Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO VALENTE | ||
Descritores: | COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS REQUISITOS CONTRA-CRÉDITO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/24/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE/REVOGADA | ||
Sumário: | 1.– A compensação de créditos tem como um dos requisitos a sua invocação pelo titular do crédito com vista à extinção total ou parcial dos créditos recíprocos. 2.– Invocando o executado ter um contracrédito contra a exequente mas não requerendo a compensação, antes o invocando como garantia para efeitos de redução da extensão da penhora, afirmando até que tal crédito não está vencido, é nula a sentença que extingue parte da quantia exequenda fazendo operar tal compensação. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. –Relatório: AD, executado nos autos de execução, em que é exequente "EMPRESA DE CONSTRUÇÕES DUARTES E SALES, LDA." deduziu oposição à execução, requerendo, a final, a extinção da execução. Alicerça o executado a sua pretensão na nulidade do acórdão arbitral que constitui título executivo. Invoca também o excesso de penhora, a detenção de um crédito no montante de € 256.395,85, não vencido, sobre a exequente, e o facto do imóvel penhorado não lhe pertencer. Por despacho proferido em 0/12/2009 [fls. 75] foi recebida a oposição à execução. Devida e regularmente notificado, a exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição. Realizou-se julgamento vindo a ser proferida sentença que julgou a oposição parcialmente procedente, determinando o levantamento da penhora que recai sobre a fracção “I” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras com o registo nº 2876 inscrito na matriz sob o artigo 6053-I. Foi ainda determinado que opere a compensação do crédito que o executado detém sobre a sociedade exequente no montante de € 256.395,85, reduzindo-se a quantia exequenda em conformidade. Foi dado como provado que: 1)– A exequente propôs ação executiva contra Ad, para cobrança da quantia de € 466.516,21. 2)– Constitui título executivo sentença proferida em processo arbitral, no qual foi requerente/autor Ad e requeridos/réus V... M...D...S... e M...C...T..., com o seguinte dispositivo: c)- e a condenação do Autor no pagamento à sociedade, no prazo de 30 (trinta) dias, da quantia de € 427.019,67, correspondente ao saldo dos fluxos financeiros apurados entre o dinheiro que pertenceria à Sociedade que o Autor depositou na sua conta e o dinheiro dele depositado na conta da Sociedade, acrescida de juros já vencidos até à presente data (desde a notificação da contestação, em 19 de fevereiro de 2007), no montante de € 31.855,46 - e dos que forem devidos até à data da respetiva liquidação - calculados às taxas aplicáveis aos créditos das sociedades comerciais». 3)– A seguir ao dispositivo da sentença consta o seguinte: «Caso a Sociedade execute a exclusão e delibere a amortização da quota do Autor, ela deverá proceder à compensação da dívida deste com os créditos que o Autor detém sobre a Sociedade que - nada tendo que ver com os fluxos financeiros apurados - totalizam a importância de € 256.395,85, e com o valor da contrapartida da quota, devendo o pagamento do saldo final ser efetuado no momento em que o valor da contrapartida estiver fixado». 4)– O aqui executado intentou no extinto Tribunal Judicial de Torres Vedras ação de anulação de acórdão arbitral, o qual ali correu termos no 3° Juízo sob o nº 52/08·5TVLSB. 5)– Por acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 19/06/2014, foi confirmada a sentença proferida no processo referido em 4), a qual julgou improcedente a ação, absolvendo-se os réus dos pedidos deduzidos pelo autor. 6)– Por auto de penhora lavrado em 21/05/2008, no âmbito da ação executiva de que os presentes autos constituem apenso, foi penhorada ao executado quota societária no valor de € 200.000,00, que o executado detém na sociedade exequente. 7)– A penhora está registada na certidão de registo comercial da sociedade exequente pela Menção de Depósito 226/2008-05-26. 8)– Pela menção de depósito 1919/2008-07-03 está registada a transmissão de quota de € 200.000,00, da qual é titular Rodrigo Albuquerque Lima, por transmissão de Ad. 9)– Pela menção de depósito 1920/2008-07-03 está registada a transmissão de quota de € 200.000,00, da qual é titular J...M... M...P..., por transmissão de R...A...L.... 10)– Por auto de penhora lavrado em 26/05/2008, no âmbito da ação executiva de que os presentes autos constituem apenso, foi penhorada a fração "I" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras com o registo nº 2876, inscrito na matriz sob o artigo 6053-I. 11)– A penhora foi provisoriamente registada a favor da exequente pela Ap. 65 de 2008/05/30. 12)– Pela Ap. 11 de 2006/08/21 está registada a propriedade da fração identificada em 10) a favor do executado Ad, casado com J...M...R...S...D... no regime da comunhão de adquiridos. 13)– Pela Ap. 25 de 2007/12/28 está registada provisoriamente a propriedade da fração identificada em 10) em nome de "lIudespaço Unipessoal, Lda.". 14)– A apresentação referida em 13) caducou, conforme anotação de 2009/02/03. 15)– Pela Ap. 189 de 2009/10/14 está registada a propriedade da fração referida em 10) a favor de J...M...R...S...D..., por partilha subsequente a divórcio. 16)– Por escritura de partilha parcial, celebrada em 09/11/2006, Ad e J...M...R...S...D... declararam pretender proceder à partilha parcial do património comum do dissolvido casal e que procedem à partilha do seguinte modo: «Ao primeiro outorgante, Ad, é adjudicado o bem descrito a verba um do activo, no valor de duzentos mil euros, ficando o mesmo ainda com o encargo de liquidar o passivo, no montante de quatro mil novecentos e setenta e sete euros e noventa e seis cêntimos ( ... ). À segunda outorgante, J...M...R...S...D..., são adjudicados os bens descritos as verbas dois, três, quatro, cinco e seis do activo, no valor cento e um mil seiscentos e quarenta euros e noventa e um cêntimos ( ... [». 17)– Da escritura referida em 16) consta que o património comum é constituído por: «Verba Um - Quota no valor nominal de duzentos mil euros, de que o primeiro outorgante é titular, no capital da sociedade "Empresa de Construções Duartes e Sales, Limitada" ( ... ) Verba Cinco - Prédio rústico, composto por cultura arvense, denominado e sito "Vale do Rato", freguesia de A-dos-Cunhados, concelho de Torres Vedras, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 104, secção QQ, freguesia de A-dos-Cunhados, ( ... ), descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o número zero três mil cento e noventa e quatro (...)”. Inconformada recorre a exequente, concluindo que: - Verifica-se nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos da segunda parte da al. d) do nº 1 do artigo 615.° do CPC, na medida em que o tribunal condenou o exequente na redução do crédito exequendo por compensação com o crédito do executado no valor de € 265.398 euros, quando, o executado não o havia pedido e logo não o podia ter decidido. - Reconhecendo-se a nulidade da sentença, deve reformular-se o decidido, deixando de considerar-se reduzido o crédito exequendo no exato valor do crédito que o executado detém sobre a exequente. - Por outro lado, mesmo que se entenda que o tribunal poderia ter-se pronunciado sobre a compensação, verifica-se que, ainda assim teria de fazer improceder o pedido nesta parte, pois que não se verificam os necessários requisitos para o funcionamento da mesma e consequente redução da quantia exequenda, por três motivos que constituem as seguintes conclusões: a)- Em primeiro lugar o executado, quer ao longo da petição inicial da oposição quer quando realiza o seu pedido, não declarou pretender fazer qualquer compensação, o que seria necessário nos termos e para os efeitos do artigo 848.° do CPC A compensação não é nunca automática, tem de ser manifestada pela compensante. O que não foi. b)- Em segundo lugar porque, a obrigação de pagamento do crédito não estava vencida; i.– quer seguindo-se o regime que pode resultar do Acórdão Arbitral; ii.– quer seguindo-se o regime geral da compensação previsto no artigo 847.° nº 1 al. a) do CC, isto porque, no âmbito do primeiro dos indicados regimes, a exequente devedora não fez valer o direito que lhe assistia de proceder à amortização da quota do executado credor, condição que se mostrava indispensável para que o crédito deste se pudesse considerar vencido e; se se seguir o segundo dos indicados regimes, porque, apenas após manifestação dessa intenção e tomada e posição por parte da exequente devedora, e ou decisão judicial, sobrevindo desacordo, se pode considerar o mesmo vencido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 245.° nº 1 do CSC e artigo 777 do CC. c)- Em terceiro lugar porque, não é verdadeira afirmação de que a cessão de quota implicou na impossibilidade de se operar a amortização de quota, podendo esta ser realizada mesmo sobrevindo qualquer ato dessa jaez. A cessão de uma quota não é um ato capaz de fazer paralisar o direito de amortização do seu titular. Pelo exposto deve ser alterada a decisão revogando-se a mesma na parte em que julgou operada a compensação do crédito do executado e ordenou a redução da quantia exequenda. As normas jurídicas violadas; Entende a recorrente que foram violadas as seguintes normas jurídicas: Artigo 847 nº 1 al. a) e artigo 848 nº 1 do Código Civil e artigos 245.° nº 1 do Cod. Sociedades comerciais e artigo 777º do CC. O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; O venerando tribunal "a quo" interpretou e aplicou as citadas normas entendendo que o facto do executado ter procedido à cessão da sua participação social, tal significava a impossibilidade de se operar a amortização da quota e isso implicaria na verificação da condição para o funcionamento do vencimento da obrigação. Ora, o venerando tribunal deveria ter interpretado tal fato considerando que o mesmo não significava a verificação da condição, muito menos a impossibilidade da amortização e por isso, aplicando-se o artigo 847 nº 1 al. a) do CC a obrigação secundária não era suscetível de ser utilizada como compensação, atento não se verificar a exigibilidade da mesma por não estar vencida. O oponente contra-alegou, sustentando a bondade da decisão recorrida. Cumpre apreciar. O que está aqui em causa é saber se existem fundamentos para aplicação da compensação. Nos termos do art. 729º h) do CPC, em caso de execução de sentença, a oposição pode ter como fundamento, entre outros, um contracrédito contra o exequente, com vista a obter a compensação de créditos. Alega a recorrente que ocorreu excesso de pronúncia do tribunal a quo ao conhecer de questão – a compensação – que lhe não havia sido colocada pelas partes. Contudo, no requerimento de oposição, o executado alega que os bens penhorados excedem em muito o que é estritamente necessário ao pagamento da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução. E isto, diz, porque a sua quota na sociedade exequente tem o valor nominal de € 200.000,00. E acrescenta: “Donde resulta que, se acaso a dívida exequenda efectivamente existisse, ficariam por garantir – em processo de execução – os € 266.516,21. Ora, tal valor seria garantido – ainda que outros bens não houvesse – pelo direito de crédito, não vencido, no montante de € 256.395,85 que o opoenente detém sobre a exequente”. É manifesto que o requerente invocou um contracrédito sobre a exequente embora se refira a uma garantia sobre a quantia exequenda. Contudo, não o faz com o propósito de obter a compensação de créditos mas, como vimos, de fundamentar a sua alegação de que os bens penhorados “excedem em muito o que é estritamente necessário ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução”. Como observa Almeida Costa - “Direito das Obrigações” pág. 774 - “a compensação não opera ipso jure, isto é, automaticamente; é necessária a manifestação de vontade de um dos credores-devedores no sentido da extinção dos dois créditos recíprocos”. Ora, invocar um contracrédito enquanto garantia de satisfação da quantia exequenda, obtendo redução da extensão da penhora é completamente diferente de manifestar a vontade de extinguir tal crédito exequendo por via da compensação. Em sede de despacho saneador, o Mº juiz a quo refere (fls.366 vº): “Mais invoca o executado o excesso de penhora, referindo que a quota societária tem um valor de € 200,000,00, a compensação do crédito de € 256.395,85 (que refere não estar vencido) (...) factos estes que se mostram ainda controvertidos, carecendo de produção ulterior de prova, pelo que nesta parte prosseguem os autos”. Na realidade, o oponente não invocou a compensação mas sim, insiste-se, a existência de um crédito de € 256.395,85 que garante a dívida exequenda (artigos 21º e 22º do requerimento inicial). Por outro lado, o Acórdão Arbitral que constitui o título da execução condenou o ora oponente a pagar à sociedade Empresa de Construções Duartes & Sales Lda (ora exequente) a quantia de € 427.019 acrescida de juros. Mas decidiu igualmente que, caso a sociedade execute a exclusão e delibere a amortização da quota do Autor, deverá proceder à compensação da dívida deste com os créditos que o Autor detém sobre a Sociedade que totalizam € 256.395,85 e com o valor da contrapartida da quota. Sucede que a sociedade exequente não executou a exclusão de sócio do executado e a amortização da sua quota. Assim, mesmo a decisão da oposição assente na decisão global que é título executivo, não permite, em nosso entender, que o tribunal imponha um juízo sobre questão não suscitada pelo oponente, decidindo a extinção de grande parte do crédito exequendo por via da compensação, quando tal não lhe foi pedido pelo oponente nem sequer debatido nos articulados das partes. Todavia, o Mº juiz a quo adianta um outro argumento: “Não resulta da prova produzida, nem sequer tal foi alegado, que a sociedade tenha executado a exclusão e deliberado a amortização da quota do aqui executado. “Mais, dos factos provados parece-nos estar até, e actualmente, inviabilizada tal execução e deliberação, na medida em que a quota detida pelo executado foi, já na pendência da acção executiva, depois de registada a penhora, transmitida a terceira pessoa. “Tendo deixado de subsistir as condições que determinavam o pagamento do crédito que o executado detém sobre a sociedade, por via da compensação, não pode deixar de se salientar que o crédito foi,no próprio título executivo, reconhecido, logo ali se determinando a compensação; consequentemente, nada obsta, agora, à operação dessa compensação nestes autos, o que se determina”. O raciocínio parece-nos ser este: Na medida em que o acórdão do Tribunal Arbitral, que aqui é o título executivo, prevê que em caso de a sociedade deliberar e executar a exclusão do ora executado e amortização da sua quota, deverá proceder à compensação do crédito que o executado tem sobre a sociedade com o crédito desta sobre o executado, e uma vez que o executado transmitiu a quota a terceiro, tornando inviável a deliberação de exclusão com amortização da quota, os créditos do executado sobre a sociedade passam a ser exigíveis. Note-se que o executado sempre refere tais créditos como não vencidos. É indiscutível que o executado detém sobre a sociedade exequente créditos no montante de € 256.395,85. O acórdão do Tribunal Arbitral prevê a compensação mas apenas no caso de a sociedade deliberar a exclusão do executado e amortizar a sua quota. E uma vez que o executado já transmitiu a quota para terceiro, entende o tribunal a quo que esta condição não se pode verificar. A dificuldade resulta em larga medida do facto de o Tribunal Arbitral ter proferido uma sentença parcialmente condicional. No caso, a compensação decidida pelo Tribunal Arbitral opera na condição de a sociedade executar a exclusão do executado, amortizando a quota deste. Ora, a transmissão da quota a terceiro, na perspectiva do tribunal a quo inviabilizou a verificação da condição. Contudo, a parte a quem a condição aproveita é o ora executado, que foi quem tornou a condição supostamente inviável. Se tivesse sido a sociedade a inviabilizar a condição, contra os ditames da boa-fé, não restam dúvidas de que cabia algum fundamento à sentença recorrida, nos termos do art. 275º nº 2 do Código Civil. Mas não foi a sociedade a promover tal ocorrência, foi o executado, a quem a condição aproveitava. Assim, a condição prevista no acórdão do Tribunal Arbitral já não pode ocorrer, pelo menos na perspectiva da sentença recorrida. Mesmo seguindo o raciocínio do Mº juiz a quo relativamente ao facto de já não ser possível à sociedade deliberar a exclusão do executado e amortizar a sua quota, a conclusão que se tira é que, nesse caso, a compensação prevista no acórdão do Tribunal Arbitral já não pode ocorrer, não havendo assim motivo para a levar em conta na presente oposição à execução. É claro que, detendo o executado, créditos sobre a sociedade, poderá exigir o seu pagamento ou invocá-los para extinção parcial do direito de crédito que a sociedade detém sobre ele. Mas terá de ser o executado a fazê-lo. E o certo é que, em momento algum reclamou tal pagamento ou tal compensação. Nesta medida, foi cometida a nulidade prevista no art. 615º nº 1 d) do CPC. Acresce que o executado poderá em qualquer momento reclamar da sociedade exequente o pagamento dos seus créditos ou a compensação com os créditos que a sociedade tem para com ele. Mas enquanto não o fizer, entendemos que não os pode invocar nem sequer como garantia (?) da execução, seja qual for o sentido que empresta a este conceito. O crédito torna-se exigível logo que interpelado o devedor para o seu pagamento – ver art. 805º nº 1 do Código Civil, uma vez que não ocorrem as situações excepcionais previstas no nº 2. Conclui-se assim que: – A compensação de créditos tem como um dos requisitos a sua invocação pelo titular do crédito com vista à extinção total ou parcial dos créditos recíprocos. – Invocando o executado ter um contracrédito contra a exequente mas não requerendo a compensação, antes o invocando como garantia para efeitos de redução da extensão da penhora, afirmando até que tal crédito não está vencido, é nula a sentença que extingue parte da quantia exequenda fazendo operar tal compensação. Termos em que se revoga a decisão recorrida e se julga improcedente a presente oposição. Custas pelo recorrido. LISBOA, 24/05/2018 António Valente Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais |