Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
376/14.2TMFUN-A.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: DIVÓRCIO
CRÉDITO DE COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Tendo sido proposta acção de divórcio entre cônjuges casados sob o regime de separação de bens, porque inexiste partilha de bens comuns, o crédito de compensação previsto no art.º 1676.º n.º2 do Código Civil tem de ser exigido através dos meios comuns, em acção própria, em vez do processo de partilha, mas sempre depois do decretado o divórcio.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


M... Ré na acção de DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE que lhe move J..., tendo formulado pedido de indemnização previsto no art.º 1676.º n.º2, do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º61/2008, de 31/10 que não foi admitido, não se conformando com tal decisão, vem dela interpor o presente  recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1.A ré recorre do despacho saneador proferido pelo tribunal ad quo porque entende que o seu pedido reconvencional quanto à compensação prevista no art. 1676.n.º2 C.C., deve ser apreciada na própria ação de divórcio ou, assim não se entendendo e para agilização do processo, pelo menos em apenso à acção principal de divórcio que corre termos naquele tribunal;
2.Não existem razões de agilização processual para a não apreciação do pedido reconvencional na própria ação de divórcio, estando em causa um casamento sob o regime da separação de bens se existir perícia contabilística aos documentos apresentados pelas partes, ou pelo menos numa acção em apenso à acção principal de divórcio, pelo que não se encontra verificado o disposto no n.° 2 do art. 630.° CPC.
3.O pedido de compensação previsto no n.° 2 do art. 1676.° do
C.C. é de natureza patrimonial e não moral, pelo que não há razão
para que a sua apreciação seja feita
em secção cível.
4.Para além disso, versa sobre os encargos da vida familiar, pelo que em razão da matéria, o pedido deverá ser apreciado pela secção de família e menores da comarca competente.
5.Por último, mas não de somenos importância, os próprios cadernos do CEJ bem como Rita Lobo Xavier admitem que tal pedido reconvencional seja deduzido em acção de divórcio em cumulação com um pedido de alimentos, quando esteja em causa a dissolução de um casamento cujo regime de bens seja o da separação.

Nestes termos e nos melhores de Direito, a Ré requer ao Venerando tribunal ad quem que se pronuncie pelo peticionado, dando procedência à sua pretensão e, nesse sentido, decida pela alteração da decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II-OS FACTOS.

Os elementos relevantes para a decisão são os que constam do relatório sublinhando-se ainda o teor da decisão impugnada, para melhor esclarecimento:
1.É o seguinte o teor da decisão impugnada
“(…) Quanto ao pedido de indemnização previsto no art.° 1676.°, n° 2, do CC, cumpre referir que o mesmo terá que ser deduzido em acção autónoma, caso o divórcio seja decretado.

Ou seja, a admissibilidade do pedido de indemnização -compensação está limitada ao disposto no art.° 1792.° e no art.°
1676.°, n° 2, do Código Civil, na redacção dada pela Lei n° 61/2008, de 31/10, e apenas poderá ser deduzido em acção autónoma, após o divórcio ser decretado, apenas podendo ser deduzido na própria acção de divórcio no caso previsto no at.° 1792.°, n° 2, do Código Civil, ou seja, caso o divórcio seja pedido com o fundamento da alínea b) do art. 1781, o que não é o caso (no caso em apreço, o divórcio é pedido com base na separação de facto por um ano consecutivo e na ocorrência de factos que revelam a ruptura definitiva do casamento).

A nosso ver, as limitações apontadas visam agilizar a acção de divórcio.

Atente-se no teor do Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 26/01/2012, relatado pela Exma Desembargadora Maria Luísa Ramos, in www.dgsi.pt, cujo sumário se deixa transcrito:

«I. Com a nova legislação decorrente da Lei n.° 61/2008, de 31/10, e alteração de redacção do artigo 1792° do Código Civil, deixou de existir a possibilidade de o cônjuge/ex-cônjuge pedir a reparação dos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento (salvo nos casos expressamente consignados no n.º2 do citado art.º 1792.º)
Mas, subsiste o direito de reparação de danos não patrimoniais pelo cônjuge "lesado " no divórcio, constituindo efeito decorrente do próprio Divórcio nos termos do preceituado no art.º 1792° do Código Civil, a deduzir nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns.
III.E inadmissível a confissão quanto aos factos fundamento da acção e respeitantes a alegada violação dos deveres conjugais, só se admitindo como prova de tais factos a certidão da sentença que decretou o divórcio.
IV.O direito a indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil, por remissão do art." 1792° do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.° 61/2008 de 31/10, pressupõe que os cônjuges não tenham optado pelo divórcio por mútuo consentimento, pois, neste caso, o Tribunal não irá determinar as causas da ruptura da vida comum do casal, nem tampouco apurar qual dos cônjuges deu causa a esse divórcio.
V." Na actual sociedade, com diferente visão da dimensão afectiva da vida - o divórcio deixou de ser um "drama " e nem traduz "o descrédito do casamento " ou uma humilhação
social " - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 8/9/2009».

Pelo exposto, não admito o pedido de indemnização-compensação deduzido pela Ré.”

2-Autor e Ré são casados no regime de separação de bens.

III-O DIREITO.

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que, como é sabido, delimitam o respectivo âmbito de cognição do Tribunal, a única questão que importa apreciar consiste em saber se o pedido de indemnização-compensação previsto no art.º 1676.º n.º2 do Código Civil pode ser deduzido no próprio processo de divórcio ou se tem de ser formulado em acção autónoma após decretado o divórcio.

Vejamos o que dispõe o art.º 1676.º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º61/2008, de 31 de Outubro, sob a epígrafe (dever de contribuir para os encargos da vida familiar):

1-O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.
2-Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar for consideravelmente superior ao previsto no número anterior, porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, designadamente à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais importantes, esse cônjuge tem direito de exigir do outro a correspondente compensação.
3-O crédito referido no número anterior só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime de separação.”

Como resulta dos termos da disposição legal, trata-se de uma compensação devida ao cônjuge que mais contribuiu para os encargos da vida familiar, repondo o equilíbrio imposto pela regra legal de esses encargos deverem ser suportados por ambos “de harmonia com as possibilidades de cada um”. Estamos, pois, perante uma compensação de natureza patrimonial, estabelecendo-se um direito de crédito que nada tem a ver com pressupostos de responsabilidade civil. Logo se vê que o acórdão citado pela decisão recorrida e no qual esta baseou a sua fundamentação, não trata da questão em apreço nos presentes autos.

Posto isto, importa, pois, descortinar a questão suscitada de saber se a acção de divórcio é ou não o local próprio para se conhecer do direito à compensação prevista nos números 2 e 3 do artigo 1676.º do Código Civil[1].

Ora, por força do disposto no n.º3 do art.º 1676.º, o local próprio para o reconhecimento do direito à compensação, por contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar, previsto no n.º2 do mesmo preceito, é o da partilha dos bens do casal[2]. “Tal opção legislativa terá sido ditada pela constatação de que é no processo onde se discutem, avaliam e partilham os bens comuns do casal que, com mais propriedade, se poderá apurar a situação patrimonial dos cônjuges durante o casamento, ajuizando dos encargos da vida familiar e da contribuição de cada um dos cônjuges para a satisfação dos mesmos, que são os elementos a ponderar para efeito da atribuição do referido direito a compensação”[3].

Contudo, a lei exclui os casos em que entre os cônjuges vigore o regime de separação de bens. Naturalmente que se impunha tal ressalva, dado que no caso de os cônjuges serem casados sob o regime de separação de bens, não há bens comuns a partilhar, quando muito podem existir bens em compropriedade e, naturalmente, em caso de litígio, o processo próprio para o compor será o processo de divisão de coisa comum e não o processo de partilha subsequente ao divórcio. Contudo, tal ressalva não quer dizer que, neste caso, o pedido de compensação possa ser feito, na pendência ainda do casamento. “No caso de separação de bens, porque inexiste partilha de bens comuns, o crédito de compensação tem de ser exigido através dos meios comuns, em acção própria, em vez do processo de partilha, mas sempre depois do divórcio”.[4]

Importa, assim, concluir que não merece censura a decisão recorrida ao rejeitar o pedido de compensação prevista no art.º 1676.º n.º2, formulado na acção de divórcio, por não ser o momento processual próprio.

Improcedem as conclusões do recurso.

IV-DECISÃO.

Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, por consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.


Lisboa, 24 de Novembro de 2016


Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal


[1]Serão deste diploma legal os preceitos citados sem indicação de proveniência.
[2]Assim decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-10-2011, Processo 1681/09.5TBBCL.G1disponível em www.dgsi.pt
[3]Idem”.
[4]Tomé d’Almeida Ramião, O Divórcio e Questões Conexas- Regime Jurídico Atual, 3.ª edição, Quid juris.2011, p.118.

Decisão Texto Integral: