Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1046/13.4TJLSB-A.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: PARTILHA DOS BENS DO CASAL
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I-A partilha dos bens do casal, numa acepção ampla, compõe-se de três operações básicas: a separação de bens próprios como operação preliminar; a liquidação do património comum, destinada a apurar o valor do activo comum líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges; e a partilha propriamente dita.
II-A liquidação do património comum depende assim do cálculo de compensações, das dívidas a terceiros e das dívidas entre os cônjuges.
III-Se assim é, dada a especificidade do inventário da separação de meações que comporta, a par das dívidas a terceiros e créditos sobre estes, as compensações de patrimónios (comum e próprios), as dívidas entre os cônjuges, ou seja entre os patrimónios próprios de cada um dos cônjuges, então, da relação de bens, terão de constar não só as posições activa e passiva do património comum em relação a terceiros como as compensações entre património comum e próprios e bem assim como as dívidas recíprocas dos cônjuges se não tiverem sido saldadas ao longo da vida conjugal, isto pela simples razão de que não tendo ocorrido esse pagamento, é no momento da partilha do património comum que tal deve ocorrer. E para tal é necessário que a relação de bens contemple esses créditos ou compensações. E só não deverá ocorrer se a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas no incidente de reclamação da relação de bens tornarem inconveniente a decisão incidental das mesmas.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


REQUERIDA no PROCESSO de INVENTÁRIO/APELANTE: DORA ... ... ...
*
REQUERENTE no PROCESSO de INVENTÁRIO: BRUNO ...... ...

Com os sinais dos autos.
*
I.1-Inconformada com a decisão de 6/3/2015 (ref.ª332790965) de fls.129/131 que julgou aprovado o passivo constante das verbas n.ºs 3, n.º 4, n.º 5 dela apelou a requerida em cujas alegações em suma conclui:

1.A requerida invocou a extemporaneidade dos documentos juntos a fls. 5391 a 397 que suportaram a decisão de aprovação do passivo da verba n.º 3 conforme requerimento de 28/1/2015, mas o Tribunal não apreciou nem decidiu a extemporaneidade alegada pela recorrente, o que faz com que o despacho esteja ferido de nulidade nos termos do art.º 615/1/d e 2 do art.º 608 do CPC, por omissão de pronúncia, sendo que a impugnação dos documentos se baseou na alegação de que a recorrente desconhece sem a obrigação de conhecer se as notas de cobrança do IMI previstas nesses documentos se referem ou não a imóveis comuns do casal (conclusões I a VIII)
2.Tais documentos apenas comprovam que o cabeça-de casal tem a sua situação tributária regularizada e que na sua página das finanças aparecem duas notas de cobrança do IMI sem qualquer identificação dos imóveis a que se referem, IMI que corresponde à verba n.º 12 da relação de bens, prédio urbano com o art.º 3286 e à verba n,º 13 do activo prédio urbano com o art.º 13427, cujos impostos têm sido sempre pagos pela Recorrente e não pelo cabeça-de-casal conforme documentos de fls. 109 a 120 e de fls. 356 e 357, o imóvel descrito na verba n.º 14 do activo da relação de bens ainda está nas finanças em nome do seu primeiro proprietário Touring Club de Portugal Indústria Turística SA a quem são cobrados os impostos conforme documentos n.ºs 5 e 6 da Relação de bens em 30/10/2013, pelo que por exclusão e partes as notas de cobrança do IMI dos documentos de fls. 391 a 397 não podem referir-se a nenhum dos imóveis do casal descritos nas verbas 12, 13, 14 e também não podem referir-se aos imóveis das verbas 15 a 19 do activo que integram a herança indivisa de Marai da ... ... porquanto tais notas de cobrança estão certamente associadas ao número de identificação fiscal da herança da falecida Maria da ... e se pertencessem à herança indivisa de Maria da ... ... jamais poderiam ser aprovadas com o dívidas comuns do casal, devendo ser revogado o despacho na parte em que aprova a verba n.º 3 de 2.568, 27 euros em violação do s art.ºs 1353 e 1355 do CPC (conclusões IX a XV)
3.A verba n.º 4 do passivo não pode ser aprovada por valor inferior a 14.891,79 euros, porquanto ela refere-se à dívida do casal ao Banco Comercial Português resultante de um empréstimo junto desta instituição garantido por hipoteca que incide sobre o imóvel descrito sob a a verba n.º 12 do activo, verba n.º 1 do passivo, em 10/12/2009 no requerimento de divórcio os requerentes acordaram que a aludida dívida ao Banco tinha o valor de 55.500,00 euros, em 10/10/2013, o valor dessa dívida ascendia a 40.608,21 euros conforme declaração do banco doc. 12 da relação, o cabeça-de-casal acordou expressamente com a requerida em que esta ficava a viver na moradia que foi a casa de morada de família e é o imóvel n.º 12 do activo e que a requerida pagaria as prestações do mútuo que se fossem vencendo e demais encargos da casa, conforme confissão da resposta à reclamação de bens art.º 23, confissão essa que conjugada com os documentos de fls. 283 a 347 atestam várias transferências e depósitos mensais na conta bancária do cabeça de casal provenientes da recorrente e permitem concluir que desde o divórcio os pagamentos do crédito habitação correspondentes à verba n.º 1 do passivo foram sendo realizadas pelo recorrente (Conclusões XVI a XXV)
4.A verba n.º 5 do passivo referente ao condomínio do imóvel da verba 14 do activo tem de incluir a quantia de 370,00 euros descrita no documento de fl.s 352 v.º que o Tribunal não interpretou correctamente, documento que contem uma rasura no ano e não permite concluir se se trata do ano de 2009 se de 2010 mas que o recibo de pagamento permite concluir a data segura do pagamento que foi 16/7/2010, pelo que tendo o divórcio sido requerido em 10/12/2010, o recibo em causa conjugado com o documento de fls. 352, permite concluir que tais despesas eram comuns mas forma pagas com bens próprios da ora recorrente e ao decidir-se que não constitui passivo relacionável ocorre violação dos art.ºs 1697 e 1789 ambos do CCiv, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que aprove a verba n.º 5 do passivo pelo valor 1.335,00 euros correspondente à soma de 985,00 euros com o valor do documento de fls. 352 de 370,00 euros (conclusões XXVI a XXXII)
5.Existe lapso no despacho recorrido porquanto faz referência à verba n.º5 do passivo por duas vezes, aprovando primeiro o valor de 985,00 euros e depois o valor de 785,12 euros, mas esta quantia refere-se a pagamentos do IMI de 2013 e de 2014 comprovado pelos documentos de fls. 356 e 357 frente e verso e esse valor tem de ser somado à verba n,º 6 que se refere a despesas de impostos dos imóveis comuns do casal e assim deve considerar-se aprovado o passivo de imposto de imóveis comuns pagos pela interessada Dora no montante global e 2,579,46 euros, sendo 1794,34 euros referentes a impostos pagos após 2009 e até 2012 e 785,12 euros de IMI em 2013 e 2014 (Conclusões XXXIII a XXXVII)
Termina pedindo a procedência do recurso, revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que se pronuncie sobre o requerimento de extemporaneidade da junção e de desentranhamento dos documentos de fls. 391 a 397, decida não aprovar a verba 3 do passivo e aprovar a verba 4 do passivo por 14.891,79 euros, a verba 5 por 1335,0 euros e rectificar o despacho nos termos do art.º 614/2.

I.2.-Em contra-alegações em suma o recorrido sustenta que o despacho recorrido resolveu todas as questões do passivo não aprovado e não deixou de se pronunciar sobre questões que devia conhecer decidiu em conformidade com os documentos e prova em cumprimento da lei substantiva e adjectiva designadamente os art.ºs 1355, 1356 e 1357 do CPC.

I.3.-Recebido o recurso foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mérito do mesmo.

I.3.-Questões a resolver:
a) Saber se ocorre, na decisão recorrida, nulidade por omissão de pronúncia sobre o requerimento de extemporaneidade e o pedido de desentranhamento de documentos formulado pela requerente em 28/1/2015, documentos esses que foram usados para dar como provada a verba 3 do passivo, decisão que vem inquinada dessa nulidade;
b) Saber se ocorre erro de apreciação dos meios de prova e subsequente decisão de aprovação do passivo constante das verbas n.º 3 (que não deve ser aprovada), n.º 4 (que de ser aprovado pelo valor de 1609,00 euros);
c) Saber se, ao abrigo do art.º 614/2, do CPC, devem ser rectificadas as verbas  n.º 5 (que deve ser aprovado pelo valor de 1.335,00 euros) e n.º 6 nos termos propostos.

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
É do seguinte teor o despacho recorrido ora em causa:

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

III.1.-Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539).
III.2.-Não havendo questões de conhecimento oficioso a única questão a apreciar é a que constitui objecto da conclusão de recurso e mencionada em I, supra.
III.3.-Saber se ocorre na decisão recorrida nulidade por omissão de pronúncia sobre o requerimento de extemporaneidade e o pedido de desentranhamento de documentos formulado pela requerente em 28/1/2015, documentos esses que foram usados para dar como provada a verba 3 do passivo, decisão que vem inquinada dessa nulidade;

III.3.1.-É do seguinte teor o despacho de sustentação: “…analisando o despacho recorrido considera-se por um lado que o Tribunal apreciou todas as questões que lhe foram submetidas pelas partes e, por outro, que não conheceu de questões alheias ao objecto do processo. De resto, entendemos que ao ter-se no despacho recorrido usado os documentos, cuja extemporaneidade foi requerida, na apreciação e decisão da questão relativa à verba n.º 3 do passivo, o Tribunal a quo não deixou de tonar posição, ao menos indirectamente, sobre a questão da extemporaneidade de tais documentos, admitindo-os e valorando-os na medida certa na decisão a proferir. Assim se concluindo, com manifesta clareza, que o Tribunal indeferiu a extemporaneidade, apreciando todas as questões que lhe foram submetidas pelas partes…”

III.3.2.-Se bem se percebe a alegação do recorrente, o Tribunal recorrido omitiu despacho expresso sobre a arguida (em 28/1/2015) extemporaneidade de certos documentos juntos pelo cabeça de casal por requerimento de 19/1/2015, os documentos de fls. 391 a 397.

III.3.3.-Na conferência de interessados que teve lugar no dia 9/1/2015, a interessada Dora, que aprovou as verbas 1 e 2 enquanto o cc aprovou as verbas 1 e 3, no que toca ao passivo aditado a fls. 94 e ss indicou o respectivo valor, requerendo a junção de 3 documentos para prova dos valores actualizado das verbas 4, 5, 6. A Meritíssima Juíza, depois de ter admitido a junção aos autos dos documentos oferecidos pela interessado Dora, ordenou a notificação do cc para exercer o seu contraditório no prazo de 10 dias ou inflectir quanto a esses documentos e em 19/1/105 o cc Bruno veio, para prova do passivo constante da verba n.º 3, juntar 7 documentos que, diz, protestara juntar; quanto a isso a interessada Dora, por requerimento de 28/1/2015 veio, em suma, dizer que a deliberação da aprovação do passivo cabe à conferência de interessados podendo o juiz conhecer da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelos documentos apresentados (art.ºs 1335/3 e 1355 do CPC), pelo que a apresentação de documentos para prova do passivo só poderia ocorrer até à conferência, ainda assim disse que os documentos em causa apenas provam que o Requerente tem a sua situação tributária regularizada e que na página das finanças do cc aparecem, anualmente, 2 notas de cobrança do IMI; desconhece se tais notas de cobrança se referem ou não aos imóveis relacionados nos autos e que as aludidas notas de cobrança não comprovam que foi o cabeça de casal quem pagou esse valores, aliás entre 2007 e 2014 foi ela quem assumiu sozinha o pagamento de todos os impostos e outras despesas referentes aos imóveis que compõem o património comum e foi porque a requerente sempre assumiu esses pagamentos que o cc pode agora vir a apresentar um documento comprovativo de que a sua situação tributária está regularizada, há que questionar a boa fé processual do cc porquanto sabe que o IMI dos imóveis tem estado a ser cobrado anualmente, sabe o valor anual desse IMI, sabe que não pagou esses valores, sabe que tem a situação tributária regularizada, mas não reconhece a verba n.º 6 do passivo, nem aceita que os impostos tenham sido pagos pela Requerente; quanto à verba n.º 5 p cc sabe que entre 2007 e 2009 o condomínio da verba descrita sob 14 implica o pagamento anual de 370,00 euros e a partir de 2010 de 395,00 euros quantias que a requerente tem sempre pago e que o cc incumpriu nos termos do art.º 1730/1 do CCiv e que por isso o património comum do casal deve à ora requerente a quantia de 3.085,00 euros (370x3+395x5) devendo o cc ½ desse valor seja 1.452,50 euros; quanto à verba n.º 4 a Requerente tem vindo a suportar sozinha o pagamento das prestações do empréstimo bancário da verba 4 do activo (que varia entre 380,00 e 400,00 euros mensais), desde Janeiro de 2007 e que por força do art.º 1730/1 do CCiv o património comum do casal deve à requerente Dora a quantia de 36.480,00 euros (380,00 x8anosx12meses) e que o cc deve à requerente ½ desse valor ou seja 18.240,00 euros.

III.3.4.-A relação inicial de bens continha 3 verbas de “passivo” cujas verbas 1 e 2 melhor se integrariam na qualificação de “compensação entre cônjuges” porque na verdade do que se trata aí é de alegada dívida do património comum ao património próprio de um dos cônjuges que assumiu sozinho dívida da responsabilidade comum, entre as quais a verba n.º 3 com o montante de 3.920,00 euros referentes a alegado passivo do património comum “ao cabeça-de-casal referente a pagamentos por este efectuados referentes a impostos relativos aos imóveis dos anos de 2007 a 2013.” Aquando a conferência de interessados em 9/1/2015, a interessada Dora pretendeu ver aditado ao passivo as verbas 4 a 10 de um seu anterior requerimento e para tanto juntou documentos relativamente aos quais o cc não se pronunciou e a quem, por despacho aí proferido, foi concedido o prazo de 10 dias para se pronunciar, tendo eles sido admitidos; já outro tanto não fez o cc em relação à verba 3 (que foi aprovada pelo cc mas que a interessada Dora não aprovou) e só mais tarde o fez, por requerimento de 19/1/2015, e em relação a esse não houve efectivamente nenhum despacho a admitir a sua junção, a que se seguiu o pedido de desentranhamento da interessada Dora de 28/1/2015, não tendo ocorrido despacho específico sobre a sua admissão, devendo no entanto entender-se que a decisão recorrida ao pronunciar-se sobre o valor probatório desses documentos implicitamente os admitiu e considerou, não ocorrendo a nulidade em causa; se bem se mal, é outra questão.

III.4.-Saber se ocorre erro de apreciação dos meios de prova e subsequente decisão de aprovação do passivo constante das verbas n.º 3 (que não deve ser aprovada), n.º 4 (que de ser aprovado pelo valor de 1609,00 euros);

III.4.1.-Dispõe o art.º 1404, do CPC, que decretado o divórcio pode qualquer dos cônjuges requerer inventário para partilha dos bens, sendo o regime o da comunhão geral ou o de comunhão de adquiridos, incumbindo as funções de cabeça-de-casal ao cônjuge mais velho, correndo o processo por apenso ao processo de divórcio. Aplicam-se-lhe as disposições previstas no Capitulo XVI, secções 1 a 8. Entre essas disposições constam as do art.º 1345 do CCiv.

III.4.2.-Dispõe o art.º 1345, nº 1 do CPC: “Os bens que integram a herança (leia-se comunhão de bens do casal) são especificados na relação por meio de verbas, sujeitas a uma só numeração, pela ordem seguinte: direitos de crédito, títulos de crédito, dinheiro, moedas estrangeiras, objectos de ouro, prata e pedras preciosas e semelhantes, outras coisas móveis e bens imóveis.”

III.4.3.-O n.º 2: “As dívidas são relacionadas em separado, sujeitas a numeração própria.”

III.4.4.-O n.º 3: “A menção dos bens é acompanhada dos elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da sua situação jurídica.

III.4.5.-O n.º 4: “Não havendo inconveniente para a partilha, podem ser agrupados, na mesma verba, os móveis, ainda que de natureza diferente, desde que se destinem a um fim unitário e sejam de pequeno valor.”
O n.º 5: “As benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie, quando possam separar-se do prédio em que foram realizadas, ou como simples crédito, no caso contrário; as efectuadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas, quando não possam ser levantadas por quem as realizou.”

III.4.6.-O n.º 1 do art.º 1346 do CPC especifica a obrigatoriedade de indicação do valor dos bens relacionados, o n.º 2 estatui a forma de indicação do valor dos prédios inscritos na matriz e o n.º 3 dispõe sobre quais os bens que devem ser relacionados como bens ilíquidos.

III.4.7.-Estatui o n.º 1 do art.º 1348 do CPC: “Apresentada a relação de bens, são os interessados notificados de que podem reclamar contra ela no prazo de 10 dias, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexactidão na descrição de bens, que releve para a partilha.”

III.4.8.-O n.º 1 do art.º 1349 do CPC: “Quando seja deduzida reclamação contra a relação de bens, é o cabeça-de-casal notificado para relacionar os bens em falta ou dizer o que se lhe oferecer sobre a matéria da reclamação, no prazo de 10 dias.”

III.4.9.-O n.º 2 do mesmo art.º: “Se o cabeça-de-casal confessar a existência dos bens cuja falta foi acusada, proceder-se-á imediatamente, ou no prazo que lhe for concedido, ao aditamento da relação de bens inicialmente apresentada, notificando-se os restantes interessados da modificação efectuada.”

III.4.10.-O n.º 3: “Não se verificando a situação prevista no número anterior, notificam-se os restantes interessados com legitimidade para se pronunciarem, aplicando-se o disposto no n.º 2 do art.º 1344, e decidindo o juiz da existência de bens e da pertinência da sua relacionação, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”

III.4.11.-O art.º 1350, n.º 1 do CPC: “Quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente nos termos do n.º 2 do art.º 1336, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns.”

III.4.12.-Nesta última hipótese os bens cuja falta se acusou não são incluídos no inventário e permanecem relacionados aqueles cuja exclusão se requereu (cfr. n.º 2 do art.º 1350 do CPC).

III.4.13.-O regime processual do inventário para separação de meações, tem de se harmonizar com o regime substantivo, designadamente com as disposições dos artigos 1689 e 1697 do CCiv.

III.4.14.-Dispõe o art.º 1689, n.º 3 do CCiv, epigrafado “Partilha do casal. Pagamento de dívidas”: “Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor.

III.4.15.-E, no tocante ao pagamento de dívidas do casal o art.º 1697 do CCiv estatui a compensação nos seguintes termos do n.º 1: “Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime de separação;

III.4.16.-Uma preocupação do legislador: na liquidação e na partilha do património comum deve haver equilíbrio no rateio final por forma a que o património individual de cada um dos cônjuges não fique nem beneficiado nem prejudicado em relação ao outro (cfr. n.º 1 do art.º 1689 e a regra da metade do n.º 1 do art.º 1730 do CCiv).

III.4.17.-Como se vê, existem especificidades na liquidação e partilha do património comum dos cônjuges que não encontramos na liquidação e partilha da herança, e essas especificidades têm a ver com a circunstância de naquele tipo de inventários, ao longo da vigência da comunhão conjugal, se verificarem transferências de valores entre os patrimónios – o património comum e os patrimónios próprios dos cônjuges.[2]

III.4.18.-As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com a dissolução do casamento que neste caso se reporta à data da propositura da acção de divórcio.

III.4.19.-Cada cônjuge receberá na partilha os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a este património (cfr. art.º 1697, n.º 2 e 1689, n.º 1 do CCiv).

III.4.20.-A partilha, numa acepção ampla compõe-se de três operações básicas: a separação de bens próprios como operação preliminar; a liquidação do património comum, destinada a apurar o valor do activo comum líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges; e a partilha propriamente dita.

III.4.21.-A liquidação do património comum depende assim do cálculo de compensações, das dívidas a terceiros e das dívidas entre os cônjuges.

III.4.22.-Se assim é, dada a especificidade do inventário da separação de meações que comporta, a par das dívidas a terceiros e créditos sobre estes, as compensações de patrimónios (comum e próprios), as dívidas entre os cônjuges, ou seja entre os patrimónios próprios de cada um dos cônjuges, então, da relação de bens, terão de constar não só as posições activa e passiva do património comum em relação a terceiros como as compensações entre património comum e próprios e bem assim como as dívidas recíprocas dos cônjuges se não tiverem sido saldadas ao longo da vida conjugal, isto pela simples razão de que não tendo ocorrido esse pagamento, é no momento da partilha do património comum que tal deve ocorrer. E para tal é necessário que a relação de bens contemple esses créditos ou compensações. E só não deverá ocorrer se a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas no incidente de reclamação da relação de bens tornarem inconveniente a decisão incidental das mesmas (cfr. art.º 1350 do CCiv).

III.4.23.-O art.º 1356 estatui que “havendo divergências sobre a aprovação da dívida, aplicar-se-á o disposto no art.º 1354 à quota-parte relativa aos interessados que a aprovem; quanto à parte restante será observado o determinado no art.º 1355”; o art.º 1355 estatui que se “todos os interessados forem contrários à aprovação da dívida, o juíz conhecerá da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados”. Repare-se que este regime relativo à divergência sobre a aprovação da dívida está pensado para o passivo do património comum da herança ou do casal relativamente a credores terceiros mas, considerando o disposto no art.º 1697, do CCiv, pode acontecer quer um dos ex-cônjuges se torne credor do outro em virtude de ter pago dívidas de responsabilidade de ambos, para além da parte que lhe couber, amas inaplicável para essa situação peculiar e que aqui se discute, a aplicação do disposto no art.º 1354, quanto à quota-parte relativa aos interessados que a aprovem ou seja havendo reconhecimento de algum ou alguns dos interessados de certa dívida, considerando-se reconhecida a quota-parte desse passivo e condenando-se no seu pagamento aqueles que a reconheceram na respectiva quota de responsabilidade quando o interessado que aprova essa dívida é o respectivo credor como acontece com a aprovação, pelo cabeça-de-casal das verbas 2 e 3 do passivo que são…dívidas do património comum ao cabeça-de-casal, ou seja o cabeça-de-casal ao aprovar as verbas 2 e 3 está a aprovar créditos seus e não dívidas alheias, pelo que nenhuma eficácia poderia ter essa declaração.

III.4.24.-Deve assim entender-se que a verba n.º 3 não foi aprovada por nenhum dos interessados, aplicando-se nessa parte o art.º 1355. A solução encontrada no art.º 1355 teve como principal desiderato evitar que as dívidas não fossem aprovadas por mero capricho dos interessados, determinando-se ao juiz a obrigação de as reconhecer judicialmente. O art.º 1355 não estabelece nenhum prazo para a apresentação de documentos necessários ao conhecimento da dívida pelo juiz e que não tenha sido aprovada, pelo que se deverão considerar os ditos documentos.

III.4.25.-O que está em causa na verba n.º 3 é saber se foi o cabeça-de-casal quem pagou os impostos relativos a imóveis (entenda-se das verbas 13 a 19 relacionadas) e suportou com o património próprio (que não o comum) as despesas relativas a esses impostos; a decisão recorrida com base nos documentos de fls. 391 a 397 conclui que o cabeça-de-casal não tem dívidas ao fisco e que as notas de liquidação de IMI entre 2008 a 2013 fazem presumir o pagamento nas datas de vencimento, pelo que considerou aprovada a verba quanto aos pagamentos posteriores a Dezembro de 2009, no valor de 2.568,27 euros. A Apelante, em suma, sustenta que essas notas de crédito não se podem referir a nenhum dos bens comuns do casal, sejam as verbas 12, 13, 14 (reclassificadas de 1, 2, 3 na conferência de interessados), as despesas do IMI relativas às verbas 12, 13 foram sempre pagas após a separação do casal pelo apelante Dora enquanto a verba 14, não está inscrito nas Finanças nem em nome da recorrente nem em nome do cabeça-de-casal estando inscrito em nome da Touring Clube de Portugal, seu primeiro proprietário, pelo que o IMI em causa é cobrado à sociedade Touring; quanto às verbas 15 a 19 do activo que integram a herança indivisa de Maria da ... ... tais notas de cobrança estão certamente associadas ao número de identificação fiscal da herança da mencionada maria da ...; mas mesmo que os documentos de fls. 391 a 397 se refiram aos imóveis comuns do casal nada permite concluir que os valores aí descritos foram pagos pelo cc, pois a recorrente alegou repetidas vezes ter sido ela quem assumiu, sozinha, o pagamento de todos os impostos e outras despesas dos 3 imóveis e que o próprio cc confessa na sua resposta pelo menos quanto ao imóvel da verba 12 que foi a casa de morada de família. A declaração da Autoridade Tributária de fls. 122 v.º de que o cabeça de casal Bruno tem a “sua situação tributária regularizada, uma vez que não é devedor perante a Fazenda Pública de quaisquer impostos, prestações tributárias ou acréscimos legais”, apenas prova isso mesmo que a Fazenda Pública não é credora do cabeça-de-casal de créditos e impostos o que é irrelevante para o que aqui se discute, seja de dívidas entre cônjuges. Sabe-se que a apelante e o interessado Bruno se encontram divorciados desde 6/4/2010 e que requereram o divórcio por mútuo consentimento em 10/12/2009, data à qual retroagem os efeitos do divórcio no tocante às relações patrimoniais (art.º 1789 do CCiv). As notas de cobrança de IMI referentes aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 que se encontram de fls. 123/128 dos autos apenas provam que o Bruno ... dos ... ... liquidou aqueles valores que delas constam naquelas datas, por multibanco, estando identificadas as notas de liquidação e de cobrança de IMI, sem que dos documentos conste a que imóveis dizem respeito as mencionadas notas de cobrança, não sendo legítimo presumir (por não haver factos de onde se possa extrair essa ilação) que as notas de cobrança dizem respeito aos imóveis dos autos; dessa forma ter-se-á de concluir que não é possível reconhecer com segurança a existência desse crédito do cabeça-de-casal (art.º 1355 do Cciv);

III.4.26.-Relativamente à verba do passivo sob 4 “Dívida da massa de bens comuns à requerida” correspondente ao valor por ela suportado com o pagamento do mútuo descrito na verba n.º 1 do passivo, desde Dezembro de 2006 até Dezembro de 2009 nos termos do art.º 1697/1 e desde Dezembro de 2009 até à presente data nos termos do art.º 1789/1 do CCiv” e que a decisão recorrida, com base nos documentos de fls. 348 a 351 (e já não com base nos documentos de fls. 383 a 347) julgou aprovada a verba de 1609,00 euros por se referirem a pagamentos posteriores a Dezembro de 2009 (data do início dos efeitos patrimoniais do divórcio) entende a recorrente que:

-O cabeça-de-casal e a ora recorrente acordaram que à data do requerimento do divórcio seja 10/12/2009 a dívida ao Banco Millenium BCP tinha o valor de 55.500,00 euros cfr doc 1 junto com a relação de bens de 6/12/2013
-O BCP informou que o valor da dívida em 10/12/2013 era de 40.608, 21 euros
-Ficou acordo entre requerente e requerida que a requerida, ora apelante, ficava a viver na moradia que foi a casa de morada de família, a verba n.º 12 e que a mesma pagaria as prestações do mútuo que se fossem vencendo conforme consta da resposta do cc à reclamação de bens de 8/1/2014, mo que constitui uma confissão que conjugada com os documentos de fls. 283 a 347 atestam várias transferências bancárias e depósitos na conta do cc e provenientes das interessada Dora ...e permite concluir que os pagamentos do crédito à habitação da verba 1 do passivo foram efectivamente pagos pela interessada Dora depois da separação, da documentação resultado de resto que a dívida ao Banco diminuiu entre 10/12/2009 e 10/10/2013 14.981,79 euros(55.500,00 euros-40.608,21 euros), devendo declarar-se reconhecido o valor de 14.9891,79 euros nessa verba.

III.4.27.-O cc, em contra-alegações, sustenta que os documentos foram por si impugnados, sendo que a grande maioria não corresponde a pagamentos das prestações à instituição bancária, além de que não houve qualquer confissão sobre esse pagamento pela interessada Dora e os documentos apenas atestam movimentos de conta do cc.

III.4.28.-Indiscutível que na sua relação de bens original e para a acção de divórcio os requerentes indicaram como passivo da responsabilidade do património comum do casal para com o Banco Millenium o valor de 55.500,00 euros isto em 28/10/09 conforme fls. 46; indiscutível, também que o Banco Comercial Português SA (Banco Millenium), veio, por requerimento de 9/1/2015, rectificar o valor indicado como sendo a verba 1 do passivo dos interessados perante o Banco e pelo mencionado mútuo bancário que fez aos 2 interessados em 30/1/2002 que deve ser  de 39.051,29 euros, correspondentes a 35.913,98 euros de capital, juros de 144,52 euros e 2993,79 euros de despesas judiciais não autorizando qualquer acordo entre os interessados no sentido da cessão da dívida entre os aqui requeridos; por conseguinte a dívida que perante o Banco era de 55.500,00 euros em 28/10/09 baixou até 9/1/2015 para 39.051,29 euros, seja 16.449,00 euros. Quem pagou? A interessada Dora na sua reclamação de bens em relação veio dizer que, após a separação de facto, a partir de Dezembro de 2006, passou a suportar integralmente o mútuo, as despesas e impostos dos imóveis descritos nas verbas 12, 13 e 14, despesas que, atento o regime de bens do casal, deveriam ter sido suportadas pelo casal em igual proporção (art.ºs 30 e 31); na sua resposta o cc diz que “ou são falsos ou não correspondem á verdade os factos que vêm referidos pela requerida nos art.ºs 25 a 40 e 41 a 50” (art.º 16), “por outro lado e ao invés do que vem referido no art.º 30 foi o cabeça de casal que suportou o pagamento do mútuo e as despesas do imóvel descrito na verba 12, até Dezembro de 2007” (art.º 22), “foi acordado entre ambos que a requerida ficava a viver na morada da família – o imóvel da verba 12- e que a mesma pagaria as prestações do mútuo que se fossem vencendo e demais encargos da casa” (art.º 23), “a requerida sempre aí viveu e aí vive há anos com outro homem, como marido e mulher de quem, inclusive, tem um filho sem nunca tr pago qualquer quantia em contrapartida” “pelo que a indicada verba n.º 4 ao contrário do que pretende a requerida não deve ser acrescentada ao passivo” (art.º 25).

III.4.29.-A decisão recorrida ao reconhecer, parcialmente, esse crédito da Requerida sobre a massa de bens comuns resultante do pagamento do mútuo não diz que esse crédito só existe a partir de Dezembro de 2009, apenas diz que os documentos não comprovam mais. Contudo, dos articulados o cabeça-de-casal admite e até, expressamente, que o casal estava separado desde Dezembro de 2006 e que a interessada Dora ficou a viver na casa de morada de família a tal verba 12, tendo ficado acordado entre ambos que a interessada Dora pagaria, a partir desse momento, todas as prestações do mútuo correspondente e as inerentes despesas reais. Significa isto que ocorre confissão expressa de que esse pagamento foi feito pela interessada Dora; do que o cabeça-de-casal discorda é que tenha de pagar esses valores porquanto o cc esteve a viver na casa de morada de família sem pagar qualquer renda. Ora essa questão é questão lateral não abordada na decisão sequer está em causa no recurso pelo que não pode aqui ser abordada em recurso pois a Relação apenas reaprecia a decisão recorrida. Está assim absolutamente comprovado dos documentos e da confissão que entre 10/12/2009 e a a data da conferência em 9/1/2015 a dívida do mútuo bancário contraído na constância do casamento e referente à verba 12 casa da morada de família passou de 55.500,00 euros para 39.051,29 euros, seja foi reduzida em 16.449,00 euros, valor esse integralmente pago pelo património próprio da interessada Dora que do interessado Bruno se encontrava separada desde 2007 mas cuja cessação oficial do dever de coabitação apenas ocorreu em Outubro de 2009 data da entrada do requerimento de divórcio; contudo a recorrente apenas pretende que se veja reconhecido como dívida o valor de 14.891,79 euros valor que não pode ser ultrapassado na decisão do recurso.

III.5.-Saber se ao abrigo do art.º 614/2 do CPC devem, ser rectificadas as verbas n.º 5 (que deve ser aprovado pelo valor de 1.335,00 euros) e n.º 6 nos termos propostos.

III.5.1-A apelante entende em suma que ao abrigo do art.º 614/2 devem ser rectificadas aquelas verbas com os seguintes fundamentos:

-O tribunal recorrido não interpretou correctamente a declaração contida no documento de fls. 352 v.º pois que apesar de rasurado e onde consta a comparticipação das despesas do ano de 2009 deve ler-se ano de 2010 da data da emissão do recibo de pagamento que não tem qualquer correcção alteração ou rasura pode concluir-se que o pagamento ocorreu em 16/7/2010, apenas relevando a data do pagamento e não a data de vencimento das despesas de condomínio do aldeamento das Açoteias e assim tendo o pagamento ocorrido em Julho de 2010 tendo o divórcio sido requerido em Outubro de 2009 conclui-se que essas despesas comuns foram pagas já com bens próprios da ora recorrente como se colhe de fls. 353 a 355 pelo que quanto à verba 5 deve ser substituído por outro que aprove a verba 5 por 1355,00 euros do somatório de 985,00 euros e 370,00 euros.
-Na decisão recorrida a verba 5 vem referida com valores totais diferentes uma vez com 785,12 euros e uma outra com o valor de 985,00 euros sendo que vêm referidos os documentos de fls. 356 a 357 frente e verso para fundamentar os 785,12 euros, , mas esses documentos como deles decorre provam o pagamento do IMI em 2013 e 2014 impostos referentes aos imóveis que compõe o activo e por isso não podem servir para provar a matéria da verba 5 antes da verba 6 do passivo cujo valor deve subir assim para 2.579,46 euros (1794,34+785,12).

III.5.2.-Em contra-alegações em suma diz o recorrido:
-O documento conforme se diz no despacho recorrido está rasurado e não pode ser considerado quanto à verba 5.
-Quanto à verba 6 não pode ser o despacho rectificado na medida em que para justificar a rectificação esta repete valores e documentos.

III.5.3.-A apelante suporta-se no art.º 614 que se reporta à rectificação de erros de escrita de cálculo, inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto e cujo n.º 2 só admite a rectificação em caso de recurso antes do recurso subir podendo no entanto as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam sobre os eu direito no tocante à rectificação. Este preceito tem passado praticamente incólume ao longo das várias alterações a que o Código de Processo Civil foi sujeito. Já Alberto dos Reis[3] comentando o art.º 667 (corresponde ao actual 614) dizia que “a parte pode requerer a rectificação mesmo depois de interposto o recurso, pode requerê-la enquanto o recurso interposto não subir ao Tribunal superior, pode o juiz igualmente por sua iniciativa fazer a rectificação enquanto o recurso não for expedido para o tribunal superior ou não for aí entregue…se o juiz rectificou qualquer das partes no caso de rectificação oficiosa ou a parte contrária à que provocou a rectificação no caso de rectificação requerida podem dizer na alegação de recurso o que se lhes oferece…se este indeferiu o requerimento de rectificação, pode o requerente na sua alegação ou em requerimento posterior dizer o que tiver por conveniente…”

III.5.4.-Por conseguinte a rectificação do erro material devido a manifesto lapso só pelo juiz que sentenciou pode ser efectivada e antes da subida do recurso, quando qualquer das partes, como ocorre no caso, interpõe recurso; sobre a rectificação operada ou indeferimento dela é que as partes podem alegar o que acharem por bem no Tribunal Superior, o que no caso não ocorre; não sendo caso de lapso corrigível, poderá colocar-se a questão de saber se ocorre erro de julgamento ou seja erro na apreciação dos meios de prova e subsequente decisão de facto como manifestamente pretende a apelante.

III.5.5.-Na conferência de interessados a interessada Dora actualizou o valor da verba 5 do passivo para 3.085,00 euros, sendo que essa verba na reclamação da interessada Dora dizia respeito ao pagamento do condomínio do imóvel descrito na verba 14 do activo desde Dezembro de 2006 até Dezembro de 2009 e desde Dezembro de 2009 até à reclamação; o Tribunal, na decisão recorrida, por não ter sido aprovada essa verba, aprovou-a apenas pelo valor de 985,00 euros com base no documento de fls. 352 frente já que o verso se encontra rasurado, não se podendo chegar à conclusão segura quanto ao pagamento em, 2010, sendo que se o pagamento tivesse ocorrido em 2009 não seria passivo relacionável. A apelante não discute a conclusão a que o Tribunal recorrido chegou de que o pagamento anterior ao requerimento de divórcio de 2009, data a que se reportam os efeitos patrimoniais do divórcio, não constitui passivo relacionável, apenas entende que o documento prova que o pagamento ocorreu em 2010 e exclusivamente pela interessada Dora. Vejamos os documentos que parecem ser os de fls. 100 e v.º deste recurso: na frente consta uma “Declaração” do administrador do condomínio do bloco 3 da Aldeia das Açoteias datada de 30/1/2014 onde consta que “a sra. Dora ... ... Nunes, é que tem pago o condomínio desde o ano de 2007 do apartamento n.º 465 sito na Aldeia das Açoteias.” No verso o que consta é um “recibo” da mesma administração onde se diz que “Recebemos do sr Bruno ... ..., proprietário da moradia/apartamento n.º 4565… a quantia de trezentos e setenta euros (370.00) como comparticipação nas despesas de manutenção do aldeamento das Açoteias referente ao ano de 2010”; o ano está rasurado e manuscrito ao lado o ano de 2009, seguindo-se a data de 16 de Julho de 2010. Ora, os documentos são de certo modo contraditórios pois se da declaração global resulta que o pagamento tem sido feito pela interessada Dora, já do recibo o que resulta é que o pagamento daquela específica quantia de 370,00 euros independentemente de saber se se refere ao ano de 2010 ou ao ano de 2009, foi feita pelo interessado Bruno e não pela interessada Dora, pelo que sem mais subsídios de prova, nada há a alterar em relação à conclusão de que o documento não permite alterar a decisão de facto.

III.5.6.-Já quanto ao segmento decisório que aprova a verba 785,12 euros com base nos documentos de fls. 356/357 que “provam o pagamento de valores a título de IMI em 2013 e 2014” é manifesto que não pode referir-se à verba n.º 5 por esta apenas respeita ao condomínio do imóvel descrito na verba 14 do activo; poderão esses valores ser contabilizados na verba 6? O Tribunal recorrido entendeu que dos documentos de fls. 109 a 120 considerando apenas os impostos pagos após 2009 os mesmos atestam o pagamento pela interessada Dora da quantia de 1794,34 euros de IMI como imóveis comuns. Ora, nas contra-alegações o recorrido não põe em causa que o valor de 785,12 euros se refira a IMI de imóveis comuns pelo que aquele valor de 785,12 euros deve acrescer ao valor de 1.794,34 pelo que nessa parte procede parcialmente a apelação devendo considerar-se reconhecida na verba 6 do passivo, a “Dívida da massa de bens comuns à interessada Dora, correspondente ao valor por ela suportado com o pagamento de impostos dos Imóveis comuns do casal após Dezembro de 2009 no valor global de 2.579,00 euros”.

IV-DECISÃO.

Tudo visto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação consequentemente:
a) revogam a decisão recorrida quanto ao reconhecimento das verbas 4 e 6 do passivo;
b) deve considerar-se reconhecido como compensação devida pelo património comum ao património próprio da interessada Dora do valor suportado por esta última com o pagamento do mútuo descrito na verba n.º 1 do passivo, desde Dezembro de 2009 no valor de 14.891,79 quanto à verba 4 do passivo;
c) deve considerar-se reconhecido como compensação devida pelo património comum ao património próprio da interessada Dora do valor suportado por esta última com o pagamento de impostos dos Imóveis comuns do casal após Dezembro de 2009 no valor global de 2.579,00 euros, quanto à verba 6 do passivo, revogando-se em consequência do acima exposto, também, o segmento decisório “quanto à verba 5 os documentos juntos a fls. 356 a 357 frente e verso provam o pagamento de valores a título de IMI em 2013 e 2014, aprovando-se por isso a verba no total de 785,12 euros”;
d) no mais mantém-se a decisão recorrida.

Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade dos interessados na proporção do decaimento.



Lxa., 27-10-2016



João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Laves



[1]Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/6, entrado em vigor a 1/9/2013,  atenta a circunstância de a acção de processo especial de inventário ter sido instaurada em 03/06/2013, e a decisão recorrida ser de 06/03/2015, não se verificando nenhuma das situações do n.ºs 2 a 6 do art.º 5, sendo a nova lei imediatamente aplicável face ao  disposto no art.º 5/1  do mencionado diploma; ao Código referido pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem. Contudo no que à tramitação do processo de inventário, não obstante ter sido revogado pela al) do art.º 86 da Lei 29/09 de 29/6, a qual veio a ser depois revogada pela Lei 23/2013, de 5/3 e que apenas entrou em vigor em Setembro de 2013, já depois de instaurado o processos de inventário, a verdade é que se continuou a aplicar o processo de inventário constante dos art.ºs 1326 a 1406 por não ter sido regulamentada a Lei 29/09, artigos do Código de Processo Civil que se aplicarão ao caso.
[2]Essas transferências ocorrem ou porque se utilizam verbas comuns para financiar obras num imóvel próprio, para pagar uma dívida da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, quer porque se adquire a casa de morada de família com capital próprio de um dos cônjuges sem se formalizar a sub-rogação real, ou porque se paga um dívida de ambos com capital de um dos cônjuges; estes movimentos de capital, estes financiamentos sem prazos e sem juros, representados com mais ou menos rigor pelos intervenientes, são mais característicos da comunhão conjugal do qualquer outra reunião de patrimónios, assim se formando, como diz Pereira Coelho no seu Curso de Direito de Família, 2.ª edição, pág. 431, uma conta-corrente entre o património comum e os patrimónios próprios, uma conta que se fecha no momento da partilha. A técnica das compensações visa restabelecer as forças dos patrimónios através do reconhecimento de créditos de compensação em favor de cada património empobrecido. Para haver compensações em sentido estricto tem de verificar-se, como diz Cristina Araújo Dias, em “Compensações pelo Pagamento de Dívidas do Casal (O caso especial da sua actualização) in Comemorações dos 35 anos do Código Civil, FDUC, Coimbra Editora, 2004, pág. 321, um relacionamento entre o património comum e o património próprio de um dos cônjuges, pois se existirem transferências de valores entre património próprios dos cônjuges, teremos créditos entre os cônjuges, que integram o conceito de compensação em sentido lato. Com a compensação não se confundem outros créditos entre os cônjuges ou entre os seus patrimónios, créditos esses que podem nascer, designadamente, por força da responsabilidade civil baseada em actos de administração intencionalmente prejudiciais (art.º 1681, n.º 1 do CCiv), ou em administração contra a vontade do dono dos bens (art.º 1681, n.º 3) ou ainda por força de responsabilidade por danos não patrimoniais que assente na violação de direitos fundamentais ou do estatuto matrimonial do outro cônjuge, sendo que esses créditos nascem de factos específicos que não se relacionam com o curso normal das transferências de valores entre os patrimónios, com a tal conta-corrente de financiamentos que os créditos de compensação pretendem encerrar com justiça, e estes créditos são autónomos e excepcionais.
[3]Coimbra Editora, 1981, vol. V, pág. 135.