Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4233/2007-5
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: APREENSÃO
JOGO CLANDESTINO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1. O prazo de 72 horas previsto no n.º 5 do artigo 178º do Código de Processo Penal constitui o prazo dentro do qual a autoridade judiciária deverá proceder à validação das apreensões efectuadas por órgãos de polícia criminal.
2. A validação pela autoridade judiciária das apreensões efectuadas por órgãos de polícia criminal não exige uma decisão autónoma e expressa de validação.
3. Deve considerar-se cumprido o disposto no n.º 5 do artigo 178º do Código de Processo Penal sempre que houver no processo elementos que demonstrem, de forma inequívoca, que a autoridade judiciária fiscalizou a legalidade das apreensões efectuadas pelos órgãos de polícia criminal e que, embora de uma forma tácita, as considerou válidas.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

  Ministério Público interpôs recurso da decisão instrutória proferida nos autos de instrução n.º 78/05.0FJLSB que correram termos no 1º juízo criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, que julgou procedente a nulidade do inquérito prevista no artigo 120º, n.º 2, alínea d), do C. P. Penal e, em consequência, não pronunciou os arguidos (F) e (R) pela prática do crime de exploração ilícita de jogo previsto pelos artigos 108º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, que lhes era imputado na acusação.
     No final da motivação do recurso, o Ministério Público pediu a revogação da decisão recorrida e a substituição dela por outra que pronuncie os arguidos pela prática do crime que lhes é imputado na acusação.
Fundamentou a sua pretensão, em síntese, no seguinte:
1. A decisão recorrida considerou que a falta de validação da apreensão da máquina pela autoridade judiciária constitui irregularidade, que foi tempestivamente arguida.
2. A mesma decisão, considerando que a falta de validação implicava a invalidade da apreensão da máquina, bem como dos actos de inquérito posteriores, incluindo o exame pericial, julgou procedente a nulidade do inquérito prevista pelo artigo 120º, n.º 2, alínea d), do C. P. Penal, e, em consequência, não pronunciou os arguidos pelo crime que lhes era imputado.
3. A falta de validação da apreensão da máquina constitui uma mera irregularidade.
4. Essa irregularidade deve considerar-se sanada por não ter sido arguida tempestivamente.
5. Ainda que assim se não entenda, a invalidade da apreensão, mesmo afectando a perícia efectuada, não retira toda a base de sustentação à acusação pública deduzida.
6. Mesmo que a prova pericial seja inválida, o relatório pericial terá de ser configurado como prova documental, sujeito à livre apreciação da prova.
7. Não se verifica a nulidade por insuficiência de inquérito.
8. A decisão recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 178º, n.º 5, 123º, n.º 1, e 120º, n.º 1 e n.º 2, alínea d), todos do C. P. Penal.
O arguido (F) respondeu, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Para tanto concluiu, em síntese:
1. A falta de validação da apreensão da máquina constitui uma irregularidade que foi arguida tempestivamente;
2. A irregularidade invalida a apreensão, arrastando consigo, para o mesmo vício, todo o processado em torno da apreensão.
3. Daí que seja inútil defender que a acusação se pode manter com base num documento sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.
4. Tendo o crime imputado aos arguidos uma natureza complexa, que exige determinados conhecimentos técnicos para a sua qualificação jurídica, o suporte de uma acusação, com probabilidade séria de condenação, exige um exame pericial, cujo resultado seja subtraído à livre apreciação do julgador, sob pena de toda a tese acusatória, em julgamento, ser insusceptível de ultrapassar o crivo do “in dúbio pró reo”.      
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Nesta instância, o Ministério Público teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido da procedência do recurso.
Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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A principal questão que se discute no presente recurso é a se saber quais as consequências do facto de o Ministério Público não ter proferido um despacho autónomo e expresso sobre a validade da apreensão de uma máquina efectuada por uma Brigada Fiscal da GNR num estabelecimento comercial.
Colhe-se no auto de notícia de fls. 3 a 5 que:
a) Em 20 de Abril de 2005, uma Brigada Fiscal da GNR, Grupo Fiscal de Lisboa, Destacamento Fiscal de Pedrouços, no decorrer de um serviço de fiscalização levado a efeito no estabelecimento comercial denominado “Café...”, na presença do responsável pelo mencionado estabelecimento, o arguido (F), constatou que se encontravam em exploração 1 máquina eléctrica de jogos e duas máquinas mecânicas.
b) A Brigada Fiscal, depois de verificar o seu funcionamento, presumiu que as máquinas eram de fortuna ou azar e procedeu à respectiva apreensão, por entender que os factos constituíam o crime de exploração ilícita de jogo previsto pelo artigo 108º, do Decreto-lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro (a partir de agora designada Lei do Jogo).
Antes de mais importa referir que, no presente recurso, está em causa apenas a questão da validade da apreensão da máquina eléctrica. 
É incontroverso que a apreensão da referida máquina estava sujeita a validação pela autoridade judiciária, autoridade judiciária que, no caso, era o Ministério Público.
 Embora o artigo 116º da Lei do Jogo estabeleça que, quando sejam cometidos crimes previstos nesse diploma, designadamente o crime de exploração ilícita do jogo, o material e os utensílios de jogo serão apreendidos, o certo é que, considerando a norma constante do n.º 3 do artigo 178º, do C. P. Penal, nos termos da qual “as apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária”, a apreensão das máquinas pela Brigada Fiscal da GNR estava sujeita a validação pelo Ministério Público.
     A primeira questão que se controverte nos autos a propósito da validação é a da interpretação da expressão “no prazo máximo de 72 horas” constante do artigo 178º, n.º 5, do C. P. Penal.
Nos termos desta disposição, as apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas.
Segundo o arguido este é o prazo que a autoridade judiciária dispõe para validar as apreensões; o Ministério Público, na esteira do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/01/2007, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp, sustenta que “o prazo máximo de 72 horas prescrito no n.º 5 do artigo 178º, do C. P. Penal, é um prazo fixado para o órgão de polícia criminal apresentar as apreensões à autoridade judiciária, com vista à sua validação, e não um prazo imposto à autoridade judiciária para a prolação da decisão de validação”.
Salvo o devido respeito, há duas razões decisivas para entender que o prazo máximo de 72 horas a que se refere a parte final do n.º 5 do artigo 178º diz respeito ao prazo de validação das apreensões pela autoridade judiciária.
A favor deste entendimento depõe, em primeiro lugar, os antecedentes da norma. 
O n.º 5 do artigo 178º, do C. P. Penal, foi introduzido no Código Processo Penal pela lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.
Até então as apreensões eram autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária, salvo quando efectuadas no decurso de revistas ou de buscas, caso em que lhes eram aplicáveis as disposições previstas neste Código para tais diligências (artigo 178º, n.º 3, na redacção anterior à que lhe foi dada pela lei n.º 59/98). Significava isto que, quando a apreensão não era autorizada ou ordenada por autoridade judiciária, a realização da diligência era, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação (artigo 174º, n.º 5, do C. P. Penal).
A mudança deste regime para o actual foi justificada na proposta de lei n.º 157/VII que veio dar origem à Lei n.º 59/98 nos seguintes termos “O regime das apreensões, enquanto meio de obtenção de prova, é alterado tendo em vista, por um lado, uma maior eficiência no combate ao crime e, por outro, a necessidade de reforçar a tutela do direito de propriedade enquanto direito fundamental. Embora sem pôr em causa a sua natureza, permite-se que a medida possa ser levada a efeito por órgãos de polícia criminal no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, conferindo, por essa forma, maior exequibilidade às medidas de polícia; porém, exige-se neste caso, a sua validação por autoridade judiciária, no prazo de 72 horas” (cfr. DAR II série – A, n.º 27, de 29 de Janeiro de 1998).    
Tendo a redacção do n.º 5 do artigo 178º da proposta de lei passado, sem alterações, para a lei n.º 59/98, é legítimo concluir, atendendo à justificação da alteração do regime das apreensões acima transcrito, que as 72 horas constituem o prazo dentro do qual a autoridade judiciária deverá proceder à validação das apreensões.
Mas a favor desta interpretação depõe, em segundo lugar, o n.º 3 do artigo 9º do Código Civil segundo o qual, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Com efeito, respeitando a norma do n.º 5 do artigo 178º, do C. P. Penal, à fiscalização da legalidade de um acto ofensivo do direito à propriedade privada (um dos direitos fundamentais dos cidadãos nos termos do artigo 62º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), a mesma deve ser interpretada com o sentido que melhor garanta a fiscalização da legalidade dessa ofensa e que melhor salvaguarde esse direito fundamental.
Ora é inequívoco que a interpretação que reúne estes atributos é aquela que vê nas 72 horas do n.º 5 do artigo 178º, do C. P. Penal, o prazo máximo para a autoridade judiciária validar as apreensões efectuadas por órgãos de polícia criminal.
Examinando os autos verifica-se que a apreensão da máquina eléctrica pela Brigada Fiscal da GNR, no estabelecimento do arguido (F), não foi validada pela autoridade judiciária no prazo de 72 horas.
Com efeito, examinando os autos verifica-se que:
1. A apreensão foi efectuada em 20 de Abril de 2005;
2. Os autos, contendo a apreensão das máquinas, deram entrada nos serviços do Ministério Público em 22 de Abril de 2005;
3. Os autos foram conclusos ao Ministério Público em 2 de Maio de 2005;
4. No despacho proferido nessa data, o Ministério Público não se pronunciou quanto à validade das apreensões.
A omissão da validação no aludido prazo tornou irregular a apreensão da máquina efectuada pela Brigada Fiscal. Com efeito, não cominando a lei a nulidade para a omissão da validação e vigorando, no domínio do C. P. Penal, o princípio da legalidade (tipicidade) das nulidades (artigo 118º, n.º 1, do C. P. Penal), nos termos do n.º 2 do artigo 118º, a apreensão tornou-se irregular.
Daqui decorreram duas consequências relevantes para o caso vertente:
Em primeiro lugar, o Ministério Público podia reparar oficiosamente a irregularidade no momento em que da mesma tivesse conhecimento, quando ela pudesse afectar o valor do acto praticado (artigo 123º, n.º 2, do C. P. Penal).
Em segundo lugar, a irregularidade consistente na omissão da validação só determinaria a invalidade da apreensão e dos termos subsequentes que pudesse afectar se fosse arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tivessem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tivessem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado (artigo 123º, n.º 1, do C. P. Penal).
O arguido (no requerimento de abertura de instrução e na resposta ao recurso do Ministério Público), o despacho recorrido e o recorrente partem do pressuposto de que o Ministério Público não procedeu à reparação da irregularidade.
 Este pressuposto mostra-se correcto para quem interprete a validação pela autoridade judiciária a que se refere o n.º 5 do artigo 178º do C. P. Penal, no sentido de uma decisão autónoma e expressa de validação.
Afigura-se, no entanto, ao tribunal que a única via para satisfazer a exigência de “validação pela autoridade judiciária” não passa necessariamente pela prolação de uma decisão expressa e autónoma acerca da validade da apreensão.
Com efeito, sempre que houver no processo elementos que demonstrem, de forma inequívoca, que o Ministério Público fiscalizou a legalidade das apreensões efectuadas pelos órgãos de polícia criminal e que, embora de uma forma tácita, as considerou válidas, deve considerar-se cumprido o disposto no n.º 5 do artigo 178º.
Antes de apurarmos se, no caso, há elementos para afirmar a validação tácita da máquina apreendida, importa dizer que a interpretação do n.º 5 do artigo 178º, do C. P. Penal, nos termos acabados de enunciar não ofende nenhum preceito constitucional.
Na verdade, em duas recentes decisões do tribunal constitucional (acórdão n.º 274/2007, publicado no DR II série de 18 de Junho de 2007, e acórdão n.º 278/2007, publicado no DR 2º série de 20 de Junho de 2007) foi abordada a questão da validação tácita de buscas realizadas por órgãos de polícia criminal sem precedência de autorização judicial.
Na primeira decisão afirmou-se, além do mais, a propósito desta questão “…independentemente de saber-se se a validação tácita corresponde à melhor interpretação do direito infraconstitucional, não poderá, também, deixar de mencionar-se que, na óptica dos direitos invocados pelos recorrentes – traduzidos na inviolabilidade do domicílio e na nulidade das provas obtidas mediante abusiva intromissão naquele – fundamental será apenas que o tribunal tenha por válida a obtenção da prova materializada numa busca domiciliária: existindo essa validação, expressa ou implícita, ficará sempre sancionada, legitimada a realização da diligência”.
“E idêntica conclusão é imposta quando, para lá daqueles parâmetros fundamentais, se invoquem as garantias de defesa e o direito ao recurso dos arguidos”.
“De facto, tendo os arguidos conhecimento da realização da busca e dos pressupostos que a justificaram e, para além disso, tendo sido concretamente confrontados com os elementos probatórios recolhidos, encontram-se em plenas condições para sindicar jurisdicionalmente – como aliás vieram a fazer – a realização da diligência e a valoração dos elementos probatórios nela recolhidos”
Por seu turno, no acórdão n.º 278/2007, escreveu-se que “embora se possa considerar que seria «melhor direito» a exigência de uma pronúncia judicial autónoma e expressa sobre a validação da busca, entende-se que a validação implícita, desde que inequívoca, satisfaz claramente os objectivos constitucionais: confirmar que estavam preenchidos os requisitos que permitiam a busca sem dependência de prévia autorização judicial”.
O que se escreveu nas decisões supra referidas a propósito da validação tácita das buscas realizadas sem precedência de autorização judicial é válido para as apreensões efectuadas por órgãos de polícia criminal sem prévia autorização judicial.              
 Sendo a apreensão de objectos um acto ofensivo de um direito fundamental, a mesma só terá lugar nos casos em que seja necessário salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr. artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
Para garantir a efectivação de apreensões apenas quando tal seja necessário, o legislador, além de definir os objectos susceptíveis de apreensão e os pressupostos desta, cometeu às autoridades judiciárias a tarefa de controlar a legalidade das apreensões e o respeito do direito à propriedade privada dos cidadãos. 
Este controlo pode ser feito previamente, sujeitando-se a apreensão a uma ordem ou a uma autorização da autoridade judiciária. Porém, há situações em que a eficiência do combate ao crime não é compatível com o controlo prévio. Daí que se reconheça aos órgãos de polícia criminal, nessas particulares situações, o poder de realizar apreensões, sujeitando-as no entanto ao controlo posterior da autoridade judiciária.
O que é decisivo para o cumprimento da lei é que a legalidade das apreensões seja fiscalizada pela autoridade judiciária.   
Daí que, conforme se escreveu acima, sempre que o processo demonstre, de forma inequívoca, que esse controlo foi feito, não é a circunstância de não existir uma decisão expressa a declarar a validade da apreensão que faz com que o controlo não tenha existido.
No caso vertente, o processo fornece elementos que evidenciam que o Ministério Público validou de forma implícita, mas inequívoca, as apreensões das máquinas.
Vejamos.
A apreensão das máquinas foi realizada em 20 de Abril de 2005 e foi comunicada ao Ministério Público em 22 de Abril de 2005.
Em 19 de Setembro de 2005, o Ministério Público solicitou a localização do material apreendido a fim de ser realizada perícia (fls. 22) e, em 12 de Outubro de 2005, depois de receber informação acerca do local onde se encontrava o material apreendido, determinou a realização da perícia ao referido material para esclarecimento das suas características e modo de funcionamento nos termos do artigo 154º, n.º 1, do C. P. Penal, nomeou como perito o funcionário da IGJ que viesse a ser indicado e ordenou a notificação aos arguidos, nos termos do artigo 154º, n.º 2, do C. P. Penal, da data e do local da perícia (fls. 28).
Tendo em conta que a apreensão “se destina essencialmente a conservar provas reais e bem assim objectos que em razão do crime com que estão relacionados podem ser declarados perdidos a favor do Estado” (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume II, Verbo, páginas, 217), é inequívoco que, ao ordenar a realização da perícia para esclarecimento das características e modo de funcionamento das máquinas, o Ministério Público considerou as máquinas como provas reais validamente obtidas, cujas características e modo de funcionamento eram essenciais para a definição da responsabilidade jurídica dos arguidos.
Pode afirmar-se, com segurança, que o despacho que ordenou a perícia para esclarecimento das características e modo de funcionamento das máquinas contém subjacente o juízo de que a apreensão delas foi válida.
Converge neste mesmo sentido o teor do despacho proferido no final do inquérito.
Realizada a perícia e findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho no qual considerou que, relativamente a duas das máquinas de jogo (as máquinas que no auto de apreensão são designadas por máquinas mecânicas), não se verificavam os pressupostos do crime de exploração ilícita de jogo previsto pelo artigo 108º da Lei do jogo. Ordenou, no entanto, a extracção de certidão de algumas peças processuais a fim de ser instaurado procedimento contra-ordenacional contra os arguidos. Ora, ao ordenar a extracção de certidão, demonstrando que a legalidade da apreensão havia sido objecto da sua apreciação, determinou que as duas referidas máquinas ficassem apreendidas à ordem do processo a instaurar nos termos da competência que lhe era atribuída pelo artigo 164º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
No que diz respeito à outra máquina apreendida, isto é, àquela a que se reporta o presente recurso, entendeu que se verificava o crime de exploração ilícita de jogo previsto pelo artigo 108º, da Lei do jogo, e deduziu acusação contra os arguidos, indicando, entre os meios de prova, o auto de apreensão. Além disso, deu como reproduzido na acusação o relatório do exame pericial realizado à máquina, na parte relativa às características físicas, ao sistema de funcionamento e ao jogo desenvolvido, ordenando que os arguidos fossem notificados desse relatório juntamente com a acusação.
Ao indicar como meio de prova o auto de apreensão da máquina, o Ministério Público exprimiu implicitamente o juízo de que a apreensão da máquina foi tida como válida por si.
Em síntese: ao ordenar a realização da perícia sobre a máquina apreendida com vista a averiguar se a mesma se ajustava aos requisitos da Lei do Jogo e ao indicar, como meio de prova, o auto de apreensão da máquina, o Ministério Público validou de forma implícita, mas inequívoca, a apreensão da máquina efectuada pela Brigada Fiscal.
Do exposto resulta que o Ministério Público fiscalizou a legalidade da apreensão da máquina e considerou de forma tácita, mas inequívoca, que essa apreensão havia sido válida.
Não se mostra, assim, acertada a afirmação constante do despacho recorrido segundo a qual a apreensão não foi validade.
Também não se mostra correcta a afirmação constante do mesmo despacho segundo a qual, decorrido o prazo de 72 horas não se mostrava “possível a reparação da irregularidade, em função da natureza do prazo estabelecido no artigo 178, n.º 5, do CPP”.
Deduz-se desta parte do despacho que o prazo de 72 horas era um prazo peremptório e que, decorrido o mesmo, extinguia-se o direito do Ministério Público validar a apreensão.
Este entendimento não tem apoio na lei. O prazo de 72 horas é o prazo para a autoridade judiciária validar a apreensão. Decorrido esse prazo sem se ter procedido à validação, a apreensão só seria inválida se a irregularidade fosse arguida nos termos do disposto no artigo 123º, n.º 1, do C. Penal. Porém, até ao momento da arguição, o Ministério Público conservava o poder de reparar a irregularidade, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 123º.
Tendo a apreensão sido validada pelo Ministério Público antes de ter sido arguida a sua irregularidade, desaparece o pressuposto em que assentou o despacho recorrido para julgar inválida a perícia e verificada a nulidade prevista pelo artigo 120º, n.º 2, alínea d), do C. P. Penal.
Deste modo, o despacho recorrido, ao julgar procedente a nulidade processual prevista pelo artigo 120º, n.º 2, alínea d), do C. P. Penal, invocada pelo arguido (F) no requerimento de abertura de instrução, violou o disposto nessa disposição e no artigo 178º, n.º 5, do C. P. Penal.
Assim, embora com fundamentos diferentes dos invocados pelo recorrente, há que revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, considerando validada a apreensão da máquina pelo Ministério Público, pronuncie os arguidos pelo crime que lhe é imputado na acusação.
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Decisão:
Julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, considerando validada a apreensão da máquina pelo Ministério Público, pronuncie os arguidos pelo crime que lhes é imputado na acusação.
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Sem custas.
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Lisboa, 6/11/2007

Emídio Santos
Pulido Garcia
Gomes da Silva