Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24857/13.6T2SNT.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
SENTENÇA PENAL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Na acção cível em que a seguradora vem exercer o direito de regresso previsto no artigo 27º nº1 c) do DL 219/2007 de 21/8 contra o segurado, que entretanto foi condenado por sentença transitada em julgado no processo penal instaurado pelos factos ora em discussão, está vedado ao arguido, ora réu, produzir prova sobre uma versão da dinâmica do acidente diferente daquela que ficou provada nos factos fixados na sentença penal, por força do artigo 623º do CPC (correspondente ao anterior artigo 674º-A).
Há litigância de má fé por parte do réu, quando alega na contestação que o inquérito crime foi arquivado e não se encontra pendente processo penal pelos factos em discussão, ficando porém provado que foi interrogado e constituído arguido no processo penal em data anterior à da contestação da acção cível.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


A… Seguros, SA intentou a presente acção declarativa com processo comum contra F… alegando, em síntese, que, no dia 23/10/2010, o veículo de matrícula …, seguro pela autora e conduzido pelo réu, embateu no lancil do passeio do lado direito da via onde circulava e entrou em despiste, galgando o separador central, colidindo com o velocípede e sua condutora que aí se encontrava a circular, projectando esta para a faixa de rodagem contrária, onde ficou caída no solo, o que aconteceu devido ao facto de o réu ter os seus reflexos e coordenação motora alterados devido a estar sob a influência do álcool e determinou a abertura de um inquérito criminal, tendo a autora direito de regresso contra o réu, relativamente à quantia de 28 941,04, de indemnização que pagou à sinistrada no âmbito do contrato de seguro.

Concluiu pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 28 941,04 euros acrescida de juros de mora legais desde a citação até efectivo pagamento.

O réu contestou, arguindo as excepções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade passiva e impugnando os pagamentos que a autora invoca ter efectuado, bem como a descrição dos factos relativos ao acidente, alegando que nunca colidiu com a bicicleta nem provocou a sua queda e que não estava a conduzir sob a influência do álcool, tendo o teste de alcoolemia sido realizado após o contestante, para se acalmar, ter ingerido duas bebidas depois da queda da bicicleta e da perseguição que lhe foi feita por populares, não se encontrando pendente qualquer processo crime, pois o inquérito foi arquivado, pelo que não estão reunidos os pressupostos do invocado direito de regresso.

Concluiu pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido.

A autora respondeu opondo-se à excepção de ineptidão da petição inicial.

Foram juntas aos autos certidões do processo comum nº415/10.6PTSNT, com acusação de 25/03/2014, sentença de 25/03/2015 e indicação de que esta transitou em julgado em 6/01/2016, onde o ora réu foi arguido e condenado, pela prática dos factos que são objecto dos presentes autos, por um crime de ofensa à integridade física por negligência agravada, por um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e por um crime de omissão de auxílio, em pena única de prisão, suspensa sob condição e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados; foi ainda informado nos autos que, nesse processo crime, o arguido foi interrogado e constituído arguido em 23/10/2010.

Foi proferido despacho convidando o réu a pronunciar-se sobre eventual condenação por litigância de má fé, mas este nada veio dizer.

Teve lugar a audiência prévia onde se proferiu despacho que (a) saneou os autos, julgando improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade passiva, (b) fixou como objecto do processo saber se assiste à autora o direito de regresso contra o réu pelos pagamentos efectuados a terceiros, por danos emergentes do acidente de viação de 23/10/2010 e conhecer da litigância de má fé do réu e (c) estabeleceu como tema de prova saber se a autora efectuou o pagamento das quantias alegadas na petição inicial.

O réu reclamou do despacho que fixou o objecto do litígio e estabeleceu os temas de prova, por o mesmo não incluir o apuramento das circunstâncias em que ocorreu o acidente e a reclamação foi indeferida, com o fundamento de que os factos relativos ao acidente já foram fixados na sentença do processo crime, que faz caso julgado. 
 
Procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou o réu a pagar à autora a quantia de 28 941,04 euros acrescida de juros de mora desde a citação e até efectivo pagamento, condenando-o também no pagamento da multa de 3 Ucs, por litigância de má fé.  
                                                      
Inconformado, o réu interpôs recurso e alegou, formulando conclusões com os seguintes argumentos:
Nos termos do artigo 205º da CRP, as decisões judiciais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista por lei.
Na decisão sobre a matéria de facto, o julgador dá como provados os factos cuja verificação está sujeita à sua livre apreciação, com base na análise crítica das provas apresentadas, fundamentando as razões que o determinaram a ter ou não por provado determinado facto.
   Na fase da sentença, o exame crítico tem apenas por objecto os factos provados através dos meios legais acima indicados.
  O sistema português continua a manter o paradigma assente no primado da responsabilidade fundada na culpa do agente, nos termos do artigo 483º do CC, admitindo, no entanto a responsabilidade do detentor/beneficiário de um veículo de circulação pelos riscos inerentes à sua circulação.
    A autora alegou nos artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 11º, 14º, 22º, 23º, 24º e 33º da petição inicial factos que consubstanciam uma causa de pedir, dos quais deveria fazer prova e manifestamente não fez.
  Nem se diga que a questão foi conhecida no processo penal, visto que manifestamente tal não sucedeu, pois a autora não teve intervenção nesse processo, tendo optado por não deduzir pedido cível.
   Também nenhum dos factos alegados na contestação foi admitido a ser objecto de prova na audiência de julgamento e não só podia, como deveria ter sido admitida a respectiva prova.
   De acordo com o artigo 674º-A do CPC na redacção do DL 12/12, a condenação definitiva proferida em processo pena constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.
   A sentença penal que condenou o segurado não constitui caso julgado em relação à seguradora, porque as personalidades jurídicas de ambos não se confundem e como a seguradora não teve intervenção na acção penal, tem de se considerar um terceiro e não pode invocar a condenação penal.
  Efectivamente, a acção até foi instaurada muito antes do trânsito em julgado da condenação penal, não se verificando qualquer litigância de má fé por parte do réu, visto que só depois da contestação é que sobreveio a condenação com trânsito em julgado.
   Os pontos de facto nºs 6, 12, 14 e 15 foram incorrectamente julgados face à prova testemunhal produzida, da qual resulta que não ficou provada a culpa efectiva do condutor do veículo na produção o acidente.
Termos em que, julgando-se procedente o recurso, ordenando-se a repetição do julgamento para que sejam determinadas as culpas da ocorrência, para efeitos civis, ou supletivamente, declarada a concorrência de culpas em 50% para o condutor do veículo e condutora do velocípede, se fará Justiça.  
                                                          
A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.

As questões a decidir são:
I) Saber se deve ser anulada a sentença e repetido o julgamento para apuramento das culpas da ocorrência.
II)Subsidiariamente, saber se a matéria de facto foi incorrectamente julgada e se deverá ser fixada uma concorrência de culpas de 50%.
III) Saber se o réu deve ser condenado por litigância de má fé. 
                                                          
FACTOS.
A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados e não provados:

A. Factos provados
1.No exercício da sua actividade seguradora, a Autora celebrou com o Réu um contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ….
2.O contrato aludido em 1. teve início em 30 de Novembro de 2009 e foi celebrado pelo prazo de um ano e seguintes.
3.No âmbito do contrato aludido em 1., foi transferida para a ora Autora a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo ligeiro de passageiros, de marca Volkswagen, modelo Golf, com a matrícula ….
4.No dia 23 de Outubro de 2010, pelas 19h, o Réu conduzia o veículo com a matrícula … na Avenida Marginal, em Algueirão, concelho de Sintra.
5.A Avenida supra mencionada caracteriza-se por ser uma recta com dois sentidos e com duas vias de circulação divididas por um separador central.
6.O separador central está construído em blocos de cimento, com cerca de 0,40 metros de altura e 1,60 metros de largura.
7.As condições de visibilidade são boas.
8.O piso encontrava-se em bom estado de conservação.
9.O local onde ocorreu o acidente tem, como limite de velocidade de circulação, 50 kms/h.
10.O Réu conduzia o veículo com a matrícula … no sentido Sintra-Algueirão (Oeste-Este).
11.O Réu conduzia o veículo com uma T.A.S. de 1,84 g/l (um grama e oitenta e quatro centésimos de álcool por litro de sangue), resultado da ingestão e bebidas alcoólicas que efectuara até àquele momento e distraído, sem olhar para o que se passava.
12.Naquele dia, hora e local, A…, segurando pela mão a sua bicicleta, circulava apeada, no sentido Este-Oeste, sobre o separador central aludido em 5. e 6.
13.Em certo momento, sem que nada o fizesse antever e sem que se tivesse deparado com qualquer obstáculo, o Réu guinou a direcção do veículo que conduzia para a esquerda.
14.Seguidamente, veio a embater com a parte frontal daquele no lancil do separador central, tendo subido o mesmo.
15.E, acto contínuo, veio a embater com a parte frontal esquerda do seu veículo no corpo de A…, projectando-a pelo ar, vindo esta a cair, desamparada e inconsciente, no chão da via mais à direita da faixa de rodagem contrária – atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo Réu, ou seja, na faixa de rodagem sentido Este-Oeste a uma distância de, aproximadamente, 7,30m do local do embate.
16.A taxa de álcool de que o Réu era portador provocou a diminuição de acuidade visual, diminuiu os seus reflexos, bem como a sua coordenação psicomotora, reflectindo-se tais efeitos na falta de percepção de que o veículo com a matrícula … iria entrar em despiste.
17.Não obstante o Réu ter-se apercebido que embatera no corpo de A…, o Réu não imobilizou o veículo, nem abrandou a sua marcha, pelo contrário, imprimiu maior velocidade ao veículo por si conduzido e prosseguiu a sua marcha no sentido Oeste-Este.
18.O Réu foi, todavia, impedido de prosseguir por AR…, um outro condutor que circulava à retaguarda e o impediu de continuar a marcha.
19.Momentos após, e antes de chegarem ao local elementos policiais com vista a tomar conta da ocorrência, o Réu encetou fuga apeado em direcção à estação de comboios de Algueirão.
20.O Réu veio a ser interceptado por agentes da PSP.
21.No local, após o embate, compareceram os Bombeiros Voluntários de Mem Martins, que prestaram assistência a A…, tendo havido necessidade de a conduzir a Unidade Hospitalar, vindo a mesma a dar entrada no Hospital S. Francisco Xavier, onde foi assistida, tendo posteriormente sido transferida para o Hospital Egas Moniz, onde foi submetida a cirurgia de ortopedia e cirurgias plástica e reconstrutiva, havendo necessidade do seu internamento.
22.Como consequência directa e necessária do embate, A… sofreu traumatismo crâneo-encefálico, traumatismo do membro inferior esquerdo, com desluvamento na região proximal da coxa, associada a fractura do fémur, lesões essas que foram causa directa e necessária de 757 dias de doença, todos com afectação para o trabalho geral.
23.Não obstante os procedimentos médicos adoptados, como consequência directa e necessária do acidente, A… ficou com as seguintes lesões pós-traumáticas: cicatriz da ferida corto-contusa em “V” com vértice na crista ilíaca antero-superior e faces anterior e interna da coxa esquerda, dismórfica, medindo 24cm o ramo menor lateral esquerdo e 29,5cm o ramo medial, cicatriz da zona dadora do enxerto na face anterior da coxa esquerda, cicatriz da ferida operatória na face lateral da coxa esquerda vertical, com 9,8cm de comprimento; desvio axial para dentro da perna esquerda e coxa esquerda; limitação da abdução da coxa-femural esquerda; amiotrofia da coxa esquerda, causando assim, no corpo da mesma, designadamente na coxa esquerda e entre o mais, deformação grave cujos aturados cuidados clínicos e cirurgias plástica e reconstrutiva a que aquela foi sujeita não são susceptíveis de eliminar, assumindo carácter permanente.
24.A… necessitou de acompanhamento clínico no período posterior à ocorrência do acidente.
25.A… foi ainda sujeita a diversas sessões de fisioterapia, para recuperação.
26.Além dos danos corporais supra mencionados, A… ficou ainda com danos no telemóvel, pulseiras e roupas.

27.A Autora procedeu ao pagamento das despesas relativas à reparação dos danos supra identificados, tendo despendido, o montante € 28.941,04 (vinte e oito mil, novecentos e quarenta e um euros e quatro cêntimos), titulado pelos seguintes recibos:
Recibos nºs 11-06-89127 e 11-03-99865, emitidos em 01/06/2011 e 11/03/2011, respectivamente, no valor de € 4387,26, a título de despesa com hospital público;
Recibos nºs 13-03-70356; 11-09-87940; 11-06-71750; 11-05-70818; 11-04-85551, emitidos em 19/03/2013; 14/09/2011; 21/06/2011; 05/05/2011; 05/04/2011, respectivamente, no valor de € 15.407,98, relativo a danos patrimoniais e corporais sofridos por A…;
Recibos nºs 11-05-7081811-06-71750; 12-11-83823; 12-10-97226; 12-08-90448; 12-06- 81895; 12-05-80784; 12-0495903; 12-03-74350; 12-02-91637; 12-02-91612; 12-01-98649; 11-12-87270; 11-12-80507; 11-11-90606;11-10-74282;11-09-83837; 11-08-74793; 11-04-87738; 11-03-76889; 11-02-88183; 11-02-88166; 11-01-79812; 11-07-92338, emitidos em 05/05/2011; 21/06/2011; 21/11/2011; 30/10/2012; 29/08/2012; 25/06/2012; 09/05/2012; 12/042012; 07/03/2012; 09/02/2012; 09/02/2012; 06/01/2012;22/12/2011; 09/12/2011; 09/11/2011; 12/10/2011; 06/09/2011; 16/08/2011; 11/04/2011; 17/03/2011; 14/02/2011; 14/02/2011; 35/01/2011; 26/07/2011, respectivamente, no valor de € 3.964,15 a título de transportes, despesas diversas e despesas farmacêuticas;
Recibos nºs 13-02-84560; 13-01-80246; 12-08-89418; 12-08-75782; 11-12-93670; 11-07- 92338; 11-06-91529; 11-06-89124; 11-05-85856; 11-02-81642, emitidos em 26/02/2013; 09/01/2013; 28/08/2012; 07/08/2012; 28/12/2011; 26/07/2011; 08/06/2011; 01/06/2011; 26/05/2011; 01/02/2011, no valor de € 5.181,14, a título de honorários médicos.

28. Na sequência do acidente, foi instaurado processo-crime, que correu seus termos sob o NUIPC 415/10.6 PTSNT, no âmbito do qual o ora Réu foi interrogado e constituído arguido em 23.10.2010, tendo constituído mandatário em 26.10.2010 e tendo o Dr. … a sua primeira intervenção nos autos em 16.10.2014, com o requerimento de abertura de instrução. 

B. Factos não provados.
i) O local onde ocorreu o acidente tem, como limite de velocidade de circulação, 60 kms/h.
ii) Do lado de cada faixa de rodagem existem passeios.
iii) O Réu conduzia pela via da direita.
iv) Ao circular pela faixa da direita o veículo de matrícula … colidiu com o lancil, embateu no passeio do lado direito que lhe limitava a faixa de rodagem, e entrou em despiste.
                                                       
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I) Anulação da sentença recorrida e repetição do julgamento.
Pretende o apelante que seja anulada a sentença recorrida e ordenada a repetição do julgamento, a fim de ser produzida prova sobre os factos relativos à dinâmica do acidente e alegados por ambas partes.
O apuramento da dinâmica do acidente não faz parte do objecto do litígio e dos temas de prova fixados na audiência prévia, o que foi objecto de reclamação por parte do réu, que foi indeferida e podendo essa decisão ser impugnada no recurso interposto da sentença final, nos termos do artigo 596º nº3 do CPC.
A razão pela qual assim se decidiu na audiência prévia, bem como na sentença recorrida, reside na consideração do caso julgado formado pela sentença proferida no processo crime e transitada em julgado, que julgou provados os factos relativos à dinâmica deste acidente e, com base neles, condenou o réu pelos crimes de ofensas corporais negligente, condução perigosa de veículo rodoviário e omissão de auxílio.
Estabelece o artigo 623º do CPC (correspondente ao anterior artigo 674º-A) que “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos o tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”.
Por força desta norma, a existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, que foram fixados na condenação definitiva proferida no processo penal, fazem caso julgado em relação a todas as partes que intervieram nesse processo e, quanto às partes que nele não intervieram, constitui presunção ilidível da existência de tais factos.
Sendo assim e no que respeita ao réu, que foi arguido e condenado no processo penal e que, obviamente, não é terceiro para este efeito e já usou do direito ao contraditório nesse processo, não lhe é permitido ilidir a presunção fixada na referida disposição legal e invocar versão diferente daquele que já foi fixada na condenação penal (cfr neste sentido os acs citados pelas decisões da 1ª instância RL 7/05/2013, p. 759/08, RC 16/12/2015, p. 3039/12, RP 8/11/2007, p. 0733055, todos em www.dgsi.pt).
A posição processual do réu não é alterada pelo facto de a autora não ter tido intervenção no processo crime, pois a única consequência que daí resulta é a faculdade que a esta é conferida de, na sua qualidade de terceiro, querendo, poder produzir prova para ilidir a presunção da existência dos factos fixados no processo penal, sendo certo que, nos presentes autos, a autora não pretendeu ilidir a presunção, tendo, pelo contrário, aceite o referidos factos, invocando-os mesmo no essencial e formulando um pedido com base nos mesmos factos.
A lei impõe, assim, uma eficácia probatória à sentença penal quanto aos factos nela fixados, desde que terceiros que não intervieram no respectivo processo não tenham ilidido a presunção da existência desses factos (cfr sobre esta matéria Lebre de Freitas, CPC anotado, 2º volume, páginas 726 e 727, em anotação ao anterior artigo 674º-A do CPC).
É irrelevante o facto de a acção ter sido intentada antes do trânsito em julgado da sentença do processo penal, pois, tendo esta sido proferida na pendência dos presentes autos, assim que transitou em julgado, passou a ter a referida eficácia probatória resultante do artigo 623º, correspondente ao antigo artigo 674º-A do CPC.
Deste modo, não merece censura o despacho proferido na audiência prévia que, verificando o trânsito em julgado da sentença do processo penal, não incluiu nos temas de prova o apuramento da dinâmica do acidente.
Por outro lado, tendo a sentença ora recorrida fixado os factos relativos à dinâmica do acidente por referência aos factos fixados na sentença penal, fundamentando a respectiva decisão sobre a matéria de facto na força probatória dessa sentença, não haverá que produzir prova sobre os factos alegados pelas partes a esse respeito, improcedendo a pretensão do apelante em se proceder à repetição do julgamento. 
                                                                  
II) Pedidos subsidiários de impugnação da matéria de facto e de fixação de concorrência de culpas em 50%.
Face ao supra decidido, improcede necessariamente o pedido de impugnação da matéria de facto, que não pode ser admitida, uma vez que a mesma respeita aos pontos de facto 6, 12, 14 e 15, relativos à dinâmica do acidente, que ao apelante está vedado impugnar. 
Quanto à fixação de uma concorrência de culpas, estabelece o artigo 570º nº1 do CC que a indemnização poderá ser reduzida ou mesmo excluída, se o lesado tiver contribuído para a produção dos danos com um facto culposo.
No caso dos autos a sentença penal não considerou existir concorrência de culpas, nada referindo a esse respeito na fixação da medida concreta da pena.
E, efectivamente, não se vê que a lesada tenha contribuído para o acidente com uma conduta culposa, tendo-se provado que caminhava no separador segurando a bicicleta pelas mãos e não a conduzir o velocípede, comportamento que não se afigura perigoso e susceptível de causar o embate, tendo em atenção a largura e altura do separador, que não fazia prever que qualquer veículo o invadisse, havendo que forçosamente concluir que a invasão do separador pelo veículo conduzido pelo réu se deveu exclusivamente à sua conduta.
Mostra-se portanto correcta a avaliação da responsabilidade exclusiva do apelante nos termos do artigo 483º do CC e a consequente obrigação de regresso perante a autora, ao abrigo do artigo 27º nº1 c) do DL 291/2007 de 21/8, no pagamento da totalidade da indemnização feito à lesada.
Improcedem, portanto os pedidos subsidiários formulados pelo apelante.  
                                                   
III) Litigância de má fé.
Finalmente, alega o apelante que não litigou de má fé, tendo em atenção que a sentença penal só foi proferida e transitada em julgado depois da apresentação da contestação.
A sentença recorrida fundamentou a condenação por litigância de má fé no facto de o réu ter sido interrogado e constituído arguido no processo penal em 2010 e no facto de o réu ter alegado na contestação que o processo crime foi arquivado, o que se revelou não corresponder à verdade.
Esta declaração do réu na sua contestação constitui uma alteração da verdade dos factos que não podia deixar de conhecer e que tinha relevância para a decisão da causa, face ao valor probatório da sentença que eventualmente viesse a ser proferida no processo penal, nos termos acima expostos.

Conclui-se, portanto, acompanhando a sentença recorrida, que estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 542º no 1 e 2 b) do CPC, devendo manter-se a condenação por litigância de má fé.
                                                       
DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.                                                      
Custas pelo apelante.



Lisboa, 2018-01-18


                                                                   
Maria Teresa Pardal                                                        
Carlos Marinho    
Anabela Calafate
Decisão Texto Integral: