Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2014/10.3TVLSB.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: CASO JULGADO
PEDIDO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE
TRÂNSITO EM JULGADO
DESPACHO SANEADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

“Se o saneador-sentença julga manifestamente improcedente o pedido, reproduzindo, no essencial, o fundamento anteriormente encontrado para concluir pela ausência de legitimidade da Ré, e que, interposto recurso desse primeiro despacho, a Relação havia descartado, por acórdão transitado em julgado, viola tal sentença o caso julgado formal operado pelos fundamentos desse anterior acórdão.”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção (cível) deste Tribunal da Relação


I – A “Loja, S.A.” intentou ação declarativa com processo comum sob a forma ordinária, contra “FII”, “SGFII” e “0000 DI”, pedindo a condenação:

a) Das 1ª e 2ª RR. a celebrar com a A. o contrato prometido com os mesmos termos e obrigações constantes do contrato outorgado entre a A. e a R. 4857;

Ou, se assim não se entendesse:

b) Condenar qualquer uma das RR., solidária ou individualmente, a pagar à A. a penalidade prevista contratualmente, no valor de € 100.000,00;

De qualquer forma:

c) Condenar as RR. no pagamento à A. numa indemnização pela quebra de vendas, desde a data que se apurar como a da entrega efetiva da loja que referencia  “às mesmas”, o que terá ocorrido em Outubro ou Novembro de 2009, até efetiva entrega do locado à A., ou, este não ocorrendo, até à data do trânsito em julgado da sentença e pelo valor mensal de € 5.807,55, num valor global a contabilizar a final;

d) Condenar as RR. a pagar à A. o dano sofrido com a perda de clientes, em valor a fixar equitativamente pelo Tribunal, mas que se requer não ser inferior a € 5.000 mensais, a contabilizar desde a data que se apurar como a da entrega efetiva da loja às mesmas, o que terá ocorrido em Outubro ou Novembro de 2009, até efetiva entrega do locado à A., ou, este não ocorrendo, até à data do transito em julgado da sentença, a contabilizar a final; e) Condenar as RR. a pagar à A. a quantia não inferior a € 50.000,00 a título de indemnização pela perda da sua imagem comercial; f) Condenar as RR. no pagamento à A. da quantia de € 1.500,00 por força do tempo e trabalho despendido pelo seu sócio e gerente no acompanhamento do litígio;

g) Condenar as RR. a pagar à A. a quantia que se apurar a final e respeitante a pagamento de custas judiciais e a pagamento de despesas e honorários dos seus advogados, sendo que a contabilização dos honorários dos advogados é feita com base numa taxa horária de €175,00;

h) Condenar as RR. a pagar à A. juros à taxa dos juros comerciais sobre todas as quantias em que forem condenadas.

Alegando, para tanto e em suma:

A A., encontra-se instalada no antigo Palácio… desde 1942, tendo arrendado ao longo dos anos várias partes do Palácio, onde hoje em dia se situam as instalações.

A “0000” é uma empresa do ramo imobiliário e antiga proprietária do Palácio… à data da celebração do contrato de arrendamento em análise nestes autos.

A SGFII é uma sociedade gestora do grupo Caixa Geral de Depósitos, sendo vocacionada para a gestão de Fundos de Investimento Imobiliário.

O FII é um fundo de promoção imobiliária na zona histórica e central de Lisboa, em projetos de reabilitação.

A gestão do Fundo é efetuada, pela entidade gestora inscrita na CMVM, ou seja a R. SGFII.

Por contrato outorgado em 14 de Fevereiro de 2007 a empresa “0000”, então proprietária do Palácio…, e a própria A., acordaram numa série de alterações aos contratos de arrendamento existentes, respeitantes a diversas partes daquele Palácio, cessação de uns, alteração das condições contratuais de outros, utilização de outras partes do palácio em regime de comodato, alterações ao valor das rendas, etc.

Nos termos do disposto na Cláusula 4ª do Contrato, a referida 4857 fez uma promessa unilateral de arrendamento à A., relativamente à loja, sita no palácio, com entrada pelos nºs 48 e 48-A.

Em 29 de Julho de 2008, a A. foi notificada pela empresa “0000” e pelo FBC, este gerido pela empresa ATL, SA, de que ambas as empresas iriam fazer uma permuta entre um imóvel de que era proprietário o FBC, e o Palácio …, propriedade da “0000”.

Mais informaram que, imediatamente após essa permuta, sucessivamente, no mesmo dia, hora e cartório notarial, o FBC venderia o Palácio… ao R. FII, gerido pela R SGFII.

Por carta datada de 29 de Agosto de 2008, a A. é notificada pela R. SGFII que, na sequência da carta recebida pela A. em 29 de Julho de 2008, o R. FII, adquiriu em 13 de Agosto de 2008, o Palácio…, adquirindo o Fundo R. a posição de arrendatário, pelo que as rendas lhe deveriam passar a ser pagas.

Não sendo a sobredita promessa unilateral honrada pelo novo proprietário do Palácio.

Apesar de “todas as obrigações nascidas do contrato celebrado entre a A. e a 4857, segundo foi confirmado à A. pela 0000”, terem sido “reconhecidas e aceites” pela SGFII e pelo FII.

O que tem ocasionado prejuízos vários à A., pela mesma discriminados.

Contestaram as RR..

Arguindo as 1ª e 2ª RR. a falta de personalidade do FII, na alegada circunstância de  ter a A. optado “por demandar o Fundo e a SGFII autonomamente, como dois Réus individualmente considerados, quando aquele, como património autónomo apenas poderia estar em juízo representado pela sua administração, a ser exercida, ope legis, por uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliários.”.

E, bem assim, a ilegitimidade passiva daSGFII, por ter sido autonomamente demandada…não sendo em nenhum momento proprietária do imóvel, nem, assim, sujeito da relação controvertida tal como configurada pela Autora.

Com impugnação, no mais.

E arguindo a 3ª Ré a sua própria falta de “personalidade jurídica e judiciária”, por isso que a sua extinção ocorreu em 15 de Julho de 2010, com o registo da liquidação, portanto antes da propositura da presente ação, em 23 de Setembro de 2010.

Para além da sua ilegitimidade passiva, sendo que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a ação teria que ter sido proposta contra a generalidade dos sócios.

E, ainda que esta Ré não estivesse liquidada e em consequência extinta, ponto é que o Palácio… foi vendido à 1ª Ré pelo FBC e não pela 3ª Ré.

Deduzindo, no restante, impugnação.

Houve réplica da A., sustentando a improcedência das arguidas exceções, requerendo o chamamento do FBC para contestar, querendo, a ação, e a condenação das RR. FII e SGFII, como litigantes de má-fé, em multa e indemnização à A., em montante, esta, não inferior a € 100.000,00, acrescida de todas as despesas que a A. tenha com os presentes autos, nomeadamente o valor dos honorários dos seus mandatários, em montante a apurar a final.

Convidada a A. a “clarificar qual o incidente de (intervenção de terceiros) a que pretendia aludir”, veio aquela fazê-lo, referindo tratar-se do incidente de intervenção principal provocada.

Por despacho de folhas 319-323, foi admitida a requerida intervenção do FBC, representado pela Atl, S.A., cuja citação se ordenou.

Contestando o chamado, defendeu-se por exceção, invocando a sua “destituição” de personalidade judiciária, por ter tido lugar a sua liquidação.

Deduzindo ainda impugnação.

Em despacho de folhas 357 a 362, que aqui se dá por reproduzido, julgou-se improcedente a arguida exceção dilatória de falta de personalidade judiciária do 1º Réu – “FII”, que se entendeu representado pela 2ª Ré “SGFII”.

E procedente a exceção de falta de personalidade judiciária da 3ª Ré – “0000, S.A.”, assim absolvida (da instância).

Mais se julgando o 1º Réu – que, como visto, havia deduzido a correspondente arguição – parte ilegítima, “absolvendo-se este da instância”.

Inconformadas, recorreram a A. e a Interveniente principal.

Vindo esta Relação, em Acórdão de 2014-04-03, a folhas 460-487 dos presentes autos – julgando a apelação da A. parcialmente procedente, e a do Interveniente “FBC” totalmente procedente – a julgar este fundo destituído de personalidade judiciária, absolvendo-o da instância e o “FII”, parte legítima, “devendo a ação, se a tanto nada mais obstar, prosseguir termos, contra aquele Fundo, subsistindo, no mais, a decisão recorrida.”.

Tendo o FII requerido a interposição de recurso de revista daquele acórdão, tal foi indeferido por despacho do relator, a folhas 532, 533.

E transitado em julgado o dito acórdão, baixaram os autos à 1ª instância, onde logo foi proferido o despacho de folhas 543, considerando “que os autos contêm todos os elementos necessários para conhecer imediatamente do mérito da causa, face à solução jurídica defendida pelo réu Fundo de Investimento na contestação”, e ordenando “ao abrigo do princípio da adequação formal e agilização processual (…)” a notificação da “autora e réu para se pronunciarem por escrito, no prazo de 15 dias, para os fins previstos no artigo 591º, n.º 1 alínea b) do N.C.P.C.”.

Ao que correspondeu o referido Fundo, naturalmente sustentando a improcedência da ação.

Sendo subsequentemente proferida sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo o réu do pedido.

Inconformada, recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“a) Sem ser realizada audiência de discussão e julgamento, foram erroneamente fixados os factos assentes e foi dada a sentença.

b) A sentença a quo nada mais é que uma cópia do saneador sentença anteriormente proferido, o qual veio a conhecer, sem que fosse ordenada produção de prova, uma ilegitimidade da R., a qual veio a ser revogada por este Venerando Tribunal.

c) A sentença a quo limitou-se, com base nos articulados, e sem ter em consideração toda a matéria controvertida, a fixar matéria de facto assente e considerar que essa mesma é suficiente para proferir a decisão de mérito.

d) Ora mal, muito mal, andou novamente o Mm° Juiz a quo, tal como já foi sufragado por este venerando Tribunal. E que a oponibilidade do contrato em causa nos autos, das suas obrigações e dos efeitos do seu incumprimento ou da mora do mesmo, é Res in iudicium deducta.

e) Alegou a A. na sua PI, entre muitos outros factos, que:

"31. Mais informaram que, imediatamente após essa permuta, sucessivamente, no mesmo dia, hora e cartório notarial, o FBC venderia o Palácio… ao R. FII, gerido pela R. SGFII.

32. A A. foi, nos termos da mesma carta, notificada para exercer o seu direito de preferência sobre a aquisição,

33. e de que o mesmo implicava para o (s) adquirente (s) a assunção da posição contratual de senhorio nos contratos de arrendamento existentes, com excepção do contrato de arrendamento da parte do Palácio… correspondente à antiga casa da porteira.

34. Nada mais foi excepcionado na referida comunicação."

35. Aquilo que, na altura, foi transmitido à A. sobre o negócio, foi de que todos os direitos e obrigações nascidos do contrato celebrado entre esta e a 0000 incluindo a promessa de arrendamento, estavam assegurados nos negócios sucessivos de permuta e compra e venda.

50. Facto é que a A. tem uma expectativa legítima e fundada num contrato,

51. o qual foi legitimamente aceite por todas as partes intervenientes mesmo que sucessoras nos contratos de permuta e compra e venda,

52. até porque todas as obrigações nascidas do contrato celebrado entre a A. e a 0000 segundo foi confirmado à A. pela 0000 fora reconhecidas e aceites,

53. tanto que estão a ser aplicadas nomeadamente no que às rendas diz respeito.

55. Acresce, ainda, que o negócio feito entre a 0000 e o Investimento Imobiliário Fechado, e consequentemente com as RR., uma vez que se tratou de um só negócio, embora com actos notariais diferentes foi-o sempre com o perfeito conhecimento por parte do FBC de que a permuta implicava a transmissão de todas as obrigações que a 0000 tinha para com a A.,

56. tendo os legais representantes da 0000 informado os legais representantes do FBC dessa transmissão das obrigações nascidas do contrato de 14 de Fevereiro de 2007,

57. tendo este facto sido comunicado à A. pelos representantes da 0000.”

80. Acontece que a A. está a ser usada pelas RR. um pouco como bola de ping-pong e arma de arremesso: a 4857 diz que transmitiu para a SGFII todos os direitos e obrigações nascidas do contrato que celebrou com a A. e que existem documentos que comprovam essa situação (que a A. desconhece, porque não teve intervenção nesses negócios).

81. Por sua vez, a SGFII remete para as escrituras celebradas, nas quais a 0000 não transmite formalmente quaisquer encargos ou obrigações que digam respeito à A.

82. E ambas as RR. se divertem, alegremente, a ver a A. numa situação de desespero, atirando as culpas uma para cima da outra, mas nada resolvendo.

118. A integralidade da propriedade do Palácio… é transmitido por permuta pela proprietária originária a uma empresa terceira, que, por sua vez, e de imediato, transmite essa mesma propriedade por venda ao actual proprietário, o FII, ora Réu.

119. As transmissões da propriedade efectuadas e referidas no artigo anterior, são-no conjuntamente com as obrigações nascidas do contrato,

120. as quais eram do conhecimento dos adquirentes,

121. que nunca as excepcionaram, sendo o que foi referido à A. pelos legais representantes da R. 4857,

122. nem na altura da celebração dos negócios aquisitivos,

123, nem na altura em que a A. notificou as RR. para a celebração do contrato, assim que teve conhecimento do acórdão que decretou o despejo dos anteriores inquilinos da loja."

f) O Mm° Juiz a quo, na sentença recorrida, para além de fazer tábua rasa de tudo quanto foi alegado pela A., também o faz de tudo quanto foi alegado pela R. 0000 na sua contestação, nomeadamente que:

"26.° - O Palácio… foi vendido e entregue inteiramente devoluto e livre de pessoas e bens à excepção dos arrendamentos identificados no Anexo 1 da respectiva escritura de compra e venda.

27.° - Da elencagem dos contratos de arrendamento referidos, não consta expressamente o aditamento supra-mencionado.

28.° - Diga-se, desde já, que nem teria de constar.

29.° - Com efeito, o aditamento em causa é parte integrante dos referidos contratos de arrendamento, alterando-os mas não os revogando na sua totalidade.

30.° - Aliás tal facto é confessado pelo A. nos artigos 16° e 17° da P.I.

31.° - Importa, ainda assim, saber se o Primeiro e Segundo Réus, tinham conhecimento do referido aditamento e, em consequência, se está o Primeiro Réu obrigado ao seu cumprimento.

32.° - A venda do Palácio… foi inicialmente negociada, em Dezembro de 2007, com a ASS, em representação do FII, Primeiro Réu nos presentes autos.

33.° - A ASS figura, como entidade subcontratada, no art. 6° Regulamento de Gestão do FII (doc. 2), aqui Primeiro Réu, obrigando-se "a prestar serviços de consultoria na promoção e desenvolvimento dos projectos imobiliários que venham a ser desenvolvidos pelo Fundo, prestando designadamente assessoria na elaboração e actualização pela SGFII do plano de negócios do Fundo e assessoria na elaboração pela SGFII dos business plans de cada projecto."

34.° - Na página electrónica do Primeiro Réu (http://fundosetecolinas.pt), a ASS, surge e é apresentada como Investidora, Developer/Gestor Operacional e co-gestor do Primeiro Réu em parceria com o Segundo Réu.

35.° Num primeiro "formato", essa venda passaria pela compra da sociedade que detinha esse activo.

36.° Neste sentido, em 21 de Dezembro de 2007, a ASS endereçou à Terceira Ré uma proposta negocial em que estabelece as condições em que se processaria a aquisição por parte do Fundo, aqui Primeiro Réu (doc. 3).

37.° Desta proposta negocial consta expressamente o conteúdo da promessa unilateral de arrendamento inserta no Aditamento aos contratos de arrendamento, celebrado entre o Autor e a Terceira Ré em 14 de Fevereiro de 2007.

38º A citada proposta negocial, no capítulo sob o título "Forma de Negócio", Parágrafo 5, estipula:

A presente proposta fica expressamente condicionada à confirmação, através de processo due diligente legal, financeira e fiscal a realizar pelo FUNDO, da veracidade dos pressupostos acima enumerados      e da inexistência de outras situações aqui não identificadas […]

39.° - E, no capítulo imediatamente anterior da referida proposta negocial, sob o título "Inquilinos", pode ler-se:

"i. A LB: parte do imóvel da Rua…. A 0000 celebrou com a L. B., um acordo de revogação, estipulando que a L. B. continuaria a ocupar este espaço a título de comodato, devendo desocupá-lo no prazo de 60 dias após notificação feita pela 0000, ocupando a partir daí o espaço actualmente ocupado por vi. em caso de incumprimento a 0000 pagará uma indemnização de 100.000 €. Por força do mesmo acordo a LB reduzirá a área afecta ao contrato ii) (redução da área do torreão do imóvel) .Acordou-se ainda estender o prazo do contrato em iii) para mais 29 anos e 11 meses."

40.° - O processo de due diligence foi realizado por duas entidades, um correspondente ao departamento jurídico da Segunda Ré e outro elaborado pela Sociedade de Advogados X.

41.° - Este processo foi levado a efeito e confirma todos os pressupostos constantes da proposta negocial, conforme check list da due diligence (doc.4).

42.° O referido aditamento ao contrato de arrendamento consta e é apresentado nesta check list, ponto 4.2.2.5 "Aditamento aos Contratos de Arrendamento celebrado com a LB a 14.02.2007 referente aos contratos supra identificados (cfr. doc. 5)

45.° - Em todo o processo negocial, o contrato de onde consta a promessa unilateral, foi sempre           aceite pelas partes como sendo um aditamento aos contratos de arrendamento existentes, parte integrante dos mesmos e aceite como tal pelos Primeiro e Segundo Réus.

46.° - Ou seja, sucedendo por força do contrato de compra e venda na posição de Senhorio e tendo pleno conhecimento de todos os contratos de arrendamento e respetivo aditamento, o Primeiro Réu está obrigado ao seu cumprimento.”.

g) Com base nos factos alegados pela A. e pela R. 0000, o Mm° Juiz a quo não pode considerar que a R. nunca aceitou, expressa ou tacitamente as obrigações nascidas do contrato.

h) A A. baseia o petitório na existência de um aditamento a um contrato de arrendamento, sendo que os direitos e obrigações desse contrato, porque foram aceites e reconhecidos pela R.FII, lhe são oponíveis.

i) E é isto que foi confirmado pela R. 0000 na sua contestação, fundamentada, aliás, em extensa documentação.

j) E é isto que, não tendo sido aceite pela R. FII, constitui o cerne da questão submetida e juízo, e que deverá ser levada ao crivo da prova e, mediante o que ficar provado ou não, ser dada sentença em conformidade.

k) Só após a produção de prova, e caso a A. não lograsse provar o que alegou, complementado aliás pelos factos também alegados pela R. 0000, é que o Tribunal a quo poderia decidir pela assunção, ou não, das obrigações nascidas do contrato sub juditio, pela R.

l) O Mm° Juiz a quo fez um pré juízo sobre a questão litigiosa, novamente, dando por bom o que alegou a R. FII, e ignorando tudo o que foi alegado pela A., bem como pela R. 0000, dando como assentes factos que nunca foram sujeitos ao crivo da prova e que são controvertidos.

m) Ao ignorar completamente os factos que foram carreados para os autos, ao não ordenar o prosseguimento do processo para julgamento contra a R. FII, o Tribunal recorrido mais uma vez violou a lei.

n) Violou, desde logo, o disposto no art.° 26° do CPC, porquanto nos termos do mesmo normativo, e perante os factos alegados pelas partes (desde que venham a ser dados como provados), a R. FII é assumiu as obrigações do contrato sub juditio.

o) Violou também o disposto no n°2 do art.° 406° do CC bem como o disposto nos artigos 412° n.°1 e 1057° do CC. O aditamento contratual é-o num contrato de arrendamento.

p) As obrigações nascidas do contrato em apreço, tal como a obrigação locatícia, é uma verdadeira obrigação "propter rem". Este tipo de obrigação define-se como "aquela cujo sujeito passivo (o obrigado) é determinado não pessoalmente ("intuitu personae"), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa"  Menezes Cordeiro, in "Direitos Reais", Reprint, 366-.

q) Isto porque se considera que esta obrigação "propter rem", tem como característica a "ambulatoriedade", no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular.

r) Portanto, impõe-se também a conclusão de que o credor da obrigação "propter rem" pode exigir o cumprimento ao subadquirente, porque a obrigação acompanha a coisa, vinculando quem se encontre, a cada momento, na titularidade do respectivo estatuto.

s) Transcrevendo H. Mesquita (loc. cit., 336), dir-se-á que, como obrigações ambulatórias que são, «trata-se sempre, em síntese, de obrigações que só podem ser cumpridas por quem seja titular do direito real de cujo estatuto promanam (...)».

t) Ou seja, in casu, nem a R. FII é terceiro, nem o contrato lhe é inoponível.

u) A sentença recorrida viola ainda, por tudo o que ficou supra exposto, o disposto nos artigos 3°, n.°3, 264°, n.°3, 265°, n.°3, 511°, n.°1, 513°, 515°, 659.°, n°s 1, 2, 3, e 4, e 660.°, n°2, todos do CPC, pelo que é nula nos termos do disposto nas alíneas b), c), d) e f), do n ° 1 do art.° 668° do CPC, devendo ser revogada.

v) Contrariamente ao que alega a R., a oponibilidade do contrato em causa nos autos, das suas obrigações e dos efeitos do seu incumprimento ou da mora do mesmo, é Res in iudicium de ducta.”.

Termina com a revogação da sentença recorrida, “ordenando-se que o Tribunal a quo ordene a realização de audiência de discussão e julgamento, fixando-se apenas nessa altura a matéria de facto assente e, concomitantemente, proferindo-se sentença.”.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

 Na sequência de despacho do relator ordenando a baixa dos autos à 1ª instância para esse efeito, foi ali proferido despacho sustentando a não verificação das nulidades assacadas à sentença recorrida.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

- se a sentença recorrida enferma das nulidades que lhe são assacadas;

- se era caso de conhecimento de mérito, sem produção de provas, na sentença recorrida.


***

Considerou-se, na 1ª instância, e sob a epígrafe “Matéria de facto”, ser “A matéria alegada pela autora com relevância para a decisão (…) a seguinte:”

“1. A A. é uma empresa que se dedica à comercialização de material para casas de banho, banheiras, sanitários, torneiras, cabines, aromáticos e artigos para SPA, etc.

2. Trata-se de uma empresa com um historial bastante antigo, cujos primórdios remontam a 1914, e têm prosseguido sempre dentro da mesma família até ao presente, onde o bisneto do fundador prossegue a atividade.

3. A A., que corre comercialmente sob a denominação LB, encontra-se instalada no antigo Palácio… desde 1942, tendo arrendado ao longo dos anos várias partes do Palácio, onde hoje em dia se situam as suas instalações.

4. A FII é uma sociedade gestora do grupo Caixa, e iniciou a sua atividade em Janeiro de 1987, sendo vocacionada para gestão de Fundos de Investimento Imobiliário.

5. Tem como objeto a gestão de fundos de investimento imobiliários, atuando por conta dos participantes, competindo-lhe a prática de todos os atos e operações necessárias ou convenientes à boa administração dos fundos.

6. O enquadramento legal da sua atividade encontre-se regulado pelo disposto no Decreto-Lei n° 13/2005, de 7 de Janeiro.

7. A FII é uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário e uma sociedade anónima, que tem como objeto social a gestão e administração do património de fundos de investimento imobiliário e nessa sua atividade contrata uma entidade depositária, in casu, e como é óbvio, a própria Caixa, que garanta a custódia dos títulos que compõem a carteira de investimentos, nomeadamente, recebendo os valores resultantes das subscrições dos participantes, liquidando os resgates das unidades de participação e pagando os rendimentos a distribuir.

8. As funções da sociedade gestora incluem:

- Redigir os prospetos dos fundos de investimento Imobiliário.

- Definir a política de investimentos dos fundos.

- Realizar o cálculo diário do valor dos fundos imobiliários, publicando o valor unitário das unidades de participação.

- Realizar a gestão de subscrições e reembolsos dos participantes.

- Responsabilizar-se pela contabilidade dos fundos em carteira.

- Efetuar as operações adequadas à execução da política de distribuição dos resultados prevista no regulamento de gestão do fundo de investimento.

- Divulgar todas as informações legalmente exigidas, nomeadamente à CMVM, ao Banco de Portugal, e aos respetivos participantes.

- Representação do fundo nos termos gerais;

9. O FII é um fundo de promoção imobiliária na zona histórica e central de Lisboa, em projetos de reabilitação. Trata-se de uma reabilitação contemporânea do legado histórico edificado.

10. Os investidores do fundo são o Fundo de Pensões de…, o Fundo de Pensões da…, o Grupo…, o Grupo… e o Grupo….

11. A Gestão do Fundo é efetuada, nos termos da lei, pela entidade gestora inscrita na CMVM, ou seja a SGFII

12. O FII é o atual proprietário do Palácio…, e senhorio da A..

13. A "0000" é uma empresa do ramo imobiliário e antiga proprietária do Palácio...

14. Por contrato outorgado em 14 de Fevereiro de 2007, de fls. 18 a 24 (doc. 1) que se dá por integralmente reproduzido, a empresa 0000

15. então proprietária do Palácio…, sito no Largo…, n.ºs 48 a 57 e Rua…, n°s 1 e 3, freguesia de…, em Lisboa, descrito na …ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o n°…, e inscrito na matriz sob o artigo…, e senhoria da A.,

16. e a própria A., acordaram numa série de alterações aos contatos de arrendamento existentes, respeitantes a diversas partes do Palácio…, cessação de uns, alteração das condições contratuais de outros,

17. utilização de outras partes do palácio em rege de comodato, alterações ao valor das rendas, etc.

18. Nos termos do disposto na Cláusula 4ª do Contrato, a referida 0000 fez uma promessa unilateral de arrendamento à A., relativamente à loja, sita no palácio, com entrada pelos n°s …,

19. da qual era arrendatário, na altura, EVA,

20. e onde funcionava o estabelecimento comercial da empresa Vs,

21. obrigando-se a celebrar com a A. novo contrato de arrendamento,

22. e obrigando-se ainda a não transmitir a sua posição de proprietária daquela loja, sem o consentimento prévio da A., a prestar por escrito.

23. Mais se obrigou, em caso de incumprimento, a pagar à A. uma indemnização de cem mil euros.

24. Mais se obrigou, no caso de transmissão da loja com entrada pelos n.ºs… do Palácio…, a terceiros, a autorização da A. referida no artigo 21º da p.i., não seria necessária, se o terceiro adquirente assumisse integralmente as obrigações nascidas do contrato em apreço, nomeadamente no que diz respeito à promessa unilateral de arrendamento da loja à A..

25. A celebração do contrato prometido ficou sujeita à verificação de duas condições: a) cessação do contrato existente, na altura, com EVA a que lhe sucedeu a MGVA. b) Manifestação expressa da A.;

26. Mais ficou acordado que o contrato prometido, quando celebrado, terá a vigência de 29 anos e 11 meses,

27. mediante o pagamento de uma renda mensal de 500 euros, valor esse atualizável, desde Janeiro de 2008, com o quociente anual de atualização das rendas, até à data da celebração do contrato prometido.

28. Mais ficou acordado que o tribunal competente para dirimir quaisquer litígios emergentes do contrato, seria o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa.

29. Em 29 de Julho de 2008, a A. foi notificada pela empresa 0000 e pela FBC, este gerido pela empresa ATL, nos termos da carta de fls. 27 a 32 (doc. 3) que se dá por integral ente reproduzida.

30. de que ambas as empresas iriam fazer uma permuta entre um imóvel de que era proprietário o FBC, e o Palácio…, propriedade da 0000.

31. Mais informaram que, imediatamente após essa permuta, sucessivamente, no mesmo dia, hora e cartório notarial, o FBC venderia o Palácio… ao R. FII, gerido pela SGFII.

32. A A. foi, nos termos da mesma carta, notificada para exercer o seu direito de preferência sobre a aquisição,

33. e de que o mesmo implicava, para o (s) adquirente (s) a assunção da posição contratual de senhorio nos contratos de arrendamento existentes, com exceção do contrato de arrendamento da parte do Palácio… correspondente à antiga casa da porteira.

34. Nada mais foi excecionado na referida comunicação.

35. Aquilo que, na altura, foi transmitido à A. sobre o negócio, foi de que todos os direitos e obrigações nascidos do contrato celebrado entre esta e a 0000, incluindo a promessa de arrendamento, estavam assegurados nos negócios sucessivos de permuta e compra e venda.

36. Até porque, na altura, a A. não tinha conhecimento de ter cessado o contrato de arrendamento referente à loja com entrada pelos n°s 48 e 48-A.

37. Por carta datada de 29 de Agosto de 2008, de fls. 33 (doc. 4) que se dá por integralmente reproduzida, a A. é notificada pela  SGFII que, na sequencia da carta recebida pela A. em 29 de Julho de 2008, o R. FII, adquiriu em 13 de Agosto de 2008, o Palácio…,

38. adquirindo o Fundo R. a posição de senhorio, pelo que as rendas lhe deveriam passar a ser pagas.

39. Entretanto, a empresa 0000 havia intentando ação de despejo contra os arrendatários da loja com entrada pelos n.ºs, sendo que o locado estava ser ocupado pela empresa VIS.

40. Após recursos, a mesma ação acabou por ser decidida em última instância pelo STJ por acórdãos de Abril e Julho de 2008, os quais consideraram resolvido o contrato de arrendamento, condenando o despejo imediato do locado, com a consequente obrigação de entrega da sobredita loja à senhoria.

41. Tal acórdão teve que ser alvo de execução pelo já então senhorio, o R. FII, e o despejo terá sido efetivado em data que não se pode precisar, mas que se situará em Outubro ou Novembro de 2009.

42. Quando tomou conhecimento do Acórdão proferido pelo STJ, a A. interpelou de imediato o réu, entre outras questões, para a formalização do contrato de arrendamento prometido, conforme carta de 16 de Dezembro de 2008, de fls. 56 a 58 (doc. 7) que se dá por integralmente reproduzida.

43. Por não ter tido qualquer resposta, A. insistiu com o réu por carta datada de 11 de Fevereiro de 2009.

44. Só alguns meses depois, e pese embora nunca tenha havido resposta formal do réu às cartas enviadas pela A., é que ocorreram os primeiros contactos entre a A. e o réu,

45. tendo havido uma reunião no próprio Palácio… no dia 21 de Maio de 2009 entre representantes da A. e do réu,

46. tendo o representante do réu., (…) , informado a A. que a ação de despejo da loja ainda estava a correr os seus termos, e logo que houvesse novidades, voltariam ao contacto.

47. No entanto, desde essa altura, o réu nada mais de relevante informou a A., nomeadamente da efetivação do despejo da loja, sendo a A. por diligências suas, que tomou conhecimento desses factos,

48. nem atendeu aos pedidos insistentes da A. para formalização do contrato de arrendamento prometido,

49. referindo ainda não ter tomado posição sobre o assunto.

50. Facto é que a A. tem uma expectativa legítima e fundada          num contrato,

51. o qual foi legitimamente aceite por todas as partes intervenientes, mesmo que sucessoras nos contratos de permuta e compra e venda,

52. até porque todas as obrigações nascidas do contrato celebrado entre a A. e 0000, segundo foi confirmado à A. pela 0000, foram reconhecidas e aceites,

53. tanto que estão a ser aplicadas, nomeadamente no que às rendas diz respeito.

54. A única exceção é a celebração do contrato prometido, uma vez que nas escrituras de transmissão da propriedade não vem referido o contrato outorgado com a A.

55. Acresce, ainda, que o negócio feito entre a 0000 e o FBC, foi-o sempre com o perfeito conhecimento por parte do FBC de que a permuta implicava a transmissão de todas as obrigações que a 0000 tinha para com a A.,

56. tendo as legais representantes da 0000 informado os Iegais representantes do FBC das obrigações nascidas do contrato de 14 de Fevereiro de 2007,

57. tendo este facto sido comunicado à A. pelos representantes da 0000.

58. Isto é o que sempre foi transmitido à A. pelos legais representantes da 0000, pese embora os legais representantes da A. não tenham tido qualquer intervenção nesses atos e não o podem confirmar.”.

E

“Da contestação do réu (SIC):

39.º Em 13.08.2008, foi outorgada uma escritura pública de compra e venda entre o FBC, representado pela sua sociedade gestora, a ATL, e o Fundo, réu representado pela sua sociedade gestora, a SGFII.

40.° Através da referida escritura, o FBC vendeu ao Fundo o Imóvel pelo preço de 5.527,501,00, com uma área de 5.025 metros quadrados,

41.º a que acresceria o valor de área de construção acima do solo que viesse a ser aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa ("CML"), no âmbito do pedido de licenciamento para obras de reabilitação e/ou remodelação do prédio a ser apresentado pelo Fundo à CML, adicional aos 5.025 metros quadrados - cfr. cópia integral da escritura de compra e venda, de fls. 163 a 175 (doc. 1), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

42.° Nessa mesma data e ato o Fundo teve conhecimento de que o Imóvel havia sido adquirido, também nessa data, pelo FBC a uma sociedade terceira 0000.

43.° O Fundo teve ainda conhecimento de que sobre o Imóvel existiam cinco contratos de arrendamento em vigor, que são devidamente elencados, incluindo os valores das respetivas rendas mensais, no Anexo I da escritura de compra e venda (cfr. doc. 1).

44.° Com interesse para os presentes autos, é de salientar que, de acordo com a mencionada escritura, "(p)elo primeiro outorgante [representante da Atl], enquanto sociedade gestora do FBC, na qualidade em que ,figura, foi dito;

(…)

Que o Fundo representado pelo primeiro outorgante [FBC, representado pela Atl] se assegurou que a anterior proprietária, em momento prévio à aquisição do Prédio pelo Fundo representado pelo primeiro outorgante, e com a antecedência legal exigida, notificou todos os preferentes legais na aquisição do referido Prédio, não tendo nenhum deles exercido o respetivo direito de preferência.

Que o Fundo representado do primeiro outorgante, por sua vez, notificou igualmente todos os preferentes legais na aquisição do referido Prédio, com a antecedência legal exigida, não tendo nenhum daqueles exercido o respetivo direito de preferência.

Que na presente data, o Prédio objeto da presente escritura é transmitido livre de quaisquer ónus ou encargos, designadamente da hipoteca atrás referida,

Que o Prédio objeto da presente escritura é vendido e entregue inteiramente devoluto e livre de pessoas e bens, à exceção dos arrendamentos identificados no Anexo l  à presente escritura, que dela fica a fazer parte integrante. (…)           (cfr. doc. 1) (sublinhado e destacado nossos).

45.º E consta do Anexo I à escritura de compra e venda a referência aos seguintes contratos de arrendamento (cfr. doc. 1):

(i) Contrato de Arrendamento de parte do Imóvel correspondente ao n.º… em que é arrendatária a LB, desde 09.03.1942;

(ii) Contrato de Arrendamento das partes do lmóvel  correspondentes aos n.ºs…  do Largo…, em que é arrendatária a LB., desde 19.03.1954;

(iii) Contrato de Arrendamento da parte do Imóvel correspondente à antiga casa da porteira, celebrado com a LB. a 31.12.2001;

(IV) Contrato de Arrendamento referente às partes do Imóvel correspondentes aos n.ºs…  do Largo…, celebrado com o Banco…, a 05.11.1932; e

(v) Contrato de Arrendamento referente às partes do imóvel correspondentes aos n.ºs… do Largo…, em que é arrendatário o Banco…, desde 09.09.1981.

46.° Quanto ao Anexo I da escritura de compra e venda aqui junta como documento 1, é de referir que a menção aos contratos de arrendamento aí constante è feita por referência à versão originária dos contratos, cuja data de celebração é a que se encontra expressa no Anexo I.

47.º A ora Autora terá sucedido na posição de arrendatária a respeito de cada um dos contratos acima identificados, onde se previa o seguinte, em matéria de duração:

(i) quarto ao n.º da Rua…, o contrato de arrendamento foi celebrado em 09.03.1942, pelo prazo de 6 (seis) meses a contar de 01.03.1942, renovável sucessivamente por iguais períodos;

(II) quanto aos n.ºs… do Largo…, o contrato de arrendamento foi celebrado em 19.03.1954, pelo prazo de 6 (seis) meses a contar de 01.04.1954, renovável sucessivamente por iguais períodos;

(iii) quanto à antiga casa da porteira, o contrato de arrendamento foi celebrado em 31.12.2001, pelo prazo de 5 (cinco) anos a contar de 01.01.2002, renovável sucessivamente por períodos de 18 (dezoito) meses.”.


***

II – 1 – Das arguidas nulidades de sentença.

1. Conclui a Recorrente – reproduzindo a literalidade do que já havia alegado no corpo das alegações, no § 3º de folhas 9/17, folhas 587 dos autos – que “A sentença recorrida viola ainda, por tudo o que ficou supra exposto, o disposto nos artigos 3°, n.°3, 264°, n.°3, 265°, n.°3, 511°, n.°1, 513°, 515°, 659.°, n°s 1, 2, 3, e 4, e 660.°, n° 2, todos do CPC, pelo que é nula nos termos do disposto nas alíneas b), c), d) e f), do n ° 1 do art.° 668° do Código de Processo Civil.”.

Assim se reportando ao anterior Código de Processo Civil, quando certo é que, tendo a sentença recorrida sido proferida em 07-05-2015, e visto o disposto no artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, apenas poderia cobrar aplicação nesta matéria de nulidades de sentença, o disposto no novo Código de Processo Civil.

Como quer que seja, encontram as convocadas normas do artigo 668º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do anterior Código de Processo Civil, correspondência no artigo 615º, n.º 1, alíneas b), c), d), do novo Código de Processo Civil.

 Sendo, pelo que respeita à hipótese da alínea f) daquele artigo 668º, que deixou a mesma de integrar nulidade de sentença, para ser tratada como mero erro material, a corrigir, por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz, sem embargo de, em caso de recurso, não tendo a retificação lugar antes de ele subir, poderem as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam ser seu direito no tocante à retificação, cfr. artigos 613º, n.ºs 1 e 2, e 614º, n.ºs 1 e 2, do atual Código de Processo Civil.

Diga-se porém, e desde já, que se não concede uma tal omissão, e certo ter-se definido na sentença recorrida que são as “Custas a cargo da autora (artigo 527º/1/2 do C.P.C.).”.

2. No que respeita à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, temos que aqueles últimos se mostram expressos no ponto 3. da sentença, sob a epígrafe “Matéria de Direito”, a folhas 569-572.

Quanto aos fundamentos de facto, vimos já que na sentença recorrida e sob a epígrafe “Matéria de facto”, se reproduziram, ipsis verbis, trechos do alegado pela A., primeiro, e pela Ré, depois, sem se fazer qualquer referência ao julgamento como provados dos correspondentes “factos”.

Tendo para nós que se tratou, na economia da sentença, de demonstrar que partindo da alegação pela A. daqueles selecionados “factos”, e atenta a posição assumida pela Ré, expressa nos “factos” correspondentemente extratados da sua contestação, sempre seria de concluir que “a autora ficou apenas com uma expetativa de que a promessa seria cumprida, que na sua versão lhe foi garantida quer pela empresa 4857, como pelo Fundo Baixa Chiado, mas não pelo réu nesta ação, que não a contraiu, não a aceitou (de forma expressa ou tácita) e não pode, em consequência, de forma compulsiva, ser forçado a concretizá-la.”.

E que Considerando a factualidade alegada pela autora, ainda que se prove integralmente, o pedido é manifestamente improcedente pelos motivos enunciados.” (o grifado é nosso).

Refere-se pois a sentença ao que, no domínio do anterior Código de Processo Civil, e mais exatamente, antes da reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25/09, v.g., Castro Mendes,[1] designava de inviabilidade stricto sensu, e Antunes Varela,[2] de inviabilidade ou inconcludência, da pretensão do A., quando “for evidente (…) que a pretensão do autor carece de fundamento”.

Ora é meridiano que, nesse quadro justificador do julgamento da improcedência da ação, apenas importa atender aos termos em que a pretensão do A. se apresenta estruturada, que não também ao provado ou não provado dos factos integradores da causa de pedir respetiva e dos alegados pela Ré.

3. A oposição entre os fundamentos e a decisão – causa de nulidade de sentença – há-de resolver-se numa “contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.”.[3]

Mas uma tal contradição lógica não a apontou a Recorrente, nem de resto se vislumbra a mesma.

4. Não explicita a Recorrente se pretende arguir a nulidade de omissão ou a de excesso de pronúncia.

Propendendo-se a considerar que terá tido em vista ambas as figuras, na medida em que refere ter o Mmº juiz ignorado “tudo o que foi alegado pela A., bem como pela Ré 0000, dando como assentes factos que nunca foram sujeitos ao crivo da prova e que são controvertidos.”.

Como se considerou já, não se tratou da elencagem de factos provados, mas da enunciação de factos alegados pelas partes, com interesse, na perspetiva do senhor juiz a quo, no equacionamento da manifesta improcedência da pretensão da A.

E, em qualquer caso, sempre se trataria de erro de julgamento da matéria de facto, que não de nulidade por excesso de pronúncia.

No que concerne ao ignorar de “tudo o que foi alegado pela A. bem como pela Ré 0000”, dir-se-á que na sentença recorrida se segue uma linha argumentativa que rejeita o mais alegado pela A. – e assinalado pela mesma nas suas conclusões de recurso – em termos que se não reconduzem exatamente ao ignorar puro e simples da correspondente matéria, mas, melhor, a uma deficiente apreensão da mesma.

Assim sendo que não é exato, cingindo-nos ao alegado pela A. na sua petição inicial, e pela R. 0000, na sua contestação, nunca ter a Ré aceite “(de forma expressa ou tácita)”, as obrigações nascidas da nominada “promessa unilateral de arrendamento”, constante de cláusula (4ª) integrada no contrato celebrado em 14-02-2007, entre a A. e a 0000. Aliás, aquela conclusão afronta o anteriormente decidido e definido a propósito, no Acórdão desta Relação, de 2014-04-03, a folhas 461-487, como melhor se explanará infra.

Também não sendo exato que no artigo 54º da petição inicial seja “esclarecido que todas as obrigações nascidas do contrato inicial celebrado entre a autora e a empresa 0000 foram reconhecidas e aceites por todas as partes intervenientes, com exceção da celebração do contrato prometido”.

O que, rigorosamente, se consignou, na conjugação daquele artigo com os anteriores artigos 51, 52, e 53, é que o contrato celebrado em 14-02-2007, entre a A. e a 0000, “foi (…) aceite por todas as partes intervenientes, mesmo que sucessoras nos contratos de permuta e compra e venda, até porque todas as obrigações nascidas do contrato celebrado entre a A. e a 0000 (…) foram reconhecidas e aceites, tanto que estão a ser aplicadas, nomeadamente no que às rendas diz respeito”, sendo que “A única excepção – a tal “aplicação”, como é óbvio – é a celebração do contrato prometido, uma vez que nas escrituras de transmissão da propriedade não vem referido o contrato outorgado com a A.”.


*

Não enferma pois a sentença recorrida das nulidades que lhe são assacadas.

Com improcedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

                                              

II – 2 – Da oportunidade do conhecimento de mérito na sentença recorrida.

1. No despacho saneador de 07-06-2013, a folhas 357-362, havia-se consignado:

“Ora a alegação da Autora constante do seu articulado torna evidente que a mesma radica o petitório no inadimplemento do contrato promessa celebrado com a Ré 0000 em relação ao qual o FII, é res inter alios.

 É o que resulta do disposto no art. 406°/2 do CPC no qual se acha plasmado o princípio da eficácia relativa dos contratos, estipulando que em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei, correspondendo ao brocardo latino res inter alias acta, aliis neque nocet neque prodest.

Ora da alegação constante da petição inicial não emerge factualidade através da qual se possa considerar que o R. se tenha tornado devedor da A. , já que a parte no contrato invocado como causa de pedir é apenas esta e a R. 0000.

Em face do exposto, há que concluir pela ilegitimidade do FII,, absolvendo-se este da instância - arts. 26°, 288°/1/d) e 494°/e) todos do CPC.”.

Interposto recurso de tal despacho, veio a ser proferido por esta Relação o Acórdão de 2014-04-03, a folhas 461-487, no qual, e designadamente, se considerou:

 “Convergindo a recorrente/A. e a recorrente/ré, FBC, quanto a tratar-se esta de questão de que se não poderia conhecer logo no saneador, por isso que alegados foram pela A. factos de que, se provados, decorre a sucessão do R. FII nos direitos e nas obrigações do anterior proprietário do prédio.

E, desde já se adiantará, assiste-lhes razão.

Não sofre crise aferir-se a legitimidade processual das partes – correspondente à titularidade do interesse direto em demandar e em contradizer, respetivamente – em função da posição daquelas na relação jurídica controvertida, tal como ela é configurada pelo autor, cfr. art.º 26º, do Código de Processo Civil de 1961 (sem alterações no art.º 30º do novo Código de Processo Civil).

Ora a A. fundamenta o seu petitório na celebração em 14 de Fevereiro de 2007 de contrato com “a empresa 0000, então proprietária do Palácio… e senhoria da A., por via do qual “acordaram numa série de alterações aos contratos de arrendamento existentes, respeitantes a diversas partes do Palácio…, cessação de uns, alteração das condições contratuais de outros, 17. utilização de outras partes do palácio em regime de comodato, alterações ao valor das rendas, etc.”.

E “18. Nos termos do disposto na Cláusula 4ª do Contrato, a referida 0000 fez uma promessa unilateral de arrendamento à A., relativamente à loja, sita no palácio, com entrada pelos nºs…. 19. da qual era arrendatário, na altura EVA, 20. e onde funcionava o estabelecimento comercial da empresa VIS, 21. obrigando-se a celebrar com a A. novo contrato de arrendamento, 22. e obrigando-se ainda a não transmitir a sua posição de proprietária daquela loja, sem o consentimento prévio da A., a prestar por escrito.

29. Em 29 de Julho de 2008, a A. foi notificada pela empresa 0000 e pelo FBC, este gerido pela empresa Atl, nos termos da carta que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais,

30. de que ambas as empresas iriam fazer uma permuta entre um imóvel de que era proprietário o FBC, e o Palácio…, propriedade da 0000.

31. Mais informaram que, imediatamente após essa permuta, sucessivamente, no mesmo dia, hora e cartório notarial, o FBC venderia o Palácio… ao R. FII, gerido pela R. SGFII.

32. A A. foi, nos termos da mesma carta, notificada para exercer o seu direito de preferência sobre a aquisição,

33. e de que o mesmo implicava, para o (s) adquirente (s) a assunção da posição contratual de senhorio nos contratos de arrendamento existentes, com excepção do contrato de arrendamento da parte do Palácio…correspondente à antiga casa da porteira.

34. Nada mais foi excepcionado na referida comunicação.

50. Facto é que a A. tem uma expectativa legítima e fundada num contrato,

51. o qual foi legitimamente aceite por todas as partes intervenientes, mesmo que sucessoras nos contratos de permuta e compra e venda,

52. até porque todas as obrigações nascidas do contrato celebrado entre a A. e a 0000, segundo foi confirmado à A. pela 0000, foram reconhecidas e aceites,

53. tanto que estão a ser aplicadas, nomeadamente no que às rendas diz respeito.

55. Acresce, ainda, que o negócio feito entre a 0000 e o FBC, e consequentemente com as RR., uma vez que se tratou de um só negócio, embora com actos notariais diferentes, foi-o sempre com o perfeito conhecimento por parte do FBC de que a permuta implicava a transmissão de todas as obrigações que a 0000 tinha para com a A.,

56. tendo os legais representantes da 0000 informado os legais representantes do FBC dessa transmissão das obrigações nascidas do contrato de 14 de Fevereiro de 2007,

57. tendo este facto sido comunicado à A. pelos representantes da 0000.

80. Acontece que a A. está a ser usada pelas RR. um pouco como bola de ping-pong e arma de arremesso: a 0000 diz que transmitiu para SGFII todos os direitos e obrigações nascidas do contrato que celebrou com a A., e que existem documentos que comprovam essa situação (que a A. desconhece, porque não teve intervenção nesses negócios).

81. Por sua vez, a SGFII remete para as escrituras celebradas, nas quais a 0000 não transmite formalmente quaisquer encargos ou obrigações que digam respeito à A..

82. E ambas as RR. se divertem, alegremente, a ver a A. numa situação de desespero, atirando as culpas uma para cima da outra, mas nada resolvendo.

118. A integralidade da propriedade do Palácio… é transmitido por permuta pela proprietária originária a uma empresa terceira, que, por sua vez, e de imediato, transmite essa mesma propriedade por venda ao actual proprietário, o FII, ora Réu.

119. As transmissões da propriedade efectuadas, e referidas no artigo anterior, são-no conjuntamente com as obrigações nascidas do contrato,

120. as quais eram do conhecimento dos adquirentes,

121. que nunca as excepcionaram, segundo o que foi referido à A. pelos legais representantes da R. 0000,

122. nem na altura da celebração dos negócios aquisitivos,

123. nem na altura em que a A. notificou as RR. para a celebração do contrato, assim que teve conhecimento do acórdão que decretou o despejo dos anteriores inquilinos da loja.”.

Neste conspecto – e sendo outra a questão da prova de factos que tais – temos que o FII, adquirente do prédio de que a A. é locatária, e sucessor na posição de locador, relativamente aos contratos de locação celebrados com a A. tendo como objeto espaços do prédio respetivo, aceitou todas as obrigações emergentes do contrato de 14 de Fevereiro de 2007, e assim, designadamente, a da “promessa unilateral de arrendamento”, consignada na cláusula 4ª daquele.

E, deste modo, para lá de tal cláusula 4ª não respeitar diretamente à economia de qualquer um dos contratos de arrendamento vigentes, em que a A. é locatária.

Mas sendo também evidente – o que aliás resulta marginal, perante o alegado “reconhecimento e aceitação” "por todas as partes intervenientes, mesmo que sucessoras nos contratos de permuta e compra e venda”, de “todas as obrigações nascidas do contrato celebrado entre a A. e a 0000” – que a inserção da sobredita cláusula surge como estruturante do equilíbrio negocial então alcançado, que passou pela revogação do contrato de arrendamento “mencionado no considerando b1 supra”, pela redução do “objecto do contrato de arrendamento mencionado no Considerando b2 supra”, e pela prorrogação da “duração do contrato de arrendamento mencionado no Considerando b3”vd. cláusula 1ªcom redefinição de renda quanto àqueles dois subsistentes contratos de arrendamento, cfr. cláusula 3ª.

Sendo assim pois sem necessidade de discorrer quanto à natureza do contrato de locação, de que parte da doutrina – em especial Oliveira Ascensão e, numa primeira fase, Menezes Cordeiro – tem defendido decorrer para o locatário um direito real de gozo, enquanto para a doutrina tradicional maioritária, e jurisprudência uniforme - o direito do locatário tem natureza meramente creditícia.

Não pode pois recusar-se legitimidade passiva ao “FII”, assim sujeito da relação material controvertida, configurada pela A.”.

2. Sendo determinado naquele acórdão e como visto já, que a ação, “se a tanto nada mais obstar”, prosseguisse termos, contra aquele Fundo, subsistindo, no mais, a decisão recorrida.”.

Resultando meridiano que apenas poderia obstar ao prosseguimento da ação, circunstância que não houvesse sido assim ponderada no mesmo Acórdão.

Pois bem:

Regressados os autos à 1ª instância, e sem que ali tenha tido lugar qualquer produção de prova, veio a ser proferida a decisão ora em recurso, na qual – e repetindo em parte o que se assinalou já supra, em sede de nulidades de sentença – se considerou:

“Na situação dos autos, o réu adquiriu o direito real de propriedade do Palácio…e, nessa qualidade, tornou-se o senhorio da autora, por transmissão da posição de locador relativamente às partes de que esta já era arrendatária.

Não se vislumbra, porém, que a promessa unilateral de arrendamento da loja identificada contraída pelo primitivo locador dos demais espaços cedidos à autora, seja de algum modo conexa ou acessória do direito de propriedade do réu, que nem sequer existia nem estava constituído á data em que foi constituído. Não há qualquer espécie de afinidade ou similitude entre a promessa de arrendar e os encargos contraídos em função do exercício de um direito real de propriedade, quer na perspetiva da função económica como relativamente a essência.

Aliás, dada a natureza do contrato prometido, a obrigação de ceder a um terceiro a fruição e o gozo temporário de um imóvel este indissociavelmente ligada a pessoa que é titular desse direito (real), e não se transmite indiretamente ou por inerência, salvo a vontade expressa idas partes, sue não se verificou.

Na verdade, a autora não alega que a empresa 0000 transmitiu a sua promessa unilateral de arrendamento ao FBC, que por seu turno a teria transmitido ao atual FII, réu, e que seria a única forma de operar a cessão da posição contratual de forma válida, nos termos do artigo 424° n° 1 do C.C. Repare-se que a autora foi notificada para exercer o direito de preferência unicamente no que diz respeito às partes do Palácio que já ocupava. E aliás ela mesma declara expressamente que o Fundo réu não aceitou vincular-se à obrigação de celebrar o contrato prometido.

É também claro da declaração negocial emitida na cláusula 4ª do contrato celebrado com a empresa 0000, que o Fundo réu, enquanto terceiro adquirente, só estaria vinculado à promessa de arrendamento se a tivesse assumido, conforme aliás é salientado pelo mesmo (nas alegações antecedentes).

A conclusão a retirar é a de que a autora ficou apenas com uma expetativa de que a promessa seria cumprida, que na sua versão lhe foi garantida quer pela empresa 0000, como pelo FBC, mas não pelo réu nesta ação, que não a contraiu, não a aceitou (de forma expressa ou tácita) e não pode, em consequência, de forma compulsiva, ser forçado a concretizá-la.”.

Concluindo, reitera-se, que “Considerando a factualidade alegada pela autora, ainda que se prove integralmente, o pedido é manifestamente improcedente pelos motivos enunciados.”.

Como é bom de ver, a sentença recorrida, “transitando” da inicial afirmação da ilegitimidade processual do Réu FII, para a “manifesta improcedência” do pedido, reproduz quanto a esta, no essencial – e para lá das inexatidões já referenciadas, vd. II – 1 – 4. – o fundamento anteriormente encontrado para concluir pela ausência do referido pressuposto processual relativo às partes.

Assim afrontando os fundamentos do Acórdão desta Relação, de 2014-04-03, a folhas 461-487 – transitado em julgado – que, descartando expressamente o percurso discursivo do despacho então recorrido, julgou o FII, parte legítima e determinou o prosseguimento dos autos, em vista da necessidade de apurar matéria de facto controvertida.

3. Ora, como é sabido, o caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão – transitada em julgado, cfr. art.º 677º, do anterior Código de Processo Civil e 628º do novo Código de Processo Civil – por qualquer tribunal, incluído aquele que a proferiu.

Podendo ser formal ou material, consoante o âmbito da sua eficácia.

Assim, o primeiro, só tem um valor intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida, cfr. art.º 672º, do anterior Código, a que corresponde o artigo 620º do atual Código de Processo Civil.

Já o caso julgado material, além dessa eficácia intraprocessual, é suscetível de valer num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada, cfr. art.º 671º, n.º 1, do anterior Código de Processo Civil/artigo 619º, n.º 1 do novo Código de Processo Civil.

Correspondendo o caso julgado, e nas palavras de Teixeira de Sousa,[4] a “uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir.”.

Abrangendo o caso julgado a parte decisória da decisão, mas por que aquela é a conclusão extraída dos seus fundamentos – cfr. art.ºs 659º, n.º 2, in fine, e 713º, n.º 2, do Código de 1961, e 607º, n.º 3 e 663º, n.º 2, do novo Código – o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.[5]

E “o caso julgado também possui um valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada (…)

Além disso, está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada”.[6]

Nesta linha, a jurisprudência tem, de forma sistemática, reiterado o entendimento de que são abrangidas pelo caso julgado as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença (ou do despacho).

E, assim, v. g. o Supremo Tribunal de Justiça, nos seus Acórdãos de 29-06-1976,[7] com anotação concordante de Vaz Serra, na R.L.J, Ano 110º, pág. 232, e de 09-05-1996.[8]

Tendo-se considerado, no último daqueles arestos, que “Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – que é o problema dos limites objectivos do caso julgado –, temos de reconhecer que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.

Efectivamente, a decisão não é mais nem menos do que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem – precisamente, os fundamentos – e aos quais se refere.”.

Deste modo, “O caso julgado há-de poder ser invocado quando a sua não extensão aos fundamentos possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja susceptível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado (…).[9]

Como assim se verifica, mostrando-se aquela exceção perentória – aliás de conhecimento oficioso, cfr. artigos 577º, alínea i) e 578º, do Código de Processo Civil – substancialmente invocada pela Recorrente nas suas alegações, quando, e designadamente, aponta ter a 1ª instância, “completamente ao contrário do que já foi decidido por este Venerando Tribunal no âmbito do recurso do saneador sentença” voltado “a não ordenar a produção de prova”, concluindo que “A sentença a quo nada mais é que uma cópia do saneador sentença anteriormente proferido, o qual veio a conhecer, sem que fosse ordenada produção de prova, uma ilegitimidade da R., a qual veio a ser revogada por este Venerando Tribunal.”.

4. Mas, isto visto, não pode subsistir a sentença recorrida, que – fazendo tábua rasa do considerado no referido Acórdão desta Relação de 2014-04-03, quanto a estar a legitimidade processual da Ré FII, assegurada perante a factualidade alegada pela A. – julgou de mérito, sem produção de prova relativamente a tal factualidade e equacionando a “manifesta improcedência do pedido”.

Nem se diga que uma coisa é o pressuposto processual legitimidade, envolvendo a titularidade passiva, in casu, da relação material controvertida configurada pela A. e outra a manifesta improcedência, por inconcludência substantiva da pretensão daquela.

Pois – e para além de quanto se deixou dito no sentido do direto afrontamento, na sentença recorrida, dos fundamentos do decidido no anterior acórdão desta Relação, de 2014-04-03 – ponto é que na análise da verificação daquele pressuposto processual, no mesmo acórdão, se equacionou o mérito da ação em função da relação material controvertida configurada pela A.

E assim, designadamente, ao considerar-se – no confronto da afirmação, no despacho então em recurso, de que “da alegação constante da petição inicial não emerge factualidade através da qual se possa considerar que o R. se tenha tornado devedor da A., já que a parte no contrato invocado como causa de pedir é apenas esta e a R. 0000 -” que “Convergindo a recorrente/A. e a recorrente/ré, FBC, quanto a tratar-se esta de questão de que se não poderia conhecer logo no saneador, por isso que alegados foram pela A. factos de que, se provados, decorre a sucessão do R. FII nos direitos e nas obrigações do anterior proprietário do prédio. (decorrentes da cláusula 4ª do contrato de 14-02-2007).

E, desde já se adiantará, assiste-lhes razão.”.

Bem como que “Neste conspecto – e sendo outra a questão da prova de factos que tais – temos que o FII (…) aceitou todas as obrigações emergentes do contrato de 14 de Fevereiro de 2007, e assim, designadamente, a da “promessa unilateral de arrendamento”, consignada na cláusula 4ª daquele.”.

O que de resto em nada transcende o julgamento da questão da legitimidade, e certo que sendo “considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.” – cfr. artigo 30º, n.º 3, do Código de Processo Civil – não se prescinde, na validação daquele pressuposto processual relativo às partes, da verificação da adstrição do Réu à realização da prestação exigida pelo A., nos quadros daquela mesma relação.

Sendo de referir, como curiosidade, que num sistema processual afim, nesta matéria – cfr. artigo 267º do Código de Processo Civil Brasileiro – refere Cristina Nunes Flores que, não obstante a solução consagrada no direito positivo, doutrinariamente não é possível analisar a legitimidade, uma das “condições da ação”, “sem que se tome parte na demanda, ou seja, quando se está verificando a existência ou não destas condições, de fato, está-se analisando a própria relação jurídica de direito material, o que acarreta a análise do meritum causae, a despeito do que dispõe nosso direito positivo..[10]


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Mal andou pois o senhor juiz a quo, impondo-se a revogação da sentença recorrida.

Com procedência, neste segmento, das conclusões da Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente, e revogam a sentença recorrida, devendo o processo seguir seus termos na 1ª instância, na conformidade do já definido no Acórdão desta Relação de folhas 461-487, e agora reiterado.

Custas pelo Recorrido, que, tendo contra-alegado, decaiu.


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Lisboa, 2016-01-21

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

(Maria Teresa Albuquerque)

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[1] In “Direito Processual Civil”, Vol. III, Ed. da AFDL, 1974, pág. 
[2] In “Manual de Processo Civil”, 2ª Ed. (Reimpressão), Coimbra Editora, 2004, pág. 259.
[3] Apud José Lebre de Freitas . A. Montalvão Machado . Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág.670.
[4] In “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 568.
[5] Teixeira de Sousa, in op. cit., págs. 578, 579.
[6] Idem, pág. 579.
[7] In B. M. J. 258º, 220.
[8] In CJAcSTJ, Ano IV, tomo II, págs. 55-58.
[9] Assim, Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 322.
[10]In http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8449