de retribuição e antiguidade”.

A R recorreu.
Concluiu:
(…)

Termina pretendendo que o recurso seja procedente ”revogando a decisão do tribunal de primeira instância que julgou nulo o processo disciplinar e substituindo por outra que julgue válido tal processo, bem como válida e proporcional a consequente sanção”.
O processo foi com vista ao MP sendo que o seu parecer foi no sentido da improcedência do recurso.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a conhecer revertem para validade do procedimento disciplinar e da sanção aplicável.

Os factos a considerar são os que objetivamente resultam do relatório e daqueles que de seguida, ao decidir-se de mérito o recurso, se citarem.

Com base no documento 1 junto com a petição inicial, intitulado “Processo Disciplinar”, datado de 26.03.2013, assinado por um seu diretor e pela recorrida, a recorrente refere que o processo disciplinar foi reduzido a escrito, se bem que a tanto não obrigasse o disposto no artº 329º do CT, o qual nem sequer prevê formalidade especial para processo disciplinar com a aplicação de uma sanção conservadora do vínculo laboral.

Refere ainda que dele resulta de forma detalhada os fatos imputáveis que integram a infração disciplinar, a audiência prévia da trabalhadora e a aceitação desta da imputação, sendo que são patentes os fundamentos da decisão, excedendo o formalismo que lhe era imposto.

Doutro passo menciona que o tribunal a quo não indicou o preceito legal para julgar nulo o processo disciplinar, que nem está previsto para aquele que vise o despedimento.

Vejamos.

Desde logo, na decisão sob censura o que se retira, é que estando em causa dois tipos de procedimentos disciplinares, o que interessa, o comum, quanto a ele o legislador não o refere como sujeito a formalidade especial, nomeadamente escrita.

Mas dela no entanto se pode deduzir que inevitavelmente a consagração do direito de defesa e das garantias do trabalhador implicam por um lado um certo número de atos, por outro a sua redução a escrito.

Afigura-se-nos intuitiva essa asserção.

Apesar, efectivamente, do artº 329º do CT, enquanto quadro geral de organização do processo disciplinar, não aludir à redução a escrito, em contraponto com o que se dispõe para os processos disciplinares tendentes à cessação do contrato de trabalho por despedimento por facto imputável ao trabalhador (artºs 340º, alª c), 351º a 358º, 381º, alª c), 382º e 389º do CT). 

Mas se o dispositivo do artº 329º conforma um quadro geral e, como se afirma na decisão, a empregadora terá sempre que averiguar “se os factos que podem consubstanciar infracção disciplinar ocorreram, o circunstancialismo que os rodeou, o grau de culpa do seu autor e procederá à aplicação da sanção, a qual deve ser proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não se podendo aplicar mais do que uma pela mesma infracção (cfr. art. 330.º, n.º 1, do Código do Trabalho)”, assim como é-lhe determinada uma audiência previa ao trabalhador (nº 6), logo não se vislumbra como se possa proceder disciplinarmente nestes casos sem “um procedimento no qual se distinguem três fases típicas, a saber, acusação, defesa e decisão” e sem que se socorra da forma escrita.

Na decisão cita-se doutrina que corre inquestionavelmente nesse sentido.

Identicamente acontece no parecer do MºPº com a citação de que “…razões de certeza jurídica, respeito devido pelo empregador ao trabalhador, alínea a) do nº 1 do artº 127°, e a boa fé que deve sempre presidir às partes, n° 1 do artº 126º e nº 2 do artº 762º do Código Civil, podem justificar a sua redução a escrito ... ( ... ) cremos que o empregador, atenta essa sua posição, tudo deve fazer para não por em causa o exercício de um direito legítimo: o recurso a juízo”.

Nesse contexto tenha-se ainda em consideração Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho (pág 643): “apesar de a exigência de forma escrita não ser imposta, em geral, no processo disciplinar, a prova da sua existência e dos factos constantes da acusação, assim como o respeito do princípio do contraditório, normalmente, não se compaginam com a pura oralidade” (cfr ainda acórdão do STJ de 15.06.1994, BMJ, 438º, 308; acórdão da RC de 07.02.2013, www.dgsi.pt; Pedro de Sousa Macedo, Poder Disciplinar Patronal, Almedina, 1990, 127; Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho I - Introdução. Relações Individuais de Trabalho, 9ª ed, Almedina, 1994, 251).

E nunca se deve prescindir do que na decisão se menciona: “com efeito, estando o exercício da acção disciplinar, a relevância da infracção disciplinar e a aplicação da sanção dependentes da observância dos prazos previstos no art. 329.º do Código do Trabalho, que se interrompem com a notificação da nota de culpa e o procedimento prévio de inquérito (cfr. art. 352.º e 353.º do mesmo código), terá toda a pertinência reduzir-se a escrito o processo disciplinar para aplicação de sanção diversa do despedimento”.
(...)

“Dito de outro modo, a simplicidade com que o legislador entendeu regular o procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória não legitima a preterição de qualquer das fases típicas do procedimento – acusação, defesa e decisão – constituindo a nota de culpa elemento fundamental de qualquer procedimento disciplinar”.

E se assim é, como também cremos que seja, o que se pode apenas dizer é que o outro procedimento disciplinar, quando se trata da sanção de despedimento, é antes sujeito a formalidades ainda mais exigentes.

Ocorre recordar também que este sentido é justificado ao se atentar no disposto nos artºs 170º a 172º do CPT onde se institui o processo especial de impugnação especial de decisão disciplinar, de cujo regime resulta imediatamente a materialização escrita dos diversos passos a exigir ao procedimento disciplinar:
artº 171º (citação e diligências subsequentes)

1- A entidade é citada para responder no prazo de 10 dias, devendo juntar o processo disciplinar e podendo requerer diligências de prova.
2- O envio do processo disciplinar ao tribunal é obrigatório, ainda que não seja apresentada resposta; e,
artº 172º (decisão)

1- O juiz declara nulo o processo disciplinar quando o arguido não tenha sido ouvido ou não tenham sido efectuadas no processo diligências requeridas pelo arguido que repute essenciais.
2- Se o juiz verificar que houve erro de direito ou de facto, anula a decisão.
3- Na sentença proferida sobre a decisão disciplinar são especificados os fundamentos de facto e de direito e dela cabe apenas recurso para a Relação.
Ora, verdadeiramente também não é o documento citado junto com a petição inicial que reúne todas as virtualidades que vimos aflorando.
A trabalhadora ao assinar apresenta-se apenas como tomadora do conhecimento do seu teor que se trata de um parecer de um instrutor.
A narração de que a mesma confessou os seus actos conduz à mera extrapolação da conclusão aí constante de que “encontra-se, assim, cumprida a audiência prévia”. 
E o que não tem nada de inequívoca é a confissão, requisito exigido pelo artº 357º, nº 1, do CC.
Foi dado conhecimento prévio à recorrida do documento intitulado como por participação disciplinar junto com a contestação?
Tal nem se constata alegado.
Sendo assim é lógico concluir como na decisão: “com efeito, o empregador não deduziu nota de culpa, nem concedeu à trabalhadora um prazo para apresentar defesa escrita e requerer a produção de quaisquer diligências de prova. Diga-se que a circunstância de, em 23 de Fevereiro de 2013, a autora ter sido confrontada pela Chefia com os factos que estiveram na base da aplicação da sanção, não os ter negado, nem solicitado qualquer diligência de prova, é manifestamente insuficiente para concluir que foi garantido o direito de audição prévia previsto no n.º 6 do art. 329.º do Código do Trabalho.
(…)

E, sendo assim, temos que o procedimento disciplinar que culminou com a aplicação da sanção disciplinar de suspensão do trabalho por cinco dias com perda de retribuição e antiguidade é nulo e como tal deve ser declarado com as respectivas consequências.

Verificada a mencionada invalidade, impõe-se considerar nula a sanção disciplinar que foi aplicada e não abusiva como pretende a autora”.

Chegados aqui, no que concerne a esta conclusão da nulidade do procedimento e consequentemente também da sanção, não vemos qualquer sentido na objecção que a recorrente lhe concede.

São consequências normais da inobservância da recorrente do formalismo legalmente estabelecido para aplicar uma sanção conservatória do contrato de trabalho.

Atento ao disposto no artº 382º do CT “o procedimento é inválido se (...) faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador”, invalidade essa que só poderá advir da nulidade do procedimento disciplinar (artº 289º do CC; Pedro Romano Martinez Direito do Trabalho, 7ª edição, Almedina, 2015, 1011 e 1012).

Sendo que a sua declaração tem efeito retroactivo, com os respectivos efeitos a serem destruídos ex tunc, tudo se ocorrendo como se o mesmo não tivesse sido instaurado (acórdãos do STJ de 22.09.2010, 28.04.2010, www.dgsi.pt) e determinando a ilicitude da sanção disciplinar imposta, tudo se passando, portanto, como se não tivesse sido aplicada.

Nenhuma censura merece, pois, o que foi decidido na sentença recorrida nem tão-pouco a determinação de que a sanção disciplinar aí aplicada seja eliminada do registo de sanções disciplinares atinentes a esta, assim como a consequente lógica condenação da recorrente a restituir o valor correspondente aos cinco dias de trabalho, retribuição perdida por força do cumprimento da sanção aplicada de suspensão do trabalho por cinco dias com perda de retribuição e antiguidade.

Pelo sobredito deve improceder o recurso, confirmando-se a sentença. 

Decisão:

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a sentença.
Custas pela recorrente.
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O acórdão compõe-se de 13 folhas, com os versos não impressos.
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Lisboa-07.07.2016


Eduardo Azevedo
Celina Nóbrega
Paula Santos
Decisão Texto Integral: