Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4113/10.2TTLSB.L1-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – Basta a verificação de dois dos indícios enumerados para que se considere que o trabalhador beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho estabelecida no art. 12.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009, passando a competir ao empregador a prova do contrário, isto é, da ocorrência de outros indícios que, pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica.
II – A noção e elementos típicos do contrato de trabalho não se alteraram no domínio de vigência dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, pelo que, reportando-se a presunção de contrato de trabalho neles estabelecida à qualificação duma situação que é uma realidade jurídica actual e não viu a sua natureza alterada ao longo do tempo em que produziu efeitos, é-lhe aplicável em cada momento a presunção que nesse momento conste da lei vigente.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório

1.1. AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB  S.A., pedindo a condenação desta a reconhecer a existência dum contrato de trabalho entre as partes e a ilicitude do despedimento de que foi alvo, bem como a pagar-lhe os créditos laborais daí advenientes. Subsidiariamente, peticiona o pagamento de comissões alegadamente devidas e não pagas, caso o tribunal venha a entender que se trata de um contrato de agência.
Na audiência de partes que foi realizada, frustrou-se a conciliação entre o Autor e a Ré (fls. 198/199).
A Ré contestou (fls. 208 e ss.), impugnando a qualificação do vínculo, sustentando a existência dum contrato de agência e não dum contrato de trabalho, e excepcionou a incompetência do tribunal do trabalho para conhecer o pedido relativo ao contrato de agência.
Proferido despacho saneador (fls. 363 e ss.), em que, além do mais, foi julgada procedente a excepção dilatória da incompetência do tribunal em razão da matéria quanto ao pedido subsidiário, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo no final sido proferida decisão sobre a matéria de facto (fls. 461 e ss.).
Seguidamente, pela Mma. Juíza a quo foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo (fls. 480 e ss.):
«O Tribunal, considerando a acção improcedente porque não aprovada, absolve a Ré de todo o pedido formulado.
Valor da causa: 69.510,97€.
Custas a cargo do Autor, atento o integral decaimento.
Registe e Notifique.»
1.2. O Autor, inconformado, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões (fls. 509 e ss.):
(…)
1.3. A Ré apresentou resposta ao recurso do Autor, formulando as seguintes conclusões (fls. 614 e ss.):
(…)
1.4. O tribunal recorrido proferiu despacho a admitir o recurso como apelação, com efeito meramente devolutivo (fls. 634).
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em parecer, no sentido da improcedência do recurso (fls. 645/646).
1.6. Colhidos os vistos (fls. 650), cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, verifica-se que as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes, por ordem de precedência lógica:
1.ª – modificação da decisão sobre a matéria de facto;
3.ª – se entre as partes foi ajustado e executado um contrato de trabalho;
4.ª – em caso afirmativo, se o Autor foi despedido pela Ré e quais as consequências jurídicas daí decorrentes.   

3. Fundamentação de facto
(…)

4. Apreciação do recurso

4.1. Cumpre conhecer em 1.º lugar da impugnação que o Autor faz da decisão sobre a matéria de facto.
(…)
4.2. Posto isto, importa apreciar a questão do ajuste e vigência entre as partes de um contrato de trabalho, como defendido pelo Recorrente, sendo certo que a Recorrida sustenta que o que vigorou foi um contrato de agência.
Estando em causa uma relação jurídica mantida entre Autor e Ré desde pelo menos Dezembro de 2003 até 2 de Novembro de 2009, verifica-se que aquela questão é susceptível de recondução, sucessivamente, ao Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto de 2003, entrado em vigor em 1 de Dezembro do mesmo ano, e ao Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro de 2009, entrado em vigor em 17 desses mês e ano.
Nos termos do art. 1152.º do Código Civil, contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
Idêntica noção consta, com ligeiras alterações, dos acima mencionados Códigos do Trabalho, que, todavia, vieram introduzir uma presunção de laboralidade em determinadas situações.
Sendo certo que nem sempre é fácil distinguir o contrato de trabalho de outras relações jurídicas, a doutrina e a jurisprudência são, porém, unânimes no entendimento de que o critério de distinção reside na subordinação jurídica, que consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
Nos termos do regime geral de repartição do ónus da prova, cabe ao autor fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), tendo os Códigos do Trabalho, contudo, como se disse, vindo introduzir uma presunção de existência de contrato de trabalho nas condições aí indicadas.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz e apenas tem de provar o facto que lhe serve de base, cabendo à parte contrária ilidir a presunção legal mediante prova em contrário, salvo se a lei o proibir (art. 350.º do Código Civil). Isto é, a presunção legal que pode ser ilidida por prova em contrário – presunção juris tantum –, como é o caso da estabelecida pelos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, importa a inversão do ónus da prova (art. 344.º, n.º 1 do Código Civil). Já se o autor não demonstrar o preenchimento dos requisitos ali previstos, de modo a beneficiar da presunção de existência dum contrato de trabalho, terá de, nos termos do citado art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, fazer a prova cabal dos seus elementos constitutivos, a saber, que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do respectivo beneficiário.
Sucede, contudo, que a suposta presunção de laboralidade, nos termos em que ficou estabelecida no Código do Trabalho de 2003, quer na versão inicial, quer na introduzida pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, mais não é do que a reprodução dos elementos integrantes da noção de contrato de trabalho, ou do que a exigência de verificação cumulativa de diversos indícios de laboralidade, sem qualquer utilidade prática, o que deixou de se verificar apenas com a publicação do Código do Trabalho de 2009.
Na verdade, diz o n.º 1 do art. 12.º deste último diploma que presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.  
Assim, como ensina Maria do Rosário Palma Ramalho (Tratado de Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2014, p. 55), “(…) o tratamento desta matéria no actual Código do Trabalho apresenta três grandes diferenças em relação ao regime anterior: a primeira diferença tem a ver com o tipo de indícios de subordinação indicados pelo legislador, que são agora indícios em sentido próprio, porque não se confundem com os elementos essenciais do contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o elemento de subordinação do trabalhador; a segunda diferença tem a ver com a natureza do enunciado legal destes indícios, que passou a ser exemplificativa, bastando assim teoricamente que apenas dois desses indícios ocorram para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho; e a terceira diferença reporta-se às consequências da qualificação fraudulenta do vínculo de trabalho para o empregador, que são agora mais gravosas, dando um sinal claro do desvalor associado pelo legislador à qualificação fraudulenta do negócio laboral.
Com a actual configuração, pode, pois, dizer-se que, pela primeira vez, a presunção de laboralidade desempenha uma função útil na qualificação do contrato de trabalho.”
Em sentido semelhante, nomeadamente admitindo que basta a verificação de dois dos indícios enumerados para que se considere que o trabalhador beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho, passando a competir ao empregador a prova do contrário, isto é, da ocorrência de outros indícios que, pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica, vejam-se António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 2012, pp. 126-127), João Leal Amado (Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pp. 76-77), Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Almedina, 2013, p. 307) e, ainda que de forma mitigada, Bernardo da Gama Lobo Xavier (Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2014, pp. 366 e ss.).
É certo que, sem prejuízo deste mesmo entendimento, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante a afirmar que, neste tipo de situação em que se discute a qualificação duma relação jurídica constituída antes da entrada em vigor da versão inicial do Código do Trabalho de 2003, da sua versão introduzida pela Lei n.º 9/2006 ou do Código do Trabalho de 2009, e que subsistiu sem alteração substancial a partir de então, se aplica o regime jurídico em vigor na data da constituição do vínculo, não tendo aplicação a presunção de contrato de trabalho nos moldes legais posteriormente reconhecidos.
Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2010 (in www.dgsi.pt), cujo sumário refere:
“I - O art. 12.º do Código do Trabalho de 2003 estabelece uma presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de determinados requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, pelo que esse preceito só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.
II - Caso não funcione a referida presunção, por não preenchimento de algum dos seus requisitos cumulativos, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, através da demonstração a efectuar dos pertinentes índices de laboralidade, mediante factos que os integrem.”
E ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 2013 (in www.dgsi.pt), em cujo sumário se diz:
“2. Para efeitos de qualificação de uma relação de trabalho iniciada em 17.02.1999 e que cessou em 22.07.2010, não resultando da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os termos daquela relação a partir de 1 de Dezembro de 2003, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24.11.1964, de onde que não tenha aplicação à mencionada relação a presunção de laboralidade decorrente do Código do Trabalho de 2003 ou do Código do Trabalho de 2009.
3. Nos termos do artigo 342º, número 1, do Código Civil, compete ao trabalhador a alegação e a prova dos factos constitutivos da relação laboral, nomeadamente os que consubstanciam a subordinação jurídica, elemento essencial à caracterização da dita relação.”
Não concordamos, contudo, com tal posição, acompanhando nesta querela o que diz António Monteiro Fernandes (op. cit., p. 128), quando explica:
“Ela procura legitimação nas disposições transitórias constantes das leis preambulares dos Códigos de 2003 (art. 8.º/1 L. 99/2003, art. 7.º L. 7/2009) segundo as quais os respectivos regimes eram aplicáveis aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, “salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente (àquela entrada em vigor)”. Ora não se vê que se trate aqui de condições de validade do contrato de trabalho, nem de factos ou situações totalmente passados. Não se trata, também, de uma nova valoração de factos, no sentido de lhes ser referido um novo juízo normativo. A noção do contrato de trabalho é a mesma, os seus elementos e características fundamentais não mudaram. Não há nada, nas bases da presunção, que seja novo em relação a essa noção e a essas características. Trata-se, simplesmente, de qualificar um contrato para se determinar a lei aplicável – um contrato que é uma realidade jurídica actual, e não viu a sua natureza alterada ao longo do tempo em que tem produzido efeitos. A presunção é um elemento adjuvante da qualificação que é necessária para que se saiba qual a lei a aplicar, problema que se suscita em certo momento e nele deve ser resolvido com os meios disponíveis. É por se constatar que o contrato revela o seu conteúdo actual por certos factos ou situações actuais (e não “totalmente passados”) que o legislador autoriza a presunção e altera, com isso, a repartição do ónus da prova. Supomos, pois, que é aplicável aos contratos existentes em cada momento a presunção que nesse momento conste da lei vigente.”
Neste sentido, vejam-se ainda João Leal Amado (op. cit., p. 77, nota 93) e os Acórdãos desta Relação de Lisboa de 7 de Maio de 2008 e 21 de Novembro de 2012 (ambos em www.dgsi.pt).
Retornando ao caso dos autos, verifica-se que a Mma. Juíza recorrida apreciou a questão da natureza jurídica do contrato celebrado entre as partes do seguinte modo:
«O contrato de agência, ou de representação comercial, encontra o seu regime jurídico vertido no Dec- Lei nº118/93 de 18.04 e traduz-se numa figura negocial atípica em que o agente se obriga a promover contratos por conta da outra parte, o que implica não apenas a difusão dos bens ou serviços e a sua penetração no mercado, como todo um complexo leque de tarefas ligadas à negociação e preparação de tais contratos. Ora, o agente actua com independência e autonomia e é remunerado em função dos resultados que vier a obter, vide António Pinto Monteiro, Contrato de Agência- Anotação, 4ª Edição actualizada, Almedina, pág. 32.
Assim, enquanto que o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder que o empregador tem de, através de ordens, directivas e instruções, conformar a prestação a que o trabalhador se obrigou, o contrato de agência visa apenas a obtenção de um determinado resultado que, a parte sujeita a tal obrigação obterá por si, em regime de autonomia, isto é, sem estar sujeita ao poder de direcção da outra parte. A agência é, portanto, um contrato de gestão de interesses alheios. O agente age como autonomia, ainda que essa autonomia não seja absoluta pois ele deve conformar-se às orientações recebidas e adequar-se à política económica da empresa bem como prestar contas regularmente da sua actividade.
Temos assim que, a subordinação jurídica é o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho e traduz-se numa posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e na correspondente sujeição do prestador da actividade (trabalhador), cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. Nas palavras de Menezes Cordeiro à “prestação autodeterminada de serviços” própria da agência contrapõe-se a “heterodeterminação” típica do contrato de trabalho (vide, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, p.525).
A subordinação jurídica, sendo um conceito jurídico, não pode ser directamente apreendida e, por isso, a jurisprudência e a doutrina têm preconizado o recurso ao chamado método tipológico que se traduz na recolha e interpretação de indícios, extraídos da situação real, que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado. E como elementos indiciários de carácter interno, reveladores da existência de subordinação jurídica ou, pelo menos, de forte presunção nesse sentido, costumam-se indicar a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo sobre o modo como a prestação do trabalho é efectuada, a obediência às ordens e a sujeição à disciplina imposta pelo empregador, a propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador, a remuneração em função do tempo de trabalho e a integração do prestador da actividade na estrutura organizativa do empregador.
Como indícios de carácter externo à relação, são ainda referidos a observância do regime fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem.
Além disso, como o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, quando o contrato tenha sido reduzido a escrito, como no caso em apreço sucedeu, que haverá que levar em conta também quer o “nomen juris” que as partes lhe deram, quer as próprias cláusulas, uma vez que tais indícios, apesar de não serem decisivos para a qualificação do contrato, pois o que releva realmente não é a denominação escolhida pelas partes nem os termos em que foi redigido, mas sim os termos em que o mesmo foi executado, assumem importância para ajuizar da vontade das partes no que diz respeito ao regime jurídico que elegeram para regular a relação (acórdão STJ de 8.10.2008, processo n.º 1328/08, 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt). Por outro lado, importa referir que os indícios recolhidos não podem ser isoladamente considerados, mas sopesados antes no seu conjunto, na sua globalidade, e importa notar que cabe ao autor/trabalhador alegar e provar, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do C.C., os factos que se mostrem suficientes para, em termos de razoabilidade, convencer o julgador de que o contrato por si invocado assume, realmente, a natureza de contrato individual de trabalho, sendo que a dúvida bastará para que a sua pretensão seja julgada improcedente, sendo certo que, em muitas situações os indícios existentes até pode ser contraditórios e conflituantes entre si.
Revertendo ao caso dos autos, resulta da matéria de facto provada, o seguinte:
- o autor assinou um contrato cujo nomen iuris é “Contrato de Agência” (facto 3º), contrato esse que veio a ser objecto de ulteriores renovações (vide também facto nº 38º);
- cabia –lhe a actividade comercial de angariação, fidelização e gestão das contas dos clientes, nomeadamente, através das visitas a esses clientes para formalização de contrato e, posteriormente, acompanhamento (facto 4º);
- estava obrigado a apresentar-se, semanalmente, a tempo e horas nas reuniões semanais da Ré e a apresentar ao coordenador relatórios semanais das actividades desenvolvidas (factos 8º e 9º);
- o A auferia uma quantia mensal fixa e outra variável consoante o tipo de contratos que celebrava com os clientes;
Até ao momento, estes factos não apontam para a existência de um contrato de trabalho entre as partes antes se reconduzem ao núcleo fundamental do contrato de agência, conforme explanamos supra. Mas avancemos um pouco mais na densificação da matéria provada:
- os contactos entre o Autor e a Vodafone eram efectuados através de um Gestor de Agentes (este sim um trabalhador da ré), vide facto 42º;
- após esse contacto telefónico, o Gestor de Agentes não impunha ao autor que fosse para a rua exercer a sua actividade (facto 44º);
- o autor não tinha horário de entrada e saída estipulado,
- o autor reunia com os clientes e essas reuniões era agendadas por ele, sem qualquer coordenação da Vodafone, sendo que ele tinha autonomia para procurar novos clientes (vide facto 71º);
Se atentarmos no elenco completo dos factos provados não vislumbramos, nessa matéria, elementos suficientes e seguros que nos permitam qualificar esta como sendo uma relação laboral. Na verdade, apenas nos factos 12º (utilização do material fornecido pela Vodafone), 17º (certificações e avaliações sobre produtos Vodafone) se poderia, eventualmente, verificar a presença de indícios ténues aproximados ao vínculo laboral mas ainda assim, no cotejo total da matéria provada, esses indícios esfumam-se e não assumem a consistência necessária a essa qualificação.
Nada se provou sobre a inserção do A na estrutura hierárquica e organizativa da ré, nada se provou quanto ao poder disciplinar da Ré sobre ele, quanto ao conteúdo das ordens e instruções que lhe eram dadas (sendo um trabalhador), nem quanto ao tipo de tributação fiscal, nem quanto à forma de retribuição de 14 meses/ano. Conclui-se que, Autor não logrou demonstrar os fundamentos do direito que se arroga, pelo que, a acção terá necessariamente, que claudicar.
Em síntese, não ficou demonstrada a existência de um contrato de trabalho e, não havendo contrato de trabalho, ficará necessariamente prejudicada a apreciação da suposta ilicitude do despedimento.»
Constata-se, pois, que não foi analisada autonomamente a verificação em concreto dos requisitos da referida presunção legal, antes se apreciou a verificação, em geral, dos indícios de laboralidade mencionados, nos moldes tradicionais, concluindo pela sua manifesta insuficiência quantitativa e qualitativa, e, assim, pelo fracasso da prova da subordinação jurídica por parte do Apelante.
Não obstante esta ressalva relativamente à fundamentação expendida pela primeira instância, não diverge o resultado a que chegamos se apreciarmos a verificação em concreto da presunção de laboralidade, uma vez que, compulsada a factualidade provada, concluímos que a mesma apenas evidencia a ocorrência do indício constante da alínea b) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho de 2009 – “os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade” –, tendo em conta o provado sob os pontos 12.º, 14.º, 56.º a 62.º e 72.º, e não de qualquer outro.
Em face do exposto, não pode considerar-se que o Apelante beneficia da presunção de contrato de trabalho, devendo provar directamente os elementos constitutivos de tal tipo contratual, nos termos do art. 342.º. n.º 1 do Código Civil, sem prejuízo de poder lançar mão do já aludido método indiciário, quanto à subordinação jurídica.
Todavia, como resulta das conclusões do recurso, para esse efeito o Recorrente apostou essencialmente na alteração da decisão sobre a matéria de facto, desiderato que não alcançou de modo significativo e determinante para inverter a sorte da acção.
Senão, vejamos.
De acordo com o art. 1.º, n.º 1, do DL n.º 178/86, de 3/06, com a redacção do DL n.º 118/93, de 13/04, agência é o contrato pelo qual uma das partes (agente) se obriga a promover por conta da outra (principal) a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes. E são deveres do agente, entre outros, o dever de respeitar as instruções da outra parte que não colidam com a sua autonomia (art. 7.º, n.º 1), o dever de sigilo (art. 8.º) e o dever de não concorrência (art. 9.º).
Assim – ensina Maria do Rosário da Palma Ramalho (op. cit., pp. 69-70) –, “[c]omo decorre quer da noção legal do contrato de agência quer do enunciado destes deveres do agente, diversos elementos aproximam esta figura do contrato de trabalho: nos dois casos é praticada uma actividade de trabalho (no caso do contrato de agência trata-se de uma actividade material de promoção comercial, com vista à celebração de negócios jurídicos); nas duas situações encontra-se um elemento de estabilidade; nos dois casos, há lugar a retribuição pelo trabalho; e em ambas as situações se configuram deveres de sigilo e não concorrência e um poder instrutório ou directivo do credor.
Uma vez que nada impede que a prática de actos de promoção comercial seja objecto de um contrato de trabalho e uma vez que o trabalhador subordinado também pode ter uma retribuição variável, materialmente semelhante à comissão do agente, o critério decisivo para a distinção entre as duas figuras é, de novo, o critério da autonomia ou da subordinação do prestador na execução do contrato: embora tanto o trabalhador subordinado como o agente actuem por conta dos respectivos credores, a autonomia é um elemento essencial do contrato de agência, ao passo que a subordinação jurídica do prestador é um elemento essencial do contrato de trabalho.
Contudo, como a autonomia do agente se concilia com o dever de respeitar as instruções da outra parte (desde que compatíveis com aquela autonomia), nos termos do art. 7.º do DL n.º 178/86, para a determinação da posição de autonomia ou de subordinação do prestador da actividade perante a outra parte poderão ser especialmente valiosos os indícios de subordinação que se reportem a factores exógenos à prestação e, designadamente, os indícios ligados à inserção organizacional e disciplinar do trabalhador. É ainda relevante o critério do risco da actividade que, no contrato de agência, corre por conta do agente.”
Por sua vez, refere Pedro Romano Martinez (op. cit., pp. 321-323) que “[o] agente, não obstante atuar por conta de outrem, é um colaborador autónomo, não agindo na dependência jurídica do principal. A subordinação jurídica, própria do contrato de trabalho, não existe no contrato de agência.
Para além disso, o agente assume o risco da sua actividade, suportando as despesas e recebendo a contraprestação em função dos negócios agenciados. Em contrapartida, o trabalhador, no contrato de trabalho, em princípio, recebe a retribuição por inteiro, tenha ou não conseguido executar a actividade de que foi incumbido; ou seja, o trabalhador não suporta o risco da não realização da actividade em termos satisfatórios.
Mas, por vezes, o agente pode confundir-se com o trabalhador subordinado. Por exemplo, os empregados viajantes (art. 257.º CCom.), apesar de terem uma relação laboral, também podem ter por função agenciar negócios, sendo trabalhadores-agentes, porque a actividade tanto pode ser exercida por um trabalhador subordinado como por um trabalhador autónomo. Em tais casos, a subordinação jurídica acaba por ser um critério fluido, na medida em que, no contrato de agência, o principal pode dar instruções, nomeadamente quanto aos contratos a agenciar, em que termos devem ser preparados, em que zona do país pode o agente atuar e que clientes deve contactar.
Por outro lado, há também a ter em conta que, não raras vezes, os trabalhadores têm, pelo menos, parte do ordenado pago em comissões de vendas ou de angariação de clientes, ou em prémios de produtividade. A lei laboral exige tão-só que o trabalhador receba uma parte da retribuição fixa, a remuneração base, podendo, relativamente a complementos salariais, como o prémio de produtividade, o risco ser assumido pelo trabalhador. Em contrapartida, não é raro que o agente receba uma quantia mensal fixa, ajustada periodicamente em função dos contratos que tem vindo a agenciar. (…)
Quanto à distinção entre o contrato de agência e o contrato de trabalho, não existem soluções definitivas, e só se pode chegar a uma conclusão perante o caso concreto, recorrendo, mais uma vez, à subordinação jurídica. Mas a existência de subordinação jurídica não pode ser aferida em atenção somente aos índices aludidos, pois a vontade das partes, mormente a intenção do prestador de actividade de passar a ser empresário, tem de ser relevante para efeitos de qualificação negocial.” 
Nessa conformidade, e como bem se observou na sentença recorrida, decorre da factualidade provada que ao indício atinente à propriedade dos equipamentos e instrumentos de trabalho, acima mencionado por integrar um dos factos de base da presunção de laboralidade, apenas acresce como indício de subordinação jurídica a sujeição do Autor a um processo de avaliação quantitativa e qualitativa – o “Programa de Certificação” – que, ainda assim, para além de relevar para efeitos da fixação da sua retribuição, se compreende também na óptica da garantia de qualidade da prestação dos serviços ao consumidor pela Apelada (cfr. pontos 17.º, 18.º e 73.º a 78.º).
Por outro lado, provaram-se elementos ou indícios típicos do contrato de agência, nos sobreditos termos – a começar pelo “nomen iuris” atribuído pelas partes ao contrato escrito, com o inerente regime fiscal e de segurança social –, como sejam a actividade material de promoção comercial com vista à angariação e fidelização de clientes, o respeito pelas instruções e procedimentos da Ré, designadamente através da comparência a reuniões e dos contactos com o Gestor de Agentes, a relevância e importância da parte variável da retribuição sobre a parte fixa (com a consequência de o risco correr predominantemente por conta do prestador da actividade), a gestão pelo próprio Autor dos respectivos tempos de trabalho e descanso, a organização também por ele das diversas tarefas inerentes à sua actividade quanto ao tempo, local e modo (sem prejuízo das reuniões ou instruções existentes), a possibilidade de o mesmo procurar novos clientes em todo o território nacional e a atribuição duma zona específica para certos efeitos (resposta às “lides”).           
Estando em causa a celebração pelas partes dum contrato que denominaram “contrato de agência”, e verificando-se que a actividade estabelecida e os moldes em que devia ser e foi desenvolvida se reconduzem à definição legal de tal tipo contratual, não releva que alguns dos aspectos que revestia sejam também compatíveis, em teoria e em abstracto, com a existência dum contrato de trabalho, se não se provaram elementos inequívocos da subordinação jurídica, como por exemplo o reconhecimento duma determinada posição hierárquica na orgânica da empresa, a sujeição ao poder disciplinar, a necessidade de justificar faltas e obter autorização para férias, etc..
Em face do exposto, concluímos, como fez a sentença recorrida, que o Apelante não logrou demonstrar que esteve ligado à Apelada por um contrato de trabalho, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões, com a total improcedência do recurso.

5. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2015
 
Alda Martins
Paula Santos
Ferreira Marques
Decisão Texto Integral: