Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3215/22.7YRLSB-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: ANULAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: AÇÃO DE ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - “A certificação exigida – pelo art. 46/2 da LAV - é a certificação, por entidade legalmente habilitada para o efeito, de que a cópia utilizada corresponde ao exemplar que foi notificado às partes pelo tribunal arbitral”;
II – Para o termo do prazo global, incluindo prorrogações, para a conclusão da arbitragem e, por isso, para a anulação da sentença arbitral por falta de cumprimento desse prazo (art. 46/3-a/vii da LAV), o que importa é o momento em que a carta para notificação da sentença foi expedida pelo correio para as partes. Já para a contagem do prazo para a apresentação da impugnação da sentença o que importa é o momento em que a notificação se considera realizada depois da recepção da carta.
III – Viola o dever de revelação, o árbitro que não dá a conhecer que (i) a sociedade de advogados de que é sócio tinha como sua key cliente, num ano em que a arbitragem ainda estava a decorrer, a sociedade que é autora no processo de arbitragem; e (ii) aquela sociedade de advogados assessorou e patrocinou uma operação de venda das sucursais dessa sociedade que atingiu o montante global de 33 milhões de euros, com a assinatura da venda em Outubro 2020, isto é, durante o decurso do processo arbitral. E isto apesar de no processo terem sido revelados factos que mostram vínculos muito menos significativos com tal sociedade por todos os três árbitros.
IV – O não cumprimento do dever de revelação, conjugado com a falta de independência (isto é, quando no “incumprimento se manifestem circunstâncias donde se possam extrair indícios que permitam, objectivamente, fundar um juízo de afectação da independência e imparcialidade”), pode levar à anulação da sentença arbitral, com base, pelo menos, no art. 46/3(a/iv) da LAV (fundamento relativo à composição do tribunal).
V – O requisito de a desconformidade ter influência decisiva na resolução do litígio – parte final do art. 46/3(a/iv) da LAV - “deve ser entendido no sentido de se tratar de uma influência apenas potencial ou possível na decisão final”, isto é, a violação deve relevar quando, sem ela, “a resolução do litígio poderia, possível ou conjecturalmente – nem sequer verosimilmente -, ter sido (algo) diferente, não sendo necessário demonstrar que” a mesma teve “efectiva e decisivamente influência na decisão”. E se “o que se pretende questionar é a composição do tribunal arbitral, o preenchimento do requisito […] torna-se muito mais fácil, visto que será muito difícil negar a ‘influência decisiva na resolução do litígio’ que teria o facto de o tribunal ser eventualmente composto por outras pessoas.” 
VI – Não é a parte que pretenda exercer o direito à anulação da sentença arbitral que tem de alegar e provar a data em que teve conhecimento dos factos base de tal pretensão, ou seja, não é ela que tem de alegar e provar que só depois da sentença arbitral é que teve conhecimento da violação do dever de revelação, isto é, a superveniência subjectiva das circunstâncias fundamentadoras do pedido de anulação. É antes à parte contrária que cabe o ónus da alegação e prova dos factos contrários como resulta dos arts. 342/2 e  343/2 do CC.
VII - “O padrão a seguir na fundamentação [da sentença arbitral] é o da inteligibilidade da decisão, ou seja, que as partes tenham a possibilidade de conseguir compreender o leitmotiv em que se ancorou a decisão do tribunal arbitral. Consequentemente, haverá vício de fundamentação da sentença quando não seja possível, atendendo ao texto apresentado pelo tribunal, compreender o que motivou a decisão do tribunal.”
VIII - “Não se considera […] como preenchido o requisito da fundamentação da sentença quando exista uma motivação da sentença em termos contraditórios ou na qual se não justifique, ou seja omissa sobre o que fundou a convicção dos árbitros sobre um facto estar ou não provado.”
IX – Não vale como fundamentação aquela que consiste na menção dos concretos meios de prova em que a convicção assentou, ou na pura remessa para eles ou para um qualquer local que os mencione, sem que o tribunal explique como é que formou a sua convicção com tais meios de prova.    As alegações finais das partes (depois da produção da prova), sem mais nada, são apenas opiniões que elas expressam sobre a prova produzida em julgamento, não são meios de prova, nem modo de explicar como se formou a convicção do tribunal com base em tais meios de prova.
X - E tal é fundamento de anulação da sentença arbitral: art. 46/3(a/vi) da LAV, porque diz respeito a um conjunto de factos essenciais para a decisão de Direito tomada pelo tribunal arbitral.
XI – Sendo formulados pelas partes pedidos de reconhecimento e declaração da licitude e de ilicitude da resolução do contrato operada por uma das partes, se o Tribunal Arbitral declara expressamente na decisão da sentença arbitral que em consequência da extinção do contrato com um outro fundamento, fica prejudicado o conhecimento daqueles pedidos, mas o outro fundamento é posterior àquela resolução, verifica-se o fundamento de anulação da sentença arbitral previsto no art. 46/3(a/v) da LAV – por ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
XII – Parte da doutrina e jurisprudência têm falado de um fundamento autónomo extintivo do contrato, consistente na impossibilidade superveniente derivada de um incumprimento bilateralmente imputável, enquadrado por outra parte da doutrina, eventualmente, na caducidade ou na revogação do contrato, e por outra ainda como situação a ter em conta nas consequências da extinção do contrato por resolução. Pelo que, tendo uma das partes alegado factos e formulado pedido que podem ser enquadrados em tal fundamento resolutivo, ao abrigo da possibilidade que lhe dava o compromisso arbitral, de redefinição do objecto do litígio aquando dos articulados, o Tribunal Arbitral pode decidir a questão com base em tal fundamento, sem que com isso esteja a violar o compromisso arbitral e, por isso, não se verifica o fundamento de anulação da sentença arbitral previsto no art. 46/3(a/iii) da LAV.
XIII - “O pedido […] há-de ser expressamente deduzido na conclusão, não bastando que apareça acidentalmente referido na narração […]; mas tal não obsta a que o pedido seja expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, como sentido da declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime quando o réu o haja entendido correctamente.” Como é este o caso, não se verifica o fundamento de anulação da sentença arbitral previsto no art. 46/3(a/v) da LAV.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

C-SA intentou a presente acção contra S-SA, pedindo que se anule a sentença arbitral que foi proferida no processo que correu termos entre elas.
Invoca para tal dez fundamentos (que à frente serão encabeçados com ((*)) para funcionar como marcações) de anulação que se passam a analisar sequencialmente (depois de uma questão prévia), tendo-se em conta a contestação da S, o parecer jurídico junto por esta e a resposta da C.
*   
Questão prévia
Antes ainda diga-se que como a S não impugnou a exactidão da fotocópia certificada da sentença arbitral (tirada da cópia recebida pela C), exigindo o confronto com o original da sentença arbitral, não seria necessário determinar a junção de cópia certificada da sentença arbitral emitida pelo secretariado do tribunal arbitral (a entender-se que tal necessidade decorreria do art. 46/2 da Lei da Arbitragem Voluntária), dado que aquela fotocópia certificada faz prova plena da sentença arbitral (artigos 384-385 do Código Civil).
De qualquer modo, ao contrário do que defende a S, o artigo 46/2 da LAV não impõe que a certificação seja feita pela entidade emitente da sentença – neste sentido, por exemplo, quer a LAV anotada da Associação Portuguesas de Arbitragem, 4.ª edição, 2019, Almedina, pág. 166: “A certificação exigida é a certificação, por entidade legalmente habilitada para o efeito, de que a cópia utilizada corresponde ao exemplar que foi notificado às partes pelo tribunal arbitral”; no mesmo sentido, Sara Nazaré, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, 2021/III-IV, A acção de anulação na LAV 2011 (e a sua duvidosa conjugação com o recurso da decisão arbitral): algumas notas práticas, páginas 828-831, espec. 830: “Os termos simplistas com que a LAV regula a necessidade de a cópia da decisão arbitral ser certificada parece sugerir que tal certificação possa ser executada por qualquer pessoa que, nos termos da lei notarial, tenha competência para emitir certificações de cópias. referimo-nos, portanto, não apenas aos notários, mas também aos advogados [neste sentido, Manuel Pereira Barrocas, Lei de Arbitragem Comentada, Almedina, Coimbra, 2013, p. 170, Dário Moura Vicente (coord.), op. cit., p. 123, e Marta Alves Vieira, A competência dos tribunais estaduais na Arbitragem — Anotação ao Artigo 59.º da LAV, obra inédita, p. 37.].”    
Deixe-se registado que a S apresentou para junção aos autos certidão do despacho de 31/10/2022 do tribunal arbitral que rectificou e esclareceu a sentença arbitral e que faz parte integrante da sentença arbitral.
((I))
Da caducidade do processo arbitral nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, da Lei da arbitragem voluntária
A fundamentação da C é a seguinte:
264. Conforme se retira da cláusula quarta, número 1 do compromisso arbitral, as partes acordaram em sujeitar o processo arbitral às regras do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa de 2014, “com as únicas derrogações estipuladas nas cláusulas seguintes” (cfr. doc. n.º 34, que se junta e se dá por integralmente reproduzido.)
265. No que concerne aos prazos para proferir a sentença e para a conclusão da arbitragem, importa atender ao disposto no artigo 33.º, n.º 4, do Regulamento do CAC 2014 que determina que “O prazo global para conclusão da arbitragem é de um ano, a contar da data em que o tribunal arbitral se considere constituído”. 266. No caso em apreço, uma vez que as partes celebraram o compromisso arbitral a 26/02/2019 e que, pela mesma via, promoveram a constituição do Tribunal Arbitral, deverá ser esta a data considerada para efeitos da constituição do Tribunal Arbitral (cfr. resulta do despacho de 27/01/2020, que se junta como doc.35).
267. No entanto, e fazendo uso do poder que lhe era conferido por via da cláusula sexta, n.º 4, do compromisso arbitral, o Tribunal Arbitral prorrogou sucessivamente o prazo global para a conclusão da arbitragem, por via dos despachos proferidos a 27/01/2020, 16/09/2020 e 23/02/2022, passando o seu termo para o dia 15/07/2022 (junto como docs. 35, 36 e 37, respectivamente).
268. Sucede que, não obstante a sentença arbitral ter sido proferida e enviada às partes no referido dia 15/07/2022 (cfr. email do Tribunal Arbitral junto como doc.38), e nos termos do acordado entre as partes no compromisso arbitral, a notificação da sentença arbitral sempre terá que ser considerada extemporânea.
269. É que, ao contrário do que ficou estipulado na cláusula quinta, n.º 3, do compromisso arbitral, a respeito da notificação das peças remetidas pelas partes por correio postal ou electrónico, que se consideram “recebidas na data da respectiva expedição”,
270. As partes acordaram expressamente, no n.º 5 da referida cláusula, que “As notificações e demais comunicações dos actos do tribunal arbitral e dos actos do secretariado do Centro de Arbitragem consideram-se efectuadas no dia seguinte ao da sua transmissão electrónica ou no primeiro dia útil seguinte a esse caso não o seja, ou, sendo enviadas por correio registado, no dia seguinte ao da data da respectiva recepção.”
271. Resulta, pois, evidente, que através do n.º 5 da cláusula quinta do compromisso arbitral, as partes quiseram criar um regime distinto para as notificações feitas pelo Tribunal Arbitral daquelas feitas por si e, bem assim, derrogar o disposto no artigo 42.º, n.º 6, da LAV, ao abrigo do princípio da autonomia da vontade que caracteriza o processo arbitral.
272. Não será ainda despiciendo recordar que o Tribunal Arbitral concordou com esta diferenciação, já que o compromisso arbitral é assinado pelas partes e pelos Senhores árbitros a 26/02/2019 – i.e., já após a constituição do Tribunal Arbitral.
273. Assim, e atendendo ao acordo das partes plasmado no compromisso arbitral – e, recorde-se, aceite pelo Tribunal Arbitral -, a notificação às partes da sentença arbitral considera-se efectuada, para todos os efeitos legais, no dia 18/07/2022 – 3 dias após o termo do prazo global para a conclusão da arbitragem.
274. Ora, dispõe o artigo 43.º, n.º 3, da LAV que: “A falta de notificação da sentença final dentro do prazo máximo determinado de acordo com os números anteriores do presente artigo, põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido, sem prejuízo de a convenção de arbitragem manter a sua eficácia, nomeadamente para efeito de com base nela ser constituído novo tribunal arbitral e ter início nova arbitragem.”
275. Donde se retira que “o decurso do prazo para a conclusão da arbitragem sem que a decisão arbitral seja proferida e notificada às partes, determina a caducidade da arbitragem e a extinção automática do processo e do poder jurisdicional/ /competência dos árbitros” (conferir acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/01/2022, processo número 177/21.1YRGMR).
276. Assim, não restará ao TRL(isboa) outra opção que não a anulação da sentença ora em crise ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a/vii da LAV porquanto foi notificada às partes após o termo do prazo máximo previsto para o efeito nos termos do artigo 43.º da LAV.
277. Uma interpretação dos artigos 43.º, n.º 3 e 46.º, n.º 3, alínea a), vii) da LAV que reconheça a validade de uma sentença notificada às Partes após o prazo máximo convencionado por aquelas é materialmente inconstitucional por violação do disposto no Artigos 209.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa, porquanto se encontra automaticamente extinto o processo arbitral e o próprio poder jurisdicional dos árbitros, que lhes é concedido pelas Partes por via e nos estreitos limites do Compromisso Arbitral.
A S contra-argumenta o seguinte:
42.º É incontroverso entre as Partes que o prazo global para a conclusão da arbitragem terminava no dia 15/07/2022, assim como é incontroverso que a sentença foi emitida no referido dia 15/07/2022 e remetida às Partes nesse mesmo dia pelo secretariado do Centro de Arbitragem Comercial.
43.º Diz, contudo, a C que “não obstante a Sentença Arbitral ter sido proferida e enviada às Partes no referido dia 15/07/2022, e nos termos do acordado entre as Partes no Compromisso Arbitral, a notificação da Sentença Arbitral sempre terá que ser considerada extemporânea” (cfr. artigo 269.º da petição inicial).
44.º A razão da alegada extemporaneidade prende-se com o disposto na cláusula 5.º, n.º 5, do compromisso arbitral que dispõe que “As notificações e demais comunicações dos actos do tribunal arbitral (…) consideram-se efectuadas no dia seguinte ao da sua transmissão electrónica ou no primeiro dia útil seguinte a esse caso não o seja.” (cfr. compromisso arbitral celebrado entre as Partes - documentos n.ºs 16 a 18 juntos com a petição inicial).
45.º Consideremos, em primeiro lugar, os factos relevantes.
46.º Ainda que seja incontroverso que a sentença arbitral impugnada foi emitida e remetida às Partes no dia 15/07/2022, é importante ter presente que a mesma foi remetida por correio electrónico pelo Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, às 17 horas e 48 minutos,
47.º Tendo o referido Secretariado do Centro de Arbitragem confirmado que a entrega aos Mandatários da C ocorreu de imediato, isto é, no dia 15/07/2022, às 17 horas e 48 minutos,
48.º E que o mesmo foi lido pela Mandatária da C, nesse mesmo dia 15/07/2022, às 17 horas e 51 minutos, isto é, dois minutos após o seu envio e recepção, tudo conforme certidão emitida pelo referido Secretariado do Centro de Arbitragem que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido (Documento n.º 3).
49.º A C teve, pois, conhecimento do teor da sentença arbitral impugnada antes de decorrido o prazo global para a conclusão da arbitragem.
50.º Esta circunstância, por si só, é suficiente para julgar totalmente improcedente o pedido de anulação da sentença arbitral com o referido fundamento, desde logo por o mesmo se revelar manifestamente abusivo.
51.º Com efeito, a C pretende ver anulada uma sentença arbitral por, segundo diz, ter sido notificada da mesma no dia 18/07/2022, quando, na verdade, tomou conhecimento do seu teor no dia 15/07/2022.
52.º Há, indiscutivelmente, uma manifesta contradição entre o que a C afirma ter ocorrido – ter sido notificada no dia 18/07/2022 – e o que efectivamente ocorreu – tomar conhecimento do teor da sentença em 15/07/2022,
53.º O que, no caso concreto, define bem o conceito do abuso invocado, pois seria apoditicamente injusto anular uma decisão arbitral que foi conhecida pelas partes antes de concluído o prazo para a conclusão de uma arbitragem com fundamento em que a mesma foi notificada a essas mesmas partes após o decurso do prazo de conclusão dessa arbitragem.
54.º Há, na verdade, uma contradição, um desequilíbrio manifesto e intolerável no exercício de uma posição jurídica.
55.º A alegação choca qualquer sentimento de justiça por menor que ele seja, precisamente por que encerra uma forma de exercício deletério de uma posição jurídica que o Direito não tolera – não pode tolerar.
56.º Sem prejuízo, não é verdade que a notificação da sentença arbitral tenha ocorrido após o decurso do prazo para conclusão da arbitragem.
57.º Com efeito, quando a LAV estabelece como fundamento de anulação da sentença arbitral a sua notificação após decorrido o prazo máximo para concluir a arbitragem, refere-se ao envio ou à remessa da mesma às partes pelo tribunal arbitral, independentemente da data em que a sentença chega ao efectivo conhecimento das partes ou da data em que se deva considerar recebida pelas partes.
58.º Dispõe o artigo 42.º, n.º 6, da LAV, sobre a forma, conteúdo e eficácia da sentença, que “Proferida a sentença, a mesma é imediatamente notificada através do envio a cada uma das partes de um exemplar assinado pelo árbitro ou árbitros, nos termos do disposto no n.º 1 do presente artigo, produzindo efeitos na data dessa notificação (…)”.
59.º A LAV considera, assim, expressamente, que a notificação da sentença se opera pelo seu envio às partes, independentemente da data em que a sentença é efectivamente recebida pelas partes ou da data em que se deva considerar recebida pelas partes.
60.º Como refere ROBIN DE ANDRADE em comentário à referida norma, “As fontes são a LAV de 1986, artigo 23.º, nº 4, e a Lei Alemã (§ 1057¨, n.º 1). Através deste número define-se o momento em que a sentença arbitral ganha eficácia jurídica, fazendo-a coincidir com a notificação. Por outro lado, definiu-se a notificação como o envio ou comunicação a cada uma das partes do exemplar da sentença assinado. O facto relevante é o envio para o endereço indicado no processo arbitral, e não a efectiva prova do seu recebimento, que pode até não ocorrer por vontade da parte que recuse a sua recepção” (cfr. Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 4.ª Edição, Revista e Atualizada, 2019, Almedina, página 151).
61.º Claro que a notificação pode ser objecto de regulação especial pelas partes ou pelo regulamento da instituição arbitral que rege a arbitragem, que serão sempre aplicáveis, mas que, ainda assim, não afastam a circunstância de a lei fazer coincidir a notificação da sentença arbitral com o seu envio, independentemente do momento em que a mesma se deve considerar efectuada para efeitos do exercício dos direitos das partes decorrentes da notificação dessa sentença.
62.º Também no comentário à LAV sob coordenação de MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, no capítulo dedicado à notificação da sentença, se defende que “Estando a sentença formalmente perfeita, escrita, assinada, datada e localizada, ela é imediatamente notificada a todas as partes através do envio simultâneo a cada uma de um exemplar – dando-se o prazo para a sua emissão como cumprido se tais notificações foram enviadas antes de ele se exaurir (art. 43.º)” (cfr. Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, Coordenação Mário Esteves de Oliveira, Colecção Vieira de Almeida, páginas 505 e 506).
63.º Idêntico entendimento é defendido por MENEZES CORDEIRO quando refere que “Pronta a decisão, devidamente completada, datada e assinada, deve a mesma ser notificada a cada uma das partes. A notificação deve fazer-se tão cedo quanto possível, de modo a observar o prazo do 43.º/1 ou qualquer outro que tenha sido fixado. Este tem-se por observado se o envio for efectuado antes de ele expirar: é a teoria do envio, por oposição à da recepção em vigor no Código Civil” (António Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, Comentário à Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, Almedina, página 406.)
64.º Em conclusão, nos termos da lei (artigo 42.º, n.º 6, da LAV), a notificação da sentença arbitral ocorre com o seu envio às partes, definição que deve ser tida em conta no apuramento da verificação ou não do fundamento de anulação da sentença arbitral constante do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), vii) da mesma lei, quando dispõe que a sentença arbitral pode ser anulada se “A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com o artigo 43º”,
65.º Com efeito, a “notificação” a que a LAV se refere no seu artigo 46.º para efeito de anulação da sentença arbitral não é – não pode ser – distinta da “notificação” que define no seu artigo 42.º.
66.º Pelo que a sentença arbitral apenas é suscetível de ser anulada no caso de ter sido enviada às partes após decorrido o prazo global para a conclusão da arbitragem, o que não se verificou in casu.
67.º O que antecede não afasta ou afecta, naturalmente, a validade e eficácia da disposição constante do compromisso arbitral celebrado entre as Partes que regulou, entre outras matérias, as notificações dos actos do tribunal, designadamente sobre quando as mesmas devem considerar-se efectuadas naquele específico processo arbitral,
68.º Ou, dito de outro modo, qual o momento a partir do qual essas notificações produzem os seus efeitos, que não tem de coincidir com o momento em que são efectuadas (e que é definido, como vimos, nos termos da lei).
69.º Como refere RUI PINTO DUARTE “Parece-me que um intérprete razoável do n.º 5 da cláusula quinta do compromisso arbitral, conhecedor das regras do CPC em matéria de notificações – que, sem dúvida, inspiraram a estipulação – terá de lhe atribuir um alcance equivalente ao dessas regras legais” (cfr. Parecer junto com a presente Contestação, página 11).
70.º Acrescentando, “As Partes no compromisso arbitral, patentemente assessoradas por advogados, que, de resto, subscreveram também o documento (v., na sua última página, a identificação dos dois últimos signatários), quiserem definir datas de eficácia das «notificações e demais comunicações dos actos do tribunal arbitral e dos actos do secretariado do Centro de Arbitragem», diferente das datas reais de recebimento dessas notificações e comunicações, certamente por elas lhes «abrirem prazos» para a prática de actos processuais, designadamente os quatro articulados referidos no n.º 1 da mesma cláusula quinta.” (14 Ibidem, página 11).
71.º Parece, pois, evidente, por tudo quanto antecede, dever concluir-se que a notificação da sentença arbitral foi efectuada no dia 15/07/2022, dentro do prazo global para concluir a arbitragem, sem prejuízo de os seus efeitos – os efeitos que decorrem da sua notificação – apenas se produzirem a partir da data do primeiro dia útil seguinte ao da sua expedição, à semelhança do que acontece com as notificações em processos judicias que são expedidas numa determinada data e os seus efeitos apenas se verificam três dias úteis a contar da data da sua expedição (ou elaboração, como é designada).
72.º A terminar, uma nota que se impõe sobre o verdadeiro entendimento que a C tem sobre o momento em que se considera notificada das decisões tomadas pelo Tribunal Arbitral.
73.º Como se referiu anteriormente, a C requereu a rectificação da sentença arbitral por requerimento de 30/09/2022.
74.º O Tribunal Arbitral tomou uma decisão sobre o requerimento da C de rectificação da sentença arbitral no dia 30/10/2002, tendo notificado a mesma às Partes por correio electrónico do dia 31/10 às 22h11 (cfr. documento n.º 2 junto com esta contestação)
75.º A presente acção foi proposta nesse mesmo dia 31/10/2022, às 23h16, isto é, cerca de uma hora após a notificação do despacho de rectificação e esclarecimentos prestados pelo Tribunal Arbitral.
76.º Nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 6, da LAV “O pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento nos termos do artigo 45.º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento”.
77.º Se a C considerasse, na verdade, como diz, que a notificação dos actos do tribunal se efectiva no primeiro dia útil seguinte ao do seu envio, então teria forçosamente de concluir que a presente acção especial de anulação seria extemporânea, porque proposta antes do momento em que a lei permite fazê-lo, isto é, nos 60 dias após a notificação da decisão tomada pelo tribunal arbitral sobre o pedido de rectificação da sentença arbitral.
78.º É, pois, evidente que a C sempre se considerou notificada das decisões do Tribunal Arbitral na data da sua expedição, e com a sua recepção, o que contraria frontalmente o que de forma abusiva vem agora alegar.
*
Os factos ((I)) que interessam à decisão deste fundamento de anulação são os seguintes:
As partes celebraram o compromisso arbitral a 26/02/2019 e, pela mesma via, promoveram a constituição do Tribunal Arbitral (provado pelos docs. 21, 34 e 35 juntos com a PI, não impugnados).
Os árbitros assinaram o compromisso arbitral a 26/02/2019 (provado pelos docs. 21, 34 e 35 juntos com a PI, não impugnados).
O Tribunal Arbitral prorrogou sucessivamente o prazo global para a conclusão da arbitragem, por via dos despachos proferidos a 27/01/2020, 16/09/2020 e 23/02/2022, passando o seu termo para o dia 15/07/2022 (provado pelos docs. n.ºs 35, 36 e 37 juntos com a PI, não impugnados).
A sentença arbitral foi proferida no dia 15/07/2022 e remetida às partes nesse mesmo dia, por correio electrónico das 17h48, pelo secretariado do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (provado pelo doc. 38 junto com a PI não impugnado).
Às 17h48 o servidor do envio do email da CAC confirma a sua entrega no endereço electrónico dos mandatários da C (provado pelo doc. 3 junto com a contestação, não impugnado).
Às 17h51 foi enviado um email do endereço electrónico da mandatária da C a acusar a leitura do email da CAC (provado pelo doc. 3 junto com a contestação, não impugnado).
A 30/09/2022, a C requereu a rectificação da sentença arbitral (provado pelo doc. 1 junto com a contestação, não impugnado).
O presidente do Tribunal Arbitral proferiu despacho sobre tal requerimento no dia 30/10/2022, tendo tal despacho sido enviado às partes por correio electrónico do dia 31/10/2022 às 22h11 (provado pelo doc. 2 junto com a contestação, não impugnado).
A presente acção foi proposta no dia 31/10/2022, às 23h16 (provado pelo formulário da PI não impugnado).
Das normas aplicáveis a esta questão (e a outras, para não se estarem a repetir mais à frente):
As normas da LAV:
Artigo 42 - Forma, conteúdo e eficácia da sentença
6 - Proferida a sentença, a mesma é imediatamente notificada através do envio a cada uma das partes de um exemplar assinado pelo árbitro ou árbitros, nos termos do disposto n.º 1 do presente artigo, produzindo efeitos na data dessa notificação, sem prejuízo do disposto no n.º 7.
7 - A sentença arbitral de que não caiba recurso e que já não seja susceptível de alteração no termos do artigo 45.º tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual.
Artigo 43 - Prazo para proferir sentença
1 - Salvo se as partes, até à aceitação do primeiro árbitro, tiverem acordado prazo diferente, os árbitros devem notificar às partes a sentença final proferida sobre o litígio que por elas lhes foi submetido dentro do prazo de 12 meses a contar da data de aceitação do último árbitro.
2 - Os prazos definidos de acordo com o n.º 1 podem ser livremente prorrogados por acordo das partes ou, em alternativa, por decisão do tribunal arbitral, por uma ou mais vezes, por sucessivos períodos de 12 meses, devendo tais prorrogações ser devidamente fundamentadas. Fica, porém, ressalvada a possibilidade de as partes, de comum acordo, se oporem à prorrogação.
3 - A falta de notificação da sentença final dentro do prazo máximo determinado de acordo com os números anteriores do presente artigo, põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido, sem prejuízo de a convenção de arbitragem manter a sua eficácia, nomeadamente para efeito de com base nela ser constituído novo tribunal arbitral e ter início nova arbitragem.
[…]
Artigo 45 - Rectificação e esclarecimento da sentença; sentença adicional
1 - A menos que as partes tenham convencionado outro prazo para este efeito, nos 30 dias seguintes à recepção da notificação da sentença arbitral, qualquer das partes pode, notificando disso a outra, requerer ao tribunal arbitral, que rectifique, no texto daquela, qualquer erro de cálculo, erro material ou tipográfico ou qualquer erro de natureza idêntica.
2 - No prazo referido no número anterior, qualquer das partes pode, notificando disso a outra, requerer ao tribunal arbitral que esclareça alguma obscuridade ou ambiguidade da sentença ou dos seus fundamentos.
3 - Se o tribunal arbitral considerar o requerimento justificado, faz a rectificação ou o esclarecimento nos 30 dias seguintes à recepção daquele. O esclarecimento faz parte integrante da sentença.
4 - O tribunal arbitral pode também, por sua iniciativa, nos 30 dias seguintes à data da notificação da sentença, rectificar qualquer erro do tipo referido no n.º 1 do presente artigo.
5 - Salvo convenção das partes em contrário, qualquer das partes pode, notificando disso a outra, requerer ao tribunal arbitral, nos 30 dias seguintes à data em que recebeu a notificação da sentença, que profira uma sentença adicional sobre partes do pedido ou dos pedidos apresentados no decurso do processo arbitral, que não hajam sido decididas na sentença. Se julgar justificado tal requerimento, o tribunal profere a sentença adicional nos 60 dias seguintes à sua apresentação.
6 - O tribunal arbitral pode prolongar, se necessário, o prazo de que dispõe para rectificar, esclarecer ou completar a sentença, nos termos dos n.ºs 1, 2 ou 5 do presente artigo, sem prejuízo da observância do prazo máximo fixado de acordo com o artigo 43.º
7 - O disposto no artigo 42.º aplica-se à rectificação e ao esclarecimento da sentença bem como à sentença adicional.
Artigo 46 - Pedido de anulação
1 - Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo.
2 - O pedido de anulação da sentença arbitral, que deve ser acompanhado de uma cópia certificada da mesma e, se estiver redigida em língua estrangeira, de uma tradução para português, é apresentado no tribunal estadual competente, observando-se as seguintes regras, sem prejuízo do disposto nos demais números do presente artigo:
a) A prova é oferecida com o requerimento;
b) É citada a parte requerida para se opor ao pedido e oferecer prova;
c) É admitido um articulado de resposta do requerente às eventuais excepções;
d) É em seguida produzida a prova a que houver lugar;
e) Segue-se a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações;
f) A acção de anulação entra, para efeitos de distribuição, na 5.ª espécie.
3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:
a) A parte que faz o pedido demonstrar que:
i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei; ou
ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio; ou
iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; ou
iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou
v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou
vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º; ou
vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com o artigo 43.º ; ou
b) O tribunal verificar que:
i) O objecto do litígio não é susceptível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português;
ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.
4 - Se uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições da presente lei que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato ou, se houver prazo para este efeito, nesse prazo, considera-se que renunciou ao direito de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o direito de requerer a anulação da sentença arbitral é irrenunciável.
6 - O pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento no termos do artigo 45.º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento.
7 - Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação.
8 - Quando lhe for pedido que anule uma sentença arbitral, o tribunal estadual competente pode, se o considerar adequado e a pedido de uma das partes, suspender o processo de anulação durante o período de tempo que determinar, em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer outra medida que o tribunal arbitral julgue susceptível de eliminar os fundamentos da anulação.
9 - O tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas.
10 - Salvo se as partes tiverem acordado de modo diferente, com a anulação da sentença a convenção de arbitragem volta a produzir efeitos relativamente ao objecto do litígio.
O Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa de 2014 [doc.34 pi]:
Artigo 33
4 - O prazo global para conclusão da arbitragem é de um ano, a contar da data em que o tribunal arbitral se considere constituído.
Artigo 45 - Citações, notificações e comunicações
1 – A citação, notificações e comunicações são efectuadas por qualquer meio que proporcione prova da recepção, designadamente, por carta registada, entrega por protocolo, telecópia, correio electrónico ou qualquer outro meio electrónico equivalente.
2 – Até à constituição do tribunal arbitral, quando não for possível o envio por meios electrónicos nem a sua apresentação sob forma digitalizada, todas as comunicações são apresentadas no Secretariado em tantos exemplares quantas as contra-partes intervenientes no processo arbitral, acrescidos de um exemplar para cada um dos árbitros e de um exemplar para a Secretaria do Centro de Arbitragem.
3 – Após a constituição do tribunal arbitral, e sem prejuízo das regras fixadas pelo tribunal arbitral, todos os articulados e requerimentos, e os documentos que os acompanhem, bem como as demais comunicações com o tribunal, devem ser transmitidos pelas partes a todos os membros do tribunal arbitral, a todas as partes e ao Secretariado por qualquer dos meios previstos no n.º 1, valendo essas comunicações como notificações.
Artigo 46 - Contagem de prazos
1 – Todos os prazos fixados no Regulamento são contínuos.
2 – A contagem do prazo inicia-se no dia útil seguinte àquele em que se considere recebida a citação, notificações e comunicações, por qualquer dos meios previstos no artigo anterior.
3 – O prazo que termine em sábado, domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
4 – O prazo para a prática de qualquer acto que não se ache previsto no Regulamento nem resulte da vontade das partes é de dez dias, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação pelo Presidente do Centro ou do tribunal arbitral, conforme aplicável.
As cláusulas do compromisso arbitral [doc.21 da pi – está no 16.ª requerimento de 02/11/2022]:
Cláusula Quarta (Regras Processuais)
1. A arbitragem a que se refere o presente compromisso arbitral estará sujeita às regras do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa de 2014, adiante Centro de Arbitragem, com as únicas derrogações estipuladas nas Cláusulas seguintes.
2. O Tribunal Arbitral decidirá o litígio segundo a Lei Portuguesa e as suas decisões são insusceptíveis de recurso.
3. Apenas para efeito da resolução do presente litígio, o presente Compromisso prevalece sobre o previsto de forma diferente na convenção de arbitragem constante da cláusula 36.° do Contrato de Empreitada celebrado entre as Partes.
Cláusula Quinta (Articulados)
1. Serão admitidos quatro articulados, dois para cada uma das partes, apresentados de forma intercalada. O Tribunal Arbitral notificará, através do secretariado do centro de arbitragem, a S para no prazo de 60 dias, a contar da data de recepção dessa notificação, apresentar o requerimento inicial; a C poderá apresentar a sua resposta no prazo de 60 dias; de seguida, a S poderá responder no prazo de 30 dias; e finalmente, a C poderá apresentar a sua nova resposta no prazo de 30 dias.
2. Todos os articulados, requerimentos e documentos devem ser remetidos ao tribunal arbitral por via electrónica para o endereço do secretariado do centro de arbitragem que poderá solicitar o envio das peças processuais e respectivos documentos em suporte de papel.
3. As peças remetidas por correio postal ou electrónico, consideram-se recebidas na data da respectiva expedição.
4. As notificações são feitas presencialmente, ou por correio electrónico, podendo também sê-lo por carta registada.
5. As notificações e demais comunicações dos actos do tribunal arbitral e dos actos do secretariado do Centro de Arbitragem consideram-se efectuadas no dia seguinte ao da sua transmissão electrónica ou no primeiro dia útil seguinte a esse caso não o seja, ou, sendo enviadas por correio registado, no dia seguinte ao da data da respectiva recepção.
Cláusula Sexta (Prazos)
1. Os prazos correm continuamente, não se suspendendo nos sábados, domingos e feriados, não correndo, porém, durante as férias judiciais; se o último dia do prazo ocorrer em sábado, domingo ou dia feriado em Lisboa ou no Funchal, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
2. As notificações feitas em sábado, domingo, dia feriado em Lisboa ou Funchal, ou no período das férias judiciais, consideram-se realizadas no primeiro dia útil seguinte; os actos processuais praticam-se nos dias úteis, a qualquer hora, mas fora do período das férias judiciais.
3. Na falta de disposição em contrário, o prazo supletivo é de 10 dias.
4. Qualquer prazo, nomeadamente o prazo para proferir acórdão arbitral, pode ser prorrogado por deliberação fundamentada do Tribunal.
Apreciação:
Substancialmente, o que importa para a anulação da sentença arbitral, com fundamento na ultrapassagem do prazo global para o termo do processo, é que a sentença não tenha sido proferida até ao termo desse prazo. Se as partes têm a garantia de que a sentença foi proferida até ao termo desse prazo, porque ela foi expedida por correio antes desse termo, não sendo, pois, susceptíveis de manipulação, quer o seu conteúdo quer o momento em que ela foi expedida, o fundamento da anulação não se verifica.
Quando a LAV usa, nos artigos 43/3 e 46/3(a/vii), as expressões ‘a falta de notificação da sentença final dentro do prazo máximo’ ou ‘a sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com o artigo 43’, artigo este que aliás tem a epígrafe de “prazo para proferir sentença”, está a referir-se ao processo de notificação, da expedição da carta para o efeito, não ao momento em que ela (notificação, como resultado/conhecimento) vem a ocorrer de facto, depois da sua recepção pelos destinatários da cartas. Até porque a recepção da carta é um resultado incontrolável pelos árbitros e de momento imprevisível, e, por isso, se outro fosse o entendimento da expressão, a lei estaria a encurtar o prazo para proferir a sentença, que seria de um ano e menos um número indeterminado de dias (o número de dias necessário para, por exemplo, a carta postal chegar ao poder das partes) e esta indeterminação do prazo seria algo inconcebível em qualquer lei. Por isso, quando o art. 43/1 da LAV dispõe que os árbitros devem notificar às partes a sentença final dentro do prazo, quer dizer que devem expedir a carta para notificação até ao termo desse prazo. Daí que, no artigo 45/1, a LAV já fale no momento da ‘recepção da notificação’, revelando que o termo ‘notificação’, nos artigos 43/1, 43/3 e 46/3(a)(vii) não é usado no sentido de recepção, mas sim no de envio da carta que, ela sim, pode ser recebida. Pelo que, dando os árbitros cumprimento àquelas exigências legais, isto é, proferindo a sentença e expedindo a carta para notificação dentro do prazo, não pode estar preenchido o fundamento para a anulação da sentença arbitral consistente no facto de ela ter sido “notificada” depois do prazo para o termo do processo de arbitragem.
Isto, logicamente, não pode prejudicar o prazo para a impugnação das sentenças arbitrais. Por isso, para o início da contagem desse prazo, o que importa é a data em que ocorra a notificação da sentença, isto é, o momento em que a carta para notificação chega ao poder das partes em termos de elas a poderem conhecer. Daí que, como já acima se disse, no artigo 45/1, para a contagem desse prazo, a LAV já fale no momento da ‘recepção da notificação’.
A LAV, para este efeito, tem normas que regulavam a questão (da contagem do prazo para o recurso), mas as partes, para melhor garantia do direito à impugnação, especificaram essas normas. Ou seja, as cláusulas do compromisso arbitral não têm indícios de terem mexido na matéria do prazo para ser proferida sentença ou do termo do processo arbitral, mas apenas na matéria da contagem dos prazos para reagir a actos praticados no processo.
Ou seja, a LAV utiliza o termo notificação de forma imprecisa, umas vezes como processo em que se trata de proceder ao envio de uma carta para notificação [neste sentido, por exemplo, José Robim de Andrade, na LAV anotada da APA, pág. 154, anotação 3 ao art. 143/3 da LAV: “Sendo a falta de notificação a causa da caducidade, deve reconhecer-se que o simples início do processo de notificação da sentença arbitral – a expedição da carta quando a notificação se fizer por carta registada ou por protocolo – baste, para evitar a caducidade. Neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes e Sofia Ribeiro Mendes, Crónica de Jurisprudência, RIAC, 2015, pág. 297”; contra, veja-se a LAV comentada, coordenada por Mário Esteves de Oliveira, pág. 516, em anotação ao mesmo artigo e número: “Note-se que, para estes efeitos, a notificação não se considera feita no 3.º dia posterior ao do registo postal (sendo o último dia um dia útil), mas na data em que efectivamente ocorrer”] e outras no sentido de carta para notificação [por exemplo: recepção da notificação], sendo que o termo ainda tem um outro sentido normal, de resultado de um processo, ou seja, como conhecimento do conteúdo da carta que foi enviada para notificação que, normalmente, por ser de momento incerto, é ficcionado para um momento posterior certo, sendo este que importa para efeitos da contagem do prazo para impugnação da sentença, tendo sido para ele que as partes, por não estar previsto na LAV (que não tem regras correspondentes às dos artigos, por exemplo, 248/1 e 249/1 do CPC), convencionaram regras mais precisas e algo diferentes daquelas que constavam do regulamento aplicável.
Em suma, não se verifica este fundamento de anulação.
Isto não evita que não se esteja de acordo com vários pontos da argumentação das partes:
A S não tem razão em dizer que a C teve conhecimento da sentença arbitral a 15/07/2022, baseada na certificação feita pelo secretariado do tribunal arbitral de que a mandatária da C leu o email com a sentença arbitral nesse mesmo dia.
É que essa certificação está errada: os factos provados, nos quais ela se baseia, não a confirmam: o facto de ter havido um email enviado do endereço electrónico da mandatária da C não quer dizer que esta tenha tomado conhecimento da sentença nem que a sentença tenha sido notificada nesse momento.
Em 2009, quando se começou a utilizar de forma sistemática o citius, discutiu-se muito se se podia ter em conta, para a contagem dos prazos de actos processuais – contestações, oposições, recursos – a leitura que parecia ter sido feita pelos advogados das notificações respectivas quando ocorriam através do citius (sistema electrónico de apoio à actividade dos tribunais, onde os funcionários e os juízes podem ver no histórico electrónico do processo a indicação da hora e da data dessas leituras), ou se o que contava era o que resultava de duas presunções que as normas legais disponham sobre a questão, acabando o regime por ser o mesmo que para as notificações feitas através da via postal.
As normas que nessa altura vigoravam, quanto às notificações pelo sistema informático, eram as seguintes: arts. 21-A/5 da Portaria 114/2008 de 06/02, na redacção que lhe foi dada pela Portaria 1538/2008, de 30/012: “O sistema informático CITIUS assegura a certificação da data de elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil”, e 254/5 do CPC: “A notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição.”
Perante estas normas e apesar daquela discussão, a maior parte da jurisprudência entendeu, normalmente a benefício da validade daqueles actos – de apresentação de contestação, oposições, recursos, etc. – que “uma coisa é a elaboração da notificação electrónica, outra a expedição da notificação e uma terceira a efectivação da notificação. E a única coisa que conta para o começo do prazo é a efectivação da notificação, que se presume feita na data da expedição, que, por sua vez, se presume feita no terceiro dia posterior ao da sua elaboração. E nisto tudo não tem, pois, qualquer relevo a leitura da notificação que entretanto possa ter ocorrido.”
As passagens vêm do acórdão do TRL de 04/10/2012, proc. 1515/11.0TVLSB-B.L1-2, onde se cita vária jurisprudência no mesmo sentido: os acs. do TRL de 23/03/2010, proc. 1479/09.0TJLSB-A.L1-1, do TRL de 19/10/2010, proc. 277/08.3TBSRQ-F.L1-7 [IV – Para esse efeito, de determinação da data de realização da notificação, não releva o momento em que, efectivamente, o mandatário haja procedido à consulta e leitura da decisão notificanda, junto do sistema informático CITIUS.], do TRL de 22/06/2011, proc. 79-B/1994.L1-4 [II- Trata-se uma presunção que apenas pelo notificado pode ser ilidida, provando ele que não foi efectuada a notificação ou que ocorreu em data posterior à presumida, para tanto não servindo o critério da leitura efectiva, por tal desiderato se não encontrar elencado no texto legal.], do TRC de 21/06/2011, proc. 30-D/2002.C1 [2. Perante a presunção legal enunciada, a contagem do prazo para a impugnação do despacho objecto da notificação (ou para a prática de qualquer outro acto que a lei preveja), não pode ficar dependente da averiguação casuística por parte do tribunal, acerca da data em que efectivamente o correio electrónico foi aberto pelo destinatário. 3. Torna-se assim irrelevante a verificação pelo tribunal, da menção inserta no histórico do processo, no sistema citius, de que o destinatário da notificação a leu no mesmo dia em que foi emitida. E no texto do acórdão escreve-se: A questão resume-se a saber se reveste alguma relevância a “leitura” do despacho por parte do destinatário, no dia da expedição da notificação via CITIUS. Se concluirmos pela aplicação às notificações electrónicas, do disposto no n.º 6 do artigo 254.º do CPC, a resposta à questão que enunciámos terá que ser rotundamente negativa. Parece-nos ser esse o entendimento que deve prevalecer. As normas processuais, para além da realização do direito, que o n.º 2 do artigo 2.º do CPC assume como seu escopo essencial, têm uma função de garantia. Ora, face ao disposto no n.º 5 do artigo 21.º-A da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, quando um mandatário forense recebe a notificação electrónica dum despacho, sabe que o prazo de impugnação (ou da prática de qualquer outro acto que a lei preveja), se iniciará decorrido o terceiro dia posterior ao da notificação, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil. Com o devido respeito, não faz qualquer sentido, que a contagem do prazo fique dependente da averiguação por parte do tribunal sobre a data em que efectivamente o correio electrónico foi aberto [em nota acrescenta: Poderá até ter sido aberto por algum funcionário ou colaborador, para tanto habilitado, que se limite a imprimir o despacho para posterior leitura do mandatário.], do TRC de 30/04/2012, proc. 420/11.5TBSRT-A.C1 [1. A notificação ao mandatário por transmissão electrónica presume-se efectuada no 3º dia seguinte ao da sua elaboração no sistema informático CITIUS ou nº 1º dia útil posterior a esse, quando o não seja (art. 254/5 do CPC, art.21-A/5 da Portaria 114/2008 de 6/2, redacção da Portaria 1538/2008 de 30/12). 2. Não releva, para o efeito, a data em que o mandatário procedeu à consulta e leitura da decisão notificanda no sistema informático CITIUS. 3. A presunção de notificação pode ser ilidida (art.254/6 do CPC), mas só para alargamento do prazo e não para o seu encurtamento.], e do STJ de 19/01/2012, proc. 86/05.1TBRSD.P1.S1 [IV - Ou seja, a presunção de notificação pode ser ilidida, mas sempre para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo, pelo que a ilisão da presunção da notificação não poderá ser efectuada pelo critério da leitura da peça processual, não se encontrando, aliás, elencado tal desiderato no texto legal.].
Naquele acórdão de 04/10/2012 acrescentava-se:
“Contra tudo isto, já só se encontra o ac. do TRC de 07/02/2012 (5964/10.3TBLRA-Q.C1), citado pelo requerente a favor da posição que assume, que aliás tem um voto de vencido não referido pelo requerente, acórdão este que, apesar da data, não contém uma única referência a qualquer dos acórdãos referidos acima, isto é, não discute a respectiva fundamentação.
Assim, tendo a notificação sido elaborada em 11/07/2012, presume-se expedida no dia 16/07/2012, já que o dia 14/07 é um sábado, dia não útil, e efectuada nesse dia, pelo que, tendo o recurso sido interposto 15 dias depois (em 31/07/2012) é evidente que o foi em tempo.
(Note-se que a certidão de fl.49 do processo electrónico diz que a decisão foi notificada às partes electronicamente em 11/07/2012. Mas, tendo em conta o que se acabou de escrever e a data da decisão recorrida – 10/07/2012 -, torna-se evidente que aquilo que a certidão quis dizer - embora de forma incorrecta e imperfeita -, é que a notificação foi elaborada, isto é, colocada em versão final no citius, no dia 11/07/2012).”
Afasta-se, deste modo, a suposta leitura do email que continha a sentença arbitral como acto relevante para a discussão deste fundamento de anulação. Parafraseando a passagem de um dos acórdãos já citados, a leitura do email pode ter sido feito por um empregado do escritório da advogada em questão, para tanto habilitado, que se tivesse limitado a imprimir o acórdão arbitral para dar conhecimento à advogada no dia útil seguinte (no caso depois das férias judiciais) que sabia ser o dia em que se considerava ser o da notificação.
Por outro lado, das normas legais, regulamentares e convencionais aplicáveis ao caso, resulta que a notificação da sentença arbitral se considera realizada, para efeito do início da contagem do prazo para a impugnação da sentença, só em 01/09/2022: não estando assim, certa, quer a data de 15/07/2022 considerada pela S e pelo secretariado do CAC, nem a data de 18/07/2022 considerada pela C.
Mas esta data, da realização da notificação, não tem, no caso, qualquer interesse para a questão do fundamento de anulação em análise.
((II))
Da omissão do dever de revelação do árbitro enquanto fundamento para anulação da sentença arbitral
278. Conforme se retira do Regulamento do CAC de 2014 e da própria LAV, a independência e imparcialidade são, como não poderiam deixar de ser, requisitos fundamentais dos árbitros, a quem é cometida uma verdadeira função jurisdicional (neste sentido, vide o artigo 11.º, n.º 1 do Regulamento do CAC 2014 e o Artigo 9.º, n.º 3 da LAV.)
279. Mais, a independência e a imparcialidade do tribunal arbitral constituem um requisito fundamental de um processo arbitral justo ou equitativo, conforme decorre dos artigos 9.º, n. º3, e 30, º, n. º1, da LAV e 20.º e 203.º da CRP.
280. De acordo com MENEZES CORDEIRO, a “independência traduz-se numa qualidade objectiva, expressa no facto de o árbitro não depender de ninguém e, em especial, de nenhuma das partes. A imparcialidade exprime-se num dado subjectivo: o árbitro não favorece ninguém: apenas aplica o Direito em face dos factos que se demonstrem” (Tratado da Arbitragem – Comentário à Lei 63/2011, Almedina, 2015, p. 135.)
281. Tanto assim é, que o árbitro que aceita integrar um tribunal arbitral tem a obrigação de dar a conhecer “quaisquer circunstâncias que possam, na perspetiva das partes, originar dúvidas fundadas a respeito da sua independência, imparcialidade ou disponibilidade”, mantendo-se este dever de revelação relativamente a qualquer nova circunstância que possa surgir no decorrer na arbitragem (cfr. Artigo 11.º, n.ºs 2 e 3 do Regulamento do CAC 2014. No mesmo sentido, vide o Artigo 13.º, n.ºs 1 e 2 da LAV).
282. O Regulamento do CAC 2014 é claro ao referir que a extensão do dever de revelação deverá ser aferido na “perspectiva das partes”, ainda que a recusa do árbitro só possa ter por fundamento em “circunstâncias que possam objectivamente suscitar fundadas dúvidas sobre a sua independência, imparcialidade ou disponibilidade” (Cfr. Artigo 12.º, n.º 1 do Regulamento do CAC 2014.)
283. Certo é que, havendo uma omissão do dever de revelação por parte do árbitro, a parte se encontra impedida de conhecer das circunstâncias que podem, na sua perspectiva, originar dúvidas fundadas a respeito da sua independência e imparcialidade e, do mesmo modo, de deduzir incidente de recusa do árbitro caso se afigure necessário para salvaguardar a integridade do processo arbitral.
284. Por este motivo, tem sido entendimento da doutrina e jurisprudência mais recentes que “nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objectiva ou subjectiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido”, a parte afectada poderá lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento na não conformidade da constituição do tribunal com a convenção das partes ou com a lei com influência decisiva no litígio, ao abrigo do disposto no Artigo 46.º, n.º 3, alínea a), iv) da LAV (cfr. ac. TRL de 20/01/2022, proc. 1445/20.5YRLSB-6, Relator: Nuno Lopes Ribeiro, quando se afirma que “[é] verdade que a ausência de independência e imparcialidade dos árbitros pode, mediante o preenchimento de apertados pressupostos, fundamentar um pedido de anulação de decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 46.°, n.° 3, a), iv) da LAV.” No mesmo sentido, vide MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, em Lei de Arbitragem Voluntária Comentada, 2014, pp. 213, 214 e 562, e MENEZES CORDEIRO, em Tratado de arbitragem: comentário à Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, Coimbra Almedina, 2016, p 441.
285. Com efeito, admitir o contrário seria sancionar e restringir um direito das partes, que se viram impedidas de exercer um legítimo direito por uma omissão de um dever que recaía tão-só sobre os árbitros.
286. Importa, pois, para o caso concreto, que a C constatou recentemente – e com grande surpresa -, que a sociedade de advogados, da qual o Árbitro Sr. Dr. M é sócio, assessorou e patrocinou a S, SA, […], numa operação de venda das suas sucursais sedeadas em África que atingiu o montante global de 33 milhões de euros (cfr. notícia que se junta como doc.39).
287. Este facto – que não foi revelado pelo Árbitro Sr. Dr. M em momento algum -, teve lugar em Outubro de 2020, i.e. na pendência do processo arbitral sub judice.
288. Estas circunstâncias consubstanciam, pelo menos na perspetiva da C, dúvidas fundadas a respeito da independência e imparcialidade do árbitro por si nomeado, que deveriam ter sido objeto de revelação por parte do mesmo, conforme se verá infra em maior detalhe.
289. Dispõe o Artigo 10.º, n.º 2 do Regulamento do CAC 2014, que o árbitro que aceita o encargo “obriga-se a exercer a função nos termos deste Regulamento e a respeitar o Código Deontológico em anexo ao mesmo”.
290. Por sua vez, o Código Deontológico do CAC prevê, no seu Artigo 4.º, n.º 1 que “O árbitro tem o dever de revelar todos os factos e circunstâncias que possam originar, na perspectiva das partes, dúvidas fundadas quanto à sua imparcialidade e independência, mantendo-se tal obrigação até à extinção do seu poder jurisdicional” (cfr. Código Deontológico do CAC que se junta como doc.40).
291. A título de exemplo, o Código Deontológico do CAC estabelece no n.º 2 do mesmo artigo que o árbitro deve informar a parte que o houver proposto quanto a: “a) Qualquer relação profissional ou pessoal com as partes ou com os seus representantes legais e mandatários que o árbitro convidado considere relevante; b) Qualquer interesse económico ou financeiro, directo ou indirecto, no objecto da disputa; c) Qualquer conhecimento prévio que possa ter tido do objecto da disputa”.
292. Mais estabelece o n.º 4 do mesmo artigo que, “Havendo dúvida sobre a relevância de qualquer facto, circunstância ou relação, prevalecerá sempre o dever de revelação”.
293. Donde resulta que, ainda que no limite subsistissem quaisquer dúvidas quanto à relevância dos factos referidos supra, o que não se concede, sempre recairia sobre o Árbitro Sr. Dr. M o dever de os revelar, sob pena de impedir a C de exercer o seu direito de recusa caso estas circunstâncias configurassem objetivamente uma fundada dúvida sobre a sua independência e imparcialidade.
294. Importa ainda atender ao Código Deontológico da Associação Portuguesa de Arbitragem (“APA”) de 2021, aplicável às arbitragens em curso à data da sua entrada em vigor, o qual estabelece um conjunto de princípios deontológicos que devem ser respeitados pelos membros da APA (cfr. artigo 1.º do CD APA, que ora se junta como doc.41. Conforme resulta da informação disponibilizada na página da internet da APA, que ora se junta como doc.42, o Sr. Dr. M é membro da APA, encontrando-se pois adstrito aos deveres ali enunciados.)
295. À semelhança do que já foi referido supra, o Código Deontológico da APA estabelece no Artigo 7.º, n.º 1 que o árbitro deverá “revelar todos os factos e circunstâncias que, na perspetiva das partes, possam suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência surgindo tal obrigação no momento em que é convidado a exercer funções e mantendo-se até à conclusão da arbitragem”.
296. O n.º 2 do referido artigo determina ainda que o árbitro se encontra adstrito a um “dever de realizar diligências razoáveis no sentido de identificar qualquer conflito de interesses, assim como quaisquer factos ou circunstâncias que, na perspectiva das partes, possam suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência”.
297. Mais relevante será a disposição do n.º 4 do mesmo artigo que estabelece que “Para efeitos de dever de revelação, deve ser levada em consideração a relação entre o árbitro e a sociedade de advogados em que eventualmente se integre e os factos a esta respeitantes”.
298. Ademais, o n.º 7 do Artigo 7.º prevê de igual modo que “Havendo dúvida sobre a relevância de qualquer facto, circunstância ou relação, prevalecerá sempre o dever de revelação”.
299. Donde resulta que o Árbitro Sr. Dr. M sempre deveria ter revelado os factos em apreço, levando em consideração a relação entre o árbitro e a sociedade de advogados em que se integra, ainda que no limite subsistissem quaisquer dúvidas quanto à relevância dos factos referidos supra, o que não se concede, sob pena de impedir a C de exercer o seu direito de recusa caso estas circunstâncias configurassem objectivamente uma fundada dúvida sobre a sua independência e imparcialidade.
300. Conforme resulta dos respetivos diplomas, tanto o Código Deontológico do CAC como o Código Deontológico da APA deverão ser interpretados e integrados de acordo com as Diretrizes da International Bar Association relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional (“Diretrizes da IBA” - [traduzidas em português]) Cfr. Artigo 1.º, n.º 3 do Código Deontológico do CAC e Artigo 2.º do Código Deontológico da APA.
301. As Diretrizes da IBA são uma ferramenta de soft law utilizada a nível internacional que, embora não sejam juridicamente vinculativos, apresentam princípios gerais de independência, imparcialidade e revelação comummente aceites, densificando tais princípios nas respetivas notas explicativas e concretizando-os através das listas de aplicação.
302. Na Parte II das Diretrizes da IBA, encontramos situações de ocorrência provável no contexto da prática arbitral, e orientações específicas para os árbitros, partes, instituições arbitrais e tribunais judiciais quanto às situações que constituem, ou não, conflito de interesses ou requerem, ou não, revelação.
303. Para tal, as Diretrizes da IBA organizaram estas situações em Listas de Situações/de aplicação dos princípios gerais das Diretrizes, com a ressalva que, em qualquer caso, os Princípios Gerais devem servir de controlo do resultado.
304. As Listas estão organizadas por cores - Vermelha, Laranja e Verde -, e refletem situações concretas que devem ser objeto de atenção por parte dos árbitros e das partes: a. A Lista Vermelha, que enumera as situações em que se considera que existe efetivamente um conflito de interesses objetivo, estando dividida em duas: i. A Lista Vermelha de Situações Irrenunciáveis, que enumera as situações de conflito de interesses que impedem o Árbitro de aceitar a missão ou de prosseguir nela; e ii. A Lista Vermelha de Situações Renunciáveis, que enumera situações sérias, embora não tão graves, que devem ser reveladas pelo Árbitro, o qual só pode aceitar (ou prosseguir) a missão se as partes, conhecendo embora o conflito de interesses, derem o seu consentimento expresso. b. A Lista Laranja, que enumera, de forma não exaustiva, situações nas quais, dependendo dos factos do caso concreto, poderá existir um conflito de interesses, dependendo da avaliação das partes. Tratam-se, assim, de situações que os Árbitros devem revelar e cuja ausência de objeção pelas Partes implica a sua aceitação. c. A Lista Verde, que exemplifica situações em que inexiste conflito e que, por esse motivo, não carecem de ser reveladas pelos árbitros.
305. Estabelecidos os critérios previstos nas Diretrizes da IBA para o dever de revelação do árbitro, importa atender ao caso em apreço.
306. Em particular, releva o ponto 2.3.6. das Directrizes da IBA, inserido na Lista Vermelha de Situações Renunciáveis, que prevê a situação em que “[a] sociedade de advogados do árbitro actualmente possui relacionamento comercial significativo com uma das partes ou com uma afiliada de uma das partes”.
307. Como se retira do Directório Legal 500 de 2022, a S é uma Key Client da sociedade de advogados do Sr. Dr. M, donde resulta evidente a existência de um “relacionamento comercial significativo” entre a aquela sociedade de advogados e a S (cfr. doc.44).
308. É de destacar ainda o ponto 3.1.4 das Diretrizes da IBA, incluído na Lista Laranja, que se refere às situações em que “[A] sociedade de advogados do árbitro atuou, nos três últimos anos, para ou contra uma das partes, ou uma afiliada de uma das partes, em assunto não relacionado, sem o envolvimento do árbitro.”
309. A este respeito, remete-se para a circunstância referida supra a propósito da assessoria e patrocínio daquela sociedade de advogados à S na operação de venda das suas sucursais sedeadas em África, que atingiu o montante global de 33 milhões de euros (cfr. notícia que se junta como doc.39)
310. No que diz respeito à Lista Laranja, e atendendo à circunstância de a S configurar uma Key Client do escritório em que o Sr. Dr. M é árbitro, destacam-se ainda, a título subsidiário, os pontos 3.2.1 e 3.2.2 das Diretrizes da IBA: “3.2.1. A sociedade de advogados do árbitro presta atualmente serviços a uma das partes, ou a uma afiliada de uma das partes, sem que tal constitua uma relação comercial significativa para tal sociedade e sem o envolvimento do árbitro. 3.2.2. Uma sociedade de advogados ou outra entidade que compartilhe honorários ou outras receitas significativas com a sociedade de advogados do árbitro presta serviços a uma das partes do litígio, ou a uma afiliada de uma dessas partes.”
311. Dúvidas não devem subsistir sobre a existência de uma violação do dever de revelação, uma vez que não foi relevado às Partes e ao Tribunal Arbitral as situações acima expostas, subsumíveis à Lista Vermelha de Situações Renunciáveis e, no limite, à Lista Laranja das Diretrizes da IBA.
312. Por tudo quanto foi exposto, resulta evidente que o Árbitro Sr. Dr. M violou o seu dever de revelação ao abrigo do Regulamento do CAC 2014, do Código Deontológico do CAC e da APA e, bem assim, das internacionalmente reconhecidas Diretrizes da IBA.
313. Prejudicando, em toda a linha, a C, que vê agora vedado o seu direito à recusa do árbitro por si nomeado.
314. Mais clamorosa será a omissão do dever de revelação por parte do Árbitro Sr. Dr. M se atendermos a que, em sede de audiência de julgamento do Processo Arbitral foi revelado pelo Árbitro Sr. Dr. F, sócio de outra sociedade de advogados, uma situação de potencial conflito de interesse, devido ao patrocínio, pelo seu escritório, à S de uma matéria na qual não teve o árbitro qualquer intervenção (resulta da transcrição da audiência de julgamento no âmbito do processo arbitral, que ora se junta como doc.45).
315. Sendo esta situação de relevo muito inferior à situação sob análise, escusado será dizer que era mais que expectável que o Árbitro Sr. Dr. M cumprisse o seu dever de revelação, não lhe tendo faltado oportunidade para o efeito.
316. Não o tendo feito, em violação do dever que sobre si recaía, impedindo a C de exercer o seu legítimo direito de deduzir incidente de recusa no âmbito do Processo Arbitral, resulta evidente que existiu uma omissão do dever de revelação do Árbitro Sr. Dr. M que consubstancia uma grave violação do dever de independência e imparcialidade inerente à função jurisdicional exercida pelos árbitros.
317. Assim, e conforme decidido no ac. do TRL de 20/01/2022, proc. 1445/20.5YRLSB-6, relator: Nuno Lopes Ribeiro, deverá o TRL anular a sentença arbitral com fundamento na não conformidade da constituição do tribunal com o compromisso arbitral e com a Lei, com influência decisiva no litígio, ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), iv) da LAV (cfr. ac do TRL de 20/01/2022, quando se afirma que “[é] verdade que a ausência de independência e imparcialidade dos árbitros pode, mediante o preenchimento de apertados pressupostos, fundamentar um pedido de anulação de decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 46.°, n.° 3, a), iv) da LAV.” No mesmo sentido, vide MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, em Lei de Arbitragem Voluntária Comentada, 2014, pp. 213, 214 e 562, e MENEZES CORDEIRO, em Tratado de arbitragem: comentário à Lei 63/2011, de 14/12, Coimbra Almedina, 2016, p 441.
318. Nem poderá obstar a tanto que o Árbitro em causa tenha sido nomeado pela própria C, porquanto só agora tem a C conhecimento dos factos que consubstanciam as fundadas dúvidas sobre a sua independência e imparcialidade, cfr. Artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento do CAC 2014.
319. Cumpre ainda salientar que, não se exige à C provar a falta de imparcialidade do árbitro, bastando a omissão da revelação para se verificar a causa de anulação da sentença.
320. A este respeito, vide o arrazoado no acórdão do TRL de 29/09/2015, proc. 827/15.9YRLSB-1, relator: Afonso Henrique, em que se valora como fundamento de recusa a mera omissão do dever de revelação: “[n]ão tendo o Exmo. árbitro recusado divulgado, aquando da sua indigitação ou nomeação, as suas anteriores participações em arbitragens idênticas ou similares, bem como, o parecer emitido ou quaisquer outras actividades profissionais relacionadas com o mesmo tema, incorreu o mesmo, na violação do dever de revelação, susceptível de criar fundadas dúvidas sobre a sua independência e imparcialidade “aos olhos da C””.
321. Por fim, e como nota SAMPAIO CARAMELO: “Entre nós, Miguel Galvão Teles defendeu, convincentemente, que a exigência de independência e imparcialidade dos árbitros é uma decorrência do direito a um processo equitativo estabelecido no art. 20.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, exigência que se impõe na arbitragem voluntária, porque esta representa, constitucionalmente, um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais consagrado da CRP” (cfr. SAMPAIO CARAMELO, António, A impugnação da sentença arbitral, 3.ª Ed. (Almedina), p. 64, nota de rodapé n.º 131 [= pág. 61, nota 122, da 2.ª edição, pág. 218 - TRL]).
322. Além do artigo 20.º, n.º 4 da CRP, importa notar que a independência dos Tribunais resulta desde logo do artigo 203.º da CRP, entre os quais se deverão incluir, naturalmente, os tribunais arbitrais, como se retira do artigo 209.º, n.º 2 da CRP.
323. Assim, uma interpretação do artigo 46.º, n.º3, alínea a) iv), da LAV que admita uma sentença proferida por um Tribunal Arbitral constituído em desconformidade com a Lei ou com o compromisso arbitral, com influência decisiva no litígio, é materialmente inconstitucional por violação do dever de independência dos tribunais arbitrais resultante dos Artigos 20.º, n.º 4, 203.º e 209.º, n.º 2 da CRP.
A S responde que:
[…]
80.º Alega a C que a sociedade de advogados de que o árbitro por si nomeado é sócio prestou serviços jurídicos à S no âmbito de uma operação de venda das participações que esta detinha em sociedades do seu grupo de empresas sedeadas em África durante um período em que esteve pendente o processo arbitral entre as Partes,
81.º O que é verdade,
82.º Cabendo, contudo, esclarecer que o árbitro indicado pela C jamais prestou quaisquer serviços à S, nem teve qualquer relação com o indicado assunto de venda das participações da S em sociedades sedeadas em África.
83.º Sem prejuízo, a alegada violação do dever de revelação pelo árbitro nomeado pela C suscita diversas questões que importa colocar e responder com ordem.
84.º A primeira questão que importa considerar é a de saber se a alegada violação do dever de revelação, enquanto regra que visa assegurar a independência e imparcialidade do julgador, é ou não causa de anulação de sentença arbitral.
85.º A resposta a esta questão está longe de ser evidente.
86.º Há, na verdade, quem entenda que sim -  MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA in “Lei da Arbitragem Voluntária Comentada”, 2014, páginas 213, 214 e 562 -, que depois de esgotada a possibilidade de lançar mão de incidente de recusa de árbitro, apenas resta a acção de impugnação da sentença arbitral.
87.º Nesta linha, decidiu já o TRL (Desembargador Relator NUNO LOPES RIBEIRO) por acórdão de 21/01/2022, processo 1445/20.5YRLSB-6, ao considerar ser possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento na ausência de independência e imparcialidade dos árbitros, nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa de árbitro no âmbito do processo arbitral em virtude da superveniência objetiva ou subjetiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido.
88.º Mas há também quem não deixe de encontrar obstáculos relevantes a esse entendimento, como RUI PINTO DUARTE (parecer, páginas [29 e 30 - TRL]), quando invoca a circunstância de a LAV não prever expressamente a falta de independência e imparcialidade dos árbitros como fundamento de anulação das decisões arbitrais.
89.º Diz, a propósito, que “O primeiro [obstáculo] é a letra da lei: «a composição do tribunal arbitral» é noção que parece dirigida ao modo de designação dos árbitros, não aos requisitos para o exercício da função; se a lei quisesse, a este propósito, abranger tais requisitos, nomeadamente a independência e a imparcialidade – cuja relevância é central e objeto de enunciação e controlo nos arts. 9.º, 13 e 14 da LV – seria quase natural, quase inevitável, que os referisse”.
90.º O segundo obstáculo, que em certa medida ajuda a perceber o primeiro, prende-se com a circunstância de “(…) que o regime defendido (a impossibilidade de impugnação das sentenças arbitrais com fundamento na violação das regras que visam assegurar a independência e a imparcialidade) nada tem de estranho ou irracional, até porque se aproxima das regras do CPC sobre factos que possam fundamentar impedimentos e suspeições: também aí a descoberta do facto-fundamento, quando ocorra após a decisão final, não determina a sua invalidade. O n.º 1 do art. 116 do CPC é claro ao determinar que as partes (só) podem requerer a declaração do impedimento até à sentença, não sendo possível invocar a possível nulidade dos actos praticados pelo impedido depois dela, nem sequer na fase de recurso”.
91.º Em boa verdade, não parece existir uma razão particular nesta matéria que justifique dar um tratamento distinto à anulação da sentença proferida por um tribunal judicial da sentença proferida por um tribunal arbitral, o que nos leva a concluir pela impossibilidade de impugnação das sentenças arbitrais com fundamento na falta de imparcialidade e independência dos árbitros ou na violação das regras que visam assegurar a independência e a imparcialidade do julgador.
92.º Sem prejuízo, caso assim não o entenda este Tribunal, sempre é importante distinguir a independência e imparcialidade do julgador do dever de revelação, que constitui um seu instrumento ou uma regra para o seu cumprimento.
93.º O que nos leva à segunda questão que importa resolver, a de saber se a omissão do dever de revelação é, por si só, fundamento de anulação ou se, pelo contrário, é necessário que se verifiquem outros factos que justifiquem essa anulação.
94.º A resposta aqui é clara: a violação do dever de revelação não constitui, por si só, fundamento de anulação da sentença arbitral.
95.º Como se refere nas Diretrizes da IBA sobre Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional “Também é essencial reiterar que o facto de ser exigida revelação – ou de um árbitro fazer uma revelação – não implica a existência de dúvidas acerca da imparcialidade ou independência do árbitro. De facto, o critério de revelação não corresponde ao critério da impugnação”, conforme tradução do texto original que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 4: a C junta o documento no seu texto original em língua inglesa, considerando a S que se impõe a sua tradução para a língua portuguesa, a qual, conforme é referido na sua segunda página, foi preparada pelo Comité de Ética e Deontologia da Associação Portuguesa de Arbitragem).
96.º Esclarecendo, de forma clara, que “Uma oposição posterior com fundamento no facto de que um árbitro não divulgou tais factos ou circunstâncias não deve resultar automaticamente na sua não nomeação, na sua posterior desqualificação ou em impugnação procedente da sentença arbitral. A não revelação, por si só, não basta para considerar um árbitro parcial ou com falta de independência: apenas os factos ou circunstâncias que não foram por ele divulgados podem permiti-lo”.
97.º Sendo, naturalmente, importante que as referidas Diretrizes sejam acolhidas na sua integralidade e não apenas na parte que mais interessa aos diferentes propósitos de cada um.
98.º Neste mesmo sentido decidiu já o TRL por acórdão de 13/09/2016 (Desembargador Relator RIJO FERREIRA) processo 581/16.7YRLSB.-1, ao determinar que “O eventual incumprimento (ou cumprimento defeituoso) do dever de revelação, conforme já explanado supra nos §§ 20 e 22, não constitui só por si motivo de desqualificação do árbitro. Para que tal possa ocorrer é necessário que nesse incumprimento se manifestem circunstâncias donde se possam extrair indícios que permitam, objectivamente, fundar um juízo de afectação da independência e imparcialidade”,
99.º Assim como pelo acórdão proferido em 11/02/2020 (Desembargador Relator RUI TORRES VOUGA), processo  1577/18.0YRLSB-1, em que se decidiu que “O Incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de revelação não constitui só por si motivo de desqualificação do árbitro, sendo necessário que se manifestem circunstâncias donde se possam extrair indícios que em termos objectivos fundem um juízo de afectação da independência e imparcialidade. Só se configura que o incumprimento do dever de revelação possa constituir desde logo justificação de recusa naqueles casos extremos, em que a omissão de revelação se refira a circunstância tão fundamental que, por si só, revela afectação da independência ou imparcialidade”.
100.º Impunha-se, pois, concretizar em que medida a alegada violação do dever de revelação constituiria, no caso dos autos, a violação das garantias de independência e imparcialidade a que estava sujeito o Tribunal Arbitral.
101.º Ora, lida e relida a petição inicial, não se descortina um único facto ou uma única observação da razão por que a falta de revelação da circunstância alegada pela C afecta, pelo menos aos olhos da C, a independência ou a imparcialidade do árbitro por si nomeado,
102.º E impunha-se que assim fosse para que dos factos alegados se pudesse retirar uma conclusão jurídica e decidir em conformidade.
103.º Mas, por sua vez, existem factos não alegados pela C que se impõem conhecer dos quais resulta que a circunstância de a sociedade de advogados de que o árbitro nomeado pela C é sócio ter assessorado a S numa matéria centrada em outras jurisdições e em nada relacionada com a matéria em disputa no processo arbitral não é susceptível de afectar, aos olhos da C, a independência e imparcialidade do referido árbitro.
104.º Tal decorre das revelações feitas pelos árbitros quando aceitaram o respectivo encargo.
105.º Em primeiro lugar, aquando da nomeação dos árbitros para constituição do tribunal arbitral, o árbitro nomeado pela S, Dr. Fr, revelou que a sociedade de que é sócio tem uma parceria com um escritório em A (…) que tem prestado e presta actualmente serviços à sociedade SA-SA, em matérias sem qualquer relação com o presente litígio e sem qualquer intervenção ou participação da minha parte”.
106.º Esta circunstância não suscitou qualquer dúvida à C sobre a independência e imparcialidade do referido árbitro,
107.º Não obstante ser, no essencial, idêntica à situação que a C alega agora pôr em causa a independência e imparcialidade do árbitro por si nomeado.
108.º Na verdade, tratava-se da assessoria jurídica por parte da sociedade de advogados de que um dos árbitros é sócio a uma sociedade detida pela S, num assunto sem qualquer relação com o litígio que deu origem à arbitragem,
109.º Quando, como se sabe, é irrelevante na verificação de potenciais situações de conflitos de interesses se a relação do árbitro é com a parte na arbitragem ou com uma sua afiliada (nas Listas de situações das diretrizes da IBA sobre conflitos de interesses em arbitragem internacional, a expressão “afiliada” abrange todas as empresas que integram um determinado grupo de empresas, inclusive a empresa mãe (cfr. nota de pé de página 4 da página 20 do Documento n.º 4 junto com a Contestação) ou subsidiária (cfr. pontos 1.4, 2.1, 2.2.1, 2.2.1, 2.3.1, 2.3.4, 2.3.6, 2.3.7, 2.3.8, 2.3.9, 3.1.1, 3.1.2, 3.1.3, 3.1.4, 3.1.5, 3.2.1, 3.2.2, 3.2.3, 3.3.4, 3.4.1, 3.4.2, 3.4.3, 3.4.4, 3.4.5, 3.5.1, 3.5.4, 4.2.1, 4.4.1, 4.4.2, 4.4.3, 4.4 das Listas).
110.º Em segundo lugar, também aquando da constituição do tribunal arbitral, o árbitro presidente, Dr. T, declarou, aquando da aceitação da sua nomeação, que a “A sociedade de que sou sócio,  assessora empresas subsidiárias do Grupo S, nalguns outros assuntos, noutras jurisdições, designadamente em Espanha, em matérias que não têm qualquer relação com o presente litígio e nos quais nunca se verificou – nem verificará – qualquer intervenção ou participação da minha parte”.
111.º Esta circunstância, para mais revelada pelo árbitro presidente, também não foi suscetível de criar na C quaisquer dúvidas sobre a independência e imparcialidade do referido árbitro.
112.º Em terceiro lugar, o próprio árbitro nomeado pela C, cuja independência e imparcialidade é agora posta em causa pela C, revelou, aquando da aceitação da sua nomeação, que patrocinava, ele próprio, àquela data, uma empresa participada da S no âmbito de uma acção judicial, tendo patrocinado esta empresa anteriormente no âmbito de um processo arbitral.
113.º Tal circunstância também não foi de molde a suscitar na C quaisquer dúvidas sobre a independência e imparcialidade do referido árbitro.
114.º Em quarto lugar e por fim, a circunstância – que a C  alega na sua petição inicial sem verdadeiramente perceber o alcance do que alega – de, durante a audiência de julgamento do processo arbitral, o árbitro nomeado pela S, Dr. F, ter revelado que a sociedade de advogados de que é sócio tinha assumido o patrocínio de uma determinada entidade numa ação judicial proposta contra a S.
115.º A C, através do seu mandatário, referiu, então, nada ter a declarar, agradecendo apenas a revelação efetuada,
116.º O que revela bem que, para a C, a circunstância de uma sociedade de advogados de que é sócio um árbitro numa arbitragem patrocinar uma ação judicial contra uma parte dessa arbitragem, em matéria não relacionada, não constitui qualquer problema, designadamente não afeta a independência e imparcialidade desse árbitro.
117.º Em conclusão do que antecede, é evidente, como se referiu, que a circunstância de a sociedade de advogados de que o árbitro nomeado pela C é sócio ter assessorado a S em assunto relacionado com outras jurisdições e em nada relacionado com a matéria em disputa no processo arbitral não é suscetível de afectar, aos olhos da C, a independência e imparcialidade do referido árbitro.
118.º Com efeito, a referida circunstância não constitui para a C, ao contrário do que agora alega, uma situação de conflito de interesses que afete a independência e imparcialidade do referido árbitro.
119.º Os referidos factos demonstram-no à saciedade.
120.º A S não sabe, e não tem como saber, naturalmente, as razões por que a circunstância alegada pela C como fundamento de anulação da decisão arbitral não foi revelada pelo árbitro nomeado por si.
121.º Trata-se, afinal, de uma decisão que compete a cada árbitro nomeado, a avaliação que faz de todas as circunstâncias do caso e ao julgamento e decisão sobre se essas circunstâncias são ou não susceptíveis de poderem afectar, na perspectiva das partes, a sua independência e imparcialidade.
122.º Mas os factos acima referidos sempre justificariam a decisão tomada.
123.º Diz a C, por fim, que “não se exige à C provar a falta de imparcialidade do árbitro, bastando a omissão da revelação para se verificar a causa de anulação da sentença” (artigo 319.º da petição inicial),
124.º O que, como vimos, não é verdade e configura, entende-se, um erro de análise indesculpável. Por duas razões.
125.º Em primeiro lugar, a C limita-se a invocar em sustento do que alega o teor do acórdão proferido pelo TRL em 29/09/2015, processo 827/15.9YRLSB-1, quando o mesmo, em boa verdade, refere o contrário: “Corolário dos mencionados princípios da imparcialidade e independência dos árbitros/juízes é o denominado dever de revelação que impende sobre estes. Concordamos com a decisão “recorrida” quando refere que a omissão desse dever não implica, necessariamente, o afastamento do respectivo árbitro. Para esse efeito, impõe-se, efectivamente, uma valoração dos factos omitidos, ab initio, na perspectiva do “olhar da parte” recusante.”
126.º A referida decisão foi, ainda assim, votada pelo Senhor Desembargador RUI TORRES VOUGA em divergência quanto aos seus fundamentos, nos seguintes termos: “Votei a decisão, embora dissentindo dos fundamentos nela invocados (fundamentalmente por não subscrever a tese nela implicitamente acolhida, segundo a qual a omissão da revelação de circunstâncias passíveis de suscitar dúvidas sobre a imparcialidade e independência do árbitro constituiria, por si só, causa para a sua recusa – já que a não revelação é uma questão distinta da de saber se o árbitro é independente e imparcial) (…)”.
127.º Ou seja, a violação do dever de revelação não afecta necessariamente a independência e imparcialidade do árbitro, impondo-se, sempre, alegar e provar por que determinadas circunstâncias afectam a independência e imparcialidade do árbitro aos olhos da parte que invoca essa falta,
128.º O que a C declarada e reconhecidamente se recusou a fazer, o que sempre seria razão da improcedência do pedido de anulação com o indicado fundamento.
129.º Em segundo lugar, e mais relevante, a circunstância em que a C funda o pedido de anulação da sentença arbitral - de a composição do tribunal arbitral não ter sido conforme com a convenção das partes ou com a lei – não ter tido qualquer influência decisiva na resolução do litígio.
130.º Impõe a norma do artigo 46, n.º 3, alínea a), parágrafo iv), da LAV, com fundamento na qual a C pede, no caso em apreço, a anulação da sentença arbitral, que a sentença só pode ser anulada se “A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio”.
131.º Sobre a influência que a alegada desconformidade teve na resolução do litígio, a C não avança uma palavra quando, uma vez mais, impunha-se que o fizesse se quisesse, como aparenta querer, fundar a anulação da sentença arbitral na referida norma.
132.º Sem prejuízo, é evidente que independentemente do sentido da decisão adoptado pelo árbitro nomeado pela C, sempre teria prevalecido o sentido decisório que a sentença arbitral acabou por adoptar por unanimidade dos julgadores, na medida em que o Tribunal Arbitral que proferiu a sentença impugnada é um tribunal colectivo que decide no sentido votado pela maioria dos seus membros.
133.º Por fim, mesmo entre os que defendem a possibilidade de a falta de independência e imparcialidade do árbitro poder fundar a anulação da sentença arbitral, parece não existirem dúvidas relevantes sobre tal possibilidade apenas existir no caso em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa de árbitro no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objetiva ou subjetiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido.
134.º Na verdade, é indiscutível que o conhecimento do potencial conflito de interesses durante uma arbitragem deve ser suscitado no prazo de 15 dias a contar da data em que a parte teve conhecimento das circunstâncias que constituem fundamento de recusa de um árbitro, sob pena de preclusão do direito de ver recusado esse árbitro (cfr. artigo 14.º, n.º 2, da LAV).
135.º A este propósito, é também revelador o facto de a C não referir, como se lhe impunha, quando tomou conhecimento da circunstância que, na sua opinião, impunha o dever de revelação.
136.º Limita-se a afirmar que “a C constatou recentemente” (cfr. artigo 286.º da petição inicial) e “porquanto só agora tem a C conhecimento dos factos que consubstanciam as fundadas dúvidas sobre a sua independência e imparcialidade” (cfr. artigo 318.º da petição inicial).
137.º Ou seja, vacuidades que nada concretizam, próprias de quem verdadeira e propositadamente pretende omitir a data em que tomou efetivo conhecimento do facto.
138.º Fica-se, pois, sem se saber quando é que a C teve conhecimento efectivo da referida circunstância, o que se revelaria fundamental para apreciar o direito que invoca, que assim, também por esta razão, se vê prejudicado.
Os factos ((II)) que interessam à decisão deste fundamento de anulação são os seguintes:
A sociedade de advogados da qual o árbitro Sr. Dr. M é sócio, assessorou e patrocinou a S numa operação de venda das suas sucursais sedeadas em África que atingiu o montante global de 33 milhões de euros (provado pelo doc.39 junto com a PI, não impugnado).
Este facto teve lugar em Outubro de 2020 - trata-se de uma notícia publicitada pela sociedade de advogados em causa e a data do anúncio e da assinatura é de 26/10/2020 (resulta do doc.39 junto com a PI e não impugnado pela S).
Este facto não foi revelado pelo árbitro Sr. Dr. M em momento algum (acordo das Partes).
Este árbitro foi designado pela C (resulta do compromisso arbitral, doc. já citado acima).
O Sr. Dr. M é membro da APA (resulta do doc.42 junto aos autos com a PI não impugnado).
A S era em 2022 uma das cinco sociedades identificadas como uma Key Client da sociedade de advogados do Sr. Dr. M (resulta do The Legal 500 EMEA Top Tier 2022, publicitado pela própria sociedade de advogados em causa – doc. 44 junto com a petição e não impugnado pela S).
Em anexo ao compromisso arbitral consta a seguinte declaração (documento já referido), de 31/01/2019, do árbitro presidente, Dr. T:
[…] declara ter disponibilidade e aceitar o encargo de arbitro presidente no processo que opõe a S-SA (anteriormente designada por S, SA), como S, à sociedade C-SA, como C […]
Não tenho, nem nunca tive, qualquer relação profissional com qualquer das partes, nem com o objecto do litigio.
A sociedade de que sou sócio não tem também, ela própria, qualquer relação profissional em Portugal com qualquer das partes, nem com o objecto do litigio.
Mais declaro que sou independente e imparcial relativamente a ambas as partes e tenciono manter-me como tal. No entanto, e atendendo à legislação arbitral portuguesa e às melhores práticas internacionais, pretendo declarar e revelar os seguintes factos ou circunstâncias:
A sociedade de que sou sócio assessora empresas subsidiárias do Grupo S, nalguns outros assuntos, noutras jurisdições, designadamente em Espanha, em matérias que não têm qualquer relação com o presente litigio e nos quais nunca se verificou — nem verificará - qualquer intervenção ou participação da minha parte. Igual circunstância ocorre quanto à denominada sociedade de advogados sul-americana da qual a sociedade de que sou sócio é sócia minoritária, que assessora igualmente nalgumas matérias subsidiarias sul-americanas do Grupo S. Esclareço que desses mencionados assuntos, de jurisdições diferentes e distintas da portuguesa, não resultam quaisquer rendimentos significativos, consequência de não existir com o Grupo S uma significativa ou relevante relação profissional e/ou comercial.
Consta também, com a mesma data, do mesmo anexo ao compromisso, a seguinte declaração feita pelo Dr. F:
a) Nunca tive qualquer relação profissional com qualquer das partes, nem com o objeto do litígio.
b) A sociedade de que sou sócio, tem uma parceria com um escritório em A, no âmbito da X, que tem prestado e presta atualmente serviços à sociedade SA-S.A. em matérias sem qualquer relação com o presente litígio e sem qualquer intervenção ou participação da minha parte;
c) A sociedade de que sou sócio, patrocinou, com a minha intervenção, enquanto advogado, um conflito de vários Bancos, incluindo a Caixa Y, numa arbitragem internacional, que teve como contrapartes a A-SA, a SE-SA e SC-SA, entre outras, e que se encontra findo.
E consta ainda, também de 31/01/2019, do mesmo anexo ao compromisso, a seguinte declaração do árbitro nomeado pela  C:
Devo informar que fui mandatário da A-SA num processo arbitral contra o Estado Português e sou ainda seu mandatário na acção de anulação do acórdão arbitral nela proferido, que se encontra estagnada há cerca de cinco anos. A A-SA era, e julgo ser ainda, uma participada da SE-SA. No entanto, esse facto não afecta a minha independência e imparcialidade.
Durante a sessão de 24/06/2021 (consta da transcrição da prova produzida em audiência e das actas das respectivas sessões, junta pela C não impugnada pela S), o árbitro nomeado pela S, F, disse, no minuto 6:05:
[…] só para… portanto, em complemento da declaração de aceitação que nós fizemos, os Árbitros fizeram na altura do compromisso, e numa… por uma questão de lealdade com os colegas e também de atualização dessa declaração, eu fui hoje informado que a sociedade de que sou sócio, irá assumir um patrocínio de uma matéria em que eu não tenho qualquer intervenção, nem relação, mas que não posso, nos mesmos termos em que que fizemos, os três Árbitros, as nossas declarações, deixar de revelar, que é o patrocínio para um fundo de investimento imobiliário SC em matérias contenciosas e pré-contenciosas com a S e a SC. Portanto, fica registado, informado nos termos da revelação da declaração que fiz na altura, atualizando-a… evidentemente colocando a informação aos colegas e para se pronunciarem se entenderem.
Seguiu-se o seguinte:
[00:07:20] Árbitro Presidente: Ó Dr. F, vão patrocinar a SC ou vão patrocinar a S?
[00:07:24] Árbitro Adjunto (Dr. F): A SC. Fundo de investimento…
[00:07:26] Árbitro Presidente: Portanto, a S é contraparte?
[00:07:27] Árbitro Adjunto (Dr. F): Exatamente.
[00:07:35] Árbitro Presidente: A declaração fica feita agora ou fará chegar ao processo [sobreposição de vozes]?
[00:07:38] Árbitro Adjunto (Dr. F): Não, fica feita agora.
[00:07:39] Árbitro Presidente: Fica feita agora. Portanto, iremos constar em ata. Algum comentário que os ilustres colegas queiram fazer sobre esta…
[00:07:46] Mandatário da C (Dr.): De todo. Apenas agradecer a comunicação. De todo.
[00:07:51] Árbitro Presidente: Sr. Dr.?
[00:07:52] Mandatário da S (Dr.): Também só tomar nota, registo e agradeço também a divulgação.
[00:07:56] Árbitro Presidente: Muito obrigado. Faremos constar também em ata e a si, Dr. M, algum… não há algo nada mais prévio?
[00:08:04] Árbitro Adjunto (Dr. M): Nada.
A sentença arbitral foi votada por unanimidade.
*
Algumas das normas invocadas pelas partes ou que serão tomadas em consideração, para além das já referidas na parte ((i)) são as seguintes:
As normas da LAV:
Artigo 9.º Requisitos dos árbitros
3 - Os árbitros devem ser independentes e imparciais.
[…]
Artigo 13.º
Fundamentos de recusa
1 - Quem for convidado para exercer funções de árbitro deve revelar todas as circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência.
2 - O árbitro deve, durante todo o processo arbitral, revelar, sem demora, às partes e aos demais árbitros as circunstâncias referidas no número anterior que sejam supervenientes ou de que só tenha tomado conhecimento depois de aceitar o encargo.
[…]
Artigo 46 - Pedido de anulação
[…]
3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:
a) A parte que faz o pedido demonstrar que:
[…]
iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou
[…]
4 - Se uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições da presente lei que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato ou, se houver prazo para este efeito, nesse prazo, considera-se que renunciou ao direito de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral.
Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa de 2014
Art. 10/2: 2 − Ao aceitar o encargo, o árbitro obriga-se a exercer a função nos termos deste Regulamento e a respeitar o Código Deontológico em anexo ao mesmo.
Art. 11/1 - Independência, imparcialidade e disponibilidade dos árbitros
1 – Os árbitros devem ser e permanecer independentes, imparciais e disponíveis.
2 − Qualquer pessoa que aceite integrar um tribunal arbitral deve assinar a declaração prevista no artigo anterior, em que dê a conhecer quaisquer circunstâncias que possam, na perspectiva das partes, originar dúvidas fundadas a respeito da sua independência, imparcialidade ou disponibilidade.
3 − Enquanto decorrer a arbitragem, o árbitro deve dar a conhecer sem demora qualquer nova circunstância susceptível de originar, na perspectiva das partes, dúvidas fundadas a respeito da sua independência, imparcialidade ou disponibilidade.
4 – O facto de um árbitro revelar qualquer circunstância ao abrigo dos números anteriores não constitui, em si mesmo, motivo de recusa.       
Art. 12 - (Recusa de árbitro)
1 − Um árbitro só pode ser recusado se existirem circunstâncias que possam objectivamente suscitar fundadas dúvidas sobre a sua independência, imparcialidade ou disponibilidade, ou se não possuir as qualificações convencionadas pelas partes.
2 − A parte não pode recusar o árbitro por ela designado, salvo ocorrência ou conhecimento superveniente de causa de recusa.
3 − A recusa é deduzida por requerimento dirigido ao Presidente do Centro, no prazo de 15 dias contados da data em que a parte recusante tenha conhecimento do fundamento respectivo. O requerimento é notificado à parte contrária, ao árbitro cuja recusa esteja em causa e aos demais árbitros, podendo qualquer um pronunciar-se no prazo de dez dias. A apreciação da recusa do árbitro é da competência do Presidente do Centro.
4 – Se nenhuma das partes deduzir recusa relativamente às circunstâncias reveladas pelo árbitro nos termos do artigo anterior (e em qualquer caso em relação às circunstâncias que não tenham sido objecto do pedido de recusa), nenhuma dessas circunstâncias pode ser considerado como fundamento de recusa posterior do árbitro.
[…]
Código Deontológico do CAC.
Art. 1 (princípio geral)
3. O presente Código Deontológico deve ser interpretado e integrado tendo presente as Directrizes da International Bar Association relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional.         
Art. 4
1. O árbitro tem o dever de revelar todos os factos e circunstâncias que possam originar, na perspectiva das partes, dúvidas fundadas quanto à sua imparcialidade e independência, mantendo-se tal obrigação até à extinção do seu poder jurisdicional.
2. Antes de aceitar o encargo, o árbitro convidado deve informar a parte que o houver proposto quanto ao seguinte:
a) Qualquer relação profissional ou pessoal com as partes ou com os seus representantes legais e mandatários que o árbitro convidado considere relevante;
b) Qualquer interesse económico ou financeiro, directo ou indirecto, no objecto da disputa;
c) Qualquer conhecimento prévio que possa ter tido do objecto da disputa.
3. Ao aceitar o encargo, o árbitro deve assinar a declaração de aceitação, disponibilidade, independência e imparcialidade prevista no Regulamento. Esta declaração deverá ser actualizada caso, enquanto decorrer a arbitragem, se verifique qualquer nova circunstância susceptível de originar, na perspectiva de qualquer das partes, dúvidas fundadas a respeito da sua independência ou imparcialidade.
4. Havendo dúvida sobre a relevância de qualquer facto, circunstância ou relação, prevalecerá sempre o dever de revelação.
[…]
Código Deontológico da Associação Portuguesa de Arbitragem de 2021
Art. 1º - Submissão dos membros da APA ao Código
Salvo quando disposição imperativa da lei outra coisa dispuser, os membros da Associação Portuguesa de Arbitragem devem respeitar os princípios deontológicos previstos no presente Código Deontológico.
Art. 2º - Interpretação e Integração
O presente Código Deontológico deve ser interpretado e integrado tendo presentes as melhores práticas internacionais, designadamente as Diretrizes da International Bar Association relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional.
[…]
Art. 7º - Dever de Revelação
1. O árbitro deve revelar todos os factos e circunstâncias que, na perspectiva das partes, possam suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência surgindo tal obrigação no momento em que é convidado a exercer funções e mantendo-se até à conclusão da arbitragem.
2. O árbitro deve realizar diligências razoáveis no sentido de identificar qualquer conflito de interesses, assim como quaisquer factos ou circunstâncias que, na perspectiva das partes, possam suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência.
[…]
4. Para efeitos de dever de revelação, deve ser levada em consideração a relação entre o árbitro e a sociedade de advogados em que eventualmente se integre e os factos a esta respeitantes.
7. Havendo dúvida sobre a relevância de qualquer facto, circunstância ou relação, prevalecerá sempre o dever de revelação.
Apreciação:
A S era em 2022 (sendo que o processo arbitral só terminou em 15/07/2022) uma Key Client da sociedade de advogados de que o Sr. Dr. M é sócio (i) e esta sociedade assessorou e patrocinou, com a assinatura da venda em Outubro 2020, isto é, durante o decurso do processo arbitral, a S numa operação de venda das suas sucursais sedeadas em África que atingiu o montante global de 33 milhões de euros (ii).
O facto (i) subsume-se na previsão do ponto 2.3.6 das Guidelines da IBA inserido na lista vermelha de situações renunciáveis: “[a] sociedade de advogados do árbitro actualmente possui relacionamento comercial significativo com uma das partes ou com uma afiliada de uma das partes” e o facto (ii) subsume-se, pelo menos (dando de barato que não se subsume também na previsão daquele ponto 2.3.6. – no sentido da subsunção poderia dizer-se que a assessoria num negócio daqueles não decorre num momento preciso, antes se prolonga necessariamente, e não ocorreu no passado, pois foi no decurso do processo arbitral), na previsão do ponto 3.1.4 das mesma directrizes, incluído na lista laranja, que se refere às situações em que “[A] sociedade de advogados do árbitro actuou, nos três últimos anos, para ou contra uma das partes, ou uma afiliada de uma das partes, em assunto não relacionado, sem o envolvimento do árbitro.”
As listas vermelhas “contêm uma enumeração não taxativa de situações específicas que, dependendo dos factos pertinentes de um determinado caso, suscitam dúvidas justificáveis a respeito da imparcialidade e independência do árbitro. Ou seja, nessas circunstâncias, um conflito de interesses objectivo existe do ponto de vista de um terceiro razoável com conhecimento dos factos e circunstâncias relevantes […]. A Lista Vermelha Renunciável […] identifica situações sérias, mas não tão graves [quanto as das irrenunciáveis]. Em vista da sua seriedade, ao contrário das circunstâncias descritas na Lista Laranja, tais situações devem ser consideradas renunciáveis apenas se e quando as partes, uma vez cientes do conflito de interesses, manifestarem expressamente a sua intenção de manter o árbitro na sua função, nos termos do disposto no Princípio Geral 4(c).” (ponto 2 da parte II daquelas directrizes).
“A lista laranja constitui uma enumeração não taxativa de situações específicas que, dependendo dos factos do caso concreto, podem, aos olhos das partes, suscitar dúvidas quanto à imparcialidade ou independência do árbitro. Assim, a lista laranja reflecte situações que se poderiam enquadrar no Princípio Geral 3(a), impondo […] ao árbitro o dever de revelar a sua existência. Em todas essas hipóteses, entende-se que as partes aceitaram o árbitro se, após tal revelação, não for apresentada objeção em tempo útil nos termos do disposto no Princípio Geral 4(a).” (ponto 3 da parte II das directrizes).
Os factos em causa indiciam – como decorre das directrizes invocadas - claramente a existência de um conflito de interesses: o árbitro em causa tem, naturalmente, um interesse na manutenção da relação especial da S com a sua sociedade, ou seja, em que esta relação não acabe: uma sociedade de advogados tem um fim lucrativo e os sócios dessa sociedade participam nos respectivos lucros, mesmo que não tenham intervenção nos negócios concretos que deram origem aos mesmos (como decorre do respectivo regime jurídico, sendo este resultante no essencial da conjugação dos artigos 213 a 222 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 145/2015, de 09/09, alterado pela Lei 23/2020, de 06/07, com o regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais da Lei 53/2015, de 11/06, e do regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais da Lei 2/2013, de 10/01). Ora, uma decisão arbitral imparcial desfavorável aos interesses da S podia pôr em causa essa relação. Estava pois indiciado, como se disse, um conflito de interesses objectivo do ponto de vista de um terceiro razoável com conhecimento do conjunto destas circunstâncias; ele só por si identifica uma situação séria que apenas poderia ser considerada irrelevante se e quando a C, uma vez ciente do conflito de interesse, manifestasse expressamente a sua intenção de manter o árbitro na sua função.
O árbitro em causa tinha, por isso, o dever de revelar aqueles factos, existentes no decurso do processo arbitral, porque, aos olhos das partes, eles seriam susceptíveis de suscitar dúvidas justificáveis sobre a sua independência e imparcialidade (conforme artigos 13/1-2 da LAV, 10/2a do Código Deontológico do CAC e art. 7/1 do CD da APA).
[vista a independência como o atributo do árbitro que tem total liberdade e autonomia para julgar o litígio  (Manual de arbitragem Internacional Lusófona, vol. I, coordenação de Catarina Monteiro Pires e Rui Pereira Dias, vol. I, Almedina, 2020, estudo de Mariana Martins-Costa Ferreira, pág. 131), e a imparcialidade como “a necessidade de que o árbitro, ao julgar o litígio, não esteja inclinado a favorecer uma parte ou outra por motivos estranhos ao quanto discutido no procedimento arbitral, em respeito ao princípio do contraditório” (mesmo Manual e estudo – pág. 126]
O facto de não ter revelado, como devia, aqueles factos, para mais tendo em conta que outros factos, que revelavam uma ligação muito menos próxima com as partes, tinham sido revelados pelos árbitros, inclusive no decurso do processo, não pode deixar de suscitar, do ponto de visto de um terceiro razoável, conhecedor de todos aqueles factos, dúvidas justificáveis sobre a independência e imparcialidade daquele árbitro, até porque essas dúvidas podiam ter sido reforçadas, no sentido da sua certeza, caso a revelação tivesse sido feita, possibilitando a melhor averiguação pela parte de outros factos e circunstâncias relevantes (: “O objectivo da revelação é informar as partes sobre uma determinada situação que, se elas desejarem, podem examinar melhor para apurar se, objectivamente - ou seja, do ponto de vista de um terceiro razoável com conhecimento dos factos e circunstâncias relevantes – existem dúvidas justificáveis quanto à imparcialidade ou independência do árbitro” (ponto 4 da parte II das directrizes já referidas da IBA).
A distinção entre os critérios do dever de revelação pelo árbitro – o dever de revelação tem natureza subjectiva ainda que mitigada: é o árbitro que aprecia e decide o que revelar, embora deva fazê-lo segundo aquilo que, ‘aos olhos das partes’, possam suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência – e o critério da decisão de recusa ou de anulação da sentença – as circunstâncias têm natureza objectiva: têm de existir fundadas dúvidas aos olhos de um terceiro razoável – está explicada na LAV anotada da APA, págs. 232-234, 238, 257-258, fazendo referência a um caso em que a Cour de Cassation anulou o acórdão da Cour d’Appel por esta não ter explicado como é que os factos em causa poderiam ser considerados como originando dúvidas razoáveis acerca da independência e imparcialidade do árbitro. No mesmo sentido, veja-se o Manual de Arbitragem internacional lusófona, obra e estudo citados, nas páginas 134 a 142 e também, pág. 132: “a função do dever de revelação é permitir que as partes possam controlar o cumprimento dos deveres de imparcialidade e independência dos árbitros. No entanto, o descumprimento do dever de revelação por si só não significa que o árbitro não é independente ou imparcial.”
Entretanto, de tudo o que antecede decorre, para além do mais, que a violação do dever de revelação põe em causa, também, o direito de defesa da parte potencialmente prejudicada com essa violação, pois que, como se vê, o dever de revelação é um mecanismo preventivo para assegurar o respeito / efectivo cumprimento dos requisitos da independência e imparcialidade (Manual de Arbitragem da Universidade Nova de Pinto Monteiro, Flamínio da Silva e Daniela Mirante, 2019, Almedina, pág. 262). A finalidade do dever de revelação é, precisamente, a de “permitir verificar e controlar a independência e imparcialidade dos árbitros” (Tratado de Arbitragem, citado, pág. 152).
Sendo que a questão ainda se pode pôr de outra perspectiva, qual seja, a de a violação do dever de revelação ter inquinado o processo arbitral de um modo suficientemente grave a não permitir a certeza de que a sentença arbitral tenha sido proferida no fim de um processo equitativo. No mesmo sentido Sampaio Caramelo, obra citada (agora na 2.ª edição, 2018, pág. 61) quando fala na “exigência de independência e imparcialidade como decorrência do direito a um processo equitativo estabelecido no art. 20/4 da CRP (e páginas 21-22).
Seja como for, o argumento de que “a não revelação, por si só, não basta para considerar um árbitro parcial ou com falta de independência: apenas os factos ou circunstâncias que não foram por ele divulgados podem permiti-lo”, não é um argumento contra a possibilidade da anulação com o fundamento da violação do dever de revelação, mas sim a explicitação de mais um requisito para que essa violação, junto com mais alguma coisa, possa servir de fundamento da anulação.
Mas tendo em conta tudo o que já se disse, não se trata como pretende a S, apenas da verificação da violação do dever de revelação.
Ou seja, aceitando-se a posição de que não basta a violação do dever de revelação para se preencher a previsão do fundamento de anulação da sentença arbitral (art. 46/3(a/iv) da LAV), tendo que se demonstrar o desrespeito dos requisitos da independência e da imparcialidade, como garantias, tal posição não tem implicações no caso em que se demonstra também essa violação.
Isto é, violado o dever de revelação e verificando-se factos suficientes para se concluir pela aparência da violação da garantia da independência, há fundamento suficiente para a anulação da sentença arbitral (ou seja, na síntese do ac. do TRL de 13/09/2016, processo 581/16.7YRLSB.-1, citado pela S, embora num caso de recusa de árbitro, julgada improcedente, “O eventual incumprimento (ou cumprimento defeituoso) do dever de revelação, […] não constitui só por si motivo de desqualificação do árbitro. Para que tal possa ocorrer é necessário que nesse incumprimento se manifestem circunstâncias donde se possam extrair indícios que permitam, objectivamente, fundar um juízo de afectação da independência e imparcialidade”).      
Neste sentido, por exemplo, o Manual de arbitragem da UN, citado, páginas 260-270, especialmente páginas 263, 264 – “o segundo meio de reacção passa pelos modos de impugnação da sentença arbitral: acção de anulação. […O] não cumprimento do dever de revelação, conjugado com a falta de independência e imparcialidade, pode, em abstracto, levar à anulação da sentença arbitral, sendo possível invocar vários fundamentos, designadamente os previstos na subalíneas (ii) e (iv) da alínea (a) do n.º 3 do art. 46 da LAV e na subalínea (b) do mesmo preceito” – e 401 (no mesmo sentido, ainda a LAV anotada da APA, págs. 66-67; para além da doutrina e jurisprudência referidas pela C, entre elas a LAV comentada, coordenação de Mário Esteves Oliveira, nas páginas, para além das citadas pela C, 125-132, 141, 142 e 194 a 204).
No acórdão do TRL 1445/20 invocado pela C (mas registe-se que este acórdão julga a acção improcedente), cita-se ainda a seguinte passagem da obra de Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2.ª edição, Almedina, pág. 307: “Todavia, se a parte interessada não teve conhecimento do facto indiciador da falta de independência a não ser após a sentença arbitral ter sido proferida, ficaria impedida de suscitar a questão perante o tribunal arbitral. […] Nesse caso particular, entendemos que cabe acção de anulação ao abrigo da citada subalínea (iv) da alínea (a) do número 3 do artigo 46.º da LAV".
*
A anulação das sentenças arbitrais, por causa da violação deste dever, junto com este tipo de circunstâncias, é frequente (os links e os desenvolvimentos que se seguem são deste acórdão – excepto quando resulte que é do Manual citado a seguir -, tal como as traduções informais, feitas com base no tradutor do Google; não se colocou o texto original porque os links permitem a consulta/confronto com o original):
No Manual de arbitragem da UN, citado, páginas 133, 140-141 lembra-se um acórdão de 19/04/2017, 9.412, do Superior Tribunal de Justiça brasileiro (também citado na LAV anotada da APA, pág.282, nota 310) que entendeu - apesar de a acção de anulação da sentença arbitral intentada nos EUA ter sido julgada improcedente quer na 1.ª instância quer no tribunal de recurso – que, dada a natureza contratual da arbitragem, que põe em relevo a confiança fiducial entre as partes e a figura do árbitro, a violação pelo árbitro presidente do dever de revelação de quaisquer circunstâncias passíveis de, razoavelmente, gerar dúvida sobre sua imparcialidade e independência, obsta a homologação da sentença arbitral. Entendeu-se também que a prerrogativa da imparcialidade do julgador é uma das garantias que resultam do postulado do devido processo legal e que ofende a ordem pública nacional a sentença arbitral emanada de árbitro que tenha, com as partes ou com o litígio, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes (arts. 14 e 32, II, da Lei 9.307⁄1996 [o art. 32, II, da Lei dispõe: Art. 32. É nula a sentença arbitral se: II - emanou de quem não podia ser árbitro; […].
O Manual da Lusófona, faz a seguinte síntese do caso (págs. 133, 140 e 141):
“Na disputa entre Abengoa Bioernergia Agrícola Ltda e outras versus Adriano Ometto Agrícola Ltda e outros, o litígio tem origem no contrato de compra e venda de quotas, por meio do qual Adriano Ometto transferiria ao Grupo Abengoa o controle sobre as sociedades do Grupo Dedini Agro, que controlavam determinadas usinas produtoras de açúcar e etanol no Estado de São Paulo. Após a transferência do controle, a compradora descobriu determinadas informações sobre o negócio, que, na sua visão, teriam sido omitidas ou manipuladas durante a negociação do contrato. Em virtude disso, a compradora iniciou arbitragem com sede nos Estados Unidos. Ao final, a sentença arbitral foi favorável à compradora, condenando os vendedores ao pagamento de US$ 100 milhões. Após a sentença arbitral, os vendedores descobriram que o presidente do tribunal arbitral teria deixado de revelar relações entre o escritório de advocacia, do qual é sócio, e o grupo Abengoa durante o decurso da arbitragem em questões. Diante disso, os vendedores buscaram a anulação da sentença arbitral nos Estados Unidos, porém sem sucesso. No Brasil, a homologação da sentença arbitral estrangeira foi contestada por esses e outros fundamentos. O Superior Tribunal de Justiça, ao final, decidiu não homologar a sentença arbitral, por entender que o facto de o escritório do árbitro presidente  ter tido relações com sociedade do Grupo Abengoa não ter sido revelado colocaria em dúvida a imparcialidade e independência do árbitro.”
Este Manual salienta
“o facto de o árbitro não ter conhecimento de determinado facto ou circunstância que gere dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência não influencia na decisão sobre a irregularidade da formação do tribunal arbitral. […O] Superior Tribunal de Justiça brasileiro não homologou sentença arbitral estrangeira, pelo facto de o árbitro presidente não ter revelado relações de seu escritório com sociedades relacionadas a uma das partes. O seu desconhecimento dos factos não foi suficiente para afastar a alegação de parcialidade e dependência do árbitro. Assim, o STJ concluiu que "mesmo que se admita que não se contaminou, in concreto, pela convivência negocial entre seu escritório, terceiros interessados e a parte vencedora na arbitragem, ainda assim eventual desconhecimento dos factos não descaracteriza a sua dupla suspeição".
O relator deste acórdão brasileiro, que teve 8 votos contra um do primitivo relator, lembra que:
“Além disso, só se tem por válida a renúncia à garantia da inafastabilidade da jurisdição estatal quando os árbitros gozam de independência e confiança das partes.”
Entre o muito mais, no voto do relator que fez vencimento consta:
“Consta nos autos, e isso é incontroverso, que o escritório de advocacia do árbitro presidente representou a empresa SE na operação de aquisição das acções que a A-S⁄A detinha na companhia T-S⁄A, avaliada em US$ 2 bilhões. Sobre esse facto, adopto as considerações lançadas no parecer subscrito pelo Dr. CARLOS ALBERTO CARMONA:
"Por outro lado, negociações pressupõem contactos com representantes, directores ou accionistas, de modo que não se sabe qual o nível de relacionamento que pode resultar de uma negociação contratual. É por tudo isso que se exige que tal contacto entre árbitro e partes seja informado (e, eventualmente, explicado), para que não possa restar dúvida, reserva ou ressalva sobre o fato. Se a parte for informada do relacionamento (próximo ou distante, favorável ou desfavorável) com algum dos contendentes, cabe-lhe o ónus de solicitar os detalhes que julgar oportunos. Se aceitar o árbitro, depois de receber todas as informações de que necessita, não terá do que reclamar. Mas, se não puder se informar, é natural o sentimento de desconfiança, resultante da informação relevante omitida. Em outros termos, o facto em questão não poderia deixar de ser revelado, pois tem o potencial de macular a independência do árbitro-presidente. Se a parte tivesse tido o conhecimento da informação poderia ter recusado o julgador; isso só não foi possível por conta da falha do árbitro-presidente em desincumbir-se de seu dever de revelação" (e-STJ, fls. 1.251⁄1.252).
Além disso, em outra operação, o fundo de investimentos FR, cliente habitual do escritório, adquiriu, no curso da arbitragem, acções da sociedade A-S⁄A, que é a holding controladora do grupo A. Nessa operação, avaliada em US$ 400 milhões, o escritório do árbitro presidente igualmente prestou assessoria ao Departamento de Energia dos EUA para a aprovação da operação, com todos os envolvimentos daí decorrentes.
Tais factos evidenciam que o escritório do árbitro presidente teve contactos relevantes com sociedades do grupo A e com questões de alta importância para o grupo económico no curso da arbitragem. Ainda que não se trate de relações cliente-advogado, por certo que não podem ser desconsideradas, sobretudo se levados em conta os valores nelas envolvidos, o que autoriza seu enquadramento na cláusula aberta de suspeição prevista no inciso V do art. 135 do CPC.”
E mais à frente conclui:
“Evidenciada, a meu juízo, a presença de elementos objectivos aptos a comprometer a imparcialidade e independência do árbitro presidente, que não foram revelados às partes como determina a lei, não vejo como homologar as sentenças arbitrais, em respeito aos arts. 13, 14, caput e § 1º, 32, II e IV, 38, V, e 39, II, da Lei n. 9.307⁄1996 ( Lei de Arbitragem).”
No voto-VISTA da MINISTRA NANCY ANDRIGHI lembrou-se entre o muito mais, que:
“[…] em interessante trabalho intitulado "A ética e a imparcialidade na arbitragem" (Revista de arbitragem e mediação, v. 10, n. 39, p. 17-37, out.⁄dez. 2013. pp. 29⁄30), ARNOLD WALD faz a seguinte análise da jurisprudência da Corte Internacional de Arbitragem da CCI a respeito de alegações de vício de parcialidade:
"a análise das decisões da CCI em matéria de confirmação e impugnação de árbitros por suposto vício em sua independência e⁄ou imparcialidade denota que, além de serem poucos os casos de não confirmação ou destituição do árbitro, estas somente ocorrem em casos em que há uma clara relação de prestação de serviços entre o árbitro, ou o escritório de advocacia ao qual pertence, e a parte na arbitragem ou empresa do mesmo grupo. Assim, não houve confirmação, por exemplo, nos seguintes casos: (a) O escritório de advocacia do árbitro representava a controladora de uma das partes e uma de suas afiliadas à época da nomeação [...] (e) Sócios do árbitro prestavam serviços à parte que o indicou ou partes a ela relacionadas em diversos casos, ainda que não relacionados à arbitragem em questão; [...] (j) O escritório de advocacia a que pertencia o árbitro prestava serviços para a parte que o indicou ou subsidiárias pertencentes ao mesmo grupo económico, ainda que em matérias não relacionadas à arbitragem; [...] As diversas situações acima enumeradas, em que a CCI recusou o árbitro inicialmente nomeado ou aceitou a impugnação formulada por uma das partes, demonstram inequivocamente que eventual dúvida justificada quanto à independência ou imparcialidade do árbitro decorre, necessariamente, da existência de verdadeira relação de prestação de serviços ou clientela entre o árbitro ou o escritório de advocacia a que pertence e a parte na arbitragem ou outra a ela relacionada."
E mais à frente:
“Ao não revelar aos requeridos que na pendência do procedimento arbitral seu escritório havia recebido vultosos honorários de empresa pertencente ao grupo económico das ora requerentes, o árbitro-presidente do tribunal arbitral que proferiu as sentenças homologandas não só violou frontalmente o Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), especificamente os itens 2 e 3 do art. 7.º, na redação vigente à época (itens 2 e 3 do art. 11 na atual redação, acima transcrito), como tolheu dos requeridos o direito de apresentar recusa formal contra ele antes de serem proferidas as sentenças homologandas, o que, a meu ver, configura não só violação ao Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), como também evidente cerceamento de defesa”.
Num outro voto-vista, crê-se de que de Herman Benjamin, diz-se:
“[…] Julgamentos, judiciais ou arbitrais, proferidos com a participação de julgador suspeito violam a ordem pública brasileira. […]”
O mesmo Manual de AIL lembra o caso COMMONWEALTH COATINGS CORP., Petitioner, v. CONTINENTAL CASUALTY CO. et al., Supreme Court, Nov. 18, 1968 (393 U.S. 145, 89 S.Ct. 337 / 21 L.Ed.2d 301), com 3 votos em desacordo, assim sintetizado pelo Manual, pág. 141:
“O Supreme Court dos Estados Unidos entendeu que a falha no cumprimento do dever de informar teria gerado ao menos aparência de parcialidade do árbitro. No caso, uma das partes pediu a anulação da sentença em virtude do descobrimento, após a prolação da sentença, que uma das partes teve negócios com o árbitro presidente. O árbitro tinha uma empresa de engenharia, que desenvolveu negócios em Porto Rico, tendo como cliente uma das partes. Ocorre que essas informações não foram reveladas pelo árbitro, quando foi indicado, tendo sido descobertas apenas após a prolação da sentença.”
No texto, o voto do relator /1.º voto, afirma:
“A Seção 10 [da lei da arbitragem] autoriza a anulação de uma sentença quando […] onde houve parcialidade evidente […] nos árbitros. Essas provisões mostram um desejo do Congresso de fornecer não apenas qualquer arbitragem, mas uma arbitragem imparcial. É verdade que o peticionário não acusa o terceiro árbitro de ter sido realmente culpado de fraude ou parcialidade ao decidir este caso, e não temos motivos, além da relação comercial não revelada, para suspeitar dele por quaisquer motivos impróprios. Mas nem este árbitro nem o contratante principal deram ao peticionário sequer uma indicação das estreitas relações financeiras que existiram entre eles por um período de anos. Não temos dúvidas de que, se um litigante pudesse demonstrar que um presidente de um júri ou um juiz num tribunal de justiça tinha, sem o conhecimento do litigante, tal relação, o julgamento estaria sujeito a contestação. […] É verdade que os árbitros não podem cortar todos os seus vínculos com o mundo dos negócios, já que não se espera que eles obtenham toda a sua renda com seu trabalho decidindo casos, mas devemos, no mínimo, ser ainda mais escrupulosos em salvaguardar a imparcialidade dos árbitros do que dos juízes, uma vez que os primeiros têm total liberdade para decidir a lei, bem como os factos e não estão sujeitos a revisão de apelação. Não podemos perceber como a eficácia do processo de arbitragem será prejudicada pela simples exigência de que os árbitros divulguem às partes quaisquer negociações que possam criar uma impressão de possível parcialidade.”
O mesmo Manual cita ainda, na pág. 129, o caso WILLIAM C. VICK CONSTRUCTION COMPANY, Movant Appellant/Appellee, v. NORTH CAROLINA FARM BUREAU FEDERATION, Respondent Appellant/Appellee, n.º COA95-964, Court of Appeals of North Carolina, July 2, 1996, 472, S.E.2d 346, 1996, em que
“o facto de o árbitro único não ter revelado relações sociais, de negócios e profissionais próximas com sócios do escritório de uma das partes foi a causa para que fosse considerada a existência de parcialidade” [e anulada a sentença arbitral - TRL].
No texto, entre o mais, o relator escreve:
“Com base no exposto, descobrimos que o Sr. Kirby, o único árbitro nomeado, não revelou vários relacionamentos sociais, comerciais e profissionais com sócios no escritório de advocacia que representa o Farm Bureau, exceto por sua descrição de seu relacionamento com o Sr. Aldridge. Além disso, descobrimos que essas relações provavelmente afectariam a imparcialidade ou criariam razoavelmente uma aparência de parcialidade ou viés. Também observamos que as relações envolvidas no caso diante de nós não são meramente triviais por natureza. Ver Creative Homes and Millwork v. Hinkle, 109 N.C.App. 259, 426 S.E.2d 480 (1993) (sustentando que uma sentença arbitral deve ser anulada se um árbitro deixar de divulgar qualquer relação que não seja de natureza meramente trivial). De facto, o Sr. Kirby tinha relacionamentos comerciais significativos e amizades com o advogado do Farm Bureau.
Por causa da falha do Sr. Kirby em divulgar afirmativamente esses relacionamentos, o tribunal de primeira instância errou ao não conceder a moção da Regra 59 a Vick. Portanto, revertemos e reenviamos.”
O mesmo Manual de arbitragem internacional lusófona lembra (págs. 128-129) que
“em dois casos julgados pela Câmara da Corte de Cassação francesa, o facto de o árbitro ter revelado genericamente que já tinha sido indicado pelas sociedades do grupo de sociedades ao qual a requerida pertencia não foi considerado suficiente para afastar a alegação de parcialidade do árbitro. No caso Société Somoclest Bátiment c. Société DV construction, Cour de cassation, civile, Chambre civile 1, 20 octobre 2010, 09-68.997, o árbitro não informou que já havia sido indicado 51 vezes por sociedades do grupo de uma das partes. Já no caso M. Marcel Batard et a. e/ Sté Prodim et a. Cour de cassation, civile, Chambre civile 1, 20 octobre 2010, 09-68.131, o árbitro tinha sido nomeado 34 vezes por sociedades do grupo da requerida em demandas envolvendo o mesmo tipo de contrato (contrato de franquia), e em todos esses casos a sentença arbitral foi favorável às sociedades do grupo em questão. Em ambos os casos a sentença arbitral foi anulada por irregularidade na constituição do tribunal arbitral.” [os links aqui como acima, foram colocados agora por este TRL].
Quanto ao primeiro caso o Manual acrescenta (pág. 141):
“O facto de o árbitro único ter revelado apenas que era indicado regularmente pela parte, mas não ter especificado que já havia sido indicado nada menos que 51 vezes pela parte para atuar como árbitro, foi a causa para anulação da sentença arbitral. Para a corte francesa, portanto, as especificidades da relação do árbitro com a parte precisariam ser informadas na sua integralidade para que a parte pudesse exercer a sua avaliação sobre eventual conflito de interesses.”
Em ambos os casos, a Cour de Cassation começa assim:
Tendo em conta o artigo 1484-2° do CPC, juntamente com o artigo 1452, parágrafo 2º, do mesmo código.
O art. 1484-2 do CPC dizia: Quando, de acordo com as distinções do artigo 1482.º, as partes tenham renunciado ao recurso, ou não tenham expressamente reservado esta faculdade na convenção de arbitragem, pode, no entanto, ser interposto recurso de anulação do acto qualificado como sentença arbitral, apesar de qualquer estipulação em contrário. Ele só é aberto nos seguintes casos: […] Se o tribunal arbitral foi constituído irregularmente ou o árbitro único foi nomeado irregularmente]; depois da reforma de 2011 o art. 1492-2 diz: O recurso de anulação só é admissível se: […] O tribunal arbitral estiver indevidamente constituído; […]
O art. 1452-2 do CPC dizia: O árbitro em relação ao qual existe [qui suppose en sa personne] uma causa de impugnação deve informar as partes. Nesse caso, ele só pode aceitar sua missão com o acordo dessas partes. Depois da reforma do CPC de 2011, o art. 1456-2 do CPC diz: Cabe ao árbitro, antes de aceitar a sua missão, revelar qualquer circunstância suscetível de afetar a sua independência ou a sua imparcialidade. Ele também é obrigado a divulgar sem demora qualquer circunstância da mesma natureza que possa surgir após a aceitação de sua missão.
[a alteração feita pela reforma de 2011, nesta parte, fica explicada num comentário de um outro ac. da Cour de Cassation [Cour de cassation, civile, Chambre civile 1, 10 octobre 2012, 11-20.299], indépendance et impartialité de l’arbitre: la prudence est de mise tant pour la revélation que la récusation des arbitres [independência e imparcialidade do árbitro: a cautela é necessária tanto para a divulgação quanto para a impugnação dos árbitros] de Squire Patton Boggs, le 2 novembre 2012, PUBLIÉ DANS ARBITRAGE - MEDIATION: No antigo regime, o árbitro devia supor o que as partes pudessem conceber como fundamento de impugnação. Este trabalho de imaginação levou a um resultado mais ou menos relevante dependendo do árbitro. A soma das duas subjetividades (das partes e do árbitro) pode levar a um resultado aleatório. Este texto [o antigo - TRL] não incentivou a revelação. Pode-se perguntar se o acórdão de 10 de Outubro teria sido proferido tal como está em aplicação do novo artigo 1456.º, al.2. O árbitro deve [com o novo texto - TRL] recorrer à incidência  razoavelmente previsível segundo o seu julgamento, o que o professor Clay chama de temperamento subjetivo de uma obrigação de divulgação objetiva? Admitamos que a obrigação de revelação do árbitro não é uma coisa fácil, até porque a jurisprudência ainda é flutuante].
No segundo caso (20 octobre 2010, 09-68.131), a Cour de Cassation diz:
Considerando que resulta do primeiro desses textos que o recurso de anulação da sentença é aberto se o tribunal arbitral estiver irregularmente composto e do segundo que o árbitro em relação ao qual se verifica uma causa de impugnação deve informar as partes e só pode, neste caso, aceitar sua missão com o consentimento delas.        
O motivo da anulação foi:
“[…] o carácter sistemático da designação de uma determinada pessoa pelas sociedades do mesmo grupo, a sua frequência e a sua regularidade a longo prazo, em contratos comparáveis, criaram as condições para um fluxo de negócios entre esta pessoa e as sociedades do grupo, partes no processo, de modo que o árbitro estava obrigado a revelar a totalidade dessa situação à outra parte para que esta pudesse exercer o seu direito de impugnação, […]”.
Já depois da alteração de 2011 do CPC francês, a Cour de cassation, civile, Chambre civile 1, 3 octobre 2019, 18-15.756, julgou improcedente um recurso contra um acórdão da Cour de Appel de Paris  de 27/03/2018, que anulou uma sentença arbitral, com base nas seguintes considerações:
“[…] era responsabilidade do árbitro informar as partes sobre qualquer circunstância susceptível de afectar sua independência ou imparcialidade ocorrida após a aceitação de sua missão [como árbitro no processo arbitral - TRL]; […] a missão confiada no decurso da arbitragem pela empresa Porsche [uma entidade do grupo Volkswagem que era a ré no processo arbitral] à firma H&M [à qual pertencia o árbitro designado pela autora do processo arbitral e do recurso de anulação contra a sentença arbitral que tinha julgado improcedente os seus pedidos], foi de inegável importância aos olhos desta última [da H&M], ao figurar, como bastante assinalável, ao abrigo da sua comunicação, no “top 5” em 2014 e 2015 dos seus casos mais notáveis; que por estas declarações, que procedem do seu soberano arbítrio, a cour de appel […] justificou legalmente a sua decisão sobre a existência de uma dúvida razoável quanto à independência e imparcialidade do [árbitro].”
Este acórdão foi comentado sob o título de Contours de l’obligation de Révélation de l’arbitre : l’exception de notoriété, por Claire Debourg le 12 décembre 2019, na Dalloz actualité.
A comentadora lembra que a ré, depois recorrente contra a decisão arbitral,
“argumentou que o tribunal estava indevidamente composto, tendo um dos árbitros omitido a divulgação de certos vínculos entre seu escritório de advocacia e empresas pertencentes ao grupo da ré, factos que ela teria descoberto após a entrega da sentença.
As circunstâncias invocadas eram essencialmente de dois tipos. […] De seguida, a edição 2015/2016 deste directório referia que a mesma empresa tinha representado a empresa Porsche, também entidade do grupo Volkswagen, no âmbito de um litígio em curso.
Para dar provimento a esse pedido e anular a sentença, a Cour d’Appel […] considerou que a missão de representação em arbitragem de empresa do grupo da ré por parte do escritório do árbitro, circunstância não revelada por este último, era fundamento para a anulação. […] Esta informação não divulgada foi considerada susceptível de suscitar nas partes uma dúvida razoável quanto à independência e imparcialidade do árbitro, justificando a anulação da sentença.
[…] a recorrente [na revista contra o acórdão da Cour d’Appel] contestou o método pelo qual a Cour d’Appel considerou que havia uma dúvida razoável neste caso quanto à imparcialidade do árbitro.
[…] A Cour de Cassation aprovou a solução adoptada pela Cour d’Appel de Paris.
[…]
Quanto à questão da apreciação da existência de uma dúvida razoável, a Cour de Cassation considera que a Cour d’Appel justificou legalmente a sua decisão referindo-se à importância, aos olhos do escritório do árbitro, do caso que não tinha sido revelado, importância cuja avaliação coube ao seu poder soberano.
[…]
Este caso é, assim, uma oportunidade para rever brevemente os contornos do dever de revelação do árbitro e, correlativamente, os deveres que incumbem às partes. Mais especificamente, dois pontos requerem atenção, a saber, por um lado, a natureza das circunstâncias susceptíveis de suscitar uma dúvida razoável quanto à independência ou imparcialidade do árbitro […]
[...] A questão dos vínculos que o escritório ao qual pertence o árbitro mantém com entidades do mesmo grupo de uma das partes da arbitragem frequentemente coloca-se na prática [...]. [...] Se tais vínculos não são necessariamente fonte de parcialidade real ou falta de independência por parte do árbitro, nem mesmo necessariamente susceptíveis de suscitar uma dúvida razoável quanto às qualidades exigidas do árbitro, a sua existência deve pôr em causa a imagem que poderiam projetar (no sentido de uma avaliação caso a caso, ver IBA Guidelines on Conflict of Interest in International Arbitration 2014, General Standard 6).
Nesse assunto, é preciso cautela, mesmo que todos esses vínculos não valham o mesmo. Para apreciar a existência de uma obrigação de divulgação dos vínculos entre um árbitro e a sociedade de uma das partes ou de sociedade do mesmo grupo, a jurisprudência recorre a vários elementos, designadamente, à natureza […] ou à frequência das relações de interesse [...], a sua proximidade temporal da arbitragem ou mesmo a sua importância financeira [...]. Tais circunstâncias são susceptíveis de ser submetidas a revelação, desde que, ao menos, apresentem certa importância e/ou certa proximidade temporal com a arbitragem em andamento.
No entanto, a jurisprudência não é perfeitamente clara e não exige sistematicamente uma verdadeira corrente de negócios [...], deixando muito à casuística e, portanto, à incerteza. Por exemplo, em julgamento de 10 de março de 2011, a Cour d’Appel de Paris decidiu que devia ser revelada a circunstância de um dos árbitros ter mantido vínculos com um escritório de advocacia - tendo sido advogado do escritório por cerca de dez anos, vários anos antes da arbitragem, tendo depois indicado que já tinha sido consultado duas ou três vezes por esta mesma firma – uma vez que o advogado de uma das partes era à data da arbitragem colaborador desse escritório […].
No caso comentado, um dos elementos levados em consideração é a importância que o escritório do árbitro atribuía ao seu relacionamento com a empresa do grupo da ré. A Cour d’appel observou que o escritório de advocacia ao qual pertencia o árbitro tinha comunicado sobre sua representação da empresa Porsche a ponto de incluí-la em seu "top 5 dos casos mais importantes do ponto de vista jurídico ou para o desenvolvimento do escritório" e que "esta publicação através da qual os escritórios de negócios destacam os casos mais lisonjeiros com que se defrontaram e os clientes mais cobiçados que os encomendaram é um importante elemento de comunicação que não pode ser deixado ao acaso. A tomada em consideração destes elementos foi contestada sem sucesso na revista, tendo a Cour de Cassation considerado que as enunciações pelas quais a Cour d’Appel constatou que a missão de representação da empresa Porsche “revestia uma indiscutível importância aos olhos” do escritório decorriam do seu poder soberano de avaliação, e que elas lhe permitem “justificar juridicamente a sua decisão sobre a existência de dúvida razoável”.
A contribuição do acórdão não é absolutamente determinante sobre este ponto, aparecendo a importância do caso apenas como um dos indícios susceptíveis de justificar a existência de uma dúvida razoável. Neste sentido, a Cour d’Appel relevou igualmente, "em acréscimo", a existência de uma missão de 2010 confiada pela mesma empresa Porsche ao escritório do árbitro, "missão certamente de pouca importância, mas não declarada pelo árbitro e não tornada pública pelo empresa".
Além disso, além da importância da missão, cabe destacar que ela também foi concomitante à arbitragem. Essa proximidade temporal também pesa na balança. A título de exemplo, lembremos que o facto de o escritório do árbitro realizar uma missão para uma das partes ou para empresa do mesmo grupo é considerado enquadrado na lista laranja das Diretrizes da IBA, ou seja, circunstâncias sujeitas a obrigação de revelação, mesmo na ausência de relação comercial significativa entre o escritório e esta empresa (caso se verifique tal corrente de negócios, as Directrizes da IBA consideram então que a circunstância se enquadra na “Lista Vermelha renunciável”). A avaliação da Cour d’Appel não é, portanto, surpreendente.
[…]
O árbitro deveria ter revelado esses factos de forma a permitir que as partes apresentassem, se necessário, um pedido de recusa. A obrigação de revelar tem, assim, uma "virtude preventiva" [...] pois, na falta de reacção nos prazos, as partes serão consideradas como tendo renunciado ao direito de invocar o agravo e não poderão mais requerer a anulação da sentença com esse fundamento. […]
[…]
Acresce que, no caso em apreço, era difícil alegar que os vínculos revelados – a saber, o facto de o árbitro ter sido nomeado árbitro num outro litígio por uma sociedade pertencente ao grupo de uma das partes - fossem semelhantes aos que foram posteriormente descobertos - nomeadamente o facto de representar uma sociedade deste mesmo grupo num litígio, até porque, no primeiro caso, o árbitro actua com total independência e autonomia face à parte que o nomeou.
[…]”
Vejam-se as similitudes deste comentário/síntese do regime vigente em França em fins de 2019, com aquilo que já foi dito acima e com aquilo que ainda terá de ser dito:
O enquadramento do caso no problema da composição do tribunal arbitral (ou seja, no nosso art. 46/3(a/iv) da LAV; a omissão de divulgação de certos vínculos entre o escritório de advocacia do advogado e empresas pertencentes ao grupo da ré, factos descobertos após a entrega da sentença; a consideração de que a circunstância não revelada pelo árbitro era fundamento para a anulação porque susceptível de suscitar nas partes uma dúvida razoável quanto à independência e imparcialidade do árbitro; o facto de o tribunal de cassação ter considerado que o tribunal de apelação justificou legalmente a sua decisão referindo-se à importância, aos olhos do escritório do árbitro, dos vínculos não revelados (o escritório de advocacia ao qual pertencia o árbitro tinha comunicado sobre a sua representação da empresa a ponto de incluí-la em seu "top 5 dos casos mais importantes do ponto de vista jurídico ou para o desenvolvimento do escritório" e que "esta publicação através da qual os escritórios de negócios destacam os casos mais lisonjeiros com que se defrontaram e os clientes mais cobiçados que os encomendaram é um importante elemento de comunicação que não pode ser deixado ao acaso)”; o ter-se em conta a natureza dos vínculos, a frequência das relações de interesse, a proximidade temporal com a arbitragem e a sua importância financeira (a permitir a inclusão em hipóteses das listas vermelhas e laranja das directrizes da IBA); e o facto de os vínculos revelados não serem semelhantes aos que foram posteriormente descobertos.
*
Assim o facto de a lei não se referir expressamente aos requisitos para o exercício da função dos árbitros como causa da anulação no art. 46/3a/iv da LAV, não impede a inclusão do caso no fundamento relativo à composição do tribunal, porque a expressão legal – composição do tribunal - é suficiente para os incluir, como tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência nacional e jurisprudência estrangeira, como o demonstram os casos, sínteses e comentários citados acima (veja-se ainda Sampaio Caramelo, obra citada - agora na 2.ª edição, 2018, páginas 21-22 e 61 a 67: […] este requisito considera-se normalmente preenchido quando o tribunal arbitral tenha sido incorrectamente constituído; […] irregularidade na composição do tribunal arbitral compreende os casos em que os árbitros não preenchem os requisitos indispensáveis de independência e imparcialidade).
A comparação com o regime da nulidade das sentenças dos tribunais estaduais, para se concluir que “a descoberta do facto-fundamento, quando ocorra após a decisão final, não determina a sua invalidade”, como não determinaria a invalidade das sentenças dos tribunais estaduais, não é significativa porque a independência e a imparcialidade dos juízes dos tribunais estaduais resulta principalmente do princípio do juiz natural e da sua exclusividade para o exercício das suas funções, o que não se verifica no caso dos juízes arbitrais.
De qualquer modo, enquadrado o problema no fundamento anulatório expresso da “composição do tribunal”, é irrelevante que tal fundamento não exista também para as sentenças estaduais. Na doutrina e jurisprudência estrangeira citada acima, no Brasil, EUA e França, nunca se pôs tal questão como obstáculo à anulação das sentenças arbitrais, como se vê na discussão feita acima, principalmente em França em termos coincidentes com aquela que pode ser feita em Portugal, embora se trate de um recurso de anulação e em vez de uma acção de anulação, e se pode ver também no conjunto de normas respectivas no Livre IV: L'arbitrage. (Articles 1442 à 1527); Titre Ier : L'arbitrage interne. (Articles 1442 à 1503).
O Manual de arbitragem da UN, citado, páginas 100 e 260 lembra que:
“[…A]o contrário do que sucede num processo estadual, onde vigora o princípio do juiz natural e onde as partes não desempenham qualquer papel na constituição do tribunal e na designação dos juízes, na arbitragem as partes assumem um papel fulcral na constituição do tribunal, nomeando os árbitros (ou, pelo menos, tendo essa possibilidade). A ausência deste princípio leva a que se coloquem problemas na arbitragem que não existem nos tribunais estaduais, desde logo, problemas de independência e imparcialidade dos árbitros. A este respeito, importa observar que, enquanto nos tribunais estaduais os juízes se presumem independentes e imparciais (uma vez que, por norma, não conhecem as partes, nem são escolhidos por elas), nos tribunais arbitrais não é exactamente assim, uma vez que são as próprias partes que os nomeiam. Essa é uma das razões pela qual vários autores entendem que a questão da independência e imparcialidade é, à partida, consideravelmente mais importante, sensível e difícil na arbitragem do que é nos tribunais estaduais.”
Também o Manual de Arbitragem Internacional Lusófona, pág. 123, diz:
“[…] O árbitro é profissional que actua, no mais das vezes, também como advogado, consultor, perito, professor, etc. Há maior probabilidade de o árbitro ter proximidade com as partes e seus advogados do que o juiz. Nesse sentido, há ainda mais rigor na apreciação da imparcialidade e impessoalidade do árbitro do que do juiz estatal.”
Este Manual cita (mesma página, nota 328) um outro estudo (MATTI S. KURKELA/ TURUNEN SANTU, Due process in international commercial arbitration, p. 115) em que se refere:
“Na lei de arbitragem nacional de muitos países, o padrão de independência e imparcialidade é o mesmo que é aplicado aos juízes nos tribunais estaduais. No entanto, os processos arbitrais carecem de algumas das garantias institucionais naturais aos tribunais. Os tribunais [arbitrais - TRL] são, em muitos casos, nomeados ad hoc e os árbitros não têm garantia de subsistência como árbitros. Além disso, os árbitros têm actuado em vários cargos nos mundos empresarial e jurídico e, portanto, muitas vezes estão muito mais ligados ao mundo externo do que os juízes comuns. De muitas perspectivas, isso é um grande benefício, mas da perspectiva da imparcialidade isso causa problemas potenciais.”
Quanto ao requisito de a desconformidade ter influência decisiva na resolução do litígio, como se diz na LAV comentada com coordenada Mário Esteves de Oliveira (embora nem todos os autores da obra estejam de acordo, na íntegra, com esta interpretação), páginas 558-560 e 562-563, ele “deve ser entendido no sentido de se tratar de uma influência apenas potencial ou possível na decisão final”, isto é, a violação deve relevar quando, sem ela, “a resolução do litígio poderia, possível ou conjecturalmente – nem sequer verosimilmente -, ter sido (algo) diferente, não sendo necessário demonstrar que” a mesma teve “efectiva e decisivamente influência na decisão”. Pois que se a fórmula empregue pela lei não fosse “interpretada com alguma largueza”, a prova do requisito “tornar-se-ia, nas mais das vezes, praticamente impossível.” “A LAV tem [portanto…] que ser objecto de uma interpretação restritiva, consonante com o direito processual constitucionalmente imanente.” Tudo isto “para evitar que se exija a quem instaurou a acção de anulação […] a realização de provas impossíveis (sobre a influência efectiva e decisiva da [violação do dever de revelação] na resolução final do litígio.”
No mesmo sentido Sampaio Caramelo, obra citada (agora na 2.ª edição, 2018, pág. 63 a 65): a sentença pode ser anulada independentemente de tal fundamento ter afectado relevantemente aquela… este requisito considera-se normalmente preenchido quando o tribunal arbitral tenha sido incorrectamente constituído; espec. 65 e esp. nota 137: “[…] se o que se pretende questionar é a composição do tribunal arbitral, o preenchimento do requisito contido na dita expressão torna-se muito mais fácil, visto que será muito difícil negar a ‘influência decisão na resolução do litígio’ que teria o facto de o tribunal ser eventualmente composto por outras pessoas.”  
As declarações feitas pelos árbitros anexas ao compromisso arbitral não têm, nem de longe, o mesmo relevo da que está em causa na 1.ª situação que afecta o árbitro nomeado pela C que agora estão em análise. Basta a leitura delas, transcrita acima, para se concluir nesse sentido. A declaração feita na audiência final, pelo árbitro nomeado pela S tem ainda menos relevo, até porque se refere ao patrocínio contra a S, não a favor da S. Por outro lado, estando todas estas situações muito longe da que está em causa neste caso, o facto de, mesmo assim, elas terem sido feitas, torna ainda mais clara a violação do dever de revelação por parte do árbitro designado pela C. Por fim, perante o que aqui se conclui, o facto de a C não ter reagido perante todas essas declarações não demonstra, de forma alguma, que, perante as situações não reveladas que agora estão em causa, também não reagisse.
Quanto ao argumento da ausência de prova da influência da violação na resolução do litígio, isto é, de que sem o voto do árbitro em causa a decisão seria a mesma, já que ela foi unânime, está a esquecer a razão de ser fundamental da composição de um tribunal por três árbitros: presume-se que a discussão travada entre três árbitros conduz a um melhor resultado do que uma decisão tomada por uma só pessoa: é a ponderação de argumentos aduzidos pelos vários árbitros que conduz a esse melhor resultado. Pelo que, nunca se pode ter a certeza de que, um outro árbitro nomeado pela C, não levaria à modificação do sentido da decisão.
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Por fim, quanto ao argumento de que a C teria de alegar e provar a data em que teve conhecimento dos factos agora invocados, ou seja, de que ela teria de alegar e provar que só depois da sentença arbitral é que teve conhecimento da violação do dever de revelação, isto é, a superveniência subjectiva das circunstâncias fundamentadoras do pedido de anulação, diga-se que as coisas funcionam ao contrário, por força do art. 342/2 do CC [: A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.], concretizado pelo art. 343/2 do CC [: Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei].
São aqueles que pretendem que a pessoa que está a agir contra eles já não tem o direito de que se arroga, por ter sido ultrapassado o prazo em que ele devia ter sido exercido, contado a partir da data de um outro facto, que têm de alegar e provar a verificação desse facto extintivo, ou seja, no caso, teria que ser a S a alegar, e o ónus de tal não ficar provado corria por sua conta, de que a C tinha tido conhecimento da violação do dever de revelação pelo seu árbitro antes do acórdão arbitral ter sido proferido, tendo, por isso, caducado o direito dela o invocar agora.
É o que resulta das normas do CC citadas acima, podendo ver-se uma aplicação de tal entendimento no caso paralelo dos embargos de terceiro que têm de ser deduzidos, numa das alternativas, no prazo de 30 dias subsequentes àquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa ao direito (art. 344/2 do CPC).
Neste sentido, isto é, de que “[c]abe ao embargado, nos termos do art. 343/2 do CC, demonstrar a extemporaneidade dos embargos, mediante a prova de o embargante ter tido conhecimento da diligência ofensiva há mais de 30 dias” vão Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, CPC anotado, 1.º vol, 4.ª edição, 2021, pág. 681, com referência a inúmera jurisprudência e doutrina no mesmo sentido e a dois acórdãos em sentido contrário); Rita Lynce de Faria, Comentário ao CC, parte geral, 2014, UCP/FD/UCE, pág. 815; Lebre de Freitas, CC anotado, vol. I, 2.ª edição, CEDIS/Almedina, 2019, pág. 458; Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de processo civil, vol. II, AAFDL/CIDP, 2022, páginas 866-867: “Os embargos repressivos devem ser apresentados nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa […]; o prazo de dedução dos embargos repressivos é um prazo de caducidade submetido ao regime do art. 138/1-4 [do CPC…]. Se for necessária a prova da observância do prazo de dedução de embargos, cabe aos embargados a prova do decurso do prazo (art. 343/2 CC). Portanto, o embargante goza da presunção do respeito do prazo da dedução dos embargos.” E mais à frente: “O embargante deve deduzir a sua oposição à penhora do bem ou direito numa petição inicial (art. 344.º, n.° 2). Este articulado pode ser indeferido nos termos gerais art. 590, n.º 1) e ainda com fundamento na extemporaneidade da sua dedução (art. 345). Note-se, no entanto, que, atendendo a que é ao embargado que cabe provar que os embargos foram requeridos fora de tempo (art. 343, n.º 2, CC), a petição de embargos nunca pode ser indeferida com base na falta de prova pelo embargante de que os embargos foram requeridos em tempo (cf. TRL 08/02/2018, proc. 2768/15.0T8CSC-A.LI-6). Assim, o indeferimento liminar da petição de embargos por extemporaneidade só pode verificar-se quando, em função dos elementos fornecidos pelo embargante nesse articulado, se verificar que aquela petição foi apresentada fora de tempo”; e Salvador da Costa, Os incidentes de instância, 2016, 8.ª, Almedina, páginas 185 a 187, com inúmeras outras referências jurisprudenciais; e, apenas por exemplo, os acórdãos do STJ de 08/11/2022, proc. 3321/16.7T8LOU-B.P1.S1 [que em texto diz que “é verdade que, como se disse, e é jurisprudência pacífica, é à embargada que cabe provar a intempestividade dos embargos (matéria que integra a excepção peremptória da caducidade); é a ela que cabe provar que o embargante teve conhecimento do arresto e não deduziu embargos (art. 343º, nº 2 do CC); e que, ao contrário do que sustenta o acórdão [recorrido], o que conta para se aferir da tempestividade não é o suposto conhecimento mas o conhecimento efectivo”]; de 07/05/2015, revista n.º 5122/07.4TBSTB-C.E1.S1; de 18/11/2010, revista n.º 332-D/1999.E1.S1; de 18/12/2008, revista n.º 4234/07 – estes três apenas publicados como sumários no site do STJ; e de 01/04/2008, proc. 08A046 (com referência a inúmeros outros no mesmo sentido); e também, entre muitos outros, o ac. do TRG de 01/03/2018, proc. 231/16.1T8AVV-A.G1.
Contra, e assumindo-se como tal (embora apenas refira dois acórdãos e nenhuma doutrina em sentido contrário), veja-se, por exemplo, o ac. do TRC de 15/01/2022, proc. 636/08.1TBLRA-B.C1: […] Alegando o embargante que teve conhecimento da diligência ofensiva depois da data em que esta foi efectuada, só evitará a preclusão do direito de embargar se vier a demonstrar que deduziu os embargos no prazo de 30 dias contados de tal conhecimento; contra, quanto ao ónus da prova da superveniência subjectiva, Miguel Teixeira de Sousa, CPC online, versão 2022.12, na anotação 4 ao art. 344 do CPC, diz: “(a) Cabe ao embargado provar que os embargos de terceiro foram deduzidos fora de prazo (art. 342.º, n.º 2, CC). (b) A prova da superveniência subjectiva incumbe ao embargante (art. 588.º, n.º 2) (em conclusão, RC 15/1/2022 (636/08)). A favor desta solução pode invocar-se a ressalva de um regime especial que consta da parte final do art. 343.º, n.º 2, CC.”
O argumento novo deste Professor é o que decorre do art. 588/2 do CPC. Esta disposição é uma excepção para a questão dos factos supervenientes em acções que já estão a decorrer, pelo que não tem analogia com a questão dos factos supervenientes como base para o direito de intentar uma acção. Compreende-se que se exija a prova da superveniência quando a meio de um processo se pretenda apresentar novos factos essenciais constitutivos ou extintivos, mas já não que se exija a prova dela sob pena de se considerar caducado o direito que se pretende exercer, o que aliás estaria em directa oposição com a regra dos artigos 342/2 e 343/2 do CC.
Em suma: considera-se que se verifica este fundamento de anulação da sentença arbitral, ou seja, o do art. 46/3(a/iv – início) da LAV.
*
Apesar da procedência deste fundamento, considera-se que se devem apreciar todos os outros fundamentos invocados, de modo a evitar que, eventual recurso quanto a ele, que seja julgado procedente, implique a necessidade de novo acórdão desta Relação, que poderá vir a ser, por sua vez, objecto de novo recurso, eventualmente procedente, e assim por diante, o que levaria a que esta acção não tivesse um fim facilmente previsível.
Assim,
((III))
Da violação do dever de fundamentação da Sentença Arbitral
324. O ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV prevê que a sentença arbitral pode ser anulada pelo tribunal estadual competente quando “[f]oi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 42.º”.
325. Por sua vez, o n.º 3 do artigo 42.º da LAV estatui que “A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º”.
326. Ora, as Partes não dispensaram o Tribunal Arbitral do dever de fundamentar a sua decisão, nem a Sentença Arbitral foi proferida com base em acordo das Partes.
327. O Tribunal Arbitral tinha, assim, o dever de fundamentar a sua decisão, o que não ocorreu no que respeita aos alegados factos com base nos quais o Tribunal Arbitral fundamentou a sua decisão no sentido de declarar extinto o Contrato de Empreitada devido a um suposto incumprimento bilateral imputável a ambas as partes.
328. Como é sabido, “[a] exigência de fundamentação das sentenças arbitrais (quando não seja dispensada pelas partes, nos casos em que se admite essa estipulação) é considerada como uma garantia destinada a assegurar o respeito dos direitos da defesa ou, pelo menos, a assegurar que o juiz (ou árbitro) examine as razoes aduzidas pelas partes ou ainda como condição de legitimação (e de aceitabilidade) da decisão pela qual os árbitros resolvem o litígio”(SAMPAIO CARAMELO, António, A impugnação da sentença arbitral, Coimbra Editora, 2014, p. 59).
329. Este vício, pela sua própria essência, afecta o equilíbrio de todas as decisões constantes de uma sentença, ensombrando a sua validade e a validade e o merecimento de tudo quanto na mesma se considera (cfr. ac. do TRL de 12/04/2018, proc. 417/17.1YRLSB-8).
330. O dever de fundamentar a decisão é ainda uma exigência constitucional, conforme decorre do artigo 205.º da CRP, porquanto constitui uma proteção contra o arbítrio de quem decide e uma garantia da realização da Justiça.
331. Devendo corresponder a um exame prático da prova produzida, a especificação dos factos provados, as razões que justificam a aplicação da lei aos factos e a conclusão resultante da conjugação dos factos provados com a lei aplicável (cfr. ac. do TRL de 21/03/2019, Proc. 1412/18.9YRLSB.L1-2).
332. Em face do disposto no citado preceito, deve entender-se que falta a fundamentação se não forem inteligíveis as concretas razões de facto e de Direito da decisão, mesmo quando esta for tomada com base na equidade.
333. Ou seja, o que interessa é que o tribunal consiga explicar às partes porque decidiu em determinado sentido, enunciado, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, e tornando percetível o iter lógico jurídico seguido na resolução do litígio (cfr. ac. do STJ de 16/03/2017, Proc. 1052/14.1TBBCL.P1.S1, seguido por acórdão do STJ de 17/04/2018, Proc. 484/16.5YRLSB.L1.S1).
334. Conforme sustenta MARIANA FRANÇA GOUVEIA, “só há cumprimento do dever de fundamentação quando resulte claro, para uma pessoa média, o caminho e a razão da decisão” (Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2014, 3ª edição, p. 307), o que não sucede in casu.
335. Pode, por conseguinte, uma decisão arbitral ser anulada se o seu discurso fundamentador for inexistente, incompreensível, obscuro ou inacessível ao comum e mediano jurista.
336. Pelo exposto, a Sentença Arbitral deverá ser anulada por falta de fundamentação, nos termos do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, nos termos e com os fundamentos que doravante se expõem.
337. Ao abster-se de fundamentar as suas decisões sobre os temas da prova, a Sentença Arbitral fez uma interpretação incorreta do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, que está em violação do artigo 205.º da CRP.
338. Uma interpretação do n.º 3 do artigos 42.º, e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV que admita uma sentença não fundamentada, ou que admita que uma sentença se encontra fundamentada desde que dela constem alguns fundamentos e que apenas a absoluta ausência de fundamentos seria reconduzível ao vício previsto naqueles artigos da LAV, é materialmente inconstitucional por violação do dever de fundamentação previsto no artigo 205.º da CRP.
Da inexistência de fundamentação quanto à decisão sobre a matéria de facto
Introdução
339. Nas palavras do ac. do TRC de 13/06/2018, proc. 771/15.0PAMGR.C1, “Na motivação da decisão de facto é bastante a fundamentação da sentença recorrida quando o tribunal a quo elencou as razões da valoração que efectuou, identificando a prova por declarações, testemunhal, pericial e documental que relevou na formação da sua convicção e indicando os aspectos da mesma que conjugadamente o levaram a concluir no sentido de considerar demonstrada a factualidade da acusação, para além de ter assinalado de forma lógica e racional os fundamentos que no seu entendimento justificam a credibilidade que reconheceu e peso probatório que conferiu às citadas declarações e depoimento.”
340. Neste extrato estão admiravelmente resumidas as regras a que os Tribunais Judiciais se devem ater na fundamentação da matéria de facto das suas sentenças.
341. O Tribunal deve identificar os elementos de prova a que recorreu relativamente a cada facto objeto de tema da prova e dar a conhecer as razões da valoração que efetuou, para além de assinalar de forma lógica e racional os fundamentos que no seu entendimento justificam a credibilidade que reconheceu e peso probatório que conferiu a cada elemento de prova.
342. É este o padrão pelo qual devemos avaliar a fundamentação que um órgão jurisdicional, seja ele um tribunal arbitral ou judicial.
343. Sem prejuízo, a jurisprudência é clara em como só a ausência de fundamentação permite justificar a anulação da sentença arbitral, nos termos do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º.
344. Cumpre, no entanto, densificar o que se entende por ausência de fundamentação neste contexto.
345. O mesmo TRC pronunciou-se sobre este tema no acórdão de 21/02/2018, proc. 194/17.6YRCBR: “Em face do disposto nos artigos 205/1 da CRP e 154 do CPC, deve entender-se que falta a fundamentação se não forem inteligíveis as concretas razões de facto e de direito da decisão - a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório.”
346. E, nas palavras do mesmo TRC, em acórdão de 26/11/2019, proc. 100/19.3YRCBR.C1: “Porque ao tribunal ad quem está vedado a apreciação do mérito da sentença, mesmo na vertente da fixação dos factos, a sua anulação por falta de fundamentação fáctica ou jurídica apenas emerge se esta, de todo, inexistir, ou se não for perceptível o iter lógico jurídico que nela se seguiu para dirimir o litígio.”
347. Como bem destaca MENEZES CORDEIRO (Em Tratado de arbitragem: comentário à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, Coimbra Almedina, 2016, p. 441-442), seguindo a mesma posição a maioria doutrinária (Cfr. MARIANA FRANÇA GOUVEIA, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 3.ª Edição, p. 308; ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO, A Impugnação da Sentença Arbitral, p. 65; e PAULA COSTA E SILVA, Os Meios de Impugnação de Decisões Proferidas em Arbitragem Voluntária no Direito Interno Português, Ano 56, I, Janeiro de 1996, Lisboa, p.186) e jurisprudencial (veja-se, a título de exemplo, o ac. do STJ de 17/04/2018, Proc. 484/16.5YRLSB.L1.S1, já citado), “devem ser equiparadas à falta de fundamentação as justificações fantasiosas, desconexas ou em contradição com a decisão”.
348. Assim, estão também, nesta causa de anulação, as sentenças “carecidas de fundamentação ou cujos fundamentos essenciais estejam em contradição (entre si ou) com a decisão” (Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, Coord. Mário Esteves de Oliveira, Coimbra Almedina, 2014, p. 564).
349. Nesta matéria, dá-se aqui por reproduzido o que acima se alegou nos artigos 120 a 233 supra.
350. Em conformidade com o ac. do TRL de 27/06/2019, processo 2794/18.8YRLSB.L1-2: “o juiz deve saber comunicar a sua decisão, de modo a que cumpra o desígnio de realização concreta do direito, de forma eficaz para os seus destinatários e para a comunidade em geral”, pois é “a fundamentação, como elemento de comunicação, que fornece os meios para confrontar a decisão com os seus pressupostos, tornando possível o seu exame”.
351. E, nas palavras do mesmo TRL, em acórdão de 17/06/2014, proc. 27984/12.3T2SNT.L1-1, “O dever de fundamentar previsto na Lei da Arbitragem Voluntária corresponde integralmente ao idêntico dever previsto na Constituição da República e no CPC quanto aos Juízes dos Tribunais do Estado, e que é válido indistintamente tanto no que respeita à fundamentação, em matéria de facto e de direito, do decreto judicial proferido através da sentença ou acórdão sob escrutínio, como para a motivação do julgamento relativo à indicação dos factos provados e não provados na acção ou procedimento em causa”.
352. Sobre o tema em juízo também o ac. do STJ de 22/09/2016, proc. 660/15.8YRLSB.L1.S1: “O preciso âmbito do dever de fundamentação, no que toca à decisão proferida em sede de matéria de facto, tem de atender, em termos funcionalmente adequados, às particularidades relevantes da concreta situação litigiosa, cumprindo verificar se os alegados vícios / nulidades têm, no caso concreto, a relevância substancial susceptível de determinar – atenta a sua influência decisiva na composição do litígio - o gravoso efeito pretendido, traduzido na anulação do acórdão arbitral”.
353. No caso presente, é forçoso concluir que o dever de fundamentação não foi cumprido pelo Tribunal Arbitral, sobretudo no que se refere à factualidade dada como provada e utilizada pelo Tribunal Arbitral para efeitos de fundamentação da decisão ínsita na Sentença Arbitral e que conduziu à declaração de extinção do Contrato.
354. Assim, os factos que foram dados como provados pelo Tribunal Arbitral, acima identificados, desacompanhados de qualquer fundamentação – sem que tenha sido apresentado qualquer elemento de prova que sustente a decisão de os dar como provados – constituem elementos fundamentais na construção da sua decisão de extinção do Contrato de Empreitada.
355. Pelo que, verificando-se a absoluta falta de fundamentação deste acervo de temas da prova nos quais se apoia a decisão final do Tribunal Arbitral, constante do dispositivo da sentença, deve a sentença arbitral ser anulada, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
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A decisão sobre a matéria de facto e sua fundamentação
Introdução
120. Na resposta à matéria de facto constante da Sentença Arbitral, o Tribunal Arbitral clarifica a metodologia adotada para fundamentar a resposta cada um dos factos que integra os temas da prova, a qual consiste em remeter, “por facilidade de exposição, a fundamentação da convicção formada pelo Tribunal, em relação a cada facto provado, (…), sempre que se justifica, para as Alegações Finais das Partes, considerando-se que essa remissão inclui a prova aí referida”  (cfr. Sentença Arbitral junta como doc.1, Ponto 211, pág. 52).
121. Significa isto que a Sentença Arbitral encarrega as Partes, aquando da leitura de cada facto dado como provado, de proceder à consulta e análise de cada fundamento citado, o qual por sua vez, remete para outra documentação que explana ou encontra ligação – ou, pelo menos, deveria explanar e/ou estar conexa – com o correspondente facto dado como provado pelo Tribunal Arbitral na Sentença Arbitral.
122. Assim, para a esmagadora maioria dos factos dados como provados, o Tribunal Arbitral limita-se a fazer remissões para os artigos relevantes das Alegações Finais de ambas as Partes; ocasionalmente, referindo outros elementos de prova que terão sido tomados em consideração.
123. Aliás, lendo com o devido cuidado a “fundamentação” da decisão sobre a matéria de facto da Sentença Arbitral, torna-se evidente que nenhuma das respostas dadas pelo Tribunal Arbitral no sentido de dar como provado determinado facto constante de tema da prova cumpre a mínima exigência de análise da prova e especificação o indicação de qualquer fundamento para a convicção do julgador, não passando de meras remissões para artigos das alegações das Partes e, ocasionalmente, para um qualquer outro elemento de prova.
124. Portanto, o caso em espécie não consubstancia uma análise das provas produzidas, ainda que perfunctória e adaptada à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral, mas sim uma total ausência da referida fundamentação ou contradição da prova produzida.
125. Em face do exposto, procedeu a C à leitura dos artigos das alegações das Partes e documentos ocasionalmente indicados, por referência à técnica utilizada pelo Tribunal.
126. Com relevância para a boa decisão da causa, vejamos em detalhe a “fundamentação” apresentada pelo Tribunal Arbitral por referências aos factos dados como provados indicados no Ponto 388 da Sentença Arbitral, que replicam, respetivamente, os factos dados como provados nos Pontos 277, 287, 295, 305, 317, 326, 330, 345, 350, 354, 358 e 360 da Decisão sobre a Matéria de Facto constante da Sentença Arbitral, todos referentes ao “provado” impacto que as alterações ao projeto e trabalhos a mais solicitados pela C à S no decurso da execução da Empreitada tiveram no incumprimento do prazo da Empreitada por esta.
A fundamentação dos Pontos 277, 287, 295, 305, 317, 326, 330, 345, 350, 354, 358 e 360 da Decisão sobre a Matéria de Facto
(a) Ponto 277 da Sentença Arbitral
127. No facto dado como provado no parágrafo 277 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte: “Os trabalhos de criação de estrutura metálica e assentamento de deck, previstos demorar um total de 12 dias, demoraram, por força das alterações impostas, um total de, pelo menos, 44 dias.”
128. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
129. A fundamentação que o Tribunal Arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigo 100.º das alegações finais da S e esclarecimentos orais prestados pelos Srs. Eng.ºs AM e JM”.
130. Ora, o artigo 100.º das Alegações Finais da S diz o seguinte:
“Nestes termos, os trabalhos de criação de estrutura metálica e assentamento de deck, previstos demorar um total de 12 dias, demoraram, por força das alterações impostas, um total de, pelo menos, 44 (quarenta e quatro) dias.”
131. O artigo 100.º das Alegações Finais da S não remete para qualquer documento, sendo que o Tribunal Arbitral não especifica qual o momento dos esclarecimentos orais dos Eng.os AM e JM que é relevante para fazer a prova deste facto.
132. No entanto, em ponto nenhum deste depoimento é feita referência a uma duração de 44 dias, devida, ou não às alterações pedidas aos trabalhos.
133. Em suma, o único elemento de prova citado pelo Tribunal Arbitral como fundamentação que lhe permitiu dar como provado o tema da prova ínsito no Ponto 277 da sentença arbitral consiste num depoimento que não tem qualquer pertinência para a matéria do facto dado como provado.
134. Uma vez que o Tribunal Arbitral não tece, na sua fundamentação de facto, qualquer consideração quanto à forma como valorou a prova que cita, é impossível reconstituir o iter lógico-jurídico que lhe permitiu concluir que o tema da prova ínsito no Ponto 277 da sentença arbitral deveria ser dado como provado.
135. A fundamentação de facto revela-se, por isso, absolutamente impercetível, o que equivale à sua inexistência, para efeitos de anulação da sentença arbitral.
136. Esta decisão padece, por isso, de uma absoluta falta de fundamentação, que consubstancia uma causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
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Esta argumentação da C apesar de aparentar estar-se a referir também à fundamentação de Direito (aplicação do Direito aos factos) e de facto (os factos) da sentença arbitral, acaba por ter só a ver, com a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto (a motivação da convicção).
Para apreciação das questões postas quanto a esta, considera-se que ela deve ser feita quanto a cada ponto dos factos provados cuja fundamentação é posta em causa, pelo que é esta a altura própria para o fazer, tomando em consideração as alegações da S quanto a tudo o que antecede:
139.º - O terceiro fundamento invocado pela C para a pedida anulação da sentença arbitral prende-se com a sua alegada falta de fundamentação.
140.º Diz a C, em primeiro lugar, que se verifica uma absoluta falta de fundamentação do julgamento sobre a matéria de facto feito pelo Tribunal Arbitral, o que impõe a anulação da respetiva sentença.
141.º Não é, contudo, verdade que assim seja.
142.º Basta ler com alguma atenção a sentença arbitral para se perceber que o Tribunal Arbitral começa por elencar os factos que foram provados por documento e por acordo entre as Partes (capítulo 4.1.1 da decisão do Tribunal Arbitral sobre a matéria de facto).
143.º Refere, a propósito, a sentença arbitral que “Ficaram provados por documentos ou por acordo entre as Partes os seguintes factos (doravante factos Assentes), consoante se consignou no Despacho n.º 10, de 19 de junho de 2020” (cfr. sentença arbitral, página 41/119).
144.º Os referidos factos assentes foram, na verdade, objeto de despacho (Despacho n.º 10, de 19 de junho de 202), que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido (Documento n.º 5), sem que a Autora tivesse então suscitado qualquer problema ou falta de fundamentação.
145.º No tocante aos factos que ficaram provados em resposta aos temas da prova enunciados pelo Tribunal Arbitral, foi esclarecido no texto da sentença que “O Tribunal Arbitral formou a sua convicção com base nos depoimentos escritos e nos prestados em sede de audiência de produção de prova – na medida em que estes se afiguraram relevantes e credíveis -, bem como nos documentos constantes do processo e na prova pericial” (cfr. Sentença Arbitral, página 52/119).
146.º E acrescentou que “Também por facilidade de exposição, a fundamentação da convicção formada pelo Tribunal, em relação a cada facto provado, remete, sempre que se justifica, para as Alegações Finais das Partes, considerando-se que essa remição inclui a prova aí referida”.
147.º A fundamentação do julgamento da matéria de facto controvertida foi, pois, feita por remissão para os meios de prova indicados pelas Partes nas suas alegações, o que não constitui qualquer entrave ao conhecimento da fundamentação da convicção formada pelo Tribunal Arbitral.
148.º De todo o modo, ainda que não o diga de forma expressa, a C parece pôr em causa esta forma de fundamentação da sentença arbitral. Fá-lo, sobretudo, nos artigos 120.º a 251.º da petição inicial que dá por reproduzidos aquando da invocação deste fundamento para anulação da sentença arbitral.
Vejamos em detalhe as razões invocadas pela C.
149.º A C começa por citar alguns acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra concluindo que nos extratos citados estão “admiravelmente resumidas as regras a que os Tribunais Judiciais se devem ater na fundamentação da matéria de facto das suas sentenças” (cfr. artigo 340.º da petição inicial).
150.º E remata, em seguida, dizendo que “É este o padrão pelo qual devemos avaliar a fundamentação que um órgão jurisdicional, seja ele um tribunal arbitral ou judicial” (cfr. artigo 342.º da petição inicial).
151.º Este é o primeiro erro de avaliação que comete a C a propósito da alegada falta de fundamentação da sentença arbitral.
152.º Na verdade, a fundamentação de uma sentença arbitral não segue necessariamente o critério definido para a fundamentação de uma sentença judicial. Por várias razões.
153.º Em primeiro lugar, o disposto no artigo 607.º do CPC, designadamente nos seus números 2 e 3, não é aplicável ao processo arbitral.
154.º A LAV, por sua vez, não estabelece qualquer critério para determinar como a fundamentação da sentença deve ser efetuada. Limita-se a determinar no seu artigo 42.º, n.º 3, que a sentença arbitral deve ser fundamentada, sem determinar, porém, como deve essa fundamentação ser efetuada, como impõe o CPC
155.º Em segundo lugar, a exigência de fundamentação de uma sentença judicial não é a mesma que a de uma sentença arbitral, na medida em que no processo arbitral as partes podem dispensar essa fundamentação, ao contrário do que se verifica no processo judicial, em que a vontade das partes é irrelevante para o cumprimento dessa exigência (cfr. artigo 42.º, n.º 3, da LAV).
156.º A natureza contratual da arbitragem assim o determina.
157.º A menor exigência da fundamentação de uma sentença arbitral decorre, ainda, do disposto no artigo 36.º da Lei Modelo da Uncitral sobre Arbitragem Comercial Internacional, nos termos do qual não é fundamento de recusa do reconhecimento ou da execução de uma sentença arbitral a falta de fundamentação da mesma,
158.º O que significa que uma sentença arbitral estrangeira pode ser executada perante os tribunais judiciais portugueses sem que da mesma conste a fundamentação da decisão.
159.º A menor exigência da fundamentação de uma sentença arbitral decorre, finalmente, da circunstância de um árbitro não ter que ser jurista.
160.º Quantas arbitragens são decididas por engenheiros que, percebe-se bem, não podem (conseguem) cumprir os ditames da fundamentação de uma sentença como imposto pela nossa lei processual civil,
161.º Sendo que o critério de exigência de fundamentação não se pode, naturalmente, alterar em função da formação do árbitro.
162.º Neste ponto em concreto, é inquestionável que o modelo da justiça arbitral assenta em premissas que não se aplicam à justiça estadual.
163.º Sem prejuízo, não há qualquer dúvida que a sentença arbitral tem de ser fundamentada, salvo se as partes assim o dispensarem, o que não aconteceu no presente caso.
164.º A questão seguinte é a de saber se a fundamentação do julgamento da matéria de facto por remissão cumpre ou não o dever de fundamentação.
165.º Na ausência de um critério legal para definir o que constitui uma fundamentação adequada de uma sentença arbitral, o critério estará, entende-se, em determinar se a mesma é ou não inteligível.
166.º Dito de outro modo, o dever de fundamentação da sentença arbitral impõe que a mesma seja inteligível para os seus destinatários, isto é, para as partes no processo,
167.º Pelo que a falta de fundamentação apenas se verificará no caso de ininteligibilidade do discurso decisório, independentemente da forma utilizada pelo tribunal para dar a conhecer as razões da sua decisão.
168.º Ora, a fundamentação por remissão não impede o conhecimento dos fundamentos decisórios sobre a matéria de facto controvertida.
169.º Talvez dificulte, talvez exija um esforço adicional aos seus destinatários, mas não impede, de todo, o conhecimento da razão por que o tribunal decidiu em determinado sentido.
170.º Mas essa exigência de esforço não significa falta de fundamentação.
171.º Trata-se apenas de uma questão de forma, de apresentação da fundamentação, não de conteúdo.
172.º A decisão por remissão não é, por outro lado, um método estranho, encontrando-se previsto no nosso Código de Processo Civil, no seu artigo 656.º, a propósito da decisão liminar do objeto do recurso.
173.º O mesmo se passa com diferentes e diversas normas jurídicas que regulam determinas matérias por remissão para outras normas.
174.º Pode-se discutir se se trata da melhor forma de dar a conhecer o que se pretende, mas não se pode pôr em causa de que se dá conhecimento.
175.º Em conclusão, a fundamentação por remissão, por criticável que seja, não constitui falta de fundamentação e, por isso, fundamento para anulação da sentença arbitral.
176.º Sem prejuízo do que antecede, a verdade é que sentença arbitral impugnada é perfeitamente clara quanto à razão por que decidiu num determinado sentido e não noutro, pois não se limitou e dar como provada a conclusão a que chegou, mas igualmente todos os factos que lhe permitiram chegar a essa conclusão, dando a conhecer os meios de prova em que fundou a sua convicção.
177.º Nos artigos 120.º a 251.º da petição inicial, a C põe em causa a fundamentação do julgamento dos factos integrantes dos parágrafos 277, 287, 295, 305, 317, 326, 330, 345, 350, 354, 358 e 360 da sentença arbitral.
178.º Não é evidentemente por acaso que a C põe em causa a fundamentação do julgamento dos referidos factos, o que decorre da circunstância de serem os factos que permitiram ao Tribunal Arbitral concluir que os atrasos na execução da empreitada contratada são igualmente imputáveis à C.
179.º Mas aparentemente terão sido estes os factos que a C não percebeu por que razão foram julgados provados.
180.º A sentença arbitral explica, no entanto, muito bem, a razão por que o foram.
181.º Vejamos em detalhe como o faz, tomando em consideração o primeiro facto invocado pela C que integra o parágrafo 277 da sentença arbitral.
182.º Para que se perceba, estava em discussão, de acordo com o Tema da Prova em causa, apurar “Se, durante a execução da Empreitada, foram solicitados pela C à S diversos pedidos de trabalhos adicionais, alterações ao projecto e adaptações do projecto do Bloco 1, Bloco 2, Bloco 3, Bloco 4, Torre e Business Centre”.
183.º Em concreto, o Tribunal Arbitral identificou como subtemas de prova “Que concretos pedidos foram solicitados e qual a respectiva natureza”; “Quais as razões subjacentes a cada um dos referidos pedidos”; “Quando foram solicitados tais pedidos”; “Se estes pedidos foram executados e, se sim, quem os executou e em que período de tempo”; e, finalmente, “Se a execução destes pedidos condicionou o normal desenvolvimento dos trabalhos da Empreitada e, se sim, em que medida”.
184.º No tocante aos trabalhos executados no Bloco 2, estava em causa, em primeiro lugar, saber se a construção de um ducto horizontal foi efetivamente realizada, em que condições e se tal construção condicionou ou não os trabalhos da empreitada.
185.º Nos parágrafos 264 a 277 da sentença arbitral impugnada o Tribunal Arbitral dá como provados diversos factos relacionados com a execução do referido trabalho (o ducto horizontal), fundamentando a sua decisão (i) por referência a documentos juntos aos autos pelas Partes, (ii) por referência a depoimentos prestados por testemunhas e peritos em audiência de julgamento e (iii) por remissão para os demais meios de prova indicados nas alegações finais das Partes,
186.º Concluindo então, no referido parágrafo 277, que “Os trabalhos de criação de estrutura metálica e assentamento do deck, previstos demorar um total de 12 dias, demoraram, por força das alterações impostas, um total de, pelo menos, 44 (quarenta e quatro) dias (…)”, o que fundamenta por referência aos meios de prova indicados nas alegações finais das Partes e aos esclarecimentos orais prestados em audiência de julgamento pelos peritos nomeados pelas Partes.
187.º A fundamentação por remissão para os meios de prova indicados nas alegações das Partes constitui, assim, apenas uma das formas utilizadas pelo Tribunal Arbitral para fundamentar a sua decisão no julgamento da matéria de facto.
188.º O que, como anteriormente referido, e conforme resulta da sentença arbitral impugnada, foi feito por facilidade de exposição em atenção às centenas de factos controvertidos em disputa entre as Partes.
189.º É, no entanto, natural que a C não se conforme com a referida conclusão, pois imputa-lhe, também, a responsabilidade pelo atraso na execução dos trabalhos.
190.º Não pode é dizer, de forma séria, que ao ler os parágrafos 264 a 277 da sentença arbitral e os meios de prova indicados nessa sentença e, por remissão, nas alegações finais das Partes, que os fundamentam, que não percebe a razão, a justificação, porque o Tribunal Arbitral chegou a essa conclusão.
191.º O que se deixa dito sobre a fundamentação do julgamento do facto constante do parágrafo 277 da sentença arbitral aplica-se, mutatis mutandis, ao julgamento do facto constante do parágrafo 287 da sentença arbitral.
192.º Em boa verdade, aplica-se a todos os factos identificados pela C no artigo 126 da petição inicial, o que dispensa a S de repetir, em relação a todos e a cada um dos mesmos, o que diz nos artigos antecedentes.
193.º Impõe-se, de todo o modo, uma conclusão final que se afigura relevante na apreciação da metodologia usada pelo Tribunal Arbitral na fundamentação da sentença impugnada e que se prende com a circunstância de essa fundamentação se encontrar muito ligada ao cumprimento do princípio do contraditório, isto é, resultar da aplicação do referido princípio no julgamento da matéria de facto.
194.º Não é certamente por acaso que na fundamentação do julgamento da matéria de facto de praticamente todos os factos que se integram nos parágrafos indicados pela C, o Tribunal Arbitral faça expressa menção à fundamentação e meios de prova constante das alegações finais da S “por oposição” à fundamentação e meios de prova constante das alegações finais da C.
195.º O Tribunal Arbitral é absolutamente claro ao dizer que a razão por que julga determinado facto provado é aquela que a C ou a S indicam nas suas alegações finais, com base nos meios de prova que aí indicam.
196.º Claro que, a par dos demais fundamentos que invoca, o Tribunal Arbitral poderia ter reproduzido no texto da sentença os fundamentos invocados pela C e pela S nas suas alegações finais no julgamento de cada facto, conforme cópia das alegações finais da C e da S que ora se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidas (Documento n.º 6 e Documento n.º 7),
197.º Mas a circunstância de ter remetido para os mesmos, ao invés de os reproduzir no texto da sentença, não constitui qualquer diferença relevante, sobretudo que impeça o conhecimento do fundamento do julgamento de cada facto.
198.º É, pois, evidente que não estamos perante uma situação de falta de fundamentação.
Apreciação:
Decorre das normas legais (principalmente artigos 42/3 e 46/3(a/vi) da LAV) e constitucionais (art. 205/1 da CRP) já citadas acima (pelas Partes) que a sentença arbitral tem de ser fundamentada (excepto quando as Partes tenham dispensado a fundamentação) e também que a falta de fundamentação é causa da nulidade da sentença.
Tem-se entendido, por outro lado, que as exigências de fundamentação de uma sentença arbitral não são exactamente as mesmas que as de um tribunal estadual, ou seja, que elas não são precisamente as do art. 607/3 e 4 do CPC, no sentido de um modelo a ser obrigatóriamente seguido, entre o mais porque, por um lado, não há, por regra, possibilidade de recurso da decisão da matéria de facto e, por isso, todas as razões invocadas para a fundamentação que têm a ver com esta possibilidade, não se aplicam sem mais; por outro, porque as sentenças arbitrais podem ser proferidas por não juristas e, em relação a estes, não tem sentido impor-lhes a aplicação de normas que não têm razão para conhecer bem (mas este argumento só pode ser usado nesses casos e não quanto a sentenças arbitrais de tribunais compostos por juristas experientes, como é, por exemplo, o caso dos autos).
Por fim, há mais ou menos um consenso quanto ao critério a ser adoptado para determinar o grau de fundamentação da sentença arbitral, embora os autores já citados neste acórdão não cheguem aos mesmos resultados práticos.
O critério em causa é o seguinte, na formulação do Manual da UN, citado, pág. 377: “o padrão a seguir na fundamentação é o da inteligibilidade da decisão, ou seja, que as partes tenham a possibilidade de conseguir compreender o leitmotiv em que se ancorou a decisão do tribunal arbitral. Consequentemente, haverá vício de fundamentação da sentença quando não seja possível, atendendo ao texto apresentado pelo tribunal, compreender o que motivou a decisão do tribunal.”
Neste sentido, veja-se também o já citado ac. do STJ de 16/03/2017, proc. 1052/14.1TBBCL.P1.S1: III. Está suficientemente fundamentada a decisão arbitral que enuncia, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos respectivos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, tornando perceptível o iter lógico jurídico seguido na resolução do litígio.
Mas enquanto alguma doutrina aplica este critério de modo a tornar praticamente vazia a exigência de fundamentação, como se vê da invocação de um acórdão onde se diz que “o vício de nulidade por falta de fundamentação […] - invocável através da acção de anulação - só pode ser declarado nos casos em que exista a falta absoluta de motivação. Sempre que a motivação seja deficiente deve essa deficiência ser suprida através de recurso […]” (LAV anotada da APA, citada, pág. 150), já o Manual da UN, citado, esclarece (pág. 377) que: “Não se considera, portanto, a nosso ver, como preenchido o requisito da fundamentação da sentença quando exista uma motivação da sentença em termos contraditórios ou na qual se não justifique, ou seja omissa sobre [em nota lembra o ac. do TRP de 25/11/2014, proc. 245/14.6YRPRT], o que fundou a convicção dos árbitros sobre um facto estar ou não provado [em nota lembra o ac. do TRL de 17/06/2014, proc. 27984/12.3T2SNT.L1-1].”
Veja-se, no mesmo sentido, o ac. do TRL de 14/12/2017, proc. 1079/16.9YRLSB-6 - IV: Apesar da menor exigência da fundamentação quando confrontados com decisões arbitrais – assumida, designadamente, atendendo à proveniência profissional dos árbitros, tipo de formação dos mesmos e eventual menor experiência ao nível do acto de julgar, particularmente no contexto da concretização das regras de Direito adjectivo e exercício do múnus de dizer a Justiça – não é dispensável, havendo matéria de facto impugnada, a precisa e convincente indicação dos meios de prova e das razões de convencimento em que se esteie a decisão incidente sobre a mesma.
A fundamentação exigida no art. 42/3 da LAV abrange as três espécies referidas acima, ou seja, a fundamentação de Direito, a fundamentação de facto (os factos) e a que está agora em causa, ou seja, a motivação da convicção para dar determinados factos como provados.
Ora, a única posição aceitável é a acima referida do Manual da UN, pois que admitir a interpretação contrária seria “admitir que exista uma fundamentação meramente formal e que, nessa medida, se furta ao cumprimento do objectivo que lhe é exigido” (do Manual citado, pág. 376).
Ora, fundamentar a decisão da matéria de facto implica que o tribunal diga, em relação a todos os factos com relevo para a decisão de Direito, quais foram os meios de prova que o convenceram de que aqueles factos estavam provados e porquê.
Como dizem Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo civil, vol. II, AAFDL/CIDP, 2022, pág. 111: “A decisão sobre a matéria de facto deve ser fundamentada (art. 205.º, n.° 1, CRP: art. 24.º, n.º 1, LOSJ; art. 154.º, n.° 1), devendo nela especificar-se os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador quanto aos factos que se julgam provados ou não provados (art. 607.º, n.° 4; cf. também art. 662.º, n.° 2, al. d). A medida da fundamentação é aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e por qualquer terceiro. Através da fundamentação o tribunal deve mostrar as razões da sua convicção (assentes no conhecimento a priori, nas leis do raciocínio e da ciência e nas regras de experiência), pelo que, através dessa fundamentação, ele passa de convencido a convincente.”
Isto não representa uma exigência que seja difícil de cumprir e é hoje feita normalmente por qualquer tribunal estadual, sejam muitos ou poucos os factos e seja muita ou pouca a prova produzida: o tribunal pode limitar-se a dizer que o facto x está provado porque uma testemunha o confirmou, demonstrando ter razões para o saber, e não foi contraditada por nenhuma outra prova.
Se a testemunha confirma o facto e outra desmente-o, a fundamentação tem de ser completada, mas também sem dificuldade especial acrescida: o tribunal tem que explicar porque é que acreditou naquela testemunha e não nesta.
Neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, página 706: com a reforma de 95/96 do CPC, “o tribunal passou a dever, por exemplo, explicitar porque acreditou em determinada testemunha e não em outra, porque se afastou das conclusões dum relatório pericial para se aproximar das de outro, porque razão o depoimento de uma testemunha com qualificações técnicas o convenceu mais do que um relatório pericial divergente ou por que é que é que, não obstante vários depoimentos produzidos sobre certo facto, não se convenceu de que ele se tivesse verificado.” 
Sendo isto assim, a fundamentação que se limite a remeter para o depoimento de testemunhas, sem sequer dizer qual o sentido desse depoimento (no sentido de ter confirmado ou não o facto), não serve. Se o tribunal diz que o facto está provado e como fundamentação acrescenta: cfr. (= confronte - https://www.uc.pt/sibuc/Pdfs/ISBD3) o que foi dito pelas testemunhas x e x, não está a dizer que as testemunhas confirmaram o que foi dado como provado, mas sim a indicar a prova de que se serviu, sem que se saiba porquê. Ora, era isto o que acontecia antes da reforma do CPC de 1995/96, no sistema então muito criticado que permitia uma “fundamentação […] reduzida ao mínimo consistente na menção dos concretos meios de prova em que a convicção tivesse assentado” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, página 705).
A remessa, na fundamentação da decisão da matéria de facto, para um qualquer local que contenha um meio de prova, é a remessa para um meio de prova e, por isso, não tem valor se o tribunal não explicar como é que retirou desse meio de prova a sua convicção. As alegações finais das partes (depois da produção da prova), sem mais nada, são apenas opiniões que elas expressam sobre a prova produzida em julgamento.
*
Apreciação da existência ou não de fundamentação da decisão de dar como provado os factos do ponto 277 da sentença arbitral
No caso dos autos e quanto ao ponto 277 dos factos provados, o tribunal arbitral remete para o artigo 100 e ss das alegações finais da S. Note-se: 100 e seguintes, e não, como transcrito pela C, sem correcção pela S, simplesmente “100”.
Veja-se:
277. Os trabalhos de criação de estrutura metálica e assentamento de deck, previstos demorar um total de 12 dias, demoraram, por força das alterações impostas, um total de, pelo menos, 44 dias (cfr. artigo 100.º e ss das AF da S e esclarecimentos orais prestados pelos Srs. Eng.ºs AM e JM).
Os artigos 100 e 101 (o seguinte, 102, pertence a outra matéria) das alegações finais da S têm o seguinte teor:
100. Nestes termos, os trabalhos de criação de estrutura metálica e assentamento de deck, previstos demorar um total de 12 dias, demoraram, por força das alterações impostas, um total de, pelo menos, 44 (quarenta e quatro) dias.
101. A este propósito esclareceram os Peritos em Audiência de Julgamento o seguinte:
“Senhor Árbitro Presidente
01:28:01 Ó senhor engenheiro, vou-lhe só pedir… eu precisava de pedir aqui um esclarecimento ao seu colega e ao senhor doutor peço licença também. Disse aqui ao tribunal que não se ganhou um mês e já explicou como é que é o processo. O seu colega tinha dito que se tinha ganho um mês. O senhor engenheiro diz, “Não se ganhou um mês”. A minha pergunta é, se se perdeu algum tempo?
Perito: Eng.º JM
01:28:28 Na minha opinião, sim.
Senhor Árbitro Presidente
01:28:29 Quanto?
Perito: Eng.º JM
01:28:30 É difícil quantificar, mas seguramente perdeu-se algum tempo. Até porque este assunto andou a ser discutido imenso tempo.
Senhor Árbitro Presidente
01:28:35 É difícil quantificar. Um dia? Uma semana? Um mês? Ainda que seja aproximado, mas quanto?
Perito: Eng.º JM
01:28:43 Eu acho que umas duas semanas seguramente”. (...)
Perito: Eng.º JM
01:29:59 Demora mais tempo a solução que foi implementada, duas semanas. (...)
Mandatário da S:
00:24:03 Muito obrigado, Senhor Presidente. Senhores engenheiros, ainda sobre esta matéria do impacto, nós tratámos em específico de 2 temas: da piscina e do ducto. Enfim, não vou fazer perguntas relativamente ao impacto que essas obras tiveram que os senhores já responderam. Não que esteja totalmente esclarecido, mas não vou fazer perguntas de forma diferente para tentar obter respostas diferentes. Aqui, o que eu gostaria de saber, da parte dos senhores engenheiros, é se a circunstância …, estou-me a referir a estes 2 temas: piscina e ducto, se relativamente ao primeiro, ao ducto, o problema ter surgido na reunião de obra de 14 de novembro de 2017, em meados de novembro de 2017 e, de acordo ainda com as atas das reuniões de obra que nós temos no processo, esta solução ter ficado fechada a 25 de janeiro - cerca de 1 mês e meio depois dela inicialmente ter sido suscitada.
A pergunta que eu gostaria de vos colocar é saber se isto impacta ou não impacta com a execução dos trabalhos, com a execução da empreitada? Aquilo que nos é dado a ver pela documentação é que durante um mês e meio, a solução, independentemente do que estava previsto no projeto, e as soluções que entretanto os senhores, os senhores salvo seja, o projetista e o empreiteiro terão discutido. Saber se durante um mês e meio, este problema foi objeto de discussão, se isto impacta de alguma forma na execução dos trabalhos?
Perito: Eng.º JM
00:25:37 É evidente que sim.
Mandatário da S:
00:25:41 Sr. Eng. AM?
Perito: Eng.º AM
00:25:42 Eu acho que sim, se ele estivesse no caminho crítico, que eu não sei, não é?”
(...)
“Mandatário da S:
00:28:06 A minha pergunta é esta: é saber se para além do tempo que a execução de qualquer uma das soluções que tenha acabado por ser implementada, se a circunstância de estas alterações ao projeto terem demorado tempo para serem tratadas e definidas em obra, se isto influenciou a execução dos trabalhos em obra?
Perito: Eng.º AM
00:28:27 Se não estão no caminho crítico, não.
Mandatário da S:
00:28:32 Percebo.
Perito: Eng.º JM
00:28:34 Influenciou, acho eu.
Perito: Eng.º AM
00:28:35 Não. Quer dizer, pode ter atrasado, mas não influenciou. (...)”.
Temos assim que a fundamentação da decisão é a remessa para dois artigos das alegações finais da S, um deles conclusivo – no sentido de que ele é uma “soma” do que está para trás, como se revela na expressão “nestes termos” – e para esclarecimentos orais prestados por dois peritos em audiência (durante 7 horas, transcritas em 245 páginas: da 7 à 252).
Quanto aos esclarecimentos invocados por remissão (art. 101), mesmo tendo em conta só o que é transcrito pela S nas alegações finais, vê-se que eles não vão no mesmo sentido e se referem a duas coisas diferentes, em momentos diferentes; uma no âmbito das perguntas feitas pelo árbitro presidente (só respondidas, na parte transcrita pela S, pelo seu perito – perda de 2 semanas) e outra no âmbito das perguntas feitas pelo mandatário da S (respondidas pelos dois peritos, relativas ao atraso derivado do fecho da solução só ter ocorrido a 25/01/2018 quando o problema surgiu a 14/11/2017, período que aquele mandatário diz ser um mês e meio: um diz que influenciou, outro diz que pode ter atrasado, se estivesse no caminho crítico, mas não influenciou, nenhum deles diz em quanto tempo).
Quanto ao que consta do art. 100, a S diz que o que está para trás é o que consta dos pontos 264 a 276 da sentença arbitral e toda a prova aí invocada por remissão.
Os factos em causa são os seguintes:
BLOCO 2
Ducto horizontal
264. O plano original previa a passagem do ducto horizontal por baixo da laje dentro dos tectos falsos do piso 2 mas, em obra, verificou-se que o pé-direito do referido piso era manifestamente baixo para permitir a passagem das condutas no tecto (cfr. artigo 81 das AF da S, artigo 90 das AF da C e facto assente 25).
265. Face a este imprevisto, foi sugerido pelos Projectistas e pelo Arquitecto a demolição da laje existente e a sua reconstrução em betão armado acima da cota existente. Porém, atendendo ao manifesto impacto que tal solução teria sobre a execução da obra, foi sugerida a abertura de negativos na laje existente e a passagem do ducto para cima desta estrutura, criando-se uma infra-estrutura metálica para revestimento e protecção do ducto (cfr. artigo 82 das AF da S e esclarecimentos orais prestados pelos Srs. Eng. AM e JM).
266. A solução originalmente definida em projecto implicava a passagem do sistema de AVAC por baixo da laje e acima dos tectos falsos. Mostrando-se indesejável a execução do projecto em reunião de obra de 21 de Novembro de 2017, foram discutidas as "soluções de estabilidade relacionadas com a demolição de lajes e vigas e sua construção mais expedida", ficando definida uma solução alternativa para colocação do sistema de AVAC por cima da laje e construção de uma infra-estrutura metálica para assentamento do novo piso do solário (cfr. artigo 82 das AF da S, artigo 88 das AF da C e doc.14 junto com a contestação).
267. Tendo em conta, por um lado, que a solução alternativa proposta pela S, de um ponto de vista técnico, não revelava qualquer inconveniente e, por outro lado, que a C também tinha todo o interesse em que a S recuperasse ou, pela menos, não aumentasse o atraso na execução da Empreitada, a C concordou com a alteração solicitada pela S (cfr. artigo 89 das AF da C e esclarecimentos orais prestados pelos Srs. Engºs AM e JM).
268. A C aceitou livre e esclarecidamente a realização do ducto horizontal, para mais estando assessorada por Engenheiros e Arquitectos que acompanharam a concepção e execução da obra desde o seu início (cfr. artigo 83 das AF da S e esclarecimentos orais prestados pelos Srs. Eng AM e JM).
269. A concepção da solução efectivamente executada foi primeiramente discutida entre as partes em 28 de Novembro de 2017, ficando a S a aguardar até 19 de Dezembro a projecção da solução a executar por parte da Arquitectos, sendo iniciada a execução das aberturas da laje em 12 de Janeiro de 2018 (cfr. artigo 88 das AF da S, artigo 91 das AF da C e docs. 15 a 50 juntos com a contestação).
270. Entre, pelo menos, 19 de Janeiro de 2018 e até 6 de Fevereiro de 2018, a S aguardou pela colocação dos elementos de AVAC pelas entidades responsáveis para, em 14 de Fevereiro 2018, ser definido o local de implantação das novas alvenarias a executar (cfr. artigo 89 das AF da S e docs. 15 e 25 juntos com a contestação).
271. No dia 10 de Março de 2018, foi definido pelo Dono de Obra e Projectistas a necessidade de se proceder a uma alteração dessa mesma estrutura metálica já executada (cfr artigo 91 das AF da S, doc. 30 junto com a contestação e primeiro depoimento escrito da testemunha Eng. JC).
272. Após a alteração da estrutura metálica, em 23 de Março de 2018, a S encontrava-se já em processo de aplicação do deck de cobertura quando, entre os dias 26 a 29 de Março de 2018, a C solicitou que a cota do deck ficasse à mesma altura que a cota da soleira da saída do SPA (cfr. artigo 92 das AF da S e docs. 30 e 31 juntos com contestação).
273. O Plano de Trabalhos anexo ao Contrato de Empreitada previa um total de 21 dias para a execução da solução projectada (15 dias para demolição de betão armado e escavações, 11 dias para execução de estrutura nova de betão armado e 12 dias para criar a estrutura metálica e aplicar o deck (cfr. artigo 94 das AF da S e doc.1 junto com o requerimento inicial).
274. A nova solução começou a ser discutida em 28 de Novembro 2017 e a S apenas pode iniciar os seus trabalhos de aberturas da laje em 12 de Janeiro de 2018, tendo de ficar a aguardar a definição do projecto até aludida data. A solução criada foi concebida, estudada, analisada e ensaiada em obra pela equipa de produção da S, pela C e Fiscalização e não tendo por base a execução de um projecto já definido (cfr. artigo 96 das AF da S e docs. 15 e 20 juntos com a contestação).
275. Quanto à estrutura metálica e assentamento do deck o Plano de Trabalhos previa o seu início para o dia 2 de Fevereiro de 2018 e conclusão a 19 de Fevereiro 2018. No entanto, por força das alterações do projecto, a estrutura metálica apenas foi iniciada depois de 14 de Fevereiro de 2018, sendo ainda alvo alteração por parte da C em 10 de Março de 2018, isto é, quase um mês depois (cfr. artigo 98 das AF da S, doc.1 junto como requerimento inicial, docs. 25 e 30 juntos com a contestação e depoimento escrito da testemunha Eng.º JC).
276. Quanto à tarefa de assentamento do deck, a mesma já estava em curso pela S em 23 de Março de 2018, sendo ainda alvo de alteração por parte C em 29 de Março de 2018 (cfr. artigo 99 das AF da S e docs. 30 e 31 juntos com a contestação).
Do conjunto destes pontos, 264 a 276, inclusive, não é possível fazer decorrer o que consta do ponto 277, já que deles, objectivamente, decorre antes um conjunto variado de hipóteses de conjugação de prazos, para além de que vários dados de facto, sem uma explicação adicional, são incompreensíveis; assim, por exemplo, no ponto 273 refere-se que “o Plano de Trabalhos anexo ao Contrato de Empreitada previa um total de 21 dias para a execução da solução projectada” e depois abre-se um parenteses onde consta a referência a três trabalhos, com três períodos de execução, que, somados, dão, não 21 dias, mas sim 38 dias.
Veja-se ainda: a matéria dos pontos 264 a 276 corresponde à matéria dos artigos 79 a 99 das alegações finais da S. Esta, no artigo 97, escrevia: “Verifica-se, assim que a nova solução impactou, pelo menos, 1 mês na execução da obra. Isto correspondia aos artigos 95 e 96 das alegações finais: 95. Para os trabalhos de demolição e execução da nova estrutura de betão o Plano de Trabalhos previa o início em 09/11/2017 e conclusão a 14/12/2017. 96. Verifica-se, no entanto, que a nova solução começou a ser discutida em 28/112017 e a S apenas pode iniciar os seus trabalhos de aberturas da laje em 12/01/2018, tendo de ficar a aguardar a definição do projeto até à aludida data. A solução criada foi concebida, estudada, analisada e ensaiada em obra pela equipa de produção da S, pela C e Fiscalização, o que muito difere da mera execução de um projeto já definido.” Portanto, um mês de impacto na obra por se ter aguardado a definição do projecto. Uma conclusão que, sem mais explicações, não se compreende: se ela devia ter começado a 09/11/2017 e só começou a 12/01/2018, o atraso seria de mais de 2 meses e o impacto seria de 2 meses - x. 
Abra-se um parenteses para esclarecer que impacto é uma coisa diferente do atraso, mesmo para o tribunal arbitral como decorre do facto provado 388: “Os trabalhos de criação de estrutura metálica e assentamento de deck, previstos demorar um total de 12 dias, demoraram, por força das alterações impostas, um total de, pelo menos 44 dias (cfr. ponto 277 acima). Daqui resulta um impacto de 32 dias […].”
Fechado o parenteses, e quanto aos outros 14 dias, a S fá-los derivar dos artigos 98 e 99: “98. Quanto à estrutura metálica e assentamento do deck, o Plano de Trabalhos previa o seu início para o dia 02/02/2018 e conclusão a 19/02/2018. No entanto, por força das alterações do projeto, a estrutura metálica apenas foi iniciada depois de 14/02/2018, sendo ainda alvo de alteração por parte da C em 10/03/2018, isto é, quase um mês depois. 99. Quanto à tarefa de assentamento do deck, a mesma já estava em curso pela S em 23/03/2018, sendo ainda alvo de alteração por parte da C em 29/03/2018.” Assim, embora de forma algo imprecisa, compreende-se a conclusão dos 14 dias.
Tendo em conta estas duas explicações, vê-se como é que a S chega aos 44 dias de atraso (embora os dados que fornece não sejam objectivamente suficientes para se chegar lá): para a S, os 44 dias decorriam de mais ou menos um mês devido à definição do projecto e 12 dias devido às alterações.
O tribunal arbitral elimina alguns dos factos que estavam na base da conclusão da S, não distingue o atraso pela indefinição e pelas alterações, mas chega ao mesmo resultado.
Mas isto é incompreensível: o atraso do 1.º mês, devido à indefinição, é colocado pela S entre 09/11/2017 e 12/01/2018, o que, apesar das imprecisões, é, pelo menos, compatível, ou seja, é possível encaixar esse mês naquele período de 64 dias. Tratam-se apenas de alegações e a S pode deixar no ar o período de 19/12/2017 a 12/01/2018. Já o tribunal arbitral, que tem de aplicar o Direito a factos provados, não pode colocar esse mês no período que está em causa no facto 269 (“A concepção da solução efectivamente executada foi primeiramente discutida entre as partes em 28/11/2017, ficando a S a aguardar até 19/12/[2017] a projecção da solução a executar por parte da Arquitectos, sendo iniciada a execução das aberturas da laje em 12/01/2018.”), pois que entre 28/11 e 19/12 vão apenas, no máximo, 22 dias, e o intervalo entre 19/12 e 12/01 não pode ser imputado à C, pois que não se diz porque é que já tendo a S o projecto a 19/12 só a 12/01 é que iniciou os trabalhos.
Para além disto tudo, não é avançada nenhuma explicação, nem decorre dos factos provados, para o facto de - numa obra com as dimensões que esta obra tinha, em que a escassez de mão de obra afectada pela S à execução da empreitada nos 3 primeiros meses (dos 5 da obra) foi muito significativa, provocando um atraso correspondente a 45% do valor dos trabalhos previstos só para o 1.º mês (factos 398, 399, 402 e 403) -, a imprecisão do projecto quanto a uma parte parcial da obra ter implicado atraso na realização de toda a obra. Se havia escassez de mão de obra afectada pela S à empreitada, o facto de um trabalho não poder ser feita liberta os trabalhadores desse trabalho, permitindo colocá-los noutro trabalho da obra. O tribunal arbitral teria que demonstrar que a S teve trabalhadores parados à espera da definição do projecto para o trabalho em causa, ou que, por essa indefinição, teve trabalhos parados sem poderem avançar, para só então poder concluir, como provado, que o atraso se deveu a essa indefinição. E os árbitros só podiam servir como meio de prova para isso, se tivessem dito isso mesmo.
Assim, da conjugação dos esclarecimentos orais dos peritos com este conjunto de factos, não é possível compreender, minimamente que seja, porque é que o tribunal arbitral conclui o que consta do ponto 277.
Isto para além de que ainda se poderia dizer que o ponto 277 diz claramente respeito aos trabalhos de criação de estrutura metálica e assentamento de deck, e não à construção do ducto horizontal.
Em suma: a fundamentação da prova dos factos do ponto 277 não serve como tal, não permitindo saber porque é que o tribunal arbitral deu esses factos como provados (isto é, como, com os meios de prova para os quais se limitou a remeter, num caso indirectamente, formou a sua convicção sobre esses factos).
Note-se que com todas as considerações agora produzidas sobre os factos em causa não se esteve a discutir a fundamentação da decisão para ver se ela estava correcta, mas apenas para ver se eles, só por si, podiam suprir a falta de fundamentação da decisão de dar como provados os factos do ponto 277, ou podiam equivaler a ela.
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Quanto aos factos do ponto 287 da sentença arbitral
137. No facto dado como provado no Ponto 287 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte:
“Estando prevista a conclusão da piscina exterior para o dia 20 de dezembro de 2017, as modificações atrasaram a conclusão da mesma em 87 (oitenta e sete) dias, correspondente ao período entre 20 de Dezembro de 2017 e 17 de março de 2018”.
138. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
139. A fundamentação que o Tribunal Arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigo 128.º das Alegações Finais da S, por oposição ao artigo 107.º das Alegações Finais da C”.
140. O artigo 128.º das Alegações Finais da S diz o seguinte:
“Nestes termos, estando prevista a conclusão da piscina exterior para o dia 20 de dezembro de 2017, as modificações impostas por parte do Dono de Obra atrasaram a conclusão da mesma em, pelo menos, 87 (oitenta e sete) dias.”
141. O artigo 128.º das Alegações Finais da S inclui a seguinte nota de rodapé: “Período entre 20 dezembro de 2017 e 17 de março de 2018 (data de execução da escada).”
142. Este artigo 128.º não remete para qualquer documentação ou outro tipo de elemento de prova.
143. Já no artigo 107.º das Alegações Finais da C pode ler-se: “Conclui-se assim que não se verificou, contrariamente ao alegado pela S, qualquer disponibilização tardia do projeto de execução da piscina exterior, mas apenas a alteração desse projeto, sugerida pela S, pelas razões acima aduzidas, alteração essa que lhe permitiu poupar tempo na execução da Empreitada.”
144. Este artigo não remete para qualquer documentação ou outro tipo de elemento de prova.
145. Em suma, o Tribunal Arbitral não fundamenta a sua decisão de dar como provado o tema da prova ínsito no Ponto 287 da sentença arbitral em qualquer documento ou outro elemento de prova.
146. Esta decisão padece, por isso, de uma absoluta falta de fundamentação, e, como tal, consubstancia uma causa de anulação da decisão arbitral, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Apreciação:
Antes de mais consigne-se que a S, como resulta da transcrição feita acima da sua contestação desta acção de anulação, não respondeu especificamente quanto à matéria de cada ponto de facto (para além do ponto 277). Por isso, não há nada, aqui como de seguida, que se possa considerar como resposta da S. Há, sim, umas considerações genéricas que ela faz sobre a fundamentação da decisão da matéria de facto, mas essas serão consideradas no final da análise desta parte da petição de anulação.
Este ponto 287 da sentença arbitral consta do seguinte:
“Estando prevista a conclusão da piscina exterior para o dia 20/12/2017, as modificações atrasaram a conclusão da mesma em 87 dias, correspondente ao período entre 20/12/2017 e 17/03/2018” (cfr. artigo 128 das AF da S, por oposição ao artigo 107 das AF da C).
As alegações finais das partes, finda a produção da prova, são apenas as opiniões das partes sobre o resultado dessa prova e sobre a aplicação do Direito a esse resultado. Não são prova de nada. Remeter para um artigo delas não representa nada, como já se explicou acima.
Mais: a “fundamentação” aduzida remete para um confronto entre opiniões das partes sobre a prova produzida. Ou seja, trata-se de remeter o leitor para um julgamento implícito entre as posições das partes, sem se indicar como é que o tribunal arbitral formou a sua convicção no sentido de que era a S que tinha razão, ou seja, que era a versão conclusiva desta que se provava.
No caso, o artigo das AF da S nem sequer contém – como o demonstra a transcrição já feita pela C - a indicação de meios de prova, pelo que, no caso, o tribunal arbitral não fez a fundamentação nem pela indicação indirecta de meios de prova.
De qualquer modo, tendo em conta que o ponto 287 da sentença arbitral é o último da seguinte série de pontos e se pode pensar que ele seja a conclusão do que consta dessa série, veja-se a mesma:
Estrutura da piscina exterior
278. À S foi solicitada i) a alteração da localização da piscina exterior, ii) a execução de trabalhos tendentes a definir a nova localização da piscina exterior, iii) o assegurar da estabilidade do Bloco 1 aquando das escavações iv) a ampliação da cota de profundidade da piscina já parcialmente executada, v) a execução de novas caixas de esgotos e recolha de águas, bem como uma rede de recolha e encaminhamento das mesmas, vi) o fornecimento e a colocação de guardas de vidro não previstas, vii) a alteração do tamanho das guardas de vidro, viii) o fornecimento e a colocação de corrimões não previstos (cfr. artigo 118 das AF da S, depoimentos dos Srs Eng AM e JM e Relatório Pericial).
279. A existência de uma fundação estrutural no local original de implantação da piscina exterior, desconhecida pelas equipas de arquitectura e estruturas, condicionou a normal execução da mesma. Em face da condicionante estrutural, foi decidida a relocalização da piscina exterior (cfr. artigo 119 das AF da S, Depoimentos dos Srs. Engs AM e JM e Relatório Pericial).
280. A demolição da piscina original estava prevista para execução entre os dias 13 e 24 de Novembro de 2017 (10 dias no total) iniciando-se no dia 22 de Novembro de 2017 a execução da nova estrutura de betão armado, a qual se concluiria no dia 20 de Dezembro de 2017, sendo executada em 21 dias (cfr. artigo 122 das AF da S e doc. 1 junto com o requerimento inicial).
281. No dia 21 de Novembro de 2017, as Partes discutiam a melhor solução a implementar face à estrutura encontrada no local originalmente previsto para instalação da piscina. Nesta data, a S já havia iniciado a execução das escavações da piscina original, estando em cumprimento com o prazo determinado no Plano de Trabalhos e a definição da solução para a relocalização da piscina foi inicialmente estudada por parte da Arquitectos e Engenharia em 21 de Novembro de 2017, após confrontação com a existência do elemento estrutural no local da piscina original (cfr. artigos 123 e 121 das AF da S e doc. 14 junto com a contestação).
282. No dia 5 de Dezembro de 2017, a S alerta que o Projecto que lhe foi entregue contém erros e não está em conformidade com o discutido (cfr. artigo 121 e 124 das AF da S e doc. 16 junto com a contestação).
283. Em Dezembro de 2017, a C solicitou ao projectista Engenharia a revisão do projecto de estabilidade, em particular da estrutura da nova piscina, o qual foi entregue em Janeiro de 2018 (cfr. artigo 121 das AF da S e doc. 69 junto com a contestação).
284. No dia 13 de Dezembro de 2017, o projectista Engenharia apresentou a sua proposta para revisão do projecto de estabilidade, que incluía a estrutura da nova piscina, a qual estabelecia um prazo de 30 dias para a disponibilização do Projecto de Licenciamento e de 45 dias para o Projecto de Execução (cfr. art. 126 das AF da S e doc. 69 junto com a contestação).
285. No dia 25 de Janeiro de 2018, a estrutura de betão armado estava executada, aguardando-se a partir de então pela secagem para descofragem, a realizar no final de Fevereiro de 2018 (cfr. artigo 121 das AF da S, artigo 101 das AF da C e doc. 22 junto com a contestação).
286. No dia 17 de Março de 2018, foi construída a escada de acesso à piscina, último elemento de construção Civil (cfr. artigo 127 das AF da S e artigo 140 do requerimento Inicial da S e prova aí indicada).
Disto resulta que, nestes 10 pontos que antecedem o 287 da sentença arbitral, o tribunal arbitral fundamenta a decisão de cada um deles sempre remetendo para as AF da S, em dois deles remete também os depoimentos dos dois peritos - que já se sabe que não apontam no mesmo sentido -, em outros sete remete também para um documento sendo num caso para a prova aí indicada, num deles remete também para as AF da C e num deles remete também paras as AF da C por oposição às da S.
Ou seja, sempre a simples remessa para alegações finais da S e em dois casos também para as da C – sendo que nenhuma delas são prova – e remessa também para alguns poucos elementos de prova, sem nunca se explicar como é que se criou, com eles, a convicção para dar os factos como provados e isso mesmo quando os meios de prova não apontam no mesmo sentido.
Nada disto pode pois salvar a falta de fundamentação de dar como provados os factos do ponto 287.
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Quanto ao ponto 295 da sentença arbitral
147. No facto dado como provado no parágrafo 295 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte:   
“O trabalho adicional [no que concerne ao solário do piso 3] impactou a execução da obra em 13 dias.
148. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
149. A fundamentação que o Tribunal Arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigos 129.º a 141.º das AF da S, artigos 124.º a 131.º das AF da C, por oposição ao artigo 131.º das AF da C”.
150. Os artigos 129.º a 141.º das AF da S e 124.º a 131.º das AF da C detalham a execução do “solário do piso 3” e os trabalhos adicionais requeridos a propósito desse trabalho.
151. O artigo 141.º das AF da S conclui, sem o fundamentar em qualquer documento ou outro elemento de prova, que o trabalho adicional impactou a execução da obra em, pelo menos, 13 dias.
152. Estes excertos das alegações das partes citam alguns elementos de prova; nomeadamente, o doc. 22 junto à contestação, o primeiro depoimento escrito da testemunha Eng.º JC, junto com o requerimento inicial, o requerimento conjunto das partes apresentado nos autos por email de 01/06/2020, o depoimento escrito da testemunha Arq.º HJ, o depoimento escrito da testemunha JA, doc. D-1 junto com o requerimento inicial, e o depoimento de JA.
153. No entanto, nenhum dos elementos de prova indiretamente citados pelo Tribunal Arbitral corrobora o teor do facto provado ínsito no ponto 295 da sentença arbitral.
154. E, para mais, o depoimento da testemunha HJ contraria frontalmente o facto que veio a ser dado como provado, na medida em que ele refere que esta intervenção "apenas condicionou o andamento dos trabalhos na zona entre floreira e a guarda de vidro do Solário do Piso 3", que estes trabalhos foram desenvolvidos por subempreiteiros que não estavam envolvidos noutras frentes de obra, que o prazo para a conclusão desde Bloco já estava ultrapassado quando estes trabalhos se iniciaram, e ainda que estes trabalhos surgiram em consonância com o estado de desenvolvimento dos trabalhos a que respeitavam.
155. Uma vez que o Tribunal Arbitral não tece, na sua fundamentação de facto, qualquer consideração quanto à forma como valorou a prova que cita, é impossível reconstituir o iter lógico-jurídico que lhe permitiu concluir que o tema da prova ínsito no Ponto 295 da sentença arbitral deveria ser dado como provado.
156. A fundamentação de facto revela-se, por isso, absolutamente imperceptível, o que equivale à sua inexistência, para efeitos de anulação da sentença arbitral.
157. Esta decisão padece, por isso, de uma absoluta falta de fundamentação, que consubstancia uma causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Apreciação:
O ponto 295 da sentença arbitral também não tem o teor que foi transcrito pela C.
O que consta do ponto 295 é (vai sublinhada a parte que não consta da transcrição da C):
295. O trabalho adicional impactou a execução da obra em 13 dias (cfr. arts. 129 a 141 das AF da S, arts. 124 a 131 das AF da C e prova aí invocada por oposição ao art. 131 das AF da C).
Trata-se da remessa para AF que não têm valor como prova e indicação indirecta, em bloco, para prova indicada noutros artigos que não se sabe sequer [‘aí’ – onde?] se são só os artigos da C ou também os da S, e que também não é fundamentação como já explicado acima.
De qualquer modo, veja-se melhor:
Este ponto 295 é o último de uma série dedicada a esta questão concreta e que se passa a transcrever:
Solário do piso 3
288. No solário do piso 3 estava prevista a execução de urna estrutura com perfis metálicos apoiados sobre umas vigas de betão existentes sobre a clarabóia do restaurante à La Carte e Biblioteca, sendo sobre esses perfis metálicos aplicado directamente o pavimento em deck de madeira (cfr. artigo 129 das AF da S, artigo 124 das AF da C e doc. 1 junto com o requerimento inicial).
289. Com a passagem do sistema de AVAC para cima da laje, esta estrutura sofreu modificações para acomodar o ducto, sendo necessário proceder à impermeabilização do sistema (cfr. artigo 129 das AF da S e doc. 22 junto com a contestação).
290. O âmbito dos trabalhos da Empreitada não previa a execução de impermeabilização do terraço em consola de estrutura metálica do Solário (Piso 3) por forma a tornar essa superfície impermeável, constituindo este um trabalho extra. A realização do referido trabalho extra foi sugerida pela S, tendo a C aceite tal sugestão (cfr. artigos 127 e 131 das AF da C, depoimento escrito da testemunha Arq. HJ e esclarecimentos oras prestados pelo Srs Engs JC, JA e SF).
291. Foi necessário efectuar os trabalhos já identificados no Facto Assente 46 (cfr. artigo 131 das AF da S e Facto Assente 46).
292. O Arquitecto responsável pelo projecto estimou o tempo necessário para a realização destas alterações em não mais de 10 dias, ao declarar que 'Sendo que avaliando a duração destes revestimentos e impermeabilização, esclarece-se que o tempo de trabalho a mais em obra não foi superior a 10 dias, reconhecendo, em qualquer caso, que se tratou de um trabalho a mais que não estava previsto realizar inicialmente (cfr. artigo 133 das AF da S artigo 123 das AF da C e depoimento escrito da testemunha Arq. HJ).
293. O representante da empresa de Fiscalização, Eng JA, sobre a alteração em causa declarou no seu depoimento que 'Note-se que os trabalhos em apreço não deviam ter durado mais do que 20 dias!” (cfr. artigo 134 das AF da S e depoimento escrito da testemunha JA).
294. Não obstante a divergência sobre o impacto que a realização destes trabalhos teve na execução normal dos trabalhos da Empreitada, impõe-se contabilizar, ainda, o tempo necessário ao aprovisionamento dos materiais (os novos perfis metálicos, a cobertura, o material para isolamento, etc.) o que gerou um atraso significativo na execução dos trabalhos, não apenas nesta frente de obra, mas também em outras frentes de obra, na medida em que os serralheiros utilizados na execução desta alteração eram necessários em outras frentes de obra (cfr. artigo 135 das AF da S e depoimento escrito da testamunha Eng. JC).
Com a transcrição, nos próprios pontos de facto - 292 e 293 -, dos depoimentos das testemunhas (meios de prova), o tribunal arbitral está a sugerir que há um mínimo denominador comum nos depoimentos dessas duas testemunhas - 10 dias -, pelo que seria esta a razão de decidir pela existência, pelo menos, de um impacto de 10 dias (os outros 3 dias resultariam do que consta do ponto 294, sem explicação da convicção). Mas é uma evidência que a duração de trabalhos, só por si, não corresponde a um atraso e que um atraso não corresponde a um impacto (a diferença entre atraso e impacto já está referida acima e o próprio tribunal arbitral distingue as duas coisas). Portanto, a sugestão de uma razão esfuma-se: não há nenhuma explicação para o salto da duração de trabalhos para o tempo de impacto na obra.
O que é ainda mais claro perante o facto de a S ter concluído a alegação de factos sobre esta matéria com um facto – constante do último artigo das suas alegações finais, 131, que não foi dado como provado (nem mesmo quanto às datas) pelo tribunal arbitral – que explicava como é que a S chegava à conclusão dos 13 dias de impacto: “A presente solicitação foi apenas apresentada à S em 10/03/2018, já após a execução da (reformulada) estrutura metálica, e o assentamento do deck apenas teve início em 23/03/2018, pelo que o trabalho adicional impactou a execução da obra em, pelo menos, 13 dias.”                
Em suma, na parte (292 e 293) em que o tribunal arbitral parece dar uma razão para a sua convicção (sobre o impacto na obra), afinal resulta que não há explicação nenhuma porque se refere a outra coisa (ao tempo da duração dos trabalhos); na parte restante, há a remessa para elementos de prova sem explicação da convicção.
Pelo que também nada disto pode salvar a falta de fundamentação do ponto 295.
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Quanto ao ponto 305 da sentença arbitral
158. No facto dado como provado no parágrafo 305 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte:
“A implementação desta solução [a solução acústica a implementar na recepção e no lobby bar] não prevista contribuiu para um atraso de 16 (dezasseis) dias na execução dos tectos da entrada e Lobby Bar.”
159. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
160. A fundamentação que o Tribunal Arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigo 153 das AF da S, factos assentes n.°s 34 a 42 e depoimento escrito da testemunha Eng.º JC, p. 12 - “Tendo a lã de rocha chegado efectivamente à obra no dia 20/02/2018, não era possível tê-la concluído no dia 23/02/2018. Consequentemente, não se pode avançar com as placas de tecto antes de aplicar o isolamento", por oposição ao artigo 118 das AF da C”.
161. O artigo 153 das AF da S diz o seguinte: “a implementação desta solução não prevista contribuiu, assim, para um atraso de, pelo menos, 16 dias na execução dos tectos da entrada e Lobby Bar”; e não remete para qualquer elemento de prova.
162. Os factos assentes 34 a 42 detalham a implementação do Lobby bar.
163. O extracto citado do depoimento da testemunha Eng.º JC limita-se a referir que a “lã de rocha” apenas chegou no dia “20/02/2018”, pelo que não se “pode avançar com as placas de tecto antes de aplicar o isolamento” – nada dizendo sobre o teor do facto dado como provado.
164. Pelo que o único elemento de prova citado pelo Tribunal Arbitral não corrobora o teor do facto provado ínsito no parágrafo 305 da sentença arbitral.
165. Uma vez que o Tribunal Arbitral não tece, na sua fundamentação de facto, qualquer consideração quanto à forma como valorou a prova que cita, é impossível reconstituir o iter lógico-jurídico que lhe permitiu concluir que o tema da prova ínsito no Ponto 305 da sentença arbitral deveria ser dado como provado.
166. A fundamentação de facto revela-se, por isso, absolutamente impercetível, o que equivale à sua inexistência, para efeitos de anulação da sentença arbitral.
167. Esta decisão padece, por isso, de uma absoluta falta de fundamentação, que consubstancia uma causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Apreciação:
No ponto 305 o tribunal arbitral escreve:
A implementação desta solução não prevista contribuiu para um atraso de 16 dias na execução dos tectos da entrada e Lobby Bar (cfr. artigo 153 das AF da S, factos assentes 34 a 42 e depoimento escrito da testemunha Eng. JC, p. 12 – “Tendo a lã de rocha chegado efectivamente à obra no dia 20/02/2018 não era possível tê-la concluída no dia 23/02/2018. Consequentemente, não se pôde avançar com as placas de tecto antes do aplicar o isolamento” - por oposição ao artigo 118 das AF da C).
Os factos assentes 34 a 42 não constam, com esta enumeração, do acórdão. Para se perceber a que é que o tribunal arbitral se está a referir tem que se ir procurar o que consta despacho n.º 10 do tribunal arbitral e confrontá-lo com os pontos da sentença arbitral, para se chegar à conclusão de que o tribunal arbitral está a falar dos pontos de facto 97 a 105, que são os seguintes:
97. Relativamente à solução acústica a implementar na recepção do lobby do bar, apenas em 30/01/2018 foi comunicada pela fiscalização, por e-mail, a solução para o tecto da recepção e lobby bar, no piso 0, a qual havia sido preconizada pelo projectista de acústica para o isolamento acústico sobre este tecto e para as paredes confinantes com os quartos.
98. No dia 31/012018, a S alertou a fiscalização da obra para diversos problemas que a solução preconizada acarretava para a obra, solicitando a adopção de uma solução mais adequada.
99. No dia 01/02/2018 a fiscalização transmitiu à S a resposta do projectista com uma solução mais aligeirada de isolamento para análise por parte da S.
100. No dia 02/02/2018, a S deu nota de que iria analisar a disponibilidade de materiais preconizados pelo projectista.
101. No dia 05/02/2018, a S deu nota de que o isolamento pretendido não existia na Madeira e que teria que ser adquirido no continente.
102. Apenas no dia 06/02/2018 a C e o projectista Engenharia comunicaram à S a solução acústica a implementar na recepção do lobby do bar, optando pela aplicação de lã mineral de 80 mm de espessura, o que levou a que fosse necessário aprovisionar este material e proceder à respectiva aplicação antes de fechar os tectos.
103. No dia 06/02/2018, a S tomou as medidas necessárias ao aprovisionamento do material para a Madeira com a maior brevidade possível.
104. No dia 07/02/2018 a S remeteu à C o orçamento para a execução deste trabalho de isolamento, o qual não estava previsto inicialmente.
105. O material de isolamento apenas chegou à obra na segunda quinzena de Fevereiro, tendo sido iniciada imediatamente a respectiva execução.
No caso, tirando a referência às alegações finais, sem valor, fica, para prova do facto, a invocação de nove factos já assentes e a invocação de uma precisa passagem do depoimento de uma testemunha.
Tendo em conta o conjunto destes factos e passagem do depoimento, vê-se que o tribunal arbitral dá uma razão para o atraso – atraso objectivo, note-se, que é, para o próprio tribunal arbitral, diferente de impacto – que é dado como provado.
Num dos itens do ponto 388, o tribunal arbitral consigna: “No que concerne à solução acústica a implementar na recepção e no lobby bar, implementação desta solução não prevista contribuiu para um atraso de 16 dias na execução dos tectos da entrada e Lobby Bar (cfr. ponto 305 acima). Daqui resulta um impacto de 16 dias;”
Esta conclusão/facto do ponto 388 entra em contradição com o facto 305, pois que atraso não é impacto, mas isso é outra questão. De qualquer maneira, constata-se que, assim, não há prova para a conclusão constante deste item do ponto 388, isto é, do impacto.
Entretanto, como este ponto 305 é o último da seguinte série de pontos, veja-se esta série:
Solução acústica a implementar na recepção e no lobby bar
296. No Projecto de Arquitectura e, por conseguinte, no Plano de Trabalhos aprovado pela C não estava prevista a instalação de uma solução de isolamento acústico nos tectos da recepção e do lobby bar (cfr. artigo 142 das AF da S, artigo 114 das AF da C e doc. 1 junto com o requerimento inicial).
297. O projecto com a referida solução de isolamento acústico foi elaborado pelo projectista Engenharia no final de Janeiro de 2018 e disponibilizado à S no dia 30/01/2018 (cfr. artigo 143 das AF da S, doc.23 junto com a contestação e facto assente n.º 34)
298. A solução acústica a implementar no tecto da recepção e do Lobby Bar apenas foi comunicada por e-mail da Fiscalização no dia 30/01/2018, tendo a S imediatamente alertado a Fiscalização da obra para os diversos problemas que a solução preconizada acarretava para a obra, solicitando a adopção de uma solução mais adequada, a qual foi aceite no dia 01/02/2018 (cfr. artigo 144 das AF da S e factos assentes 34 a 36).
299. No dia 02/02/2018, a S deu nota de que iria analisar a disponibilidade dos materiais preconizados pelo projectista, tendo informado a Fiscalização, no dia 05/02/2018, de que o isolamento pretendido de lã mineral não existia na Madeira e que teria que ser adquirido no Continente, propondo alternativas disponíveis na Ilha da Madeira (cfr. artigo 145 das AF da S, artigo 117 das AF da C, doc. 24 junto com a contestação e factos assentes 37 e 38).
300. No dia seguinte, a C e o projectista Engenharia confirmaram à S a escolha da solução acústica a implementar na recepção do lobby do bar, elegendo a aplicação de lã mineral de 80mm de espessura (cfr. artigo 146 das AF da S e factos assentes 39 e 40).
301. Esta escolha, apenas confirmada no dia 06/02/2018, levou à necessidade de aprovisionar a lã mineral do Continente, a qual somente chegou à obra na segunda quinzena de Fevereiro, sendo iniciada imediatamente a sua aplicação com vista a permitir o fecho dos tectos (cfr. artigo 143 das AF da S, artigo 117 das AF da C e factos assentes 39 a 42).
302. Este trabalho não se encontrava previsto no Plano de Trabalhos inicial anexo ao Contrato de Empreitada, sendo que o tecto (simples) deste piso 0 estava previsto iniciar-se no dia 09/01/2018 e concluir-se no dia 05/02/2018 (cfr. artigo 151 das AF da S, artigo 114 das AF da C e doc.1 junto com o Requerimento inicial).
303. A solução de isolamento acústico (lã de rocha) chegou efectivamente à obra no dia 20/02//2018, sendo que a estrutura do tecto falso ainda não se encontrava concluída pela S, como resulta aliás do teor do ponto 4 da Acta de Reunião de Obra 16 de 20/02/2018, na qual a S declarou que “iria priorizar a conclusão de tectos falsos", sinal de que esta fase do processo ainda não se encontrava concluída (cfr. artigo 117 das AF da C e doc. 26 junto com o requerimento inicial).
304. A solução final a ser implementada apenas foi confirmada pela C em 06/02/2018, isto é, já após a data prevista para a conclusão do trabalho, estando a C ciente da necessidade de aprovisionamento dos materiais vindos do Continente, que apenas chegaram à obra na segunda quinzena de Fevereiro, sendo ainda necessária a sua colocação e execução de fecho do tecto (artigo 152 das AF da S e factos assentes 34 a 42).
Esta série de pontos – principalmente o ponto 304 - precisam o que consta do ponto 305 da sentença arbitral e tornam ainda mais clara a razão dada para o tribunal arbitral  para dar como provado o facto/conclusão que consta do ponto 305.
Se a conclusão está certa ou não e o relevo da contradição assinalada com um dos factos/conclusão do ponto 388, já não são questões relacionadas com a falta de fundamentação, do ponto 305 - mas sem esquecer que já ficou demonstrada a falta de fundamentação do ponto em causa do ponto 388.
Assim, neste caso conclui-se que não há falta de fundamentação.
*
Quanto ao ponto 317 da sentença arbitral
168. No facto dado como provado no parágrafo 317 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte: “As alterações no projecto da fachada impactaram 20 dias na execução dos trabalhos - de 23/02/ para 15/03/2018”.
169. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
170. A fundamentação que o Tribunal Arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigo 184.º das AF da S, por oposição ao artigo 135.º das AF da C”.
171. O artigo 184.º das AF da S diz o seguinte: “Em face do exposto, as alterações no projeto da fachada impactaram, pelo menos, 20 dias na execução dos trabalhos”; e não remete para qualquer elemento de prova.
172. Já no artigo 135 das AF da C pode ler-se: “Constata-se ainda que o prazo parcial para a conclusão dos trabalhos referentes ao Bloco 2 (23/02/2018) já estava ultrapassado à data do pedido de execução dos trabalhos em apreço (15/03/2018), pelo que, como é bom de ver, não tiveram os mesmos qualquer impacto no cumprimento daquele prazo, sendo que a obra estava, em todas as suas vertentes, muito atrasada”; e também não existe remissão para qualquer elemento de prova.
173. Em suma, o Tribunal Arbitral não fundamenta a sua decisão de dar como provado o tema da prova ínsito no ponto 317 da sentença arbitral em qualquer documento ou outro elemento de prova.
174. Esta decisão padece, por isso, de uma absoluta falta de fundamentação, e, como tal, consubstancia uma causa de anulação da decisão arbitral, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Apreciação:
O ponto 317 consta do seguinte:
As alterações no projecto da fachada impactaram 20 dias na execução dos trabalhos – de 23/02 para 15/03/2018 (cfr. artigo 184 das AF da S, por oposição ao artigo 135 das AF da C).
Como já se viu, a referência às AF não serve de fundamentação; como no caso só houve esta referência, conclui-se que não existe fundamentação. O caso é tanto mais evidente quanto a “fundamentação” aduzida remete para um confronto entre opiniões das partes sobre a prova produzida. Ou seja, trata-se de remeter o leitor para um julgamento implícito entre as posições das partes, sem se indicar como é que o tribunal arbitral formou a sua convicção no sentido de que era a S que tinha razão.
Veja-se, no entanto, se, a série de pontos de que o ponto 317 é o último ajuda a encontrar a explicação explícita do tribunal arbitral para dar como provado o que consta do ponto.
Na série em questão consta:
Alteração dos vãos exteriores de alumínio
311. No tocante aos vãos específicos da zona do Lobby Bar, que em projecto de arquitectura estavam previstos assentar sobre o pavimento interior junto ao murete exterior da floreira, os mesmos foram objeto de alteração por indicação do Projectista já após a montagem dos caixilhos em obra (cfr. artigo 171 das AF da S, doc.1 junto com o requerimento inicial e depoimento escrito da testemunha Eng. JC).
312. A 25/01/2018, “Na reunião e visita à obra foram abordados diversos aspectos relacionados com soluções em perfis em alumínio e sistema de cortina fachada do Bloco 1, tendo a S ficado de dar resposta hoje sobre o solicitado pela Arquitectos” (cfr. artigo 169 das AF da S e doc.22 junto com a contestação).
313. “Os vãos exteriores de alumínio da fachada da entrada principal da zona da recepção e da fachada principal do bloco 1, foram alterados a pedido do projectista de arquitectura em 26/01/2018, passando de um sistema tradicional para um sistema de fachada (cfr. artigo 168 das AF da S, depoimento escrito da testemunha Eng. JC e esclarecimento prestado pela testemunha Eng. JC).
314. A alteração foi comunicada à S, que registou a instrução por escrito, por e-mail datado de 19/03/2018 (cfr. artigo 171 das AF da S e doc.14 junto com o requerimento inicial, por oposição ao artigo 134 das AF da C).
315. O referido e-mail foi anexo à acta de reunião de obra n.º 20 e assinada por todos os intervenientes na referida reunião em aceitação do seu teor (cfr. artigo 174 das AF da S e doc.30 junto com a contestação).
316. Nos termos do Plano de Trabalhos anexo ao Contrato de Empreitada, a Caixilharia de alumínio estava prevista ser aplicada a partir do dia 09/02/2018 e concluída no dia 23/02/2018, no entanto o projeto final para execução desta tarefa apenas foi apresentado à S em 16/02/2018, momento após o qual a S pôde mandar executar os caixilhos para, posteriormente, os colocar em obra no dia 15/03/2018 (cfr. artigo 181 [por lapso escreveu-se 182 - TRL] das AF da S, doc.1 junto com o requerimento inicial, depoimento escrito da testemunha Eng. JC e esclarecimentos orais prestados pela testemunha Eng. JC por oposição ao artigo 135 das alegações finais da C).
Note-se: o ponto em causa, 317, diz que o impacto se deu entre 23/02/2018 e 15/03/2018, os tais 20 dias. Vai-se procurar essas datas e elas estão no ponto 316: 23/02/2018 era a data do termo da aplicação da caixilharia, no entanto ela só foi aplicada a 15/03/2018. No entanto, para justificar o impacto diz-se, no ponto 311, que os vãos específicos foram objeto de alteração por indicação do Projectista já após a montagem dos caixilhos em obra. Portanto, está-se a falar do atraso decorrente dos vãos terem sido alterados após a montagem dos caixilhos. Mas no ponto 316 o que está em causa é o atraso na execução dos caixilhos que só puderam ser executados depois de 16/02/2018 e colocados em 15/03/2018. Ou seja, um atraso na execução e colocação (ponto 316), em vez de um atraso devido à alteração depois da montagem (ponto 311). São períodos distintos e reportados a questões distintas. Portanto, estes pontos de facto não ajudam a perceber a “fundamentação” aduzida no ponto 317. E se se ler os artigos das AF da S, invocados pela sentença arbitral, vê-se que, de facto, a S se está a referir a um período distinto, que vai de 15/03/2018 (já estavam colocados os vãos) até 10/04/2018, o que dá 23 dias, e daí a imprecisão posterior da S que refere um impacto de “pelo menos” 20 dias.  
Veja-se (artigos da S):
167. O mapa de vãos exteriores foi alvo de 11 versões, sendo a última versão apenas disponibilizada no dia 16/02/2018 e apenas a partir desta data foi possível iniciar o aprovisionamento dos materiais e executar o projecto consolidado.
168. Como refere a Testemunha Eng.º JC no seu depoimento escrito, “Os vãos exteriores de alumínio da fachada da entrada principal da zona da receção e da fachada principal do bloco 1, foram alterados a pedido do projectista de arquitectura em 26/01/2018, após algumas abordagens em obra, passando de um sistema tradicional para um sistema de fachada, pois o que o projetista pretendia era um aspeto final de fachada e não aquilo que tinha inicialmente colocado no mapa de vãos de projeto”
169. Aliás, tal facto foi refletido em ata de reunião de obra quando, a 25/01/2018, Na reunião e visita à obra foram abordados diversos aspetos relacionados com soluções em perfis em alumínio e sistema de cortina fachada do Bloco 1, tendo a S ficado de dar resposta hoje sobre o solicitado pela Arquitetos.”
170. E acrescenta ainda a Testemunha Eng.º JC no seu depoimento escrito, Após preparação dos desenhos dos vãos de fachada, por parte do instalador dos alumínios, foi colocada à aprovação do projetista, que em 15/02/2018 deu o seu parecer favorável à configuração dos vãos, data a partir da qual pôde ser dado seguimento ao aprovisionamento e execução dos mesmos.”
171. No tocante aos vãos específicos da zona do Lobby Bar, que em projeto de arquitetura estavam previstos assentar sobre o pavimento interior junto ao murete exterior da floreira, os mesmos foram objeto de alteração por indicação do Projetista já após a montagem dos caixilhos em obra, impondo que os mesmos fossem montados sobre o murete, para o que foi “necessário modificar os caixilhos de alumínio que já estavam montados em obra, aprovisionar e montar uns vidros provisórios para garantir o fecho desta zona e mandar vir novos vidros com dimensão adequada à pretensão do Arquiteto. Esta alteração teve necessárias implicações, quer de custos, quer de atraso na conclusão destes vãos”
172. Esta alteração foi comunicada à S, que registou a instrução por escrito, por e-mail datado de 19/03/2018, onde se pode ler: “Vimos pelo presente registar algumas das alterações e/ou definições decididas e transmitidas em obra pelo Dono de Obra e projectista de arquitectura, na passada semana: (…) Alterar os vãos exteriores de alumínio, junto ao lobby bar, por forma a ficarem assentes sobre o murete da floreira, em vez de ser no pavimento como estava previsto. Esta situação implica na alteração do caixilho e vidro.”
173. O referido e-mail foi enviado pela S ao Eng.º JA, responsável pela Fiscalização, com cópia da C e dos seus representantes legais, os quais jamais contestaram ou responderam ao indicado correio eletrónico afirmando não ser verdade que tenha sido decidida em obra a referida alteração.
174. Na verdade, o referido e-mail foi anexo à ata de reunião de obra n.º 20 e assinada por todos os intervenientes na referida reunião em aceitação do seu teor.
Nestes termos, respondendo às questões colocadas:
a. Concretos pedidos e respetiva natureza
175. Alteração do projeto da fachada do Hotel, envolvendo a entrada principal, a zona da receção e o Lobby Bar para implementação de um sistema de fachada, o que implicou a alteração das caixilharias de alumínio para guarda dos envidraçados dessa mesma fachada.
176. Na específica zona do Lobby Lar, já após execução dos caixilhos de alumínio em obra e colocação do vidro temperado, foi solicitada a alteração da fachada por forma a permitir o seu assentamento diretamente sobre a floreira e não no piso, conforme originalmente projetado. Esta alteração configura uma redução do tamanho dos caixilhos e dos envidraçados. Uma vez que os caixilhos desta zona já estavam executados e colocados em obra, foi necessário retirá-los e reconfigurá-los bem como encomendar novos vidros em cumprimento da nova dimensão.
b. Quais as razões subjacentes ao pedido
177. Alteração estética da entrada do hotel, sugerida pelo projetista.
c. O pedido foi executado e em que período de tempo
178. Sim, as caixilharias de alumínio foram modificadas de acordo com as solicitações feitas em obra.
179. O projeto final de vãos apenas foi definido em 16/02/2018, data após a qual a S pôde mandar executar os caixilhos e os vidros.
180. Em 15/03/2018, isto é, já depois da data prevista para a conclusão da obra, foi transmitido em obra a necessidade de alteração dos vãos exteriores de alumínio, colocados na fachada do Lobby Bar, obrigando à reconfiguração dos vãos e à produção de novos vidros.
d. Se a execução condicionou o normal desenvolvimento dos trabalhos e em que medida
181. Nos termos do Plano de Trabalhos anexo ao Contrato de Empreitada, a Caixilharia de alumínio estava prevista ser aplicada a partir do dia 09/02/2018 e concluída no dia 23/02/2018, no entanto o projeto final para execução desta tarefa apenas foi apresentado à S em 16/02/2018, momento após o qual a S pôde mandar executar os caixilhos para, posteriormente, os colocar em obra no dia 15/03/2018.
182. Acresce que, já após a colocação da caixilharia em obra, foi requerida à S, no dia 15/03/2018, a modificação da zona do Lobby Bar, obrigando a reconfiguração dos caixilhos e a execução de novos vidros, os quais não estavam ainda colocados em obra no dia 10/04/2018.
183. Conforme resulta da leitura da última ata de reunião de obra “A S informa que está a priorizar a conclusão de trabalhos em falta, tais como (…) caixilharia de alumínio (…).”
184. Em face do exposto, as alterações no projeto da fachada impactaram, pelo menos, 20 dias na execução dos trabalhos.
E, em contraponto, veja-se o que a C dizia antes da S:
132. Nos artigos 97 a 99 do requerimento inicial, alegou a S, em suma, que, “em 15/03/2018 o Projetista de Arquitetura solicitou a alteração dos vãos exteriores de alumínio junto ao lobby do bar para ficarem assentes sobre um murete de floreira em detrimento do pavimento conforme inicialmente previsto”, a qual “implicou, bem assim, a alteração do caixilho e respectivo vidro”.
Nos artigos 592 a 599 da Contestação, a C impugnou o alegado pela S.
133. Com efeito, resultou provado nos autos que o que se verificou nesta matéria foi, tão-somente, uma falha de preparação de obra pela S: a S não aprovisionou os vãos em apreço (VE10) porque não foi respeitado o pormenor indicado no mapa de vãos do Projeto, que indicava que o caixilho estaria confinado aos dois pilares existentes, obrigando que o mesmo tivesse que ficar assente sobre o murete e não sobre o pavimento, como foi inicialmente executado pela S (Cfr. Pormenor VE10 do mapa de vãos do projeto (setembro 2017), junto como doc. 52 à Contestação, e registo fotográfico constante do ponto C.1., alínea (v), da carta de resolução do contrato, junta como doc.d-34 ao requerimento inicial).
134. Constata-se assim que os trabalhos em apreço não decorreram de uma qualquer alteração de projeto, conforme sugerido pela S, mas do simples cumprimento do Contrato, leia-se, do que estava definido em projeto. Nesta medida, ficou demonstrado nos autos que é falso o teor do correio eletrónico de 19.03.2018 junto como doc.d-14 ao requerimento inicial.
135. Constata-se ainda que o prazo parcial para a conclusão dos trabalhos referentes ao Bloco 2 (23/02/2018) já estava ultrapassado à data do pedido de execução dos trabalhos em apreço (15/03/2018), pelo que, como é bom de ver, não tiveram os mesmos qualquer impacto no cumprimento daquele prazo, sendo que a obra estava, em todas as suas vertentes, muito atrasada.
136. Precisamente neste sentido, pronunciou-se a testemunha HJ, Projetista de Arquitetura, no seu depoimento, para o qual se remete (cfr. página 11), bem como as testemunhas JA e SF, responsáveis pela Fiscalização da Empreitada, para cujo depoimento se remete igualmente (Cfr. página 22).
Tendo tudo isto em conta, vê-se (e já se explicará melhor que assim é) que os pontos 311 a 316 da sentença arbitral são extremamente imprecisos e vagos, sem precisão de datas e deles não é possível retirar uma explicação para o facto de o tribunal arbitral ter dado como provado um impacto de 20 dias na obra pelo período de 23/02/2018 a 15/03/2018, até porque naqueles pontos se pode estar a discutir uma coisa distinta que é o atraso verificado de 15/03/2018 a 10/04/2018. Ou seja, os pontos 311 a 316 não ajudam a encontrar uma explicação para o tribunal arbitral ter formado a sua convicção de que era a S que tinha razão, e muito menos para justificar a convicção do tribunal arbitral de que houve um impacto na obra de 23/02/2018 a 15/03/2018 devido às alterações no projecto.
Se se colocar a hipótese de o tribunal arbitral só se estar a referir à primeira parte da explicação da S, não ao que sucedeu depois do 15/03/2018, diga-se que fica por explicar porque é que no ponto 311 se refere à alteração dos vãos depois de montados/colocados e como é que o tribunal arbitral chega ao mesmo resultado do artigo 184 da S sem aproveitar também os artigos 182 e 183 da S que são uma base à conclusão do artigo 184. E fica por explicar o impacto para uma obra do facto de uma tarefa que se devia iniciar a 16/02/2018 (ponto 316) “só” ter tido o projecto para a execução dos materiais a aplicar nessa tarefa apresentado a 26/01/2018 (ponto 313 - mais de 21 dias antes). Os pontos 314 e 315 que aparentam ser uma sugestão dessa explicação não servem para tal, já que o ponto 314 se refere a uma data que não tem qualquer relevo para o efeito (19/03 – muito posterior a tudo isso) e o ponto 315 não tem qualquer data. Por fim, (i) o ponto 316 refere um facto essencial para a conclusão do atraso, sem fundamentar a convicção quanto a ele – “o projeto final para execução desta tarefa apenas foi apresentado à S em 16/02/2018” -, (ii) é omisso quanto ao tempo que levaria a execução dos caixilhos e (iii) supõe, sem explicar porquê ou como, que o período que vai de 16/02/2018 a 15/03/2018 é todo imputável ao facto de os caixilhos só poderem ser executados a partir de 16/02/2018 sem dizer quanto tempo é que levariam a ser executados e depois aplicados.
Lendo os factos 311 a 316 vê-se que, apesar da aparência, não há nenhuma sequência lógica entre eles que implicasse o que consta do ponto 317. Em suma, os pontos 311 a 316 não servem para suprir a falta de fundamentação da convicção do tribunal arbitral para dar como provado o que consta do ponto 317.
*
Quanto ao ponto 326 da sentença arbitral
175. No facto dado como provado no parágrafo 326 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte: “A suspensão dos trabalhos de execução da Pala da Entrada impactou a execução dos trabalhos em 30 (trinta) dias, correspondente ao número de dias entre 15 de Fevereiro de 2018 (data prevista para a conclusão do trabalho) e 16 de Março (data a partir do qual foi possível retomar a execução da Pala)”
176. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
177. A fundamentação que o Tribunal Arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigos 197.º a 200.º das Alegações Finais da S, por oposição ao artigo 143.º das Alegações Finais da C”.
178. Os artigos 197.º a 200.º das Alegações Finais da S referem-se aos trabalhos de execução da Pala de Entrada, concluindo, no artigo 200.º que “a suspensão dos trabalhos de execução da Pala da Entrada impactou a execução dos trabalhos em, pelo menos, 30 (trinta) dias”.
179. Estes artigos remetem para o Documento D-1 junto com o Requerimento Inicial (Contrato de Empreitada) e para a página 55 do Primeiro Depoimento Escrito da Testemunha Eng.º JC junto com o Requerimento Inicial.
180. Sendo que nenhum destes elementos de prova corroboram o teor do facto dado como provado no ponto 326 da sentença arbitral.
181. Já no artigo 143.º das Alegações Finais da C pode ler-se que “precisamente neste sentido, pronunciou-se a testemunha HJ, Projetista de Arquitetura, no seu depoimento, para o qual se remete (Cfr. página 12), bem como as testemunhas JA e SE, responsáveis pela Fiscalização da Empreitada, para cujo depoimento se remete igualmente”.
182. Também aqui, nenhum dos elementos de prova citados corrobora o teor do facto dado como provado no Ponto 326 da sentença arbitral.
183. Uma vez que o Tribunal Arbitral não tece, na sua fundamentação de facto, qualquer consideração quanto à forma como valorou a prova que cita, é impossível reconstituir o iter lógico-jurídico que lhe permitiu concluir que o tema da prova ínsito no Ponto 326 da sentença arbitral deveria ser dado como provado.
184. A fundamentação de facto revela-se, por isso, absolutamente impercetível, o que equivale à sua inexistência, para efeitos de anulação da sentença arbitral.
185. Esta decisão padece, por isso, de uma absoluta falta de fundamentação, que consubstancia uma causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Apreciação:
O ponto 326 da sentença arbitral consta do seguinte:
A suspensão dos trabalhos da pala da entrada impactou a execução dos trabalhos em 30 dias, correspondente ao número de dias entre 15/02/2018 (data prevista para a conclusão do trabalho) e 16/03 (data a partir do qual foi possível retomar a execução da Pala) (cfr. artigos 197 a 200 das AF da S, por oposição ao art. 143 das AF da C).
Também aqui a “fundamentação” aduzida remete para um confronto entre opiniões das partes sobre a prova produzida. Ou seja, trata-se de remeter o leitor para um julgamento implícito entre as posições das partes, sem se indicar como é que o tribunal arbitral formou a sua convicção no sentido de que era a S que tinha razão, ou seja, que era a versão conclusiva desta que se provava.
Os pontos de facto que antecedem o ponto 326 e que dizem respeito a esta matéria – que se transcrevem a seguir -, também não ajudam porque em relação a todos eles o tribunal arbitral também se limitou a remeter para as alegações das partes e para os meios de prova, sem explicar nunca como chegou à convicção de que a versão conclusiva da S, que foi a que seguiu, era a certa.
Alteração das palas metálicas
318. O projecto das palas foi alterado (cfr. art. 185 das AF da S, art. 139 da AF da C e facto assente 85).
319. O projecto da pala da entrada foi alvo de 3 versões sendo que a última apenas foi disponibilizada à S no dia 23/01/2018, data após a qual a S pôde mandar executar referido elemento (cfr. art. 186 das AF da S, doc.3 junto com o requerimento inicial e art. 141 das AF da C).
320. Numa fase em que as palas da zona da entrada da recepção já estavam a ser executadas na serralharia, o projectista de arquitectura alterou os projectos destas palas porquanto constatou que ficariam muito próximas da (senão mesmo a colidir com) a zona de passagem de viaturas na via pública (cfr. art. 187 das AF da S e facto assente 52).
321. Tal facto foi reflectido na acta de reunião de obra de 13/03/2018, referindo-se que “relativamente, à pala de entrada regista-se a necessidade de rectificação de implantação estando a mesma a ser alvo de rectificação em oficina para a sua montagem em obra (cfr. art. 188 das AF da S e doc. 29 junto com a contestação).
322. Apenas em 16/03/2018 o projetista de arquitetura deu o projecto de rectificação das palas como bom para execução (cfr. art. 189 das AF da S e depoimento escrito da testemunha Eng.º JC).
323. A pala da entrada apenas foi montada entre os dias 6 e 09/04/2018 (cfr. art. 190 das AF da S e artigo 141 das AF da C).
324. Na sequência da alteração às palas metálicas, foi necessário fazer uma correção ao projeto de arquitetura das palas que implicou, por sua vez, que as vigas das varandas dos quartos onde apoiam as palas tivessem que ser alteradas, assim como “a guarda de vidro dessas mesmas varandas também teve que ser alterada, por o vidro ter uma altura inferior às restantes” (cfr. art. 191 das AF da S e factos assentes 50 e 51).
325. De acordo com o plano de trabalhos anexo ao contrato de empreitada, a S propôs-se executar a pala da entrada entre os dias 02/02/2018 e 15/02/2018 (cfr. art. 197 das AF da S e doc.1 junto com o requerimento inicial).
Mas, para além do que se disse acima, antes desta transcrição, veja-se:
Embora o ponto 326 da sentença arbitral fale em suspensão como a causa do impacto, depois conta o período de impacto entre a data prevista para a conclusão do trabalho e a data em que ele pôde ser retomado, não dizendo que a data prevista para o termo do trabalho é coincidente com a data da suspensão. Portanto o ponto, por si, não esclarece nada. Dito de outro modo, embora o ponto diga que a causa é a suspensão, não diz quando é que a suspensão ocorreu.
Por outro lado, o que consta dos pontos 318 a 325 é apenas que: a pala devia ser executada entre 02/02 e 15/02 = 14 dias; o projecto foi entregue a 23/01 e a S mandou executar a pala; não se diz quando; quando estava a executar a pala, não se sabe quando, o trabalho foi suspenso não se sabe quando. Perante isto, dizer-se a seguir que o trabalho só pode ser retomado a 16/03 é o mesmo que não dizer nada. Pois que, não se sabendo quando é que o trabalho foi iniciado, podia ter sido iniciado só a 16/03, ou, imaginando-se que a data do ponto 321 (13/03/2018) pode ser utilizada, talvez a 13/03/2018.  Se tivesse sido iniciada a 13/03/2018 já havia um atraso de mais de 1 mês e meio que não se devia à suspensão. Mais: diz-se que o trabalho só pôde ser retomado a 16/03 e que levou 4 dias a ser feito entre 06/04 e 09/04. Não se sabe quando é que a pala foi executada nem quanto tempo é que levou a ser executada. Se o trabalho todo levava 14 dias e a montagem 4 dias, então a pala era construída em 10 dias. Entre 16/03 e 06/04 decorrem 21 dias. Porque é que durante estes 10 dias não pode ser feito nada? Como é que daqui decorre um atraso devido à suspensão?
Ou seja, estes pontos de facto não suprem, seja de que modo for, a falta de fundamentação do ponto 326. Antes pelo contrário, vê-se que não são mais que um amontado de factos que não têm sequência lógica entre eles, pois que contém imensas lacunas, impossibilitando que dos mesmos resulte qualquer esclarecimento da razão pela qual o tribunal arbitral deu como provada a versão conclusão da S.
Entretanto, chame-se a atenção para que a S dava uma explicação para o período entre 16/03 e 06/04, dizendo, no artigo 190 “Nesta data [16/03/2018], a serralharia da S estava já ocupada com outros trabalhos e, por esta razão, a pala da entrada apenas foi montada entre os dias 6 e 09/04/2018 (cfr. artigo 603.º da contestação).” Ora, o tribunal arbitral não deu este facto como  provado e por isso não pode utilizar este facto, como o utilizou a S, para imputar à suspensão parte do atraso. Mais, a explicação dada pela S abrange, sem ressalva, todo o período de 16/03/2018 e 06/04/2018, o que indicia que o trabalho de construção da pala, antes da suspensão, já tinha, pelo menos na sua maior parte, sido feito antes apesar da alteração do projecto. Pelo que também isto impossibilita que estes pontos de facto expliquem a imputação do atraso à suspensão ao período de 23/01 a 25/02, pois que os 10 dias para fazer a pala podem ter sido utilizados durante esse período. 
Por outro lado, esta explicação da S realça aquilo que já foi dito acima: quando um trabalho não pode ser feito há que explicar porque é que os trabalhadores afectos a esse trabalho não podem ser afectados a outros em trabalhos que estejam em atraso, possibilitando a recuperação do mesmo. E, por isso, também chama a atenção que havia que rebater a argumentação da C quando diz que alguns trabalhos a mais não atrasavam a obra porque eram feitos por trabalhadores contratados por ela (facto que está provado) e não pela S. A falta de discussão deste argumento da C, no âmbito destas questões, corresponde a falta de fundamentação entendida esta também como explicação da convicção do tribunal perante meios de prova contraditórios.
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Quanto ao ponto 330 da sentença arbitral
186. No facto dado como provado no parágrafo 330 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte: “A entrega tardia do projecto (a última versão em 23 de Fevereiro de 2018) adiou em 81 (oitenta e um) dias a conclusão da referida frente de trabalhos, correspondente ao diferencial entre a data prevista para o inicio dos trabalhos (4 de Dezembro de 2017) e a data de entrega do projecto (23 de Fevereiro de 2018)”
187. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
188. A fundamentação que o Tribunal Arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigo 217.° das Alegações Finais da S, por oposição aos artigos 150.° e 151.° das Alegações Finais da C”.
189. O artigo 217.º das Alegações Finais da S diz o seguinte: “De acordo com o Plano de Trabalhos anexo ao Contrato de Empreitada, toda a obra a executar no restaurante Buffet seria executada entre as datas de 4 de dezembro de 2017 e 21 de fevereiro de 2018, demorando um total de 55 dias.”
190. Este artigo 217.º das Alegações Finais inclui uma nota de rodapé, que remete para o Documento D-1 junto com o Requerimento Inicial (Contrato de Empreitada de Remodelação do Hotel), Plano de Trabalhos, Anexo II ao CE, ID 1749.
191. A leitura deste documento oferece respaldo ao teor do artigo 217.º das Alegações Finais da S, ou seja, comprova [que] a obra a executar no restaurante Buffet deveria ser executada entre as datas de 4 de dezembro de 2017 e 21 de fevereiro de 2018.
192. No entanto, este documento nada permite concluir sobre o nexo de causalidade entre a alegada “entrega tardia do projeto” e o adiamento em “81 (oitenta e um) dias” da “conclusão da referida frente de trabalhos” (relativa ao restaurante Buffet), que constitui o teor do tema da prova ínsito no parágrafo n.º 330 da sentença arbitral.
193. Já nos artigos 150.° e 151.° das Alegações Finais da C pode ler-se:
“Constata-se ainda que estes trabalhos surgiram, no tempo, em consonância com o estado de desenvolvimento dos trabalhos a que respeitavam, sendo que não condicionaram o normal desenvolvimento destes. Para além disso, o termo do prazo parcial para a conclusão dos trabalhos referentes ao Bloco 2 (23.02.2018) coincidiu com a data da entrega dos desenhos com pormenorização de balcões de buffet e pilares, em consonância com o estado de desenvolvimento dos trabalhos, pelo que, como é bom de ver, esta circunstância não teve qualquer impacto no cumprimento daquele prazo, sendo que a obra estava, em todas as suas vertentes, muito atrasada.
Precisamente neste sentido, pronunciou-se a testemunha HJ, Projetista de Arquitetura, no seu depoimento, para o qual se remete (Cfr. páginas 12 a 14). A referida testemunha foi ainda perentória, revelando conhecimento de causa, ao esclarecer, em sede de Audiência de Julgamento, em que consistiram as alterações efetuadas no restaurante buffet em análise, bem como o impacto que as mesmas (não) tiveram no andamento dos respetivos trabalhos (Cfr. passagens do Ficheiro Áudio 2 no qual foi gravada a prova produzida na Audiência de Julgamento realizada no dia 24.06.2021):”
194. A passagem citada remete para o depoimento da testemunha HJ, que foi perentório ao afirmar que as alterações ao projeto requeridas pela S não tiveram qualquer impacto no andamento dos trabalhos relativos ao restaurante Buffet.
195. Em suma, os elementos de prova citados pelo Tribunal Arbitral como constituindo a fundamentação que lhe permitiu dar como provado o tema da prova ínsito no Ponto 330 da sentença arbitral incluem um depoimento que contradiz frontalmente o teor do facto dado como provado.
196. Uma vez que o Tribunal Arbitral não tece, na sua fundamentação de facto, qualquer consideração quanto à forma como valorou a prova que cita, é impossível reconstituir o iter lógico-jurídico que lhe permitiu concluir que o tema da prova ínsito no parágrafo n.º 330 da sentença arbitral deveria ser dado como provado.
197. A fundamentação de facto revela-se, por isso, absolutamente contraditória com o tema da prova dado como provado, o que equivale à sua inexistência, para efeitos de anulação da sentença arbitral.
198. Esta decisão padece, por isso, de uma absoluta falta de fundamentação, que consubstancia uma causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Apreciação:
O ponto 330 da sentença arbitral consta do seguinte:
A entrega tardia do projecto (a última versão em 23/02/2018) adiou em 81 dias a conclusão da referida frente de trabalhos, correspondente ao diferencial entre a data prevista para o início dos trabalhos (04/12/2017) e a data de entrega do projecto (23/02/2018) (cfr. artigo 217 das AF da S, por oposição aos artigos 150 e 151 das AF da C”.
Mais uma vez a “fundamentação” aduzida remete para um confronto entre opiniões das partes sobre a prova produzida. Ou seja, trata-se de remeter o leitor para um julgamento implícito entre as posições das partes, sem se indicar como é que o tribunal arbitral formou a sua convicção no sentido de que era a S que tinha razão, ou seja, que era a versão conclusiva desta que se provava.
Os pontos de facto que antecedem o ponto 330 e que dizem respeito a esta matéria – que se transcrevem a seguir -, também não ajudam porque também em relação a eles o tribunal arbitral se limitou a remeter para as alegações finais das partes, em contraposição, e para o contrato e para um facto assente, sem explicar nunca como chegou à convicção de que a versão conclusiva da S, que foi a que seguiu, era a certa.
Restaurante Buffet
327. O restaurante buffet, localizado no piso 0, foi alvo de diversas alterações, principalmente ao nível das bancadas de apoio e zonas técnicas, que surgem em torno dos pilares resistentes, em forma de caixa de madeira com portas e prateleiras para acomodar máquinas (cfr. art. 201 das AF da S, art. 145 da AF da C e facto assente 54)
328. A circunstância de os desenhos terem sido entregues no dia 23/02/2018, isto é, na data do termo do prazo para a conclusão do Bloco 2, em que se insere o restaurante Buffet impacta com a normal execução dos trabalhos da empreitada (cfr. artigos 203 e 204 das AF da S e artigo 150 das AF da C).
329. De acordo com o Plano de Trabalhos anexo ao Contrato de Empreitada, toda a obra a executar no restaurante Buffet seria executada entre as datas de 04/12/2017 e 21/02/2018, demorando um total de 55 dias (cfr. artigo 217 das AF da S e doc.1 junto com o requerimento inicial).          
Mais ainda, a leitura atenta de todos estes pontos – 327 a 330 – torna claro que a fundamentação aduzida não tem qualquer sentido, pelo que não é uma fundamentação. O ponto 330 sugere que a razão para dar os factos como provados é que os trabalhos só puderam ser executados depois da entrega do projecto que aconteceu 81 dias depois do devido. Mas o próprio ponto 330 revela que isto não corresponde à realidade, já que o que se tratou foi de os trabalhos só poderem ter sido concluídos depois da entrega do projecto. Ou seja, do próprio ponto 330 decorre que os trabalhos se iniciaram antes da entrega do projecto. E outros pontos revelam que não era – na lógica desses pontos - o projecto que estava em falta, mas sim uns desenhos de umas bancadas, não do restaurante/trabalhos em causa. Não tem, por isso, qualquer sentido dizer que o trabalho só se iniciou depois da entrega do projecto, ou seja, 81 dias depois do devido, quando se diz no próprio ponto que a entrega do “projecto” apenas atrasou a conclusão dos trabalhos.
E de novo tudo isto demonstra que a fundamentação da sentença arbitral não cumpre, manifestamente, a função de explicar a convicção do tribunal quanto à decisão de dar determinados factos como provados.
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Quanto ao ponto 345 da sentença arbitral
199. No facto dado como provado no parágrafo 345 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte: “Os trabalhos em apreço [no que concerne a impermeabilização da cobertura da Torre] tiveram um impacto de 1 dia no prazo de execução da obra”.
200. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
201. A fundamentação que o tribunal arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigos 186 e 187 das AF da C e doc.46 junto com o requerimento inicial”.
202. Os artigos 186 e 187 das AF da C dizem o seguinte: “Sem prejuízo, os trabalhos em apreço tiveram um impacto de 2 dias apenas no prazo de execução da obra, conforme explicitado no ponto C.2., alínea (x) da carta de resolução do Contrato, junta como documento d-46 ao Requerimento Inicial.
Com efeito, a parte do deck representa um acréscimo de 12% da área prevista em projeto, o que resulta num acréscimo de 1 dia, enquanto que a guarda de vidro representa um acréscimo de 22% do comprimento previsto em projeto, do qual resulta um acréscimo de 1 dia, totalizando um cumulativo de 2 dias.”
203. Os trabalhos referidos nestes artigos das alegações da C não dizem respeito à impermeabilização da cobertura da torre, pelo que não se entende como é que o Tribunal Arbitral chega a qualquer conclusão sobre a duração dessas obras com base nestas alegações.
204. Também a prova citada neste excerto (doc.D-46 com o requerimento inicial, carta de resolução enviada pela C) não corrobora este facto, antes referindo que este trabalho teve um “impacto de 5 dias” no prazo, mas que, tendo em conta que foi pedido já depois de passado o prazo parcial para conclusão desta fase, não justificou o incumprimento do mesmo.
205. Também aqui, nenhum dos elementos de prova citados corrobora o teor do facto dado como provado no ponto 345 da sentença arbitral.
206. Uma vez que o Tribunal Arbitral não tece, na sua fundamentação de facto, qualquer consideração quanto à forma como valorou a prova que cita, é impossível reconstituir o iter lógico-jurídico que lhe permitiu concluir que o tema da prova ínsito no parágrafo n.º 345 da sentença arbitral deveria ser dado como provado.
207. A fundamentação de facto revela-se, por isso, absolutamente impercetível, o que equivale à sua inexistência, para efeitos de anulação da sentença arbitral de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Apreciação:
O ponto 345 é o último da seguinte série:        
BLOCO 4 e TORRE
Impermeabilização da cobertura da Torre
341. No dia 21/03/2018, a C solicitou à S que procedesse à impermeabilização da cobertura da torre, intervenção que não estava prevista no projecto inicial (cfr. art. 243 das AF da S, facto assente 64 e artigos 180 a 182 das AF da C).
342. O trabalho em apreço (impermeabilização da cobertura da torre) consubstancia um trabalho a mais solicitado pela C e aceite pela S, que deveria ter uma duração de 5 dias, tempo considerado suficiente para aplicação de telas betuminosas em toda a área do terraço da torre (piso 16) (cfr. art. 244 das AF da S e depoimento escrito apresentado pela testemunha Arq. HJ).
343. O trabalho solicitado é um trabalho a mais, não previsto no plano de trabalho anexo ao contrato de empreitada, tendo sido solicitada a sua execução pela C à S em 21/03/2018, isto é, 25 dias após a data contratualmente prevista para a conclusão dos trabalhos a executar na torre (23/02/2018) (cfr. art. 249 das AF da S, arts. 189 a 191 das AF da C e depoimento escrito apresentado pela testemunha Arq. HJ).
344. A sua execução decorreu num período alargado de tempo de 2 meses, de 02/04/2018 a 02/06/2018, o que revela a incapacidade da S em desenvolver os trabalhos a ritmo normal, sem motivo aparente que condicionasse aquela execução (cfr. art. 244 das AF da S, art. 677 da contestação, art. 181 das AF da C e depoimento escrito apresentado pelo Arq. HJ).
345. Os trabalhos em apreço tiveram um impacto de 1 dia no prazo de execução da obra (cfr. artigos 186 a 187 das AF da C e doc. 46 junto com o requerimento inicial).
A fundamentação do ponto 345 consiste na referência às AF da parte e na remessa para um elemento de prova. Pelo que, pelo já dito acima, não é fundamentação válida. Para além disso, como diz a C, os arts 186 a 187 das suas AF referem-se a outro assunto, que não à impermeabilização da cobertura da torre (referem-se às “alterações na cobertura do edifício novo que já estava executado, bem como nas instalações sanitárias e escada de acesso, situadas entre o solário do piso 3 e o solário do piso 5”). Pelo que, evidentemente, não podem servir para a prova do que consta do ponto 345 que devia ser um facto relativo ao atraso/impacto dos trabalhos dos pontos 341 a 344. Mas, assim sendo, o ponto 345 não tem relação com os pontos anteriores, o que também se revela pela desconexão com o que consta do ponto 342 (duração 5 dias, incompatível, sem mais, com a conclusão 1 dia). Ou seja, o ponto 345 não tem fundamentação e os pontos 341 a 344 não suprem essa falta porque dizem respeito a outra coisa. E, assim, fica-se sem atraso nem impacto para os trabalhos que constam dos pontos 341 a 344 e sem atraso nem impacto para os trabalhos que estão implícitos no ponto 345, visto que na acção de anulação o tribunal não pode substituir-se ao tribunal arbitral na apreciação da prova e na decisão dos factos provados ou não provados. Discute apenas se, nesta parte, existe fundamentação para os factos dados como provados.
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Quanto ao ponto 350 da sentença arbitral
208. No facto dado como provado no parágrafo 350 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte: “O trabalho em causa [referente a cobertura dos blocos 2 e 4, piso 5], teve um impacto de 12 (doze) dias na execução dos trabalhos da Empreitada”
209. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
210. A fundamentação que o Tribunal Arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigos 260.º a 263.° das Alegações Finais da S, por oposição ao artigo 202.º das Alegações Finais da C”.
211. O artigo 262.º das Alegações Finais da S remete para o ponto 1542 do Documento D-1 junto com o Requerimento Inicial (Contrato de Empreitada), dizendo que “de acordo com o Plano de Trabalhos anexo ao Contrato de Empreitada, a execução de um deck em madeira com estrutura metálica de apoio no solário do piso 3 levaria à S um total de 12 dias para a execução em condições normais de empreitada, pelo que é razoável estimar, pelo menos, o mesmo tempo para a execução".
212. Todavia, o documento citado não prova o impacto do trabalho aqui em questão.
213. Já no artigo 202.º das Alegações Finais da C, para as quais o Tribunal Arbitral remete apenas “por oposição”, vem dito que os trabalhos em causa “não causaram qualquer impacto nos trabalhos subsequentes da Empreitada”.
214. Também aqui, nenhum dos elementos de prova citados corrobora o teor do facto dado como provado no Ponto 350 da sentença arbitral.
215. Uma vez que o Tribunal Arbitral não tece, na sua fundamentação de facto, qualquer consideração quanto à forma como valorou a prova que cita, é impossível reconstituir o iter lógico-jurídico que lhe permitiu concluir que o tema da prova ínsito no Ponto 326 da sentença arbitral deveria ser dado como provado.
216. A fundamentação de facto revela-se, por isso, absolutamente impercetível, o que equivale à sua inexistência, para efeitos de anulação da sentença arbitral.
217. Esta decisão padece, por isso, de uma absoluta falta de fundamentação, que consubstancia uma causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Apreciação:
O ponto 350 tem a seguinte redacção:
“O trabalho em causa teve um impacto de 12 dias na execução dos trabalhos da Empreitada (cfr. artigos 260 a 263 das AF da S, por oposição ao artigo 202 das AF da C”).
Por tudo o que já foi dito acima, a remessa para a discussão travada entre as partes, isto é, para duas argumentações contraditórias, não serve como fundamentação. A escolha entre elas cabe ao tribunal arbitral, tal como lhe cabe a ele explicar porque é que escolheu a versão dos factos apresentada pela S, com a explicação da forma como valorou os meios de prova indicados.
De qualquer modo, veja-se a série de pontos que antecede este:
A cobertura dos blocos 2 e 4, piso 5
346. De acordo com o Plano de Trabalhos impactados apresentado pela S, a "execução de estrutura metálica para suporte do deck em madeira durou 10 dias, 30 dias e 45 dias, respectivamente, sendo necessários 10 dias para a execução dos maciços em betão para aplicação de relva sintética, 30 dias para a execução da estrutura metálica para o suporte do novo deck e 45 dias para a execução do deck (cfr. artigo 269 das AF da S, docs. 1 e 34 junto com o requerimento inicial e depoimento escrito apresentado pela testemunha Eng. JC).
347. No decorrer da obra, em 21/12/2017, surgiram novos desenhos de projecto de arquitectura que alteravam o revestimento desta cobertura, passando a mesma a ter um pavimento em deck de madeira com uma área de 374 m2 (cfr. art. 252 das AF da S e depoimento escrito apresentado pela testemunha Eng JC, por oposição aos artigos 195  a 199 das AF da C).
348. Em 15/01/2018, surgiram novos desenhos do projecto de arquitectura, em que se incluam zonas de relva sintética intercalada com o deck de madeira (cfr artigo 253 das AF da S, por oposição aos artigos 195 a 199 das AF da demanda).
349. O acabamento dos pisos foi modificado pela S, a pedido da C, tendo sido executada uma estrutura metálica para a aplicação do deck, bem como executados maciços em betão para posterior assentamento da relva sintética. A solicitação foi apresentada à S em Janeiro de 2018 (cfr. artigos 252 a 258 das AF da S e depoimento escrito apresentado pela testemunha Arq. HJ e Eng. JC).
Estes pontos não suprem a falta de fundamentação do ponto 350 por sofrerem dos mesmos vícios. Mas, para além disso, os pontos limitam-se a dizer quando é que surgem os pedidos, não explicando como é que eles, por só terem surgido nessas datas (num dos três casos nem se precisa essa data, colocando-a num intervalo de 31 dias), tiveram o “impacto” referido no ponto 350.
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Quanto ao ponto 354 da sentença arbitral
218. No facto dado como provado no ponto 354 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte: “Os trabalhos em apreço [referentes às alterações na cobertura do edifício novo que já estava executada, bem como nas instalações sanitárias e escada de acesso, situadas entre o solário do piso 3 e o solário do piso 5] tiveram um impacto de 1 dia no prazo de execução da obra”.
219. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
220. A fundamentação que o tribunal arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigo 272 das AF da S e artigos 186 e 187 das AF da C, por oposição ao artigo 191 das AF da C”.
221. Tanto os citados artigos das AF da C como os artigos das AF da S para os quais o tribunal arbitral remete referem um impacto de 2 dias, e não de um dia, na execução da obra, embora nem uma nem outra remetam para quaisquer elementos de prova.
222. Por outro lado, o artigo 191 das AF da C é claro onde diz que estes trabalhos não causaram qualquer impacto nos trabalhos subsequentes da Empreitada, uma vez que foram solicitados e realizados em momento posterior ao do termo do prazo parcial para a conclusão dos trabalhos referentes ao Bloco 4 e Torre.
223. Em suma, o tribunal arbitral não fundamenta a sua decisão de dar como provado o tema da prova ínsito no ponto 354 da sentença arbitral em qualquer documento ou outro elemento de prova.
224. Esta decisão padece, por isso, de uma absoluta falta de fundamentação, e, como tal, consubstancia uma causa de anulação da decisão arbitral, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Apreciação:
No ponto 354 consta:
Os trabalhos em apreço tiveram um impacto de 1 dia no prazo de execução da obra (cfr. artigo 272 das AF da S e artigos 186 e 187 das AF da C, por oposição ao artigo 191 das AF da C).
A remessa para a discussão travada entre as partes, isto é, para duas argumentações contraditórias, não serve como fundamentação.
Nos pontos 351 a 353 consta:
Alterações na cobertura do edifício novo que já estava executada, bem como nas instalações sanitárias e escada de acesso, situadas entre o solário do piso 3 e o solário do piso 5
351. Em 23/03/2018, a C, conjuntamente com o projectista de arquitectura, solicitou as alterações na cobertura do edifício novo (Bloco 2) que já estava executada, bem como nas instalações sanitárias e escada de acesso, situadas entre o solário do piso 3 e o solário do piso 5, que em seguida se identificam:
- Concepção de um passadiço entre a zona do solário do piso 5 e a cobertura nova, à frente da caixa do elevador (sobre laje em rampa), com estrutura metálica, revestida a deck e com a frente tapada com viroc pintado de branco;
- Aplicação de pavimento em deck de madeira na cobertura;
- Fornecimento e montagem de guarda em vidro, com perfil metálico na base, em todo o perímetro da cobertura, igual à restante aplicada no edifício”
(cfr. artigos 264 e 269 das AF da S, arts 180 e 181 das AF das C e facto assente 72).
352. No dia 23/03/2018 a S foi ainda informada de que “o projectista de arquitectura vai fazer projecto e alterações desta zona e enviar para preparar trabalhos” (cfr. art. 265 das AF da S e doc. 20 junto com o requerimento inicial).
353. Os trabalhos a mais em causa foram solicitados em 23/03/2018 e foram executados pela S. Esta solicitação foi apresentada após a data prevista para a conclusão dos trabalhos do Bloco 4 e da Torre (23/02/2018) (cfr. arts 264 a 272 das AF da S).
Estes pontos não ajudam a encontrar o porquê de o tribunal arbitral ter seguido a versão da S quanto a este impacto, apesar de haver uma versão contraditória da C sobre a questão. Note-se que não está em causa que este trabalho a mais leva pelo menos um dia a fazer-se, como foi admitido pela C, como já se tinha visto na discussão do ponto 345 (o tal em que o tribunal arbitral incluiu no fim dos pontos 341 a 344 sem razão porque dizia respeito a outra matéria), mas sim que esse dia tenha contribuído para o atraso na obra, já que o trabalho a mais foi pedido mais de um mês depois do termo do prazo (ponto 353). Como o “impacto” é apresentado como um facto, tinha de ser aqui, na fundamentação da prova do facto, que o tribunal arbitral tinha que explicar isto. Como não o fez, não há fundamentação.
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Quanto ao ponto 358 da sentença arbitral
225. No facto dado como provado no parágrafo 358 da sentença arbitral pode ler-se o seguinte: A referida solicitação [referente a instalação de duches na cobertura dos blocos 2 e 4, piso 5, junto a caixa do elevador], impactou 7 dias na execução dos trabalhos.
226. O Tribunal Arbitral deu este tema da prova como provado.
227. A fundamentação que o tribunal arbitral apresenta para a sua decisão de dar como provado este tema da prova é a seguinte: “cfr. artigos 282 a 284 das AF da S”.
228. O extrato citado das AF da S apenas remete para um elemento de prova: a página 119, pontos 199 a 201 do documento D-1.
229. Este documento não realiza qualquer prova relativamente ao impacto do trabalho aqui em questão.
230. Pelo que também aqui nenhum dos elementos de prova citados corrobora o teor do facto dado como provado no ponto 358 da sentença arbitral.
231. Uma vez que o tribunal arbitral não tece, na sua fundamentação de facto, qualquer consideração quanto à forma como valorou a prova que cita, é impossível reconstituir o iter lógico-jurídico que lhe permitiu concluir que o tema da prova ínsito no ponto 326 da sentença arbitral deveria ser dado como provado.
232. A fundamentação de facto revela-se, por isso, absolutamente impercetível, o que equivale à sua inexistência, para efeitos de anulação da sentença arbitral.
233. Esta decisão padece, por isso, de uma absoluta falta de fundamentação, que consubstancia uma causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Apreciação:
No ponto 358 consta:
A referida solicitação impactou 7 dias na execução dos trabalhos (cfr. artigos 282.º a 284.º das AF da S).
Pelo muito que já foi dito acima, já se sabe que dar-se um facto provado com base no que foi alegado por uma parte não é fundamentação válida.    
Quanto à série de pontos que antecedem este ponto 358 – que será transcrita a seguir –, ela não supre aquela falta de fundamentação, pois que nessa série também apenas se faz referência às alegações da S e a dois factos assentes, sendo que, só por si, eles não são explicação suficiente para se falar num atraso e muito menos num impacto na obra. Aliás, estes pontos limitam-se, no essencial, a reproduzir os factos assentes, 138 e 140, sendo que o que se acrescenta no ponto 358 é o alegado impacto e para a conclusão deste não basta invocar a versão da S, sem explicar como é que se criou a convicção de que ela era a correcta.
Veja-se:
Instalação de duches na cobertura dos Blocos 2 e 4, piso 5, junto à caixa do elevador
355. Na cobertura dos Blocos 2 e 4, piso 5, junto à caixa do elevador, foram instalados duches para os quais foi necessária a passagem de tubos de águas e esgotos, assim como a impermeabilização e revestimento da base em mosaico cerâmico (cfr. art. 273 das AF da S e facto assente 75 [= ponto 138: TRL]).
356. Junto à zona dos duches e passadiço, a C e o Projetista de Arquitetura solicitaram, em 17/04/2018, que fosse criado um bar de apoio ao solário deste piso, para o qual foi necessário abrir um vão na parede existente e criada uma porta metálica para acesso a uma arrecadação que servia de apoio a este bar. Esta solução acabou por ser abandonada e nunca chegou a ser executada pela S (cfr. artigos 274 e 275 da AF da S e facto assente 77 [= ponto 140: TRL]).
357. A S procedeu à execução dos trabalhos necessários para a instalação dos duches e ainda os trabalhos de construção civil iniciais tendentes à instalação do bar (cfr. art. 281 das AF da S e facto assente 75 e 77).
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Das considerações genéricas que a S faz nesta parte quanto a esta parte do pedido de anulação por falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, constante dos artigos 177 a 198 da contestação, já transcritos acima:
178.º Não é evidentemente por acaso que a C põe em causa a fundamentação do julgamento dos referidos factos, o que decorre da circunstância de serem os factos que permitiram ao Tribunal Arbitral concluir que os atrasos na execução da empreitada contratada são igualmente imputáveis à C.
Quanto a este artigo, diga-se que era precisamente isto que a C tinha de fazer. Ou seja, era quanto à matéria de facto que permitia ao tribunal arbitral considerar que os atrasos da execução eram igualmente imputáveis à C que a C tinha que tentar demonstrar que não havia fundamentação. Pelo que o argumento da S não vale como crítica válida.
187.º A fundamentação por remissão para os meios de prova indicados nas alegações das Partes constitui, assim, apenas uma das formas utilizadas pelo Tribunal Arbitral para fundamentar a sua decisão no julgamento da matéria de facto.
Quanto a 187: a remissão não foi uma das formas da fundamentação da sentença arbitral, foi, como se viu, quase que a única – as excepções foram assinaladas acima – e essa remissão, como se viu, é aquilo que não é aceitável.
190.º Não pode é dizer, de forma séria, que ao ler os parágrafos 264 a 277 da sentença arbitral e os meios de prova indicados nessa sentença e, por remissão, nas alegações finais das Partes, que os fundamentam, que não percebe a razão, a justificação, porque o Tribunal Arbitral chegou a essa conclusão.
Quanto a 190: pelo contrário, como se demonstrou, a referência às AF das partes e a remissão para os meios de prova aí indicados, não explicam a razão pela qual o tribunal arbitral chegou à conclusão da prova dos factos em causa.
193.º Impõe-se, de todo o modo, uma conclusão final que se afigura relevante na apreciação da metodologia usada pelo Tribunal Arbitral na fundamentação da sentença impugnada e que se prende com a circunstância de essa fundamentação se encontrar muito ligada ao cumprimento do princípio do contraditório, isto é, resultar da aplicação do referido princípio no julgamento da matéria de facto.
194.º Não é certamente por acaso que na fundamentação do julgamento da matéria de facto de praticamente todos os factos que se integram nos parágrafos indicados pela C, o Tribunal Arbitral faça expressa menção à fundamentação e meios de prova constante das alegações finais da S “por oposição” à fundamentação e meios de prova constante das alegações finais da C.
195.º O Tribunal Arbitral é absolutamente claro ao dizer que a razão por que julga determinado facto provado é aquela que a C ou a S indicam nas suas alegações finais, com base nos meios de prova que aí indicam.
Quanto a 193 a 195: É certo que, na maior parte dos pontos expressamente em causa, a fundamentação foi feita por referência às alegações finais de ambas as partes (embora, nos pontos que antecedem aqueles, já a remissão é, na sua maior parte, apenas para as AF da S: assim, por exemplo, nos pontos 264 a 276, eles terminam em 7 casos só com referência às AF da S, 1 vez só com referência às AF da C e 3 vezes com referência às AF de ambas – uma diferença de 7 para 1; nos pontos 278 a 286, 8 deles terminam só com referência às AF da S e apenas 1 termina com referência às AF de ambas as partes – uma diferença de 8 para 0; nos pontos 288 a 294, 4 pontos terminam só com referência às AF da S e nenhum às da C e 3 referem-se às de ambas – uma diferença de 4 para 0). Mas isso não demonstra, nem de perto, a garantia do contraditório, isto é, que tenham sido devidamente pesados os meios de prova produzidos pelas duas partes, nem a argumentação das duas partes. Fazer referência às alegações das duas partes é apenas dizer que elas existem; não demonstra que os meios de prova referidos nelas tenham sido ponderados igualmente. Isso só se demonstraria com a explicação de como se formou a convicção com os meios de prova que nelas eram invocados. E alegar que o tribunal arbitral é claro ao dizer que a razão por que julga determinado facto provado é aquela que a C ou a S indicam nas suas alegações finais, com base nos meios de prova que aí indicam, principalmente quando o tribunal, com a expressão “em oposição”, as põe em confronto, é contraditório: não se pode dizer que a razão é aquela que as duas Partes indicam quando as Partes dizem coisas contrárias.
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Da contradição insanável entre factos provados
356. Para além das supra expostas contradições insanáveis entre os factos dados com provados na sentença arbitral e as respetivas fundamentações, o Tribunal Arbitral deu ainda como provados vários factos que apresentam contradições insanáveis entre si.
357. Como referido anteriormente, constitui fundamento para a anulação da sentença arbitral a ausência da fundamentação desta, por força do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea vi) ex vi artigo 42.º, n.º 3, todos da LAV.
358. E, como bem destaca MENEZES CORDEIRO, em Tratado de arbitragem: comentário à Lei 63/2011, de 14/12, Coimbra Almedina, 2016, p. 441-442, seguindo a mesma posição a maioria doutrinária (cfr. MARIANA FRANÇA GOUVEIA, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 3.ª Edição, p. 308; ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO, A Impugnação da Sentença Arbitral, p. 65; e PAULA COSTA E SILVA, Os Meios de Impugnação de Decisões Proferidas em Arbitragem Voluntária no Direito Interno Português, Ano 56, I, Janeiro de 1996, Lisboa, p.186) e jurisprudencial (veja-se, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 17/04/2018, proc. 484/16.5YRLSB.L1.S1, já citado), “devem ser equiparadas à falta de fundamentação as justificações fantasiosas, desconexas ou em contradição com a decisão”.
359. Assim, estão também, nesta causa de anulação, as sentenças “carecidas de fundamentação ou cujos fundamentos essenciais estejam em contradição (entre si ou) com a decisão” (Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, Coord. Mário Esteves de Oliveira, Coimbra Almedina, 2014, p. 564).
360. Se o Tribunal Arbitral dá como provados factos que apresentam contradições insanáveis entre si, torna-se em absoluto impossível seguir o iter jurídico-racional que preside à fundamentação da decisão de facto.
i. Da contradição entre os factos dados como provados, por um lado, no parágrafo 467, e, por outro lado, nos parágrafos 465 e 466 da sentença arbitral
361. No tema da prova ínsito no parágrafo 467 da sentença arbitral, o Tribunal Arbitral deu como provado o seguinte enunciado: “Foi acordado entre as Partes que os trabalhos a mais iriam sendo contabilizados pela fiscalização da C, sendo objecto de facturação no final da obra e após a emissão da última factura de trabalhos contratuais, conforme referido supra em 458.”
362. Mas já nos temas da prova ínsitos nos parágrafos 465 e 466, o Tribunal Arbitral deu como provado os seguintes enunciados: “Foi contratualmente estipulado entre as Partes que a contabilização e facturação dos trabalhos a mais seria efectuada no final de cada mês. O referido procedimento foi cumprido pelas Partes, tendo a S elaborado 3 Autos de Medição referentes a trabalhos a mais e tendo os dois primeiros sido validados pela Fiscalização”.
363. Ora, não é possível conciliar o teor destes enunciados. Ou bem que o procedimento contratualmente estipulado pelas partes “foi cumprido”, e estas contabilizaram e facturaram os trabalhos a mais ao final de cada mês, ou bem que as partes “acordaram […] que os trabalhos a mais iriam sendo contabilizados pela fiscalização da C, sendo objecto de facturação no final da obra”. Mas ambas as situações não podem ter ocorrido em simultâneo.
364. Estes factos apresentam uma contradição insanável entre si, pelo que estamos perante uma inexistência de fundamentação, que constitui causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
A S responde o seguinte:
[…]
201.º […D]a simples leitura dos referidos factos se revela evidente a inexistência de qualquer contradição.
202.º Com efeito, os factos constantes dos parágrafos 465 e 466 da sentença arbitral dizem respeito ao que foi “contratualmente estipulado entre as Partes”, isto é, ao que o contrato de empreitada estabelecia, e que foi, até certo momento, cumprido pelas partes, mediante a emissão de 3 autos de medição, não obstante não ter sido emitida qualquer fatura.
203.º O facto constante do parágrafo 467 da sentença arbitral diz, por sua vez, respeito ao acordo que as partes entretanto estabeleceram, em alteração ao teor do contrato de empreitada.
204.º O que o tribunal arbitral deu como provado foi, pois, que (i) foi contratualmente estipulado entre as Partes um procedimento para a contabilização e faturação dos trabalhos a mais e que (ii) esse procedimento, constante da Cláusula 6.ª do Contrato de Empreitada, não foi cumprido pelas Partes em razão de ter sido acordado que os trabalhos a mais seriam validados e objeto de faturação apenas no final da obra e após a emissão da última fatura pelos trabalhos contratuais.
205.º Foi precisamente isto que foi alegado pela S nas suas alegações finais nos seus parágrafos 584.º a 596.º (cfr. AF da S, páginas 146 e 147) e que o tribunal arbitral deu como provado, o que fez, precisamente, por remissão para os referidos parágrafos das AF da S e para o teor dos esclarecimentos orais prestados pela testemunha Eng.º JC (cfr. sentença arbitral página 85/119) em audiência de julgamento.
206.º - Não existe, pois, qualquer contradição entre os indicados factos dados como   provados.
Apreciação:
É certo que nos pontos 465 e 466 se fala no que consta do contrato inicial e no ponto 467 fala-se no que foi acordado posteriormente, como aliás resulta do ponto 458 em que tal acordo posterior é referido circunstanciadamente. Mas a C não põe em causa isso.
O que a C diz, transcrevendo os pontos da sentença arbitral, é que não se pode dar como provado que os trabalhos iriam sendo […] objecto de facturação no final da obra e após a emissão da última factura de trabalhos contratuais (467) e ao mesmo tempo dizer-se que “foi contratualmente estipulado […] que a […] facturação dos trabalhos a mais seria efectuada no final de cada mês. O referido procedimento foi cumprido pelas Partes […] (pontos 465 e 466).
Daí que a C diga: “não é possível conciliar o teor destes enunciados. Ou bem que o procedimento contratualmente estipulado pelas partes “foi cumprido”, e estas contabilizaram e facturaram os trabalhos a mais ao final de cada mês, ou bem que as partes “acordaram […] que os trabalhos a mais iriam sendo contabilizados pela fiscalização da C, sendo objecto de facturação no final da obra”. Mas ambas as situações não podem ter ocorrido em simultâneo.”
Ora é evidente a contradição: o contratado inicialmente não pode ter sido cumprido ao contrário do que o tribunal arbitral diz expressamente no ponto 466, aliás em contradição com as alegações finais da S, que o tribunal arbitral acolhe mas esquecendo o extenso art. 583 dessas alegações finais:
583. Ainda, assim, a S executou os trabalhos a mais solicitados pela C pela razão de ter sido acordado entre as Partes que os trabalhos a mais seriam validados e objeto de faturação apenas no final da obra e após a emissão da última fatura pelos trabalhos contratuais, conforme melhor se explica na resposta ao tema da prova 14.
Em face do que antecede, deve o Tribunal, diz a S:
a) Julgar provado que foi contratualmente estipulado entre as Partes um procedimento para a contabilização e faturação dos trabalhos a mais; e
b) Julgar provado que esse procedimento, constante da cláusula 6.ª do contrato de empreitada, não foi cumprido pelas Partes em razão de ter sido acordado que os trabalhos a mais seriam validados e objeto de faturação apenas no final da obra e após a emissão da última fatura pelos trabalhos contratuais.
Mais, a S, na argumentação acima, para tentar demonstrar a inexistência de contradição, diz “204.º O que o tribunal arbitral deu como provado foi, pois, que (i) foi contratualmente estipulado entre as Partes um procedimento para a contabilização e faturação dos trabalhos a mais e que (ii) esse procedimento, constante da Cláusula 6.ª do Contrato de Empreitada, não foi cumprido pelas Partes […].
Ora, o que o tribunal arbitral dá expressamente como provado, no ponto 466, é que esse procedimento foi cumprido pelas partes.
Ou seja, há contradição entre os pontos 465 e 466 e o ponto 467 e há contradição entre o que a S diz que o tribunal arbitral deu como provado e o que o tribunal arbitral deu efectivamente como provado.
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ii. Da contradição entre os factos dados como provados nos parágrafos 470 e 471 da sentença arbitral
365. No tema da prova ínsito no parágrafo 470 da sentença arbitral, o Tribunal Arbitral deu como provado o seguinte enunciado: “Em virtude da resolução do Contrato de Empreitada, a S deixou de auferir o lucro que obteria com a facturação dos restantes trabalhos a executar ao abrigo do referido Contrato de Empreitada, os quais ascenderiam a € 713.817,19, não tendo sido feita prova suficiente sobre o montante concreto do lucro.”
366. Mas já no tema da prova ínsito no parágrafo 471, o Tribunal Arbitral deu como provado o seguinte enunciado: “A S não realizou trabalhos previstos no Contrato equivalentes ao montante de € 572.197,05”.
367. Ora, não é possível conciliar o teor destes enunciados. Ou bem que os “restantes trabalhos a executar [pela S] ao abrigo do […] Contrato de Empreitada […] ascenderiam a € 713.817,19”, ou bem que os trabalhos não realizados pela S seriam “equivalentes ao montante de € 572.197,05”. Mas não é possível que ambos os valores correspondam à realidade em simultâneo.
368. Estes factos apresentam uma contradição insanável entre si, pelo que estamos perante uma inexistência de fundamentação, que constitui causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
A S responde o seguinte:
207.º Entende ainda a C que existe contradição entre o facto provado constante do parágrafo 470 da sentença arbitral e o facto provado constante do parágrafo 471.
208.º No requerimento de retificação da sentença arbitral submetido pela C no dia 30/09/2022, a C requereu ao Tribunal Arbitral o seguinte: “Na página 86 da DA, Pontos 470 e 471, o Tribunal Arbitral deu como provados dois montantes distintos a título de trabalhos não executados pela S ao abrigo do Contrato de Empreitada em virtude da resolução do mesmo pela C: € 713.817,19 e € 572.197,05. Nesta medida, requer-se ao Tribunal Arbitral que esclareça esta ambiguidade/obscuridade da DA, procedendo à eliminação do montante de € 713.817,19 e à manutenção do montante de € 572.197,05, na medida em que este último corresponde ao montante apurado pelos Exmos. Srs. Peritos, por unanimidade, no seu Relatório Pericial” (cfr. documento 1 junto com esta contestação).
209.º Por despacho de 31/10/2022, o Tribunal Arbitral decidiu o seguinte:
“A C requereu ainda o esclarecimento dos seguintes pontos da Decisão Arbitral:
[…] b) Página 86, capítulo 16, ponto 470 e 471: a C alega existir uma ambiguidade/obscuridade entre o facto dado como provado no ponto 470 (em particular, quanto ao montante de € 713.817,19) e o facto dado como provado no ponto 471 (em particular, quanto ao montante de € 572.197,05). (…)
21. Quanto ao pedido de esclarecimentos indicado no ponto 6(b) supra, o Tribunal Arbitral entende não existir qualquer ambiguidade/obscuridade, mas impõem-se os esclarecimentos e rectificações que de seguida se indicam, a fim da boa compreensão da Decisão Arbitral.
22. No ponto 470 da Decisão Arbitral, o Tribunal Arbitral deu como provado que “a S deixou de auferir o lucro que obteria com a facturação dos restantes trabalhos a executar ao abrigo do referido Contrato de Empreitada”, tendo ainda indicado, nesse mesmo ponto, o montante que a S alegou corresponder aos referidos trabalhos que não foram executados, em virtude da resolução do Contrato de Empreitada pela C.
23. Por sua vez, no ponto 471 da Decisão Arbitral, o Tribunal Arbitral deu como provado que o montante dos trabalhos não executados pela S é de € 572.197,05 (e não o montante de € 713.817,19 alegado pela S), nos termos que resultaram do Aditamento ao Relatório Pericial.
24. É entendimento do Tribunal Arbitral não se verifica qualquer contradição ou ambiguidade entre aqueles dois factos dados como provados – pontos 470 e 471 da Decisão Arbitral –, porquanto resulta claro que, apesar de a S ter alegado que os trabalhos não executados “ascenderiam a € 713.817,19”, o que foi efectivamente dado como provado é esses trabalhos não executados são “equivalentes ao montante de € 572.197,05”.
25. Acresce que o Tribunal Arbitral entendeu ainda que não foi produzida prova suficiente sobre o montante exacto dos lucros que a S deixou de auferir em virtude de não ter executado todos os trabalhos previstos no Contrato de Empreitada e, por esse motivo, apenas condenou a C no pagamento dos lucros cessantes que a S deixou de obter por não ter realizado os demais trabalhos contratuais previstos no montante que vier a ser apurado em incidente de liquidação da Decisão Arbitral, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, da Lei da Arbitragem Voluntária, conforme resulta expressamente do ponto 677(f), da Decisão Arbitral.
26. Sem prejuízo do exposto, o Tribunal Arbitral entende que se verifica um erro material nos pontos 605 e 611 da Decisão Arbitral, impondo-se a respectiva rectificação, pelo que onde se lê “€ 713.817,19” deve ler-se “€ 572.197,05”, pois foi esse o montante de trabalhos não executados que foi efectivamente dado como provado pelo Tribunal Arbitral nos termos conjugados dos pontos 470 e 471 da Decisão Arbitral.
27. Em consequência, entende ainda o Tribunal Arbitral que assiste razão à C no que concerne ao pedido de rectificação indicado no ponto 5(i) supra, impondo-se a respectiva rectificação nos termos requeridos”(cfr. doc.2 junto esta contestação).
210.º Ou seja, o Tribunal Arbitral, não obstante entender que não se verificava qualquer ambiguidade ou contradição entre os factos dados como provados nos parágrafos 470 e 471 da sentença arbitral, conforme então e agora requerido pela C, esclareceu a C das razões por que não existe qualquer contradição ou ambiguidade, tendo, inclusive, retificado o teor da sentença arbitral por existência de um erro material nos pontos 605 e 611 da sentença arbitral relacionado com o pedido de esclarecimento apresentado pela C.
Apreciação:
É evidente que a explicação do tribunal arbitral não está certa. Os pontos de facto 470 e 471 estão em óbvia contradição e não corresponde à realidade que o ponto 470 se reporte ao valor alegado pela S (mesmo que tal resulte do que era alegado pela S que o tribunal arbitral terá pretendido seguir). O ponto 470 é claro que se refere ao mesmo que o ponto 471. E daí que os pontos 605 e 611 se referissem (antes da rectificação) ao valor do ponto 470 e não ao valor do ponto 471.
Mas, entretanto, não obstante não reconhecer a contradição, o tribunal arbitral, no despacho rectificativo já transcrito pela S, rectifica os pontos 605 e 611 da sentença arbitral e, sendo assim, embora se mantenha a contradição entre os pontos 470 e 471, porque estes pontos não foram alterados, a contradição fica explicada e a relevância dela desaparece, porque agora os lucros cessantes teriam de ser liquidados por reporte ao valor de € 572.197,05 e não de € 713.817,19 como resultaria da sentença arbitral não rectificada e esclarecida.
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A contradição entre os factos provados e a fundamentação de direito (a ininteligibilidade da decisão sobre a matéria de direito)
369. Como já se viu, constam da sentença arbitral vários factos dados como provados que contrariam os próprios fundamentos de facto em que assentam. E, para além disso, vários dos factos dados como provados são insanavelmente contraditórios entre si.
370. Mas, como se isto não bastasse, há ainda que ressaltar que a própria fundamentação de direito da sentença arbitral contraria frontalmente os factos que foram dados como provados.
371. O que, como já se viu, constitui, também, uma instância de falta de fundamentação da sentença arbitral, suscetível de configurar uma causa de anulação da sentença, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV. Vejamos,
372. No facto assente ínsito no parágrafo 161 da sentença arbitral, o Tribunal Arbitral deu como provado o seguinte enunciado:
373. “Em relação a este capítulo [relativo ao impacto das alterações impostas na execução do plano de trabalhos aprovado], nenhum dos factos alegados foi dado como assente.”
374. No entanto, e apesar de o Tribunal Arbitral ter dado como provado que não foi dado como assente nenhum facto relativo ao impacto das alterações impostas na execução do plano de trabalhos aprovado, a fundamentação de direito da sentença não deixou de tomar como pressuposto que as alterações impostas pela C tiveram impacto no incumprimento dos prazos da obra.
375. Assim, no parágrafo 575 da sentença arbitral, o Tribunal Arbitral pronuncia-se do seguinte modo: “É, assim, entendimento do Tribunal que, no caso dos autos, não é possível imputar apenas a uma das Partes, a S, o facto ilícito e a culpa pelo não cumprimento da obrigação de realização da obra no prazo previsto, tendo resultado demonstrado o contributo da C para esse resultado, em especial pelas alterações introduzidas aos projectos e aos pedidos de trabalhos a mais.”
376. Esta fundamentação de direito, que contraria frontalmente o que ficou provado no facto assente ínsito no parágrafo 161 da sentença arbitral, é fulcral na construção do dispositivo da sentença, que considerou o Contrato de Empreitada extinto com base em incumprimento bilateral imputável a ambas as partes.
377. Sendo que, na tese do Tribunal Arbitral, o suposto “impacto das alterações impostas na execução do plano de trabalhos aprovado” teria contribuído para o incumprimento dos prazos, e, por isso, seria um fator constitutivo do incumprimento bilateral que deu origem à extinção do contrato.
378. Dada a absoluta contradição entre a decisão quanto à matéria de direito e a decisão tomada relativamente ao facto assente ínsito no parágrafo 161 da sentença arbitral, apenas é possível concluir que a fundamentação da sentença arbitral é absolutamente ininteligível, o que configura um caso de inexistência de fundamentação,
379. A qual, por sua vez, constitui causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 42.º e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
(d) Conclusão
380. Em face de tudo o acima exposto, não existe qualquer dúvida que o dever de fundamentação a que o Tribunal Arbitral está adstrito, por força do art. 42.º, n.º 3, da LAV e do art. 205.º, n.º 1 da CRP, foi violado, por vias várias e distintas.
381. Pelo que deve a sentença arbitral ser anulada, por força do disposto na subalínea vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
A S responde o seguinte:
211.º Por fim, alega a C que existe contradição entre os factos provados e a fundamentação de direito, concluindo pela ininteligibilidade da decisão sobre a matéria de direito.
212.º E afirma tal conclusão, por um lado, com base na circunstância de no parágrafo 161 da sentença arbitral ter sido declarado pelo Tribunal Arbitral que em relação ao capítulo sobre o impacto das alterações impostas na execução do plano de trabalhos aprovado “nenhum dos factos alegado foi dado como provado” e, por outro, na circunstância de a fundamentação de direito da sentença ter tido como pressuposto que as alterações impostas pela C tiveram impacto no incumprimento dos prazos da obra.
213.º Para que se perceba, o ponto 161 da sentença arbitral insere-se no capítulo sobre os “Factos Assentes”, isto é, como explica a sentença arbitral, aqueles factos que “Ficaram provados por documentos ou por acordo entre as Partes (…), consoante se consignou no Despacho n.º 10, de 19 de Junho de 2020” (cfr. Sentença Arbitral, página 41/119).
214.º Na verdade, sobre o impacto das alterações impostas na execução do plano de trabalhos aprovado, não foi tido por assente, pelo Tribunal Arbitral, qualquer facto, isto é, nenhum dos factos alegados ficou provado por documento ou por acordo das partes, razão pela qual constituiu um tema de prova a discutir em audiência de julgamento.
215.º É isso que resulta, com meridiana clareza, do indicado parágrafo 161 da sentença arbitral,
216.º Por outro lado, entre outros, nos parágrafos 248 a 253 da sentença arbitral, em resposta aos temas da prova fixados pelo tribunal arbitral (cfr. Alínea J) do anexo ao Despacho 10 de 19 de junho de 2020), foi julgado provado que (i) “O planeamento da Empreitada sofreu impactos em razão de o Projecto de Estabilidade e o Projecto de Arquitectura terem sido alvo de definições e alterações que implicavam alterações ao Projecto de Execução e ao seu planeamento, o que foi sendo adaptado ao longo da Empreitada”, (ii) “O Projecto de Estabilidade entregue pela C à S no início da Empreitada não constituía uma versão final e estabilizada, o que levou à definição de soluções à medida que a execução da Empreitada evoluía, assim como levou à necessidade de introdução de alterações que afectou a execução e o planeamento da obra”, (iii) “As soluções de estabilidade demoraram a ser definidas pela C, tendo ficado estabilizadas mais de dois meses após o início dos trabalhos, o que afectou o planeamento da obra e a sua execução”, (iv) “A circunstância de o projecto de estabilidade ter ficado concluído na data de 17 de janeiro de 2018 afectou o cumprimento do Plano de Trabalhos”, (v) “O Projecto de Arquitectura sofreu diversas alterações ao longo da execução da Empreitada” e, finalmente, (vi) “A indefinição e alteração do Projecto de Arquitectura, a par do Projecto de Estabilidade, impediu que a obra tivesse um Projecto de Execução estabilizado desde o seu início”.
217.º Os referidos factos são, por si só, suficientes para permitir a conclusão a que chegou o Tribunal Arbitral de que “as alterações impostas pela C tiveram impacto no incumprimento dos prazos da obra, sem prejuízo que muitos mais são identificados na sentença arbitral que não só permitem como impõem a conclusão a que chegou o tribunal arbitral.
218.º Não há, pois, qualquer contradição entre os factos provados e a fundamentação de direito.
219.º Em qualquer caso, sempre se diga que o que a C alega é que em função do que ficou expresso no parágrafo 161 da sentença arbitral, esta não podia ter concluído como concluiu, isto é, que inexiste fundamento para a sentença arbitral ter decidido como decidiu,
220.º O que torna evidente que o que a C põe em causa não é a regularidade intrínseca da sentença arbitral, mas antes o seu mérito, o que sempre estaria vedado a ser sindicado no âmbito da presente ação especial de anulação.
Apreciação:
A S tem toda a razão e esta crítica da C à sentença arbitral não tem sentido. No ponto 161, inserido “no capítulo sobre os factos assentes, isto é, como explica a sentença arbitral, aqueles factos que ficaram provados por documentos ou por acordo entre as partes (…), consoante se consignou no Despacho 10 de 19/06/2020”, o tribunal arbitral limita-se a dizer que em relação a tal capítulo, relativo ao impacto das alterações impostas na execução do plano de trabalhos aprovado, nenhum dos factos alegados foi dado como assente.”  E no ponto 575 está-se a referir a inúmeros factos dados como provados em que, bem ou mal não interessa ao caso, se fala do atraso => impacto causado pelas alterações introduzidas aos projectos e pelos pedidos de trabalhos a mais. Ainda se poderia pôr a hipótese de C estar a sugerir que os factos provados só se referiam a atrasos / impactos provocados pelos trabalhos a mais e não pelas alterações mas, como diz a S, entre os factos provados há inúmeros que se referem a alterações (como aliás se foi vendo na análise que foi feita da arguição da falta de fundamentação da decisão da matéria de facto pela sentença arbitral), pelo que também esta hipótese não tem sentido.
Em suma, a argumentação da C, nesta parte, não tem razão de ser, pois que não se verifica a contradição apontada.
*
Em suma, quanto ao fundamento de anulação consistente na falta de fundamentação da decisão da matéria de facto (art. 46/3 (a/vi) da LAV), considera-se o mesmo procedente quanto à falta de fundamentação dos pontos 277, 287, 295, 317, 326, 330, 345, 350, 354 e 358 (e também do ponto 388 porque dependente destes) e quanto à contradição entre os factos constante dos pontos 465 e 466 e o ponto 467, e improcedente quanto ao resto, sendo que a falta de fundamentação daqueles pontos diz respeito à matéria de facto que permitiu ao tribunal arbitral afirmar – como se verá à frente – que o contrato se extinguiu por incumprimento bilateralmente imputável, sendo pois essencial à manutenção da sentença arbitral.
[O relator consigna, como resulta do que antecede, a alteração da posição que, quanto a esta questão, assumiu, há cerca de 8 anos atrás, no ac. do TRP de 02/07/2015, proc. 92/15.8YRPRT – embora a falta de motivação em causa dissesse respeito a factos não provados; o argumento de que a solução que existe no art. 662/2-c-d do CPC para a falta de motivação da convicção não pode ser aplicada nestas acções de anulação, deve servir em sentido contrário ao aí invocado: como não há a possibilidade de resolver o problema com aquela solução, a falta implica a anulação]
*   
((IV))
Do não conhecimento do objeto do litígio / Omissão de pronúncia
382. Nos termos do ponto v) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV,“A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se […] [a] parte que faz o pedido demonstrar que […] [o] tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.”.
383. A sentença arbitral aqui em crise consegue a proeza de infringir a citada disposição de todas as formas possíveis.
384. Não só o Tribunal Arbitral deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, como também conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, e ainda condenou a C em quantidade superior ou objeto diverso do pedido.
385. Começando pelo início: a omissão de pronúncia.
386. Nas palavras do acórdão do TRL de 02/07/2009, proc. 2678/08.8TVLSB.L1-6, “À problemática da omissão de pronúncia da decisão arbitral aplicam-se as orientações doutrinárias e jurisprudenciais desenvolvidas acerca do artigo 668º, nº 1, alínea d) CPC [atual artigo 615.º do CPC] relativamente às decisões judiciais. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1, do artigo 668º CPC [atual artigo 615.º do CPC], ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpre conhecer (artigo 660º, nº 2, CPC [atual artigo 608.º CPC]).”
387. O Tribunal Arbitral não se pronuncia sobre a questão fundamental que foi identificada em sede de Compromisso Arbitral como constituindo o objeto do litígio: a licitude da resolução do contrato de empreitada.
388. O Compromisso Arbitral firmado pelas partes não podia ser mais claro quanto na identificação do objeto do litígio, ou na delimitação das questões acerca das quais o Tribunal Arbitral se deveria pronunciar.
389. Nos termos da Cláusula Segunda do Compromisso Arbitral, com a epígrafe “Objeto do Litígio”: “Sem prejuízo de ulterior redefinição do objeto do litígio nos articulados, a presente arbitragem tem por objeto apreciar a licitude da resolução contratual operada pela C, no âmbito da relação de Empreitada contratada com a S, a responsabilidade pelos prejuízos advenientes da dita resolução e pelos prejuízos decorrentes do atraso verificado na conclusão da empreitada.”.
390. Também os pedidos que foram apresentados ao Tribunal Arbitral pela S e pela C, em sede de Requerimento Inicial e de Contestação, foram claríssimos na delimitação que fizeram das questões de facto e de direito que deveriam ter sido apreciadas e decididas pelo Tribunal Arbitral.
391. Se, por um lado, a S pediu ao Tribunal Arbitral que “Reconhe[cesse] e declar[asse] a ilicitude da resolução contratual operada pela C por ausência de causa justificativa”;
392. Já a C pediu ao Tribunal Arbitral que “declara[sse] a licitude da resolução do Contrato pela C”.
393. Mas o Tribunal Arbitral, em completa violação dos seus deveres legais, não emitiu qualquer decisão sobre a licitude da resolução do Contrato de Empreitada.
394. Em lugar de decidir se a resolução do Contrato de Empreitada foi lícita ou ilícita, o Tribunal Arbitral estatui o seguinte, a parágrafos 573 e ss. da sentença arbitral: “[O] Tribunal não pode deixar de relevar todos os factos do caso acima dados como provados, designadamente a contribuição de ambas as Partes para o não cumprimento do prazo da Empreitada, o que faz surgir uma situação de incumprimento bilateral imputável a ambas as partes. […] Em face de todo o exposto, o Tribunal entende que o Contrato de Empreitada deve ser considerado extinto em virtude do incumprimento bilateral imputável a ambas as Partes, sendo manifesto que, há muito, nenhuma das Partes tem interesse na manutenção da relação contratual, aplicando-se, ao presente caso, o regime previsto no artigo 570.° do Código Civil, pelo que caberá ao Tribunal, no momento de apreciação de cada um dos pedidos indemnizatórios formulados nos autos, determinar se as indemnizações peticionadas devem ser atribuídas, reduzidas ou mesmo excluídas. Em consequência, fica prejudicado o conhecimento do pedido formulado pela S de reconhecimento e declaração do incumprimento definitivo do Contrato de Empreitada pela C”.
395. Com este passe de mágica, o Tribunal Arbitral exime-se à decisão sobre a licitude da resolução do Contrato de Empreitada, operada no dia 28 de junho de 2018.
396. Em vez de declarar, como lhe foi pedido por ambas as partes, e em cumprimento do estabelecido em sede de Compromisso Arbitral, se a resolução do contrato aconteceu (e ambas as partes concordam que aconteceu – cfr. Facto Assente n.º 5), o Tribunal Arbitral veio declarar extinto (ou, na suas palavras “considerar” extinto) um contrato que já fora resolvido pela S, “em virtude do incumprimento bilateral imputável a ambas as Partes”.
397. Chega a ser difícil de compreender a extensão da decisão do Tribunal Arbitral neste ponto.
398. Por um lado, o Tribunal Arbitral estatui que “que o Contrato de Empreitada deve ser considerado extinto em virtude do incumprimento bilateral imputável a ambas as Partes”, esclarecendo que, nas suas palavras, é “manifesto que, há muito, nenhuma das Partes tem interesse na manutenção da relação contratual”.
399. Com esta formulação, o Tribunal Arbitral dá a entender que a suposta “falta de interesse” das partes, que já “há muito” é “manifesta”, constitui um dos pressupostos nos quais apoia a sua declaração de extinção do Contrato de Empreitada por “incumprimento bilateral imputável a ambas as Partes”.
400. Ora, se assim é, apenas se pode concluir que a extinção do contrato declarada pelo Tribunal, porque pressupõe esta falta de interesse das partes (que, evidentemente, não existia em junho de 2018, altura em que o Contrato de Empreitada ainda estava em execução), é declarada no momento da sentença, com efeitos para o futuro.
401. No entanto, na alínea b) do dispositivo da sentença arbitral (“Decisão Final”), dispõe o Tribunal Arbitral do seguinte modo: “O Contrato de Empreitada deve ser considerado extinto em virtude do incumprimento bilateral imputável a ambas as Partes. Em consequência, fica prejudicado o conhecimento dos pedidos formulados pela S de (i) reconhecimento e declaração da ilicitude da resolução contratual operada pela C, por ausência de causa justificativa, (ii) reconhecimento e declaração do incumprimento definitivo do Contrato de Empreitada pela C, por impedir a S de concluir os trabalhos de Empreitada e cometer a sua execução a uma terceira entidade, e (iii) reconhecimento e declaração do direito da S em resolver o Contrato de Empreitada com fundamento em incumprimento definitiva da C. Fica igualmente prejudicado o conhecimento do pedido formulado pela C de declaração da licitude da resolução do Contrato de Empreitada pela C.”
402. Ora, não é compreensível que o facto de o Tribunal determinar que “o Contrato de Empreitada deve ser considerado extinto em virtude do incumprimento bilateral”, com base numa falta de interesse que “há muito” é “manifesta” venha a determinar que fica prejudicado o conhecimento dos pedidos relativos à apreciação da licitude da resolução do contrato.
403. O Tribunal não pode declarar extinto um contrato com base em incumprimento bilateral no dia da prolação da sentença, em 15 de julho de 2022, e com base nesse facto constitutivo determinar que o conhecimento da questão da licitude da resolução do contrato – que ocorreu no dia 28 de junho de 2018 – fica prejudicada.
404. O Tribunal Arbitral acaba por fabricar uma causa prejudicial que lhe permite eximir-se à decisão sobre aquele que é o objeto do litígio definido pelas partes em sede de Compromisso Arbitral: a questão da licitude da resolução do Contrato de Empreitada.
405. Mas não se vê como possa existir prejudicialidade entre a suposta “extinção do contrato”, que o Tribunal veio declarar no dia 15/07/2022 com base numa putativa falta de interesse manifestada pelas partes até esse dia, e a apreciação da licitude da resolução do contrato ocorrida no dia 28 de junho de 2018.
406. Pelo que apenas se pode concluir que o Tribunal Arbitral omitiu a pronúncia sobre a questão central, que constituía o objeto do presente litígio.
407. E, bem assim, deve a sentença arbitral em crise ser anulada, nos termos do ponto v) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
A S responde que:
[…]
224.º A C não leu a sentença arbitral ou não compreendeu o seu teor. Ou pior, alega factos que sabe serem falsos.
225.º No parágrafo 572 da sentença arbitral é declarado que “O Tribunal está, pois, convencido que, à data de 28/06/2018, não estavam verificadas as circunstâncias de que dependia a resolução lícita do Contrato de Empreitada pela C”.
226.º O Tribunal Arbitral não podia ter sido mais claro sobre a conclusão a que chegou sobre o pedido deduzido pela C para que fosse reconhecida a licitude da resolução do contrato de empreitada que empreendeu na data de 28/06/2018.
227.º O referido parágrafo 572 da sentença arbitral insere-se no seu capítulo 4.2, sob a epígrafe “Decisão sobre a matéria de Direito”, subcapítulo “4.2.3 a resolução do contrato”, subcapítulo “A Decisão do Tribunal”.
228.º É, pois, falso que o Tribunal Arbitral não se tenha pronunciado sobre a resolução do contrato de empreitada pela C.
229.º É, no entanto, verdade que não obstante ter considerado que não se verificavam os pressupostos de que dependia a resolução lícita do contrato de empreitada pela C, o Tribunal Arbitral considerou o contrato de empreitada extinto por incumprimento imputável a ambas as Partes.
230.º Trata-se, no entanto, de uma solução jurídica em tudo relacionada com a pretensão formulada por ambas as Partes no processo arbitral, ou seja, a de ver reconhecido que o incumprimento que levou à extinção do contrato por resolução é imputável à outra parte
231.º Com efeito, a ação arbitral visava, fundamentalmente, apreciar a (i)licitude da atuação da C e da S na execução do contrato de empreitada e, em consequência, a (i)licitude da resolução do contrato pela C e seus efeitos.
232.º O Tribunal Arbitral, sobre esta matéria, e com base nos factos assentes e nos que julgou como provados e não provados, decidiu que ambas as Partes haviam incumprido as suas obrigações, retirando, a partir daí, as consequências sobre os diversos pedidos de indemnização deduzidos por ambas as Partes.
233.º É, pois, evidente, que não houve qualquer omissão de pronúncia.
234.º Assim como não houve qualquer omissão de pronúncia em todos os processos judiciais [cfr., entre muitos outros, a lista de decisões proferidas pelos Tribunais Superiores constante do parágrafo 574 da sentença arbitral, páginas 100/119, 101/119, 102/119 e 103/119] em que uma das partes pediu o reconhecimento da validade ou licitude da resolução de um contrato e o tribunal acabou por decidir existir uma situação de incumprimento bilateralmente imputável e declarou extinto o contrato não com fundamento na resolução operada, mas antes resolvido ou extinto nos termos das normas gerais por incumprimento definitivo imputável a ambas as partes.
235.º Também nestes casos não se verificou, evidentemente, qualquer omissão de pronúncia.
Apreciação:
Segundo o tribunal arbitral (2.2, ponto 9 da sentença arbitral - sob a epígrafe Objecto do litígio), “Nos termos da Cláusula Segunda do Compromisso Arbitral, a presente arbitragem tem por objecto apreciar a licitude da resolução contratual operada pela C, no âmbito da relação de Empreitada contratada com a S, a responsabilidade pelos prejuízos advenientes da dita resolução e pelos [prejuízos] decorrentes do atraso verificado na conclusão da empreitada.”
Portanto, não há dúvida de que a licitude da resolução contratual operada pela C era objecto do litígio.
E esse objecto manteve-se nos articulados das partes, por terem sido formulados por ambas elas pedidos de reconhecimento e declaração da ilicitude da resolução contratual operada pela C e de declaração da licitude dessa resolução.
Em 4.3, ponto 677, da Sentença arbitral, sob a epígrafe decisão final consta:
Pelos fundamentos expostos, decide-se o seguinte:
[…]
401. O Contrato de Empreitada deve ser considerado extinto em virtude do incumprimento bilateral imputável a ambas as Partes. Em consequência, fica prejudicado o conhecimento dos pedidos formulados pela S de (i) reconhecimento e declaração da ilicitude da resolução contratual operada pela C, por ausência de causa justificativa, (ii) reconhecimento e declaração do incumprimento definitivo do Contrato de Empreitada pela C, por impedir a S de concluir os trabalhos de Empreitada e cometer a sua execução a uma terceira entidade, e (iii) reconhecimento e declaração do direito da S em resolver o Contrato de Empreitada com fundamento em incumprimento definitivo da C. Fica igualmente prejudicado o conhecimento do pedido formulado pela C de declaração da licitude da resolução do Contrato de Empreitada pela C.”
Se o tribunal arbitral decidiu que o conhecimento dos pedidos relativos ao reconhecimento e declaração da licitude ou ilicitude da resolução ficava prejudicado pela decisão de outra questão, quer dizer que não conheceu da questão da licitude da resolução que era objecto do litígio / dos pedidos.
Isto independentemente do sentido que decorra das considerações de Direito que teceu na fundamentação de Direito da decisão. Conhecer de um pedido é decidi-lo, não é tecer considerações sobre ele mesmo que estas apontem nalgum sentido de decisão (licitude ou ilicitude).
Nos termos do art. 46/3(a/v) a sentença pode ser anulada se o tribunal arbitral deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
O não conhecimento daquilo que o tribunal arbitral considerou ser o objecto do litígio, não será, por isso, uma omissão censurável com a anulação da sentença, se o não conhecimento estiver realmente justificado pela decisão de outra questão, pois que nesse caso não se pode dizer que o tribunal arbitral devia, apesar disso, apreciar a i/licitude da resolução.
Neste sentido, veja-se o art 608/2 do CPC: O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras […].
Aceitando-se, para já, que o objecto do litígio não era tão limitado como o tribunal arbitral dizia – o que é reconhecer o erro do tribunal arbitral sobre o objecto do litígio – e que, por isso, o objecto do litígio abrangia mais que a (i)licitude da resolução operada pela C, falta então saber se o conhecimento de outros objectos prejudicou o conhecimento da licitude da resolução.
O tribunal arbitral diz que não conhece a questão da ilicitude da resolução porque “o contrato deve ser considerado extinto em virtude do incumprimento bilateral imputável a ambas as Partes.”
Ora, a extinção do contrato por incumprimento só prejudicava o conhecimento da licitude da resolução operada pela C se a extinção do contrato tivesse ocorrido antes da resolução. Se, pelo contrário, a resolução do contrato tivesse ocorrido antes e fosse lícita e eficaz, era o conhecimento da extinção do contrato por incumprimento que ficava prejudicado.
Ora, não só o tribunal arbitral não diz que a extinção do contrato por incumprimento ocorreu antes da resolução como – di-lo a C com razão – das considerações que o tribunal arbitral teceu sobre a extinção por incumprimento decorre que esta ocorreu depois da resolução, tanto mais que à data da resolução operada pela C o contrato ainda estava a ser executado.
Assim sendo, não se pode dizer que a decisão da extinção por incumprimento prejudicava o conhecimento da licitude da resolução.
Pelo que o tribunal devia ter conhecido da questão da licitude da resolução e, não o tendo feito, omitiu o conhecimento de uma questão que devia ter decidido, pelo que também este fundamento para anulação se verifica (art. 46/3 (a/v) da LAV).
Mais à frente serão analisados os acórdãos referidos na sentença arbitral e verificar-se-á que em relação a eles não se pode apontar tal vício, ao contrário do que a S sugere (no sentido de que, se a sentença arbitral sofresse deste vício, também aqueles acórdãos sofreriam).
((V))
Da violação do Compromisso Arbitral (decisão que ultrapassa o âmbito da convenção de arbitragem)
408. Nos termos do ponto iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se […] [a] parte que faz o pedido demonstrar que […] [a] sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta.”
409. O Compromisso Arbitral firmado pelas partes em 26 de fevereiro de 2019 estabelece, na sua Cláusula Segunda, o seguinte: “Sem prejuízo de ulterior redefinição do objeto do litígio nos articulados, a presente arbitragem tem por objeto apreciar a licitude da resolução contratual operada pela C, no âmbito da relação de Empreitada contratada com a S, a responsabilidade pelos prejuízos advenientes da dita resolução e pelos prejuízos decorrentes do atraso verificado na conclusão da empreitada.”
410. Se dúvidas houvesse sobre a extensão do objeto do litígio, e, por inerência, sobre a competência material do Tribunal Arbitral, seriam aniquiladas pelo teor do Compromisso Arbitral, do qual resulta claríssimo que o objeto do litígio se consome na questão da avaliação da licitude ou ilicitude do Contrato de Empreitada, e das consequências daí decorrentes.
411. Ora, como já se viu no capítulo supra, o Tribunal Arbitral eximiu-se por completo a pronunciar-se sobre a questão da licitude da resolução do Contrato de Empreitada, antes declarando a extinção do Contrato de Empreitada por incumprimento bilateral imputável a ambas as partes. Ora,
412. Nenhuma das partes pediu ao Tribunal Arbitral que procedesse à extinção do Contrato de Empreitada com base no incumprimento bilateral imputável a ambas as partes.
413. As partes limitaram-se os seus pedidos ao âmbito delineado pelo objeto do litígio, tal como definido no Compromisso Arbitral: à apreciação da licitude da resolução do contrato, e às suas consequências diretas (para efeitos de condenação ao pagamento de indemnizações).
414. Mas o Tribunal Arbitral ultrapassou patentemente o âmbito do Compromisso Arbitral (bem como dos pedidos das partes) ao declarar extinto o Contrato de Empreitada com base no incumprimento bilateral imputável a ambas as partes.
415. Nas palavras do ac. do STJ de 14/05/2019, proc. 1296/17.4YRLSB.S1, “É a convenção arbitral que determina a jurisdição do tribunal arbitral, o que significa que tribunal arbitral só tem competência quando o litígio que lhe é submetido está integrado na convenção de arbitragem”.
416. Na ausência de previsão, no compromisso arbitral, para o Tribunal Arbitral apreciar qualquer outra questão relacionada com o Contrato de Empreitada para além da licitude da sua resolução e as consequências daí decorrentes, resta concluir que a decisão do Tribunal Arbitral ultrapassa o âmbito da convenção de arbitragem, ao declarar a extinção daquele Contrato com base no incumprimento bilateral imputável a ambas as partes.
417. Pelo que deve a sentença arbitral em crise ser anulada, nos termos do ponto iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
A S responde que:
236. Alega a C, como quinto fundamento para anulação da sentença arbitral, ainda que relacionado com o fundamento anterior, que a sentença arbitral violou o compromisso arbitral e o âmbito da convenção de arbitragem.
237.º Não é verdade que assim seja.
238.º Por um lado, a convenção de arbitragem dispõe que “No caso de litígio ou disputa quanto à interpretação, aplicação ou integração deste Contrato, as Partes diligenciarão de forma a obter, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses ao seu alcance, uma solução concertada para a questão”.
239.º E, “(…) quando não for possível uma solução amigável e negociada (…) qualquer das partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem, nos termos dos números seguintes”,
240.º Destacando-se que o “O Tribunal Arbitral apreciará os factos de acordo com a Lei aplicável e julgará as questões de direito como o faria o Tribunal Judicial Português normalmente competente (…)” (cfr. Cláusula 36.ª do Contrato de Empreitada celebrado entre as Partes).
241.º A sentença arbitral não violou, pois, a convenção de arbitragem celebrada entre as Partes,
242.º Sendo certo, como refere RUI PINTO DUARTE (cfr. Parecer junto com a presente Contestação), que “É consensual que a competência dos árbitros se define pela convenção de arbitragem. Além do que resulta do art. 1.º da LAV, é claro nesse sentido o n.º 3 do art. 46 da mesma, quando fixa como fundamento de anulação de uma sentença arbitral a demonstração de que ela «se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta» (alínea a), iii)”.
243.º É óbvio que a sentença arbitral não se pronunciou sobre um litígio não compreendido na convenção de arbitragem celebrada entre as Partes, o que impõe, necessariamente, a improcedência do fundamento de anulação invocado pela C.
244.º Diz, ainda, a C que a sentença arbitral também violou o compromisso arbitral celebrado entre as Partes, em particular a sua cláusula segunda, que definia o objeto do litígio nos seguintes termos “Sem prejuízo de ulterior definição do objeto do litígio nos articulados, a presente arbitragem tem por objeto apreciar a licitude da resolução contratual operada pela C, no âmbito da relação de Empreitada contratada com a S, a responsabilidade pelos prejuízos advenientes da dita resolução e pelos prejuízos decorrentes do atraso verificado na conclusão da Empreitada”.
245.º Em primeiro lugar, no que sobremaneira releva, a descrição do objeto do litígio não limita a competência dos árbitros, como não limita a competência dos juízes no âmbito dos processos judiciais, nem a violação da sua definição constitui fundamento de anulação da sentença arbitral.
246.º A delimitação dos termos do litígio ou, dito de outro modo, a definição do objeto do litígio, para mais numa fase em que ainda não são sequer conhecidos os factos alegados pelas Partes, apenas pode servir de referencial orientador sobre o que se vai discutir na arbitragem,
247.º Pois, como é evidente, não pode limitar a alegação de factos pelas Partes, nem as soluções jurídicas que as mesmas entendam dever ser aplicadas,
248.º Mas, sobretudo, jamais pode constituir um limite à aplicação do Direito por parte de qualquer tribunal arbitral ou judicial.
249.º Em segundo lugar, os considerandos do referido compromisso arbitral (cfr. alíneas B. a D. dos Considerandos do Compromisso Arbitral), isto é os pressupostos com base nos quais as Partes decidiram acordar, definem o litígio que resulta da resolução do contrato de empreitada, referindo-se aí que “Importa, por essa razão, constituir o tribunal arbitral com a finalidade de dirimir o litígio existente e pôr fim ao mesmo, resolvendo-o segundo o Direito aplicável”.
250.º Foi, afinal, o que o tribunal arbitral fez.
251.º Não há, pois, qualquer violação do compromisso arbitral, que, em qualquer caso, sempre seria irrelevante para o pedido de anulação da sentença arbitral, porquanto não existe qualquer violação da convenção de arbitragem.
Apreciação:
O artigo 1.º/3 da LAV, sobre Convenção de arbitragem, dispõe: “A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).”
Ou seja, convenção de arbitragem é o género de que o compromisso arbitral junto com a cláusula compromissória são as duas espécies. Logo, quando o art. 46/3(a/) da LAV se refere a convenção de arbitragem, não está a dizer que a norma não se aplica ao compromisso arbitral, mas sim a englobar uma ou outra das espécies da convenção de arbitragem. Pelo que a S não tem razão ao invocar a convenção de arbitragem (cláusula compromissória) constante do contrato de empreitada, em contraponto ao compromisso arbitral, e ao dizer “é óbvio que a sentença arbitral não se pronunciou sobre um litígio não compreendido na convenção de arbitragem celebrada entre as Partes, o que impõe, necessariamente, a improcedência do fundamento de anulação invocado pela C”, pois o que está em causa é a violação do compromisso arbitral, que é também uma convenção de arbitragem. Ou seja, ao contrário do que a S defende, a violação do compromisso arbitral é uma violação da convenção de arbitragem incluída no fundamento de anulação do art. 46/3(a/iii) da LAV.
Posto isto, veja-se:
Os objectos processuais são compostos de pedidos baseados em causas de pedir. As causas de pedir não se apresentam, normalmente, em termos simples, sendo antes, grosso modo, todas aquelas que resultam do preenchimento das previsões de normas jurídicas que atribuem os direitos que se pretendem exercer. Ou seja, as partes invocam os factos e as causas de pedir são todas aquelas que esses factos podem vir a preencher. Isto tendo em conta que as normas jurídicas aplicáveis são todas aquelas que realmente o tribunal possa aplicar aos factos apurados (art. 5/3 do CPC) e não só aquelas que as partes tenham, eventualmente, referido.
No caso, tendo em conta a síntese que o tribunal arbitral fez, os pedidos das partes e os fundamentos são os seguintes:
Pedidos da S:
a) reconheçam e declarem a ilicitude do acto de aplicação de multas contratuais pela C à S por ausência de causa justificativa e preterição do procedimento contratualmente aplicável; b) Reconheçam e declarem a ilicitude da resolução contratual operada pela C por ausência de causa justificativa; c) Reconheçam e declarem o incumprimento definitivo do Contrato pela C, ao impedir a S de concluir os trabalhos de empreitada contratados e cometer a sua execução a uma terceira entidade; d) Reconheçam e declarem o direito da S em resolver o Contrato com fundamento em incumprimento definitivo da C; e) Condenem a C a pagar à S € 1.189.264,62 por conta dos trabalhos realizados, facturados e não pagos; f) condenem a C a pagar à S € 98.474,47 a titulo de juros de mora vencidos desde a data de vencimento de cada factura emitida e não paga até à presente data, acrescida da quantia a apurar a título de juros de mora vencidos até integral pagamento; g) Condenem a C a pagar à S € 337.751.91 por conta dos trabalhos a mais contratuais validados com a fiscalização, combinados só facturar com a última factura, mas ainda não pagos; h) Condenem a C a pagar à S € 977.876,39 por conta dos trabalhos a mais não contratuais executados, submetidos para aprovação, mas que não foram objecto de resposta, e que se encontram por pagar; i) Condenem a C a pagar à S € 177,403.18 relativa ao custo indirecto decorrente da manutenção do estaleiro em obra pelo período de mais três meses após a data contratualmente prevista para concluir os trabalhos; j) Condenem a C a pagar à S € 73.873,06 a título de lucros cessantes decorrentes da resolução ilícita do Contrato; k) Condenem a C a pagar à S € 100.000 a titulo de compensação pelos danos não patrimoniais de imagem que sofreu; […]
Suma dos factos alegados pela S na parte que importa: 
Celebrou com a C um contrato de empreitada a 02/11/2017, tendo por objecto a remodelação do denominado Hotel; o contrato tinha um prazo de execução de 154 dias contados de forma corrida; o prazo global e os prazos parcelares de conclusão da obra e suas fases não foram cumpridos, em razão (i) de diversas e frequentes alterações e adaptações aos projectos de execução patenteados pela C e entregues à S no inicio da empreitada, assim como (ii) pela necessidade de realização de trabalhos a mais não previstos inicialmente; durante a execução do contrato foram, no total, formulados 696 pedidos de trabalhos adicionais alterações ao projecto e adaptações do projecto; após 31 de Março (data em que a obra deveria estar concluída), foram ainda solicitadas pela C 126 alterações aos projectos. Em consequência de a obra global e os trabalhos nas suas distintas fases não terem sido concluídos nas datas previstas contratualmente, a C aplicou, com violação do procedimento contratualmente previsto (por falta de auto de fiscalização), à S, por carta de 30/05/2018, multas contratuais no montante de € 1.189.264,62; no dia 28/06/2018, após proceder à aplicação de penalidades pelo seu montante máximo, a C resolveu o contrato com fundamento no incumprimento dos prazos global e parciais acordados entre as partes e na aplicação da penalidade máxima prevista contratualmente. A C procedeu, ainda, à compensação do seu alegado crédito decorrente das penalidades aplicadas com o crédito da S pelos trabalhos executados. As alterações ao projecto e as adaptações ao mesmo impostas pela C tiveram, necessariamente, impacto no plano de trabalhos da S aprovado pela C; houve outras razões de atraso não imputáveis à S (que na sua maior parte a S também não imputa à C); a C tomou posse efectiva e pôs em exploração: (i) em 23/04/2018, 73,3% do total do Hotel empreitado; (ii) em 05/05/2018, 89,2%; (iii) em 13/05/2018, 92,4%; em 13/06/2018, ficou com a totalidade dos quartos do hotel em sua posse e em plena exploração; no dia 24/04/2018, em virtude da tomada de posse efectiva e inicio da exploração do Hotel por parte da C, a S solicitou a formalização da recepção provisória das áreas que se encontravam recebidas e em utilização por parte da C, o que esta recusou a 27/04/2018.
A C contestou formulando os seguintes pedidos:
(i) devem ser julgados improcedentes todos os pedidos formulados pela S; (ii) deve ser declarada a licitude da resolução pela C; (iii) Deve ser julgada procedente a reconvenção deduzida, sendo a S condenada a pagar à C o crédito reclamado na reconvenção, no valor de € 2.358.530,05; […].
A suma dos factos alegados pela C é a seguinte (com base na síntese feita por ela na petição inicial desta acção, excepto na referência feita a final à clª 28 do contrato):
(a) O atraso verificado em obra deveu-se, exclusivamente, à insuficiência de mão-de-obra alocada pela S à execução da empreitada; (b) A S não assegurou, como era sua obrigação nos termos da cláusula 9º do contrato, o atempado e correto planeamento, preparação e coordenação da empreitada, não tendo designadamente procedido à tempestiva apresentação do plano de trabalhos, o que impediu a necessária coordenação com todos os subempreiteiros afetos à empreitada, para além de não ter elaborado este documento de forma correta, e de nunca o ter atualizado no decurso de toda a execução da empreitada; (c) era da responsabilidade da S a compatibilização dos vários projetos e realização das necessárias medições, sendo que declarou no contrato ter perfeito conhecimento do local da obra, ter analisado os projetos e responsabilizar-se por quaisquer desconformidades ali identificadas. (d) Com excepção de cerca de 20 situações/episódios efetivamente identificadas no seu requerimento inicial, a S não identificou os concretos 696 pedidos de trabalhos adicionais, alterações aos projetos e adaptações dos projetos a que se reportava; (e) Nenhuma das referidas situações teve impacto no desenvolvimento dos trabalhos da empreitada; por outro lado, grande parte dessas situações decorreram de sugestões da própria S com o intuito de recuperar os atrasos verificados; (f) a S nunca informou a C sobre a verificação de qualquer impacto destas circunstâncias no cumprimento do prazo de execução da Empreitada, nem solicitou com tal fundamento a prorrogação do prazo contratual, nem informou com periodicidade semanal quaisquer desvios verificados ao plano de trabalhos; (g) O acto de aplicação de multas é lícito e eficaz, considerando que (i) o omisso auto da fiscalização consubstanciava um documento inútil, por não ter qualquer outra finalidade do que a de dar a conhecer à S os factos subjacentes à aplicação das multas contratuais (o termo do prazo para a conclusão da Empreitada há muito verificado e do perfeito conhecimento desta), (ii) a S teve oportunidade de contestar, tempestivamente, a aplicação das multas, uma vez que as partes discutiram os respetivos argumentos em várias comunicações anteriores à efectiva aplicação destas e (iii) que a S nunca tinha invocado a omissão do auto da fiscalização como fundamento de ineficácia do referido ato, o que consubstanciava um manifesto caso de abuso de direito; (h) Os danos reclamados pela S carecem de fundamentação e/ou não são imputáveis à C. Quanto aos trabalhos a mais contratuais reclamados, uma vez que estes não haviam sido validados pela fiscalização, quanto aos trabalhos a mais não contratuais por não os ter solicitado e desconhecer se foram ou não realizados, pois também não haviam sido validados pela fiscalização e, por fim, quanto a todos os outros danos reclamados, por não terem cabimento em função da lícita resolução do contrato; (i) A resolução contratual promovida é lícita, porquanto fundamentada no facto (i) do valor das multas contratuais aplicadas à S (€2.628.000) ter há muito excedido o limite de 10% do valor global da adjudicação previsto no contrato (€559.900) e (ii) do atraso verificado na conclusão da empreitada à data da resolução do contrato, por referência aos prazos fixados na cláusula 4.ª do contrato, ascender a 124 dias (por referência a cada 1 dos 7 prazos parciais individualmente considerados), por facto imputável à S (conforme a cláusula 28/1.º do Contrato: “Constitui fundamento de rescisão imediata do presente contrato por parte do Dono da Obra, através de carta registada com aviso de receção, mas sem necessidade qualquer pré-aviso ou de conversão da mora em incumprimento definitivo (Cláusula resolutiva), a verificação de qualquer dos seguintes factos: a) As multas contratuais terem atingido 10% do valor global da adjudicação; b) O atraso por motivo exclusivamente imputável ao Empreiteiro no fornecimento e execução desta empreitada ultrapassar em 30 dias os prazos referidos na cláusula 4.ª; (…)”.)
O tribunal arbitral no que importa para o caso (a extinção do contrato), invoca como suporte da posição que segue, os seguintes cinco acórdãos, de que cita algumas passagens que não são as aqui citadas, sendo a análise dos acórdãos feita agora por este acórdão:
(I) O ac. do STJ de 15/03/2012, proc. 9818/09.8TBVNG.P1.S1 – trata-se de um caso de contrato-promessa; os autores pediram, no que importa, a resolução do contrato por incumprimento culposo dos réus fixando-se a data de incumprimento em 03/05/2002; os réus reconvieram, pedindo também a resolução do contrato, considerando que os autores resolveram o contrato em 09/06/2009, ao enviarem carta com esse fim, o que demonstra a sua falta de vontade em cumpri-lo; ambos os pedidos foram julgados improcedentes na 1.ª instância; o TRP considerou resolvido o contrato, condenando os réus a restituir o sinal; o STJ considera que há uma perda objectiva de interesse que justificou a resolução do contrato pelos autores, embora em parte por culpa dos autores; que os réus criaram nos autores a ideia de “uma incapacidade inibitória de se conduzir de modo a vir a conseguir uma situação favorável para o contrato-promessa.”; quanto aos autores, o STJ considera que tiveram tempo suficiente para fazer cessar a mora e interpelar admonitoriamente os réus para efectivarem os actos necessários ao cumprimento do contrato prometido. E o STJ conclui que “ocorre, neste caso, e como ajuizou a Relação uma concorrência de culpas na produção do evento desencadeador da resolução que haverá que repartir nos termos do artigo 570 do Código Civil.” E repisa: “tendo o comportamento contratual de ambas as partes contribuído para uma situação de impasse ou de inércia na actuação (positiva) com vista ao cumprimento da sua parte computo da relação contratual estabelecida se verificará [sic] uma situação de não cumprimento bilateral pelo que “o contrato deve ser resolvido, tendo por base as normas gerais, pela compensação de culpas concorrentes verificados os respectivos pressupostos (art. 570.º do CC).” Depois o STJ diz, na fundamentação, que “A solução dada às questões antecedentes, porque sistemicamente mais consentâneas com o tratamento jurídico da questão nuclear que vem posta a julgamento, elanguesce o tratamento das demais questões elencadas, a saber se existia um prazo absoluto ou fixo e se esse prazo cominava aos autores, para cessação da mora em que os réus se encontravam, o uso de um expediente de interpelação cominatória ou categórica que desencadeasse o incumprimento definitivo. Nos termos do artigo 660.º, n.º 2 do CPC o conhecimento de uma questão que torne prejudicial uma outra que haja [d]e ser tratada, torna esta última prejudicada. [sic] Assim, porque estimamos haver tratado as questões epigrafadas neste item no item antecedente, consideramo-las prejudicadas para a economia do recurso interposto. E decide, “Na defluência do expendido, […] em: - Negar a revista, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida.” O ac. do TRP de 24/1072011, proc. 9818/09.8TBVNG.P1, tinha decidido: julgar a apelação parcialmente procedente, declarando-se validamente resolvido o contrato promessa celebrado com os recorridos, condenando-se estes, solidariamente, a restituírem aos recorrentes a quantia global recebida a título de sinal. E no sumário explicava I - Os Recorrentes não podem isentar-se da co-responsabilidade na aceitação do risco do incumprimento do contrato. E, assim sendo, resolvido o contrato, apenas têm direito à devolução do sinal que entregaram aos Recorridos, em singelo […] II - Qualquer outra indemnização nomeadamente por benfeitorias ou a devolução do sinal em dobro conflitua com a assunção pelos Recorrentes do risco de incumprimento, e com o compromisso assumido no contrato de arrendamento de que não iriam exigir qualquer indemnização fosse a que título fosse em razão da inexistência de licenças e alvarás.”
Portanto, o que está decidido é que o contrato foi validamente resolvido pelos autores, embora os autores não tenham direito ao recebimento do sinal em dobro porque a culpa da situação também é dos autores.
(II) O ac. do TRP de 23/06/2015, proc. 646/11.1TBSTS.P1, tem na sua base  o seguinte: os autores intentaram uma acção contra uma SA, pedindo que se declarasse resolvido, por culpa exclusiva e imputada à ré, o contrato-promessa celebrado entre eles e que se condene a ré a restituir-lhes a quantia recebida a título de sinal, em dobro; A ré contestou, impugnando e dizendo que ela resolveu o contrato devido ao incumprimento do mesmo pelos autores, e por isso concluiu que a acção devida ser julgada improcedente; e reconvencionou que se declarasse que foi legítima a resolução do contrato por parte da ré, por causa imputável aos autores, e que a ré tinha o direito de fazer seus os 130.000€ entregues pelos autores. A acção foi julgado improcedente e procedente a reconvenção. O TRP julgou procedente o recurso interposto pelos autores, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra decisão que julgou a acção parcialmente procedente (e a reconvenção improcedente), decretando-se a resolução do contrato-promessa celebrado entre as partes e condenando-se a ré a restituir aos autores os 130.000€ que estes lhe entregaram. No sumário diz-se: “I – Não se pode considerar legalmente resolvido um contrato por declaração de uma das partes [no caso a ré], se esta declaração não existiu. II - Se o comportamento de ambas as partes contribuiu de modo semelhante para a impossibilidade superveniente de cumprimento do contrato-promessa, pode ser decretada a resolução deste a pedido de uma delas, com a consequente obrigação de restituição das quantias entregues a título de sinal, sem o acréscimo de indemnização.”
Assim, o que se decidiu foi a resolução do contrato com base na impossibilidade superveniente do cumprimento do contrato.
Este acórdão do TRP (o acórdão tem um voto de vencido mas não sobre esta questão jurídica) reconhece que:
“Como solução alternativa a esta – que se considera ser a correcta – existe uma outra, seguida anteriormente por Brandão Proença, que considera que a impossibilidade decorrente da concorrência de culpas conduziria à extinção automática do contrato sem passar pela resolução; “nenhum dos contraentes estaria interessado na manutenção do contrato”, “o contrato cessaria por um duplo comportamento volitivo concludente”; a ineficácia determinaria a reposição do prestado, o que significava aplicar, por analogia, as regras restitutivas próprias da resolução.” (obra e local citados [(Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, págs. 310 a 318]). De algum modo no mesmo sentido, Galvão Telles, Drº das Obrigações, 7ª edição, pág. 129, falando em caducidade.
A jurisprudência do STJ segue, no essencial, esta posição para este tipo de situações (de incumprimento bilateralmente imputável), considerando o contrato resolvido ou extinto com base numa espécie de acordo tácito de vontades de ambas as partes – revelado no caso pela vontade clara assumida pelas partes nos seus articulados de considerarem extinto o contrato -, com a consequente aplicação das regras da resolução e invalidade, ou seja, também com a obrigação de restituir as prestações efectuadas em singelo, sem indemnizações (o que também é defendido por Menezes Leitão, Dtº das Obrigações, vol. I, 2010, 9ª edição, Almedina, pág. 240), mas sempre partindo da exigência de que o incumprimento bilateral seja de igual gravidade (e em todos os casos referidos abaixo assim foi considerado), o que não seria impeditivo da sua aplicação ao caso dos autos por se ter defendido já acima que a actuação de ambas as partes foi de igual gravidade.
Assim:
O ac. do STJ de 01/04/2008, 07A4775: 5) Face a um não cumprimento bilateralmente imputável do contrato-promessa, e sendo iguais as culpas de ambas as partes e as consequências delas resultantes, deve excluir-se a indemnização correspondente ao sinal em dobro, tendo em conta o disposto no art. 570/1 do CC; 6) Haverá tão somente lugar à restituição do sinal em singelo, que nesse caso não assume natureza indemnizatória e é antes uma mera consequência da extinção do contrato com o fim de colocar as partes na situação em que estariam se ele não tivesse sido concluído.
O ac. do STJ de 09/09/2008, 08A1922: Estando resolvido um contrato-promessa por ambas as partes sem que dispusessem de fundamento legalmente atendível, estamos perante um incumprimento imputável a ambos os promitentes, situação que o art. 442/2 do CC não prevê ou contempla, pois pressupõe que uma parte esteja em falta e a outra não. Não pretendendo nenhum dos promitentes a subsistência do contrato, que ambos resolveram, sendo a ambos imputável a falta de cumprimento, haverá que ter em conta a gravidade de cada um dos incumprimentos, averiguando em que medida o desinteresse recíproco contribuiu para a inviabilização do contrato prometido, na via de graduação de culpas e consequente fixação da indemnização, perante a incontornável destruição do vínculo contratual, sem deixar de ter como referência o valor do sinal, atendendo à sua natureza funcionalmente indemnizatória. Aplicável, nesse caso, a regra acolhida pelo art. 570 do CC, com vista à valoração da indemnização com base na gravidade das culpas, a justificar a sua concessão, redução ou exclusão, ou seja, que o sinal, ou o seu dobro, possam ser inteiramente restituídos, reduzidos ou excluída a restituição, consoante a dita gravidade e suas consequências (art. 442/1).
O ac. do STJ de 16/06/2009, 849/2001.S1: 8. Se o incumprimento do contrato-promessa é imputável a ambos os promitentes – por cada um o resolver sem fundamento legal – há que apurar e graduar as culpas para concluir se o sinal deve ser restituído, reduzido ou mantido, consoante a gravidade e consequências, sendo que se, sensivelmente iguais, irão equivaler-se o que implica a restituição do sinal ao promitente comprador.
O ac. do STJ de 25/06/2009, 1219/2002: 6. Se ambos os promitentes resolveram ilegalmente o contrato e nenhum pretende a sua subsistência, o mesmo extingue-se, devendo a indemnização ser reportada ao sinal e quantificada no cotejo das culpas atento o disposto no art. 570 do CC.
O ac. do STJ de 11/09/2012, 3026/05.4TBSTS.P1.S1: 6. Sendo de imputar, em igual medida de censura e responsabilidade, a não celebração dos contratos prometidos a ambas as partes, devem elas ser restituídas ao statuo quo ante, não funcionando as regras do incumprimento ligadas ao mecanismo do sinal que tenha sido passado – art. 442/2 do CC.”
(III) O ac. do STJ de 27/11/2018, proc. 4724/10.6TBSTB.E1.S1; diz respeito a um caso em que os autores pediam a resolução de um contrato-promessa, por incumprimento imputável aos réus, querendo a restituição em dobro do sinal [estava em causa, na síntese do STJ, a ilicitude da rescisão do contrato pelos réus]; ou, subsidiariamente, a anulação do contrato-promessa por erro sobre o objecto e os motivos do negócio ou a execução específica do contrato-promessa; foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, confirmada pelo TRE; o STJ revogou o acórdão, julgando depois a acção parcialmente procedente, condenando os réus a restituírem às autoras o sinal.
Da fundamentação do STJ decorre que o fundamento da procedência foi o da resolução do contrato (pedida pelos autores):
“Não se configurando pois a existência de incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte das autoras tem de considerar-se que não existia fundamento para a resolução do contrato-promessa feita pelos réus, sendo, por isso, ilegítima. Logo, a declaração resolutiva feita através da carta de 26/03/2010 consubstancia manifestação clara da vontade definitiva de não cumprir o contrato por parte dos réus. Todavia, sublinhe-se, não pode deixar de ser ponderado que as autoras contribuíram, decididamente, para esse incumprimento ao manifestaram, previamente, inequívoca vontade em não cumprir o contrato nos termos inicialmente estabelecidos. Neste contexto fáctico, não podemos deixar de concluir que o comportamento assumido por cada uma das partes evidencia o desinteresse de cada uma delas (autoras e réus) no cumprimento do contrato-promessa nos precisos termos celebrados. […] Assim, revelando os factos a vontade séria e inequívoca de ambas as partes em, definitivamente, não cumprir pontualmente o contrato-promessa nos termos firmados há que concluir que se está perante uma situação de incumprimento definitivo do contrato imputável a ambas as partes. […] Em face do exposto, da ponderação das condutas dos contraentes e das consequências que as mesmas determinaram na resolução do contrato-promessa, é de lhes atribuir paridade de culpa (autoras e réus) uma vez que não ocorre fundamento para diferenciar (qualitativa e/ou quantitativamente) o grau culpa de ambas. […]”
(IV) O ac. do STJ de 14/01/2021, proc. 2209/14.0TBBRG.G3.S1:  reporta-se a um caso em que a autora pediu que fosse declarada a resolução do contrato de empreitada celebrado com a ré, devido ao abandono da obra por parte da ré, e a ré queria a condenação da autora a pagar-lhe as obras feitas; na 1.ª instância a acção foi julgada improcedente e a reconvenção procedente; o TRG acabou por confirmar a sentença; o ac. do STJ confirmou o ac. do TRG, julgando improcedentes os recursos interpostos pelas partes. A fundamentação do acórdão do STJ foi, na parte que importa considerar, a seguinte:
A impossibilidade de cumprimento das obrigações de um contrato bilateral, por causas imputáveis a ambos os contraentes, por não ter uma previsão específica na lei, tem sido objeto de atenção por parte doutrina, e da jurisprudência, sendo certo que estas situações tem sido abordadas, sobretudo, a propósito de casos de incumprimento bilateral de contratos-promessa.
Relativamente ao destino do contrato, entendemos que deve considerar-se que o mesmo se extinguiu, adotando-se a mesma solução que está prevista para as situações de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação por causa não imputável a qualquer das partes (artigo 790.º, n.º 1, do Código Civil). Nestas situações, em que as partes já revelaram o seu desinteresse pelo cumprimento do contrato, não se justifica que a vigência deste fique dependente de um pedido de resolução deduzido por qualquer um dos contraentes, devendo entender-se que ele se extinguiu, com o seu incumprimento definitivo. As imputações em igual grau, no incumprimento do contrato, anulam-se, equivalendo a uma situação de falta de imputação a qualquer das partes da impossibilidade de cumprimento do contrato. O contrato cessa por um duplo comportamento volitivo concludente.
No que toca à eventual existência de indemnizações pelos prejuízos resultantes do incumprimento mútuo do contrato, deve aplicar-se a doutrina do artigo 570.º do Código Civil, que permite que o julgador, atenta a gravidade das culpas e as consequências que delas resultaram, atribua uma indemnização, reduzida ou não, pelos prejuízos que resultaram do incumprimento recíproco, ou exclua a existência de qualquer obrigação de indemnização.
[…]
Não se atribuindo diferentes graus de imputabilidade, em situações de incumprimento bilateral de um contrato, deve, tendencialmente, excluir-se a existência de qualquer obrigação indemnizatória, pelos prejuízos resultantes do incumprimento do contrato. No presente caso, essa tendência deve ser confirmada, face ao desinteresse mútuo manifestado, relativamente ao prosseguimento da execução da obra contratada e à inexistência de quaisquer outros elementos justificativos da atribuição de uma indemnização a qualquer dos contraentes.
Conclui-se, pois, do raciocínio exposto, que o contrato de empreitada celebrado entre a Autora e Ré, se extinguiu, por incumprimento definitivo, imputável a ambas as partes, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização por essa extinção.
Encontrando-se o contrato extinto, já não há lugar à sua resolução […]”
O STJ descreve assim a situação:
Após um período, iniciado em abril de 2009, em que a ré suspendeu a execução dos trabalhos devido a atrasos no pagamento das faturas por si emitidas, relativas aos trabalhos constantes dos autos de medição por ela elaborados, na sequência de negociações entre as partes, em maio de 2009, acordaram no seguinte: a autora emitiu e subscreveu no campo do “aceite” três letras de câmbio do valor global de € 500.000,00, com data de emissão de 11 de maio de 2009 e com vencimento nos dias 11 dos meses de agosto, setembro e outubro de 2009, enquanto a ré se obrigou, em contrapartida, a reiniciar a obra logo após a receção e desconto dessas letras.
- Estas três letras foram entregues pela autora à ré e por esta descontadas, sem que a Ré tenha reiniciado os trabalhos da empreitada.
- A autora não pagou qualquer uma das três letras nas respetivas datas de vencimento, tendo as mesmas vindo a ser sucessivamente reformadas.
- Era a ré quem pagava os custos dos descontos e reformas destas letras.
- Em 27 de setembro de 2010, a ré intentou contra a autora, um processo de injunção, pedindo a notificação desta no sentido de lhe ser paga a quantia de € 119.474,55 respeitantes a capital (€ 115.564,22), juros de mora (€ 3.910,33) e taxa de justiça (€ 76,50), tendo como causa de pedir o contrato de empreitada em causa na presente ação, alegando a realização de trabalhos faturados e não pagos, pagamento de encargos com a movimentação de letras de câmbio aceites pela autora e custos de imobilização do estaleiro com recursos humanos e equipamentos afetos à obra.
- Nesta ação foi proferida decisão, já transitada em julgado, por acórdão pelo Tribunal da Relação......., de 22/01/2015 (já após a propositura da presente ação), que condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 61.464,16, acrescida de juros de mora, relativa às despesas que suportou com a movimentação das letras de câmbio, e a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, referente ao preço dos trabalhos que, dos que constam do 7.º auto de medição se venha a apurar terem sido executados, até ao limite de € 49.654,99 (quantia essa à qual deverá ser deduzida, após liquidação, a importância de € 15.041,93 já paga pela aqui autora), acrescida de juros de mora.
- A partir de maio de 2011, a autora deixou de pagar o valor das letras de reforma, tendo esse pagamento passado a ser assegurado pela ré perante a instituição bancária onde as letras foram descontadas.
- Posteriormente a ter procedido ao desconto das letras aceites pela autora, em data não apurada, a ré retirou da obra o equipamento que tinha instalado no local e de que se servia para a respetiva execução
- A autora em 10/08/2011 requereu à Câmara Municipal .… a alteração do alvará de loteamento, passando a prever para o local a construção de um hotel, com a demolição de parte do existente e a criação de um novo volume com dois pisos.
- Com data de 19/02/2014, a autora remeteu à ré duas notas de débito no valor de € 249.496,60 e de € 164.232,68, que dizia respeitarem a trabalhos faturados mas não executados e a materiais furtados da obra, que esta devolveu.
- Nesta data, as partes tinham em curso a execução de uma outra empreitada, obra situada na cidade de …, denominada …
- Em 22/04/2014, a autora instaurou a presente ação.
Portanto, o STJ considerou que o contrato se tinha entretanto extinguido e, por isso, já não se justificava resolvê-lo como era pedido pela autora; e antes não tinha havido qualquer resolução do contrato, pelo que não se pode dizer que não foi conhecida uma resolução já verificada e invocada. O acórdão, em nota (5, parte final) diz: “É unânime a aplicabilidade da solução prevista no artigo 570.º do Código Civil a esta situação, divergindo os autores sobre se é possível uma resolução do contrato, com este fundamento, por qualquer das partes, ou se ele se extingue automaticamente com o incumprimento definitivo imputável às duas partes.” O ac. do TRG não está publicado na base de dados da DGSI.
(V) O ac. do STJ de 24/02/2022, proc. 13988/19.9T8PRT.P1 .S1: diz respeito a um caso em que a autora pedia que fosse declarada válida a resolução do contrato de subempreitada promovida pela autora com fundamento no incumprimento pela ré das suas obrigações contratuais. A 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente, declarando válida a rescisão do contrato; o TRP revogou a sentença e absolveu a ré do pedido (Não assiste à autora o direito a resolver o contrato celebrado entre as partes nem a exercer os direitos de indemnização peticionados na petição inicial, pelo que a acção deve ser julgada totalmente improcedente); o STJ confirmou este acórdão do TRP.
Na fundamentação, entre o mais, escreveu:
“Podemos, assim, dizer que, malograda em 09/07/2018 a solução acordada entre as partes, ou seja, a substituição da ré por um outro subempreiteiro, por esta arranjado, para executar os trabalhos elétricos, deu-se, a partir de então, a rutura do vínculo contratual, pois, por um lado, a ré não entrou em obra, evidenciando, deste modo, um manifesto desinteresse pelo cumprimento do contrato, isto é, em prosseguir a execução de uma prestação já iniciada.
E, por outro lado, a autora adjudicou a outra subempreiteira os trabalhos de eletricidade em 27/07/2018, ou seja, mesmo antes de comunicar à ré a resolução do contrato de subempreitada, o que não só torna inoperante, irrelevante e inócua a declaração de rescisão do contrato de subempreitada levada a cabo pela autora, através da carta datada de 06/08/2018, como também não deixa de traduzir, por parte desta, uma perda de interesse na continuação da execução do contrato de subempreitada celebrado com a ré.
Assim, revelando o conjunto dos factos provados que o incumprimento do contrato de subempreitada celebrado entre as partes, tornou-se impossível, por causas imputáveis a ambas as partes e não existindo, no caso dos autos, dados fácticos que nos permitam atribuir graus diferentes de imputabilidade no incumprimento, julgamos na esteira do Acórdão do STJ, de 14/01/2021 (proc. 2209/14.0TBBRG.G3.S1), que “deve presumir-se, como sucede em lugares paralelos de conculpabilidade ( v.g. artigo 497º, nº 2, do Código Civil) uma culpa igual” e, relativamente ao destino do contrato, “deve considerar-se que o mesmo se extinguiu, adotando-se a mesma solução que está prevista para as situações de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação por causa não imputável a qualquer das partes (artigo 790º, nº1, do Código Civil)”.
É que, como sublinha este acórdão, «As imputações em igual grau, no incumprimento do contrato, anulam-se, equivalendo a uma situação de falta de imputação a qualquer das partes da impossibilidade de cumprimento. O contrato cessa por um duplo comportamento volitivo concludente».
[…] tendo a extinção do contrato resultado, automaticamente, do incumprimento definitivo do contrato, imputável a ambas as partes, também não é possível sujeitar a Ré a quaisquer sanções.
Daí nenhuma censura merecer o acórdão recorrido ao decidir não assistir «à Autora o direito a resolver o contrato celebrado entre as partes nem a exercer os direitos de indemnização peticionados»”.
*
A seguir, a sentença arbitral ainda refere a seguinte doutrina:
José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações. Coimbra Editora, 1.ª Edição, Setembro de 2011, páginas 312 a 318:
“Se, para a hipótese de uma impossibilidade de cumprimento não imputável a nenhuma das partes, a extinção contratual podia (e pode) processar-se automaticamente, também no caso em questão deveria ser essa a solução, já que, manifestamente, nenhum dos contraentes estaria interessado na manutenção do contrato a não ser, nalguns casos. para um determinado aproveitamento indemnizatório. Até certo ponto pode mesmo dizer-se que o contrato cessaria por um duplo comportamento volitivo concludente. Neste caso o tribunal limitar-se-ia a constar o desinteresse recíproco, desinteresse este visível, por vezes, a montante, na própria formulação de resoluções infundadas, reveladores, inequivocamente, de uma bilateral vontade de não cumprimento. (...) Os nossos tribunais. sempre a propósito de litígios relacionados com contrato-promessa, têm, sistematicamente feito alusão aos critérios ponderativos previstos  no art. 570, concluindo para hipóteses de culpas equivalentes, pela exclusão da indemnização e pela “justiça” da devolução do sinal entregue. (…) O que não pode, como notou Vaz Serra, é ignorar-se que existe no incumprimento bilateral um aspecto indemnizatório cuja solução não deve se uniforme, devendo passar necessariamente pela prévia aplicação do critério misto consagrado no art. 570.º em ordem à aferição das importâncias contributivas.
João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Maio de 2017, Almedina, páginas 294 e 295:
“Ora no caso de incumprimento imputável em igual medida a ambos os contraentes, o facto ou a situação que fundamenta o direito de resolução existe. Esse facto ou essa situação é o inadimplemento ou a situação de inadimplência, objectivamente apreciados, não obstando ao direito de resolução, que a lei lhe liga como consequência, a circunstância de o facto que o fundamenta ser imputável a ambas as parles Logo, no caso de imputável impossibilidade, superveniente incumprimento de contrato validamente celebrado, a devolução do sinal será um mero efeito da resolução, a qual implica a destruição do negocio e a consequente restituição de tudo o que as pautes houverem recebido, sendo a questão da indemnização resolvida segundo as regras gerais e tendo em atenção a concorrência de culpas (art. 570.º). No fundo tudo se resume substancialmente, em determinar na base dos princípios gerais a indemnização a que deva haver lugar, somando ou subtraindo a esta o sinal, conforme a parte que a ela ficar obrigada: se for o accipiens terá de pagar a (eventual) indemnização mais a restituição do sinal; se for o tradens, terá de pagar a (eventual) indemnização descontado o sinal, ou, se a indemnização a pagar for inferior ao sinal constituído, receberá do accipiens apenas a diferença, por compensação”.         
José Diogo Falcão, Súmula sobre o incumprimento do contrato-promessa, ROA, 2014, III/IV, páginas 932 e seguintes [ou melhor: 933]:
“[…] sendo o contrato-promessa legitimamente resolvido pelo tradens [promiente-comprador], e por via disso destruído, assiste a este promitente, conforme decorre do art. 433.º, o direito de exigir do accipiens a restituição do sinal entregue. Já no que  tange  ao direito de exigir uma indemnização, que acresce à restituição do sinal em singelo, resultará da apreciação que vier a ser feita da concorrência de culpas, para a qual deverá recorrer-se à norma constante do art. 570.º. […] Caso a resolução do contrato-promessa seja legitimamente declarada pelo accipiens, que já recebeu o sinal, deverá o tradens [promitente-comprador] pagar a indemnização devida descontada da importância entregue a título de sinal, ou, caso a indemnização devida seja inferior ao valor do sinal, deverá o accipiens [promitente-vendedor] restituir-lhe a parte excedente, o que será feito através do instituto da compensação. Deste modo, sendo as culpas concorrentes em idêntica medida para o incumprimento do contrato-promessa, não existirá direito a qualquer indemnização pelo incumprimento do contrato, apenas havendo lugar à restituição do sinal em singelo.”
Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações Vol. I – Introdução. Da constituição das obrigações, 15.ª edição, 2020 (reimpressão, pág. 230:
“A lei não refere a hipótese de o incumprimento ser imputável a ambas as panes mas parece que neste caso, solução deverá ser a da restituição do sinal em singelo.”
*
Quanto a estas invocações doutrinárias esclareça-se, no entanto, o seguinte:
Brandão Proença esclarece expressamente (no próprio local, pág. 313 = na 2.ª edição, UCE/Porto, 2017, 389/398) que:
“Não estamos hoje tão certos da nossa posição central defendida na década de 80 quanto à solução a dar aos pedidos recíprocos de resolução com base em incumprimentos de gravidade semelhante, tendo em conta o que dissemos sobre a natureza não sancionatória do direito de resolução e a dificuldade em sindicar no duplo pedido resolutivo (no seio do processo judicial ou como reacção judicial a uma declaração de resolução ilegítima) um acordo contrário (uma espécie de consenso desvinculativo ou revogatório) com sinal liberatório e (ou) recuperatório.
Já no tocante ao aspecto indemnizatório […].”
Ou seja, a posição deste autor não pode ser invocada como uma defesa da tese da extinção do contrato por impossibilidade superveniente derivada de um incumprimento bilateralmente imputável. Sendo que este autor parece aceitar que afinal possa ser como diz Calvão da Silva. Por outro lado, quanto a este autor, resulta expressamente das passagens citadas pelo tribunal arbitral que o autor defende que o contrato se extingue por resolução. O que ambos os autores defendem, como também acontece com os outros dois autores citados, é que o problema das consequências da extinção terão que ter em conta, ao abrigo do art. 570 do CC, o facto de o fundamento resolutivo ter por base uma situação que acaba por ser imputável aos dois contraentes. Ou seja, são duas coisas diferentes embora ligadas: a causa da extinção do contrato e as consequências dessa extinção.
*
Perante o que antecede, a causa da cessação do contrato invocada pelo tribunal arbitral tem sido vista como uma situação de impossibilidade da execução do contrato (definitivo, no caso de contrato-promessa ou de continuação da execução de um contrato de empreitada) derivada, no caso das empreitadas, do comportamento de ambas as partes cujos actos demonstram que para elas a questão da execução do contrato já não se põe (porque, por exemplo, o dono da obra já a reiniciou ou a completou com um terceiro, e o empreiteiro já levantou o estaleiro e tem os seus meios empregues numa outra obra, e tudo isto já aconteceu há tempo significativo; sendo que normalmente uma das partes ou outra, já resolveu o contrato e essa resolução é vista como um dos factos concludentes e a outra também o quer resolver com base na resolução da outra parte, que considera ilícita). Esta situação normalmente leva à resolução do contrato tal como pedida (vejam-se os três primeiros acórdãos citados pelo tribunal arbitral e veja-se ainda, lembrado pela Srª juíza desembargadora 2.ª adjunta, o ac. do STJ de 12/09/2017, proc. 148/14.4TVPRT.P1.S1: V - Neste contexto, deve proceder o pedido de resolução do contrato formulado pelo autor, promitente-comprador, e ser-lhe restituído o valor do sinal prestado, em singelo) ou então é vista como uma forma de caducidade (em sentido amplo) do mesmo por impossibilidade superveniente (em última instância, Vaz Serra, num comentário publicado na RLJ, ano 104, páginas 11-12, referido por Calvão da Silva, obra e local citados, e Galvão Telles, Dtº das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 129 e, tendo em conta o que dizem os anteriores e para enqudramento, Romano Martinez, da Cessação do contrato, 2.ª edição, Almedina, 2006, por exemplo, nas páginas 41 a 43) ou potencialmente como causa autónoma da extinção do contrato (por impossibilidade superveniente – Brandão Proença, inicialmente) ou como uma revogação tácita (posição também sugerida por Brandão Proença) – note-se, no entanto, que não foi esta a tese que os dois últimos acórdãos do STJ, de 2021 e 2022, referidos pelo tribunal arbitral, aplicaram, já que confirmaram os acórdãos das Relações que apenas julgaram que as partes que queriam a resolução não tinham direito a ela. Mais precisamente, nenhum dos cinco casos invocados na sentença arbitral julgou extinto o contrato por incumprimento bilateralmente imputável.
No caso dos autos, a C, nos articulados, apenas colocou em jogo, nos autos, a resolução do contrato operada por si, com base numa cláusula contratual, relacionada com um incumprimento contratual significativo. Ou seja, uma resolução de base contratual (cláusula 28), não de base legal (o que, já agora, afasta o relevo da questão da interpelação admonitória). Já a S alegava factos que lhe davam, segundo ela, a possibilidade de resolver, ela, o contrato, com base na resolução ilícita do contrato pela C junto com o facto de esta já ter concluído os trabalhos com um outro empreiteiro [veja-se a parte final do pedido (c) transcrito pela sentença arbitral] e por isso ser-lhe já impossível concluir, ela, S, a empreitada, ao mesmo tempo que admitia que ela tinha contribuído para tal estado de coisas.
Temos assim que a S desde o início, na petição inicial, avançava factos suficientes para que se colocasse a questão da extinção do contrato, por impossibilidade da continuação da execução do contrato devido a comportamento/incumprimento imputável a ambas as partes.
Ora, no compromisso arbitral consta: “Sem prejuízo de ulterior redefinição do objeto do litígio nos articulados, a presente arbitragem tem por objeto apreciar a licitude da resolução contratual operada pela C, no âmbito da relação de Empreitada contratada com a S, a responsabilidade pelos prejuízos advenientes da dita resolução e pelos prejuízos decorrentes do atraso verificado na conclusão da empreitada.”
Assim, o facto de o tribunal arbitral ter decidido que o contrato estava extinto por impossibilidade bilateralmente imputável não se inscreve no fundamento anulatório de se ter pronunciado sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem/compromisso arbitral ou de conter decisões que ultrapassam o âmbito desta, já que ela previa que o objecto do litígio fosse redefinido nos articulados, o que naturalmente implicava que os pedidos que fossem formulados com base em factos alegados nos articulados pudessem ser apreciados de acordo com as qualificações jurídicas que estes factos pudessem implicar.
((VI))
Do excesso de Pronúncia
418. Nos termos do ponto v) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, é não só causa de anulação da sentença arbitral que o Tribunal Arbitral “deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar” (como já se viu, supra); mas também que o Tribunal Arbitral “conden[e] em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido” e “conhe[ça] de questões de que não podia tomar conhecimento”.
419. Nestes termos, a jurisdição material do tribunal arbitral é limitada não só pelo Compromisso Arbitral (cujo âmbito, como já se viu, foi amplamente extravasado pelo tribunal arbitral); mas, também, pelos pedidos das partes.
420. Ao decidir, na alínea b) do dispositivo da sua sentença, que “O Contrato de Empreitada deve ser considerado extinto em virtude do incumprimento bilateral imputável a ambas as Partes”, o Tribunal Arbitral conheceu de uma questão de que não podia tomar conhecimento: a suposta “extinção” do Contrato.
421. E ainda “condenou” (rectius: constituiu um efeito jurídico, a extinção do contrato) em objeto diverso do pedido de qualquer das partes, que apenas pretendiam a apreciação da licitude da resolução do Contrato de Empreitada, e não uma declaração de extinção, com efeitos a partir de 15/07/2022.
422. Também por estes motivos, deve a sentença arbitral em crise ser anulada, nos termos do ponto v) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
A S:
[…]
254.º Uma vez mais, não é verdade que tenha havido excesso de pronúncia.
255.º Como refere RUI PINTO DUARTE (cfr. Parecer junto com esta contestação), “O n.º 3 do art. 5.º do CPC consagra a regra iura novit curia, ao estabelecer «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.». A natureza de tal regra, ligada ao princípio da legalidade, é claramente substantiva, pelo que a mesma abrange a atividade jurisdicional dos árbitros”.
256.º Percebe-se bem que assim seja.
257.º Na verdade, nos seus articulados, as Partes imputam o incumprimento do contrato de empreitada à parte contrária, o que naturalmente não impede o tribunal de concluir, em face dos factos provados, que esse incumprimento é imputável a ambas as partes e que ambas têm, por isso, e por que desse incumprimento resultaram danos, a obrigação de indemnizar a contraparte, como pediram.
258.º E a ser assim, como efetivamente é, nada impede, antes impõe, que o Tribunal Arbitral tenha decidido como decidiu, isto é, aplicando o regime estabelecido no artigo 570.º do Código Civil.
259.º Sobre a aplicação da regra iura novit curia ao processo arbitral merece leitura atenta o acórdão do TRL de 03/04/2014 (Desembargadora Relatora TERESA SOARES), proc. 672/11.0YRLSB-6, no qual se conclui que “O âmbito em que se movem os tribunais arbitrais define-se pelas competências conferidas pelas partes, mas não pode ser-lhes coartada a possibilidade de enquadrar os factos no direito sem sujeição ao direito invocado. A convenção de arbitragem está submetida às regras de interpretação do negócio jurídico, pelo que, estabelecendo como objeto a validade ou invalidade do contrato tem de entender-se que abrange qualquer vício que possa inquinar a força vinculativa do contrato”.
260.º É evidente a falta absoluta de razão da C na pedida anulação da sentença arbitral por excesso de pronúncia.
Apreciação:
A extinção ou cessação do contrato é um efeito decorrente, grosso modo, para além do cumprimento das obrigações ou situações equiparadas, da caducidade, revogação, denúncia, resolução e rescisão do contrato.
Ao pedir a resolução do contrato, a S quis que fosse produzido, com a sentença arbitral, o efeito da cessação/extinção do contrato. Pelo que a extinção do contrato é objecto de um dos pedidos da S e, por isso, não há condenação em objecto diverso do pedido.
((VII))
Da condenação ultra petitum
423. Ainda nos termos do ponto v) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se […] [a] parte que faz o pedido demonstrar que […] [o] tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
424. Acontece que o Tribunal Arbitral condenou a C em quantidade superior ao pedido.
425. A S pediu, no seu Requerimento Inicial, o pagamento de vários montantes […]
426. A S só pede ao Tribunal Arbitral que condene a C ao pagamento de juros relativamente a uma das supracitadas quantias.
427. Na alínea f) do seu petitório, a S requer “a quantia de € 98.474,47 a título de juros de mora vencidos desde a data de vencimento de cada fatura emitida e não paga até à presente data, acrescida da quantia a apurar a título de juros de mora vencidos até integral pagamento”.
428. Por outras palavras, a S apenas pede o pagamento de juros vencidos sobre o montante a que a C viesse, eventualmente, a ser condenada “por conta dos trabalhos realizados, faturados e não pagos” – ou seja, sobre o montante de €1.189.264,62, identificado na alínea e) do petitório.
429. A S não requereu o pagamento de juros sobre os montantes que se viessem a apurar relativamente a trabalhos ainda não faturados.
430. No entanto, o Tribunal Arbitral condenou a C ao pagamento de juros de mora não só sobre o montante de “€1.189.264,62, correspondente ao valor total das facturas emitidas pela S devidas e não pagas” (cfr. alínea a) do dispositivo da sentença arbitral).
431. Mas o Tribunal Arbitral condenou também a C ao pagamento de juros de mora sobre vários outros montantes, que não foram requeridos pela S.
432. Assim, o Tribunal Arbitral condenou a C ao pagamento de: a. €27.624,55, correspondentes aos juros vencidos sobre a quantia de €111.143,74, respeitante aos “trabalhos a mais contratuais solicitados pela C” (cfr. alínea d) do dispositivo da sentença arbitral), aos quais acrescem os “juros vincendos até efetivo e integral pagamento”; b. €19.290,77, correspondente aos juros vencidos sobre a quantia de €88.701,59, respeitante aos “custos decorrentes do prolongamento de estaleiro em obra pelo período dos meses de Abril, Maio e Junho de 2018” (cfr. alínea e) do dispositivo da sentença arbitral), aos quais acrescem os “juros vincendos até efetivo e integral pagamento”; c. €7.762,03, correspondente aos juros vencidos sobre a quantia de €35.690,85, respeitante aos “lucros cessantes que a S deixou de obter por não ter realizado os demais trabalhos contratuais previstos” (cfr. alínea f) do dispositivo da sentença arbitral), aos quais acrescem os “juros vincendos até efetivo e integral pagamento”.
433. Estes montantes relativos a juros nunca foram requeridos pela S.
434. Pelo que nas alíneas d), e) e f) do dispositivo, o Tribunal Arbitral levou a cabo uma condenação da C em quantidade superior ao pedido (condenação ultra petitum).
435. Assim, deve a sentença arbitral em crise ser anulada, nos termos do ponto v) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
A S responde que:
[…]
262.º Não é, uma vez mais, verdade que assim tenha sido, pelo menos do modo que a C alega.
263.º Com efeito, na redação do seu pedido, é verdade que a S apenas pediu a condenação da C no pagamento de juros relativo à primeira quantia do seu pedido, não o tendo feito relativamente a todas as quantias em que decompôs o seu pedido.
264.º A S fê-lo por entender que não se justificava pedir a condenação da C no pagamento de juros de mora relativamente a todas e cada uma das quantias peticionadas,
265.º No entanto, importa relevar, nos parágrafos 343 e 344 da sua petição inicial submetida no âmbito do processo arbitral, a S refere que “O somatório dos trabalhos contratuais e não contratuais a mais executados e por faturar ascende ao montante de € 1.325.035,84, de que a S é credora da C. Ao indicado montante acrescerá o valor dos juros vincendos desde a data da notificação do presente Requerimento Inicial até efetivo e integral pagamento.
266.º A S não deixou, pois, de reclamar o pagamento de juros de mora referentes aos demais créditos que invoca na sua petição, ainda que, como referido, não o tenha discriminado em relação a todas as quantias que listou no seu pedido,
267.º O que, como referido, entendeu desnecessário na medida em que manifestou clara e expressamente ao tribunal a sua pretensão de ser ressarcida pela mora no pagamento dos seus créditos.
268.º Diga-se, por relevante, que foi precisamente o que a C fez na dedução do seu pedido reconvencional, o que lhe pareceu, então, não constituir qualquer problema.
269.º Na verdade, no parágrafo 1115 da contestação / reconvenção deduzida pela S no âmbito do processo arbitral, a mesma refere, em conclusão, que “Considerando todo o explicitado supra, constata-se que, em virtude do incumprimento contratual perpetrado pela S, esta deve à C o montante total de € 2.358.530,05, ao qual acresce o montante dos juros de mora vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento, cujo ressarcimento se requer”.
270.º No entanto, no pedido formulado (Capítulo IV da contestação / reconvenção), a S não pede a condenação da C em juros de mora.
271.º Com efeito, a C limita-se a pedir que “Em face do exposto: i. Devem ser julgados improcedentes todos os pedidos formulados pela S. ii. Deve ser declarada a licitude da resolução do Contrato pela C. iii. Deve a ser julgada procedente a reconvenção deduzida, sendo a S condenada a pagar à C o crédito reclamado na reconvenção, no valor de € 2.358.530,05. iv. Condenem a C no pagamento dos honorários dos Senhores Árbitros e demais encargos do processo arbitral, incluindo honorários de peritos, técnicos e advogados”.
272.º É, pois, manifesto que ambas as Partes manifestaram o propósito de serem ressarcidas pela mora da outra parte no cumprimento das obrigações que reclamaram no âmbito do processo arbitral, pelo que não existe fundamento para a anulação da sentença arbitral com o fundamento em apreço invocado.
273.º Sem prejuízo, caso assim não se entendesse, sempre estaria em causa, apenas, a anulação parcial da sentença arbitral.
274.º Com efeito, como decidiu o TRG (Desembargador Relator JOSÉ DIAS) por acórdão de 21/01/2021, processo 122/20.1YRGMR), “Nos casos em que a sentença arbitral padeça do vício da nulidade parcial, nomeadamente, por excesso de pronúncia ou por condenação ultra petitum ou em objeto diverso do pedido, e em que a parte afetada por esse vício possa ser destacada/dissociada da parte não viciada, apenas há que declarar a nulidade quanto à parte eivada pelo vício da nulidade”.
275.º Na verdade, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 7, da LAV, “Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação”.
276.º Seria o caso da condenação em juros de mora, cuja anulação em nada afetaria o resto do teor da sentença proferida,
277.º Sendo certo, no entanto, como referido, que ambas pediram o reconhecimento desse direito de condenação da outra parte no ressarcimento pela mora no cumprimento das suas obrigações.
Apreciação:
No ac. do TRL de 11/12/2019, proc. 127735/16.7YIPRT.L1, relatado pelo relator do actual, II- Admite-se a hipótese de “o pedido se encontrar na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, como sentido da declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime quando o réu o haja entendido correctamente” […].”
Isto é a síntese do seguinte:
No sumário do ac. do TRC de 20/03/2017, proc. 951/05.6TJCBR.C1, diz-se que:
Sendo a petição inicial um todo, o juiz não pode deixar de conhecer de um pedido que, não constando embora expressamente das conclusões da p.i., está, no entanto, claramente formulado no articulado, onde se revela com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos correspondentes.
No texto do acórdão acrescenta-se:
Na verdade, é sabido que, conforme se expende no ac. do STJ de 24/01/1995, CJSTJ95, I, pág. 39, a petição inicial é um todo, como tal tendo de ser entendida e interpretada. E porque assim é, bem se compreende que no ac. do TRC 03/02/1993, BMJ 424, pág. 748, se tenha doutrinado que o juiz não pode deixar de conhecer de um pedido que, não constando embora expressamente das conclusões da p. i., está no entanto claramente formulado no articulado, onde se revela com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos correspondentes.
No sumário do ac. do TRC de 03/12/2013, proc. 217/12.5TBSAT.C1, escreve-se que:
I. No percurso expositivo de uma petição inicial (contendo a identificação das partes e da acção a narração e a conclusão) podem existir pedidos expressamente formulados como tal na conclusão do articulado e pedidos deslocalizados dessa conclusão final, formulados ao longo do articulado na exposição dos factos e das razões de direito, mas com suficiente individualização em termos de propiciarem a sua detecção e compreensão com essa natureza: a de pedidos; II – É o que sucede com a invocação expressa, embora ao longo da narração e não na conclusão do articulado, da aquisição pelos autores de um prédio por usucapião, quando da propriedade desse prédio se deduz (este no pedido expresso na conclusão) um direito de preferência dos referidos autores na alienação de um outro prédio (confinante e que onera o prédio dos autores com uma servidão de passagem); III – Vale como situação deste tipo a indicação, no articulado, dos elementos que se entende integrarem a usucapião, seguida da referência expressa de se invocar esse título aquisitivo da propriedade, mesmo que no elenco final dos pedidos este reconhecimento da propriedade não seja expressamente formulado como pedido, mas tão-só o pedido de declaração do direito de preferência, condicionado pelo reconhecimento daquele direito de propriedade; IV – A compreensão pelo réu, evidenciada na contestação, de que a afirmação dessa aquisição por usucapião envolve outras pessoas não C pelos autores, significa ter o réu percebido a natureza de pedido implícito dessa aquisição por usucapião, alicerçando tal incidência, com base na regra interpretativa de um articulado processual que subjaz, com vocação de generalidade, ao artigo 193/3 do CPC (artigo 186/3 do nCPC) a consideração dessa referência à usucapião, não obstante deslocalizada da conclusão do articulado, como traduzindo um pedido efectivamente formulado pelos autores.
No texto do acórdão, para além de muito mais, ainda se diz:
Vale aqui o entendimento que, sendo discutível [referimo-nos ao entendimento de Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, p. 245] - admitimos que o seja -, foi aceite recentemente no ac. do TRC de 10/09/2013 […]: “[o] pedido formulado pelo autor na petição inicial (artigo 467/1-e do CPC) deve, em regra, ser feito na conclusão. Contudo, tal não obsta a que possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos.”
Antunes Varela, na obra referida no ac., mas na página 245, nota 1, escreve:
O pedido deve ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa dela. O autor deve, no final do seu arrazoado, dizer com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção.
Esta posição de Antunes Varela é acompanhada por Paulo Pimenta, Processo civil declarativo, 2015, 2.ª ed., Almedina, pág. 157.
Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, 2017, pág. 493) dizem:
“O pedido […] há-de ser expressamente deduzido na conclusão, não bastando que apareça acidentalmente referido na narração (Varela – Bezerra – Nora, idem, pág. 245 (1); mas tal não obsta a que o pedido seja expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, como sentido da declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime quando o réu o haja entendido correctamente (acs. do TRC de 10/09/2013 e de 03/12/2013 [os citados acima ….]. No mesmo sentido, o ac. do TRC de 27/01/1987, BMJ. 363/612, invocou para tanto o art. 249 CC (rectificação do erro de escrita […]”.
Aceitando que seja como dizem os acs. do TRC, acompanhados por Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, importa que se possa ver com nitidez, na narração, um pedido qualquer, ou seja, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido.
Ora, no caso é evidente que existe o pedido de juros, nos termos transcritos pela S, e C não pode deixar de o ter entendido (e aliás fez pedido nos mesmos termos como é lembrado pela S).
Pelo que não se verifica este fundamento anulatório.
((VIII))
A Decisão surpresa e a violação do princípio do contraditório
436. Nos termos do ponto ii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se […] [a] parte que faz o pedido demonstrar que […] [h]ouve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio.”.
437. E, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 30.º da LAV, “b) As partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final; (…) c) Em todas as fases do processo arbitral é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as exceções previstas na presente lei.”.
438. No processo arbitral cuja sentença ora se impugna, o Tribunal Arbitral proferiu uma decisão surpresa, violando os princípios do processo justo tal como previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 30.º da LAV, e essa violação teve uma influência decisiva na resolução do litígio, porquanto foi com base na mesma que o Tribunal Arbitral decidiu extinguir o contrato sob a égide do incumprimento bilateral imputável a ambas as partes.
439. Decisão essa que levou o Tribunal Arbitral a omitir a pronúncia sobre a questão central da ilicitude da resolução do Contrato de Empreitada, o que, por sua vez, esteve na origem das várias decisões erróneas do Tribunal Arbitral que levaram à condenação da C no pagamento de €1.694.399,32 à S.
440. Ao fazer uma a interpretação das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 30.º da LAV num sentido que permitiria decidir a causa através da aplicação de uma figura jurídica invocada pela primeira vez em sede de alegações finais, entendendo não ser necessário ouvir ambas as partes sobre a aplicabilidade e o mérito das vias jurídicas aplicadas na decisão da causa, o Tribunal Arbitral violou o disposto no artigo 20.º da CRP, i.e., o direito de defesa e o direito a um processo justo e equitativo.
441. Uma interpretação das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 30.º, e do ponto ii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV que admita uma decisão surpresa é materialmente inconstitucional por violação do direito de defesa e do direito a um processo justo e equitativo.
442. Conforme referido supra, o objeto do litígio foi definido pelas partes na Cláusula Segunda do Compromisso Arbitral, que diz o seguinte: “Sem prejuízo de ulterior redefinição do objeto do litígio nos articulados, a presente arbitragem tem por objeto apreciar a licitude da resolução contratual operada pela C, no âmbito da relação de Empreitada contratada com a S, a responsabilidade pelos prejuízos advenientes da dita resolução e pelos prejuízos decorrentes do atraso verificado na conclusão da empreitada.”
443. O Requerimento Inicial da S requer, no seu petitório, que o Árbitros que constituem o Tribunal Arbitral “[r]econheçam e declarem a ilicitude da resolução contratual operada pela C por ausência de causa justificativa”.
444. Já a Contestação da C inclui o seguinte pedido: “[d]eve ser declarada a licitude da resolução do Contrato pela C”.
445. Foi em torno destes dois pedidos, que ocupam um lugar central no processo, tendo em conta aquele que é o objeto do litígio definido no Compromisso Arbitral, que se centrou toda a discussão entre as partes ao longo do processo.
446. No dia 14/12/2021, as partes apresentaram as suas alegações finais por escrito.
447. As alegações finais da S incluíam um argumento jurídico novo, que nunca antes, em momento algum do processo, havia sido invocado.
448. A S invoca, a páginas 226 e ss. das suas alegações finais, a possibilidade de se verificar uma situação de “incumprimento bilateralmente imputável”.
449. Nas palavras da S, “atraso na conclusão da Empreitada na data fixada contratualmente é imputável a ambas as Partes, ainda que com graus de culpa diferenciados, cabendo à C uma culpa acrescida na verificação do indicado resultado”.
450. Concluindo que “face a um não cumprimento bilateralmente imputável do contrato, e sendo iguais as culpas de ambas as partes, deve excluir-se a indemnização. No caso de as culpas não serem simétricas deve a indemnização ser quantificada no cotejo das culpas nos termos do disposto no artigo 570.º do Código Civil”.
451. As alegações finais escritas foram apresentadas por ambas as partes no mesmo dia, 14/12/2021.
452. Pelo que a C não teve qualquer oportunidade processual para se pronunciar sobre esta nova qualificação jurídica dada aos factos pela S.
453. Assim, a decisão prolatada pelo Tribunal Arbitral não se podia ter revelado mais surpreendente para a S.
454. Passamos, por isso, a analisar as várias questões com relevância para a decisão do Tribunal Arbitral e acerca das quais a C não teve oportunidade de se pronunciar, em grave violação do princípio do contraditório e da audição das partes.
i. A violação do Princípio do Contraditório quanto ao sentido da Decisão Arbitral
455. Ao extinguir o Contrato de Empreitada com base na doutrina do incumprimento bilateral das partes, sem que nenhuma das partes tenha requerido essa extinção do contrato, o Tribunal Arbitral proferiu uma decisão surpresa.
456. Mas a surpresa da decisão não reside apenas na decisão de extinção sem que nenhuma das partes a tenha pedido.
457. Na verdade, simplesmente ao aplicar a doutrina do incumprimento bilateral das partes com tamanha preponderância no pendor da sua decisão sem ter dado a possibilidade às partes para previamente se pronunciarem sobre a aplicabilidade desta doutrina ao caso concreto, o Tribunal Arbitral proferiu uma decisão surpresa.
458. A S trouxe ao processo esta doutrina apenas no último momento em que tal era processualmente possível: aquando da entrega das alegações finais, em 14 de dezembro.
459. Não dando, assim, à S a possibilidade de se pronunciar sobre os pressupostos desta doutrina ou sobre a sua aplicabilidade ao presente litígio.
460. Na verdade, o Tribunal Arbitral toma a sua decisão baseada em pressupostos que não têm qualquer correspondência com a realidade.
461. Caso o Tribunal Arbitral tivesse, como deveria ter feito, por respeito aos princípios do contraditório e da igualdade, bem como da proibição das decisões surpresa, convidado a C a pronunciar-se sobre a eventual aplicabilidade da doutrina do incumprimento bilateral ao caso sub judice, bem como sobre a valoração dos incumprimentos imputados às Partes para efeitos de fixação quantum das indemnizações arbitradas, a C teria tido oportunidade de apresentar a sua posição – ao contrário do que sucedeu.
462. O que, como já se viu, consubstancia uma violação do princípio do contraditório, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 30.º da LAV; que, por sua vez, configura uma causa de anulação da Sentença Arbitral, nos termos do ponto ii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV.
Da S:
[…]
281.º A C não tem qualquer razão no fundamento de anulação que invoca.
282.º Como refere RUI PINTO DUARTE (cfr. Parecer junto com a presente contestação), “(…) há a sublinhar que a proibição de «decisões-surpresa» está longe de significar que o tribunal só pode tomar decisões cujos conteúdos tenham sido discutidas nos seus exatos termos pelas partes. Uma tal regra seria incompatível com a natureza do processo intelectual inerente à atividade jurisdicional. Uma sentença, na parte em que fundamenta a decisão, não é uma escolha entre «sim» e «não». Envolve a conjugação de elementos fácticos e normativos quase sempre contraditórios e incompletos, bem como a ponderação de argumentos acerca do seu significado. Cada ser humano realiza esse processo intelectual de modo tendencialmente distinto, pelo que é impossível exigir ao decisor que apresente uma sentença que corresponda completamente a uma das teses defendidas pelas partes. Tal é universalmente válido, mas é evidente nos casos complexos. Quando um juiz ou um árbitro escreve dezenas ou centenas de páginas para fundamentar a sua decisão não pode deixar de se afastar, muito ou pouco, das teses das partes”.
283.º E conclui, dizendo, “Assim, o único modo razoável de entender a chamada proibição de «decisões-surpresa» é atribuir-lhe o significado de conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre os problemas – não sobre as soluções”.
284.º E a verdade é que as Partes tiveram a possibilidade de se pronunciarem sobre o incumprimento do contrato de empreitada cuja execução esteve em disputa no processo arbitral.
285.º Com efeito, a S, em alegações finais (sobre a matéria de facto e de Direito), em face da prova produzida, concluiu que o incumprimento do contrato de execução era imputável a ambas as Partes, ainda que com graus de imputação distintos, e não apenas à C, o que, evidentemente, não estava impedida de o fazer.
286.º Como se refere no citado ac. do TRL de 03/04/2014, proc. 672/11.0YRLSB-6), “A «decisão-surpresa» não se afere pelas expetativas das partes mas por aquilo com que elas deveriam contar em face das questões que vinham debatendo nos autos e das soluções jurídica que era exigível que equacionassem”.
287.º Não deveria ser necessário referi-lo, mas a alegação final sobre a matéria de facto é isso mesmo, a conclusão sobre o julgamento da matéria de facto, sobre os factos em disputa no processo, aos quais se aplica o Direito vigente.
288.º A C, por sua vez, em face da prova produzida, manteve a posição de que o contrato de empreitada havia sido incumprido por causa exclusivamente imputável à S, o que se afigura processualmente legítimo,
289.º Mas teve, naturalmente, a possibilidade de concluir de modo diferente.
290.º Como refere, uma vez mais, RUI PINTO DUARTE (cfr. Parecer junto com a presente contestação), “De resto, o n.º 3 do art. 3.º do CPC não afirma que o juiz não pode adotar soluções não defendidas pelas partes, mas apenas que não lhe é lícito (salvo caso de manifesta desnecessidade) «decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» – o que é bem diferente. O preceito legal em causa destina-se primacialmente a consagrar o princípio do contraditório, o qual significa dar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre questões, não limitar o decisor a optar entre as pronúncias das partes”.
291.º Como se refere no ac. do STJ de 24/02/2022 (Conselheira Relatora ROSA TCHING), proc. 13988/19.9T8PRT.P1.S1), “A decisão surpresa que o artigo 3º, nº 3, do CPC, visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido da decisão em si, mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista pelas partes, pelo que inexiste decisão surpresa quando a decisão e os seus fundamentos estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e/ou com a matéria de defesa, se situem dentro do abstratamente permitido pela lei e em relação ao que a parte pronunciou-se ou podia ter-se pronunciado.”.
292.º Ora, o processo arbitral tratou de dirimir a disputa entre as Partes sobre a quem era imputável o incumprimento do prazo fixado contratualmente.
293.º A circunstância de o tribunal arbitral ter decidido que o incumprimento era imputável a ambas as Partes constitui, obviamente, uma decisão em tudo relacionada com os pedidos formulados pelas Partes e sobre os quais as Partes se pronunciaram ou podiam ter-se pronunciado livremente.
294.º Improcede, assim, o fundamento de anulação invocado pela C.
Apreciação:
Já foi dito acima que o objecto do processo não era só, como pretende a C, a resolução, licita ou ilícita, do contrato. Abrangia ainda, como foi explicado, factos que podiam ser enquadrados num causa de extinção do contrato por incumprimento bilateralmente imputável. Estes factos, que punham uma questão de direito, foram alegados pela S, no requerimento inicial do processo arbitral, pelo que a C pôde pronunciar-se sobre eles. Logo não se verifica nenhuma decisão surpresa quando o tribunal arbitral decidiu a questão com base naquele entendimento. A melhor fundamentação disto tudo remete-se para o Parecer já citado na síntese feita nos artigos transcritos da S.
((IX))
Da ofensa à ordem pública internacional do Estado português
463. O artigo 46.º, n.º 3, alínea b), subalínea ii), da LAV prevê a ofensa de princípios da ordem pública internacional do Estado português pela sentença arbitral como uma causa de anulação da mesma.
464. A ordem pública internacional é um conceito indeterminado, i.e., não é possível determinar, a priori, o conteúdo da cláusula geral da ordem pública internacional.
465. No entanto, é consensual entre a Doutrina e Jurisprudência a ideia de que o mesmo é enformado pelos princípios estruturantes da ordem jurídica, como são os que integram a Constituição em sentido material, sobretudo os que tutelam direitos fundamentais, nos quais se incluem o princípio da proibição do abuso de direito, e o princípio da boa-fé (a título exemplificativo, vide os acs. do STJ de 14/03/2017, proc. 103/13.1YRLSB.S1, Relator: Alexandre Reis, e de 26/09/2017, proc. 1008/14.4YRLSB.L1.S1, Relator: Alexandre Reis, e do TRL de 09/09/2019, proc. 382/19.0YRLSB-1, Relator: Manuel Marques).
466. E, no caso sub judice, tal como invocado e desenvolvido nos articulados apresentados no Processo Arbitral pela C e como de seguida se demonstrará, a autuação da S consubstancia uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, e de violação do princípio da confiança, como corolário da boa-fé.
467. Conforme se retira do supra exposto, a S apenas alegou a invalidade das multas contratuais aplicadas pela C com base na violação do procedimento contratualmente previsto, i.e. devido à omissão de auto elaborado pela Fiscalização da obra, apenas no âmbito do Processo Arbitral, não o tendo feito em qualquer momento anterior.
468. Em concreto, a S não levantou este alegado incumprimento no procedimento contratual acordado no momento em que as multas foram aplicadas pela C.
469. Ora, resulta evidente que a invocação pela S da omissão do auto elaborado pela Fiscalização, após ter deduzido a sua defesa e cerca de 1 ano após a aplicação das multas e da resolução do Contrato, consubstancia um caso gritante de abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, e por isso inadmissível.
470. Com efeito, dispõe o artigo 334.º do Código Civil que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
471. A propósito desta matéria, o Ac. do TRE de 14/02/2008, refere claramente o seguinte: “I – A “boa fé” a que se refere o artigo 334 do CC, reveste características de “boa fé objetiva”, isto é, deve-se atuar como pessoas de bem, num quadro de honestidade, correção, probidade e lealdade por forma a não defraudar as legítimas expectativas e a confiança gerada nos outros e ainda na proibição de venire contra factum proprium. II – Há venire contra factum proprium quando uma pessoa manifesta a intenção de não praticar determinado ato e depois o pratica, ou quando uma pessoa declara avançar com certa atuação e depois se nega. É o assumir de comportamentos contraditórios que violam as regras da boa fé”(proc. 3008/07-3, Rel. Silva Rato).
472. Por outro lado, atente-se no Ac. do STJ de 12/11/2013 quanto aos pressupostos da modalidade de abuso do direito em causa (venire contra factum proprium): “(…) há desde logo um primeiro e fundamental pressuposto a considerar: a existência de um comportamento anterior do agente (o factum proprium) que seja suscetível de fundar uma situação objetiva de confiança. Em segundo lugar exige-se que, quer a conduta anterior (factum proprium), quer a atual (em contradição com aquela) sejam imputáveis ao agente. Em terceiro lugar, que a pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa-fé, vale por dizer, que tenha confiado na situação criada pelo ato anterior, ignorando sem culpa a eventual intenção contrária do agente. Em quarto lugar, que haja um “investimento de confiança”, traduzido no facto de o confiante ter desenvolvido uma atividade com base no factum proprium, de modo tal que a destruição dessa atividade pela conduta posterior, contraditória, do agente (o venire) traduzam uma injustiça clara, evidente. Por último, exige-se que o referido “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjetiva objetivamente fundada; terá que existir, por conseguinte, causalidade entre, por um lado, a situação objetiva de confiança e a confiança da contraparte, e, por outro, entre esta e a “disposição” ou “investimento” levado a cabo que deu origem ao dano”(proc. 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, Rel. Nuno Cameira).
473. Pelo que temos por certo que o comportamento do S, qualificado em termos jurídicos à luz do que acima se expôs, integra um abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium, proibido pelo artigo 334.º do Código Civil.
474. Ora, conforme se retira do ac. do STJ de 14/03/2017, proc.  103/13.1YRLSB.S1, Rel. Alexandre Reis: “Ainda que não seja possível determinar, a priori, o conteúdo da cláusula geral da ordem pública internacional, é latamente consensual a ideia de que o mesmo é enformado pelos princípios estruturantes da ordem jurídica, como são, desde logo, os que, pela sua relevância, integram a constituição em sentido material, pois são as normas e princípios constitucionais, sobretudo os que tutelam direitos fundamentais, que não só enformam como também conformam a ordem pública internacional do Estado, o mesmo sucedendo com os princípios fundamentais do Direito da União Europeia e ainda com os princípios fundamentais nos quais se incluem os da boa-fé, dos bons costumes, da proibição do abuso de direito, da proporcionalidade, da proibição de medidas discriminatórias ou espoliadoras, da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível e os  princípios e regras basilares do direito da concorrência, tanto de fonte comunitária, quanto de fonte nacional”.
475. Assim, resulta evidente que a Sentença Arbitral cria uma situação jurídica que, concreta e gravemente, ofende os objetivos prosseguidos por um princípio integrante do conceito de ordem pública internacional do Estado português, i.e. a proibição de abuso de direito, constituindo a sua violação fundamento bastante para a anulação daquela Sentença por via da aplicação do Artigo 46.º, n.º 3, alínea b) ii) da LAV, o que se invoca e requer desde já para todos os efeitos legais.
476. De notar ainda que o princípio da proibição do abuso de direito, decorrente do clássico princípio da boa-fé, é tutelado pelo Artigo 13.º da CRP, que determina a igualdade de tratamento entre todos os cidadãos, e pelo Artigo 20.º, n.º 4 da CRP, direito de defesa e o direito a um processo justo e equitativo.
477. Uma Sentença Arbitral, que ao fazer uma interpretação das Cláusulas do Contrato de Empreitada, do Artigo 334.º do CC, e do Artigo 46.º, n.º 3, alínea b) ii) da LAV, admita tais comportamentos contraditórios por parte da ora S, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, do direito de defesa e do direito a um processo justo e equitativo.
Da S:
[…]
297.º Em primeiro lugar, não é verdade que a S não tenha suscitado o incumprimento do procedimento contratual de aplicação de penalidades em momento anterior à ação arbitral.
298.º Com efeito, na carta remetida à C datada de 22/05/2018, a S refere expressamente que “Relativamente às multas contratuais, naturalmente que esta questão está directamente interligada e prejudicada pelo que anteriormente se deixou dito, assim, sempre será necessário averiguar rigorosamente quais os atrasos imputáveis à S para então, de acordo com a disciplina contratual, se poder aferir se existe ou não lugar à aplicação de penalidades e, caso exista, qual o seu quantum, cumprindo-se o disposto nos n.ºs 5.3.5 e 5.3.6 do Caderno de Encargos e Clausula 19.º do Contrato de Empreitada – o que, in casu, não foi feito”, conforme cópia da referida carta que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida (documento n.º 8).
299.º Ou seja, a S reclamou em tempo pelo cumprimento do Contrato de Empreitada, pedindo à C que desse cumprimento ao disposto nos artigos 5.3.5 e 5.3.6 do Caderno de Encargos, isto é, que notificasse a S do auto da fiscalização que contivesse a descrição dos atrasos que lhe fossem imputáveis.
300.º A S exigiu, assim, o cumprimento do procedimento estabelecido contratualmente para a aplicação de penalidades, isto é, a emissão e notificação de auto de fiscalização da obra, para, sobre ele, se pronunciar no prazo de cinco dias, deduzindo, então, a sua defesa ou impugnação.
301.º É, pois, absolutamente falso o que a C alega e absolutamente extraordinário, para dizer o mínimo, que se permita vir invocar no âmbito da presente ação especial de anulação de sentença arbitral a violação dos princípios da confiança e do abuso de direito, quando sabe perfeitamente que a S lhe exigiu o cumprimento do referido procedimento contratualmente estabelecido.
302.º Sem prejuízo, e em segundo lugar, é manifesto que a sentença arbitral não viola quaisquer princípios da ordem pública internacional do Estado Português,
303.º Sendo, para tal conclusão, importante ter presente que apenas nos casos em que a decisão arbitral “conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um patente, certo e efectivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica”(cfr. ac. do STJ de 26/09/2017, processo 1008/14.4YRLSB.L1.S1), se admite a anulação de sentenças arbitrais com o referido fundamento.
304.º Na verdade, a apreciação da eventual violação da ordem pública internacional deve focar-se no resultado da decisão arbitral e não numa reapreciação do seu mérito.
305.º O tribunal deve, pois, colocar-se perante a perspetiva da execução de determinada sentença arbitral no ordenamento jurídico português para aferir se a mesma choca ou não com os princípios enformadores do nosso ordenamento jurídico.
306.º Ora, é evidente que a sentença arbitral não conduz a um resultado manifestamente incompatível com princípios fundamentais da ordem pública internacional (ou interna) do Estado Português, atento o regime aplicável.
307.º Tanto é suficiente para concluir que não existe qualquer fundamento na pedida anulação da sentença arbitral por violação de princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Apreciação:
Conforme é lembrado pela S, e já era referido na sentença arbitral, a S, logo na carta de 22/05/2018 (a carta foi junta pela S como doc.8 nestes autos e não foi impugnada pela C - as multas foram aplicadas por carta de 30/05/2018), tinha levantado a questão (pelo que, evidentemente, não o fez só no âmbito do processo arbitral).
Veja-se o ponto 538 da sentença arbitral:
538. Não é igualmente verdade o alegado pela C que (i) a S nunca invocou qualquer vício formal no procedimento adoptado para a aplicação das penalidades contratuais (cfr. artigos 594, 661 e 665 a 673 das AF da C), ou que (ii) foi ilidida a presunção de que as Partes se não quiseram vincular senão pela farina convencionada no Contrato de Empreitada e no Caderno de Encargos (cfr artigos 644 a 666 das AF da C). Na verdade, essas afirmações da C são desmentidas pelo teor do documento D-43 junto pela S com o Requerimento Inicial, nos termos do qual a S afirmou “[r]elativamente às multas contratuais, naturalmente que esta questão está directamente interligada e prejudicada pelo que anteriormente se deixou dito. Assim, sempre será necessário averiguar rigorosamente quais os atrasos imputáveis à S para então, de acordo com a disciplina contratual, se poder aferir se existe ou não lugar à aplicação de penalidades e, caso exista, qual o seu quantum, cumprindo-se o disposto nos n.°s 5.3.5. e 5.3.6. do Caderno de Encargos e Cláusula 19.° do Contrato de Empreitada - o que, in casu, não foi feito” (cfr. página 6 do PDF corresponde ao doc. D-43 junto pela S com o Requerimento Inicial).
A C, na nota 90 da petição inicial, ao falar nesta carta, diz:
“cfr. Sentença Arbitral junta como doc.1, ponto 66 (pág. 41) da decisão sobre a matéria de facto e doc.12, correspondente ao doc.D-43 junto ao requerimento inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, mas que, certamente por lapso, foi omitido pelo Tribunal Arbitral na fundamentação da Sentença Arbitral.”
Mais à frente, na nota 131 diz que:
“A este respeito o Tribunal Arbitral sustenta a sua conclusão com base no doc.D-43 junto pela S ao requerimento onicial (cfr. doc.12), nos termos do qual a S afirmou […].
E na nota 132 diz:
“Muito embora consubstancie matéria referente ao mérito da Decisão Arbitral, cuja análise está vedada ao Tribunal da Relação no âmbito da presente ação de anulação, refira-se que a conclusão a que chega o tribunal Arbitral nesta matéria é absolutamente ininteligível e contraditória com a toda a factualidade assente na Sentença Arbitral (cfr. Sentença Arbitral junta como doc.1, pontos 66 a 498, págs 41 a 89), uma vez que, como acima vimos, não foi dado como provado na Sentença Arbitral que a S tivesse invocado, até à apresentação do requerimento inicial, a omissão do auto da fiscalização como fundamento de ineficácia do acto de aplicação de multas contratuais.” 
O máximo que se pode retirar do que antecede é que a C afasta a relevância do que é dito pela sentença arbitral quanto a esta carta, com base na circunstância de não constar dos factos provados a prova dela.
Mas o ponto 66 da sentença arbitral é um ponto da decisão sobre a matéria de facto da decisão do tribunal arbitral, subordinada às epígrafes “factos assentes” e depois “introdução”, tendo o seguinte teor: “As partes dão por assente o teor de todos os documentos juntos por si com os articulados.”
Portanto o tribunal arbitral podia utilizar tal carta como facto assente e a referência que fez a ela é válida e compreensível, sendo que da mesma resulta, realmente, que a S, antes do processo arbitral, antes mesmo da aplicação das multas, tinha chamado a atenção para a existência de formalidades a cumprir para a aplicação das multas.
Por outro lado, a sentença arbitral pronuncia-se expressamente sobre o relevo que a formalidade em causa tinha para afastar o eventual abuso de direito da S ao levantar a questão.
Entre o muito mais, o tribunal arbitral diz:
522. A prova produzida nos autos demonstra que as Partes pretenderam convencionar um mecanismo especifico de aplicação de sanções contratuais ao empreiteiro em caso de atraso no início ou na conclusão da obra (cfr. páginas 180 e 181 das AF da S e artigos 570, 590, 591, 596 e 599 das AF da C).
523. As partes deram por assente o teor do Contrato de Empreitada junto aos autos como documento D-1 do Requerimenio Inicial e não suscitaram qualquer questão relativa à interpretação da clausula 19.º do Contrato de Empreitada ou das cláusulas 5.3.5. e 5.3.6. do Caderno de Encargos do Contrato de Empreitada.
524. A cláusula 19.ª do Contrato de Empreitada prevê que podem ser aplicadas penalidades contratuais “[e]m caso de atraso no início ou na conclusão da execução da obra por facto imputável ao Empreiteiro'', que [o] prazo parcial considera-se cumprido apenas quando a totalidade dos trabalhos previstos para o mesmo se encontrem verificados e confirmados pela Fiscalização” e que [o] procedimento de aplicação das multas contratuais previstas nos números anteriores, será efetuado nos termos definidos nos pontos 5.3.5. e 5.3.6. do Caderno de Encargos (cfr. Documento D-1 junto pela S com o Requerimento inicial).
525. A cláusula 5.3.5. do Caderno de Encargos prevê que [a] aplicação das multas contratuais nos termos dos números anteriores, será precedida de auto lavrado pala fiscalização, do qual o Dono de Obra enviará uma cópia ao Empreiteiro, notificando-o para no prazo de cinco dias deduzir a sua defesa ou impugnação" (cfr. Documento D-1 junto pela S com o Requerimento inicial).
526. Por sua vez, a cláusula 5.3.6. do Caderno de Encargos estabelece que [n]enhuma multa se considerará definitivamente aplicada sem que o Empreiteiro tenha conhecimento dos motivos da aplicação e ensejo de deduzir a sua defesa” (cfr. Documento D-1 junto pela S com  requerimento inicial).
[…]
539. O Tribunal não ficou, pois, convencido que as Partes tivessem acordado em prescindir do procedimento previsto na clausula 19.ª do Contrato de Empreitada e na cláusula 5.3.5 do Caderno de Encargos, designadamente acordando na aplicação de um procedimento menos formalista ou que não exigisse a intervenção da Fiscalização. Ademais, entende o Tribunal que a C não produziu prova nos autos que permita ilidir a presunção de que as Partes se não quiseram vincular senão pela forma convencionada na cláusula 19.ª do Contrato de Emprestada e na cláusula 5.3.5 do Caderno de Encargos, nos termos do artigo 223.° do Código Civil.
540. A mera circunstancia de a S não ter invocado a preterição desta formalidade na correspondência que se seguiu à carta da S datada de 22/05/2018 (cfr. documento D-43 junto pela S com o requerimento inicial) não configura uma aceitação do procedimento adoptado pela C, e não preclude o direito da S invocar vícios de procedimento. De igual forma, entende o Tribunal que a conduta da S ao invocar esses vícios de procedimento na presente acção arbitral não configura qualquer abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
541. Neste contexto, é relevante citar o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/09/2016, proc. nº 0746/16, nos termos do qual, se decidiu que 'No caso, a multa aplicada à Recorrente não só não foi precedida pelo levantamento do referido auto como aquela não foi, formalmente, notificada para se defender, o que bastará para determinara ilegalidade da aplicação da sanção impugnada. Com efeito, e muito embora seja certo que a Câmara já depois de esgotado o prazo para a execução da obra tenha informado a Recorrente do seu descontentamento com o ritmo dos trabalhos e com o incumprimento daquele prazo e que a Recorrente tenha respondido justificando-o com a existência de outras obras no mesmo local e com a falta de instruções quanto à forma de reperfilamento do pavimento, também o é que essa correspondência não pode ser interpretada como prefigurando uma intenção punitiva e, muito menos, com o levantamento de qualquer auto nem, tão pouco, com uma notificação para que a Recorrente se pudesse defender (..) Sendo assim, e sendo que estas constituíam trâmites essenciais do procedimento de aplicação da multa ora em causa e que a sua omissão constitui vicio de forma susceptivel, por si só, de determinar a ilegalidade do acto impugnado, a aplicação da multa ora em causa não se poderá manter”.
542. Assim, entende o Tribunal que a C actuou ilicitamente e em violação do previsto na cláusula 19.º do Contrato de Empreitada e nas cláusulas 5.3.5. e 5.3.6. do Caderno de Encargos ao aplicar penalidades contratuais à S, preterindo o procedimento contratual aplicável.”
Pelo que é evidente a improcedência deste fundamento.
((X))
Da violação do princípio da imparcialidade
478. No que respeita à aplicação da tese do incumprimento bilateralmente imputável, e sem prejuízo do que já foi dito supra, cumpre esclarecer que o Tribunal Arbitral optou arbitrariamente por i) valorar os alegados incumprimentos da C, i.e. a aplicação de multas sem respetivo o auto da fiscalização e a solicitação de trabalhos-a-mais sem ser por escrito, ambos irrelevantes em toda a linha em termos de impacto no prazo da obra, em detrimento ii) do incumprimento da S, i.e. a insuficiência de mão-de-obra que, como se viu, impactou em toda a linha a derrapagem do prazo da obra.
Vejamos,
479. Como melhor detalhado supra, a aplicação da teoria do incumprimento bilateralmente imputável pressupõe que as partes contribuíram em igual medida para o incumprimento do contrato, pelo que os danos dali resultantes deverão ser, de igual modo, repartidos.
480. No entanto, há que fazer uma valoração objetiva dos incumprimentos em causa por forma a aferir que estes tiveram ou não o mesmo impacto no não cumprimento do Contrato de Empreitada.
481. Os incumprimentos que o Tribunal Arbitral vem imputar à C para fundamentar a aplicação desta tese são a violação do procedimento contratualmente previsto para i) a aplicação de multas sem o respetivo o auto da Fiscalização e ii) a solicitação de trabalhos-a-mais à S.
482. Note-se, desde logo, que ambos os alegados incumprimentos imputados à C decorrem diretamente de direitos contratualmente previstos da C, não sendo despiciendo que a S não alegou a omissão do auto da Fiscalização enquanto incumprimento senão já no âmbito do Processo Arbitral, como visto supra em maior detalhe.
483. Já no que concerne à solicitação de trabalhos-a-mais, que não foi alegada pela S, importa que o Tribunal Arbitral considerou que houve uma violação do procedimento contratualmente previsto por parte da C, que não solicitou os referidos trabalhos por escrito conforme resulta do ponto 456 da Sentença Arbitral, desconsiderando que os mesmos foram efetivamente executados pela S, como se retira do ponto 390 da Sentença.
484. Mais, e como ficou demonstrado, nenhum dos quais teve impacto na derrapagem do prazo da obra que deu origem à resolução do Contrato por parte da C e, por consequência, ao Processo Arbitral.
485. Por outro lado, o incumprimento imputado à S, i.e. a insuficiência de mão-de-obra, corresponde a uma grave violação de um dever que sobre si recaía ao abrigo do Contrato celebrado entre as Partes.
486. Como se retira dos pontos 256 e 398 a 403 da Sentença Arbitral ora em crise, resultou demonstrado que desde o início da obra havia uma insuficiência de mão de obra imputável tão-só à ora S, sobre quem recaía a obrigação contratualmente prevista, que objetivamente impactou o prazo para a conclusão da obra.
487. Donde não são – nem podem ser – de todo comparáveis para fundamentar a aplicação da teoria do incumprimento bilateralmente imputável.
488. Teoria essa que, de resto, não deveria sequer ter sido aplicada pelo Tribunal Arbitral para fundamentar a Decisão Arbitral porquanto foi alegada apenas em sede de Alegações, sem que fosse dada oportunidade à C para exercer o seu direito de contraditório, como visto supra em maior detalhe.
489. Com efeito, as situações referidas supra consubstanciam em toda a linha uma clamorosa violação do princípio da imparcialidade e do direito ao processo justo e equitativo.
490. A independência e a imparcialidade do tribunal arbitral constituem um requisito fundamental de um processo arbitral justo ou equitativo, conforme decorre dos Artigos 9.º, n.º3, e 30,º, n.º1, da LAV e 20.º e 203.º da CRP.
491. De acordo com MENEZES CORDEIRO, a “independência traduz-se numa qualidade objetiva, expressa no facto de o árbitro não depender de ninguém e, em especial, de nenhuma das partes. A imparcialidade exprime-se num dado subjetivo: o árbitro não favorece ninguém: apenas aplica o Direito em face dos factos que se demonstrem” (MENEZES CORDEIRO, António, Tratado da Arbitragem – Comentário à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, Almedina (2015), p. 135).
492. Assim, ao dar acolhimento, na sua decisão, aos argumentos referidos supra, o Tribunal Arbitral proferiu uma decisão cujo resultado viola os referidos princípios, favorecendo a S em detrimento da C, sem qualquer fundamento para tanto.
493. Trata-se, antes, de parcialidade da decisão, sobretudo quando se compara a displicência com que o Tribunal Arbitral valora o incumprimento perpetrados pela S, cujo impacto na derrapagem do prazo resulta evidente da prova produzida, com a rigidez literal que aplica na interpretação dos procedimentos contratuais previstos para a aplicação de multas e solicitação de trabalhos-a-mais por escrito pela C, em toda a linha irrelevantes para o incumprimento do Contrato – o que, como visto supra, tampouco foi alegado pela ora S.
494. Na verdade, neste aspeto se mostra novamente a postura parcial do Tribunal Arbitral, que desconsidera tudo o que possa sustentar a posição da C e apenas considera o que possa favorecer as pretensões da S.
495. De tudo quanto se expôs resulta, assim, que a Sentença Arbitral evidencia uma mão pesada e com uma direção única: a de penalizar a C e a de decidir em favor da S, o que consubstancia uma decisão parcial e violadora do processo justo e equitativo.
496. Ora, a violação da imparcialidade gera a anulação da Sentença Arbitral ao abrigo do artigo 46.º, n.º3, alínea a) ii) e iv), e alínea b) (ii) da LAV, que desde já se invoca e requer para todos os efeitos legais.
497. Nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a doutrina e a jurisprudência concretizam o direito à tutela jurisdicional efetiva em princípios como “o direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, “com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias” (Constituição da República Portuguesa Anotada,  Vol. I, p. 415).
498. Uma interpretação dos artigos 9.º, n.º3, 30.º, n.º1, alíneas b) e c), e 46.º, n.º3, alínea a) ii) e iv), e alínea b) (ii), da LAV que admita uma decisão parcial é materialmente inconstitucional por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva.
Da S:
[…]
309.º [O que a C diz], a este propósito, […] para além de constituir uma imputação grave e profundamente deselegante, é absolutamente falsa.
310.º Mas traduz bem o que, afinal, a C verdadeiramente pensa e sente em face da sentença arbitral proferida.
311.º Com efeito, para a C o problema não está verdadeiramente na data de notificação da sentença ou no cumprimento do dever de revelação ou na falta de fundamentação da sentença.
312.º O problema está, antes, em que a C não se conforma com o resultado do processo arbitral a que voluntariamente se submeteu. Não se conforma em a sua pretensão não ter obtido vencimento total.
313.º Fosse esse o resultado e certamente não estaríamos a discutir a data de notificação da sentença ou a alegada falta de cumprimento do dever de revelação ou a falta de fundamentação da sentença arbitral.
314.º O despropósito da C vai ao ponto de afirmar que “Trata-se, antes, de parcialidade da decisão, sobretudo quando se compara a displicência com que o Tribunal Arbitral valora o incumprimento perpetrado pela ora S, cujo impacto na derrapagem do prazo resulta evidente da prova produzida, com a rigidez literal que aplica na interpretação dos procedimentos contratuais previstos para a aplicação de multas e solicitação de trabalhos-a-mais por escrito pela C, em toda a linha irrelevantes para o incumprimento do Contrato” (cfr. artigo 493.º da petição inicial).
315.º Trata-se, afinal, de mera discordância por parte da C relativamente à valoração feita pelo Tribunal Arbitral quanto aos meios de prova e à motivação enunciada sobre os mesmos, a qual é insuscetível de ser sindicada no âmbito de uma ação de anulação de sentença arbitral.
316.º Mas tratam-se, sobretudo, de alegações falsas e impróprias, feitas com o único propósito de descredibilizar o Tribunal Arbitral, o seu julgamento e a sua sentença, apenas por que não decidiu como a C pretendia que o mesmo decidisse.
317.º Diz, por fim, a C, ainda a este propósito, que os incumprimentos de ambas as Partes não são comparáveis, pelo que insuscetíveis de “fundamentar a aplicação da teoria do incumprimento bilateralmente imputável” (cfr. art. 487 da petição inicial),
318.º Como se o incumprimento bilateralmente imputável apenas o pudesse ser no caso de os incumprimentos de ambas as partes se equivalerem.
319.º O fundamento invocado pela C é, pois, destituído de qualquer sentido e, uma vez mais, improcedente.
Apreciação:
Para esta invocação em bloco de três fundamentos de anulação da sentença arbitral, a C começa (§ 478) por dizer que “No que respeita à aplicação da tese do incumprimento bilateralmente imputável […] cumpre esclarecer que o Tribunal Arbitral optou arbitrariamente por […] valorar os alegados incumprimentos da C, i.e. a aplicação de multas sem o respetivo auto da fiscalização […].”
Ora, desde logo, como resulta do que já se transcreveu na parte ((IX)) deste acórdão, a fundamentação da sentença arbitral referente à questão da aplicação de multas sem o respectivo auto de fiscalização é substancial, não revelando, por si, arbitrariedade do tribunal arbitral, sendo que o valor das multas e juros respectivos é quase igual a 1.600.000€, ou seja, quase 84% do valor de cerca de 1.900.000€ que a C diz ter sido condenada a pagar (§ 2 da PI).
Quanto à valoração da “solicitação de trabalhos-a-mais sem ser por escrito” (que é a isto que a C se está a referir, resulta também do § 483) o tribunal arbitral apenas num § da fundamentação de direito, o § 558, se lhe refere de forma praticamente irrelevante:
558. Acresce que, como já referido, o Tribunal entende estar perante um caso de incumprimento bilateralmente imputável, uma vez que resultou provado nestes autos que foi o comportamento de ambas as Partes que contribuiu, de forma relevante para o não cumprimento dos prazos parciais e do prazo global da Empreitada, e, mais ainda, que ambas as parles incumpriram obrigações essenciais assumidas no Contrato, a S desde logo de dispor de mão de obra para realizar a obra no prazo previsto [sic] e a C por contribuir para os atrasos verificados com constantes alterações dos projectos e pedidos de trabalhos a mais, nem sempre cumprindo o previsto no Contrato, além de o incumprir na aplicação de penalidades e no não pagamento das facturas devidas.”
Quanto à valoração pelo tribunal arbitral das várias circunstâncias relativas à solicitação pela C de trabalhos-a-mais (sem considerar agora a questão da falta de escrito, que não tem o relevo que a C aqui lhe dá), na parte da fundamentação de Direito, tendo em conta os factos provados, não se indicia a parcialidade do tribunal arbitral. Com base nos factos dados como provados era possível – não está em causa, nesta acção, se bem ou mal – ao tribunal arbitral invocar, como o fez, a tese do incumprimento bilateralmente imputável como causa de extinção do contrato, em termos que vêm sugeridos por alguma doutrina e jurisprudência que invocou.
E tudo isto afasta o preenchimento das previsões dos arts. 46/3(a/iv) e (b/ii) da LAV).
O problema coloca-se na questão da motivação da convicção do tribunal arbitral quanto à prova desses factos, mas não por se ter demonstrado a parcialidade do tribunal arbitral nesse juízo, sim porque o tribunal arbitral não a fundamentou como o devia ter feito, mas isto já foi visto na altura própria.
Quanto ao relevo que esta argumentação poderia ter para a questão das decisões-surpresa e, por aí, para a violação do processo equitativo, como fundamento de anulação do art. 46/3(a/ii), ele já foi considerado.
Em suma, o que é agora argumentado não serve para o preenchimento dos fundamentos de anulação referidos.
*
O valor da acção:
É o valor dado pela C, sem impugnação da S: 5.313.173,68€.
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Remanescente da taxa de justiça:
A taxa de justiça remanescente é de, tendo em conta a tabela I-a e a sua parte final do RCP:  
5.313.173,68€ - 275.000€ = 5.038.173,68€ : 25.000€ = 201,52 => 202 x 3 UC = 20.604€ por cada parte.             
O art. 6/7 do Regulamento das custas processuais diz: Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Esta acção de anulação de sentença arbitral não tem nenhuma especificidade no sentido de a tornar mais simples que qualquer outra acção de anulação. Pelo contrário: para além da necessidade de tramitação da prestação de caução, no caso a petição inicial tem 498 artigos e 113 páginas  e invoca, como resulta do que antecede, 10 fundamentos diferentes de anulação, que mexem na maior parte do regime da Lei da arbitragem voluntária, para além de levantarem outras questões. A C juntou 47 documentos com o total de 2190 páginas. A contestação tem 319 artigos e 75 paginas e junto com ela vem um Parecer com 36 páginas e 7 documentos com um total de 533 páginas. A C ainda apresentou uma resposta de 5 páginas à contestação. A sentença arbitral tem 119 páginas + 9 paginas de um despacho rectificativo. Os articulados das partes (prolixos – utiliza-se a expressão do art. 530/7a do CPC para apontar para a complexidade) e a sentença arbitral têm extensa e substancial fundamentação, o que implicou uma necessidade de estudo em medida que vai para além do que normalmente costuma acontecer. A elaboração do projecto de acórdão ocupou praticamente todo o mês de Janeiro de 2023, atrasando outros 7 processos do relator.
Assim, nada justifica a dispensa da taxa de justiça remanescente.
*
Pelo exposto, julga-se procedente o pedido de anulação da sentença arbitral com base nos fundamentos previstos no art. 46/3(a/iv) da LAV (composição do tribunal), no art. 46/3(a/vi) da LAV (falta de fundamentação) e no art. 46/3(a/v) da LAV (omissão de pronúncia), considerando-se improcedentes os outros fundamentos invocados.
Custas, na vertente de custas de parte, pela S (que perde a acção, sendo irrelevante o número de fundamentos com que a anulação é julgada procedente).

Lisboa, 09/02/2023
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas