Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
54/05.3TABRR-B.L1-6
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: ACÇÃO PENAL
INDEMNIZAÇÃO AO LESADO
DANOS FUTUROS
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - O tribunal/juízo criminal é, mesmo em circunscrição territorial em que há juízo de execução, o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível a execução das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização que exija uma liquidação prévia.
II - No entanto, nos termos do art. 82.°, n.º 1, do CPP, se o tribunal não dispuser de elementos para fixar a indemnização, condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a liquidação corre perante o tribunal cível com competência executiva que caberá a competência para o processamento da liquidação prévia.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL)

I-RELATÓRIO

1.1- Por despacho de 24/05/2014, no 2º no juízo criminal de Lisboa, proferido no apenso de liquidação de sentença,  foi decidido:

A assistente MS... veio deduzir incidente declarativa contra a Companhia de Seguros X..., S.A., peticionando a sua condenação no pagamento do valor de 35.419,31 euros, em cumprimento da al. d) da decisão proferida nestes autos.

Foi cumprido o contraditório, quanto à excepção da incompetência absoluta deste Tribunal, em função da matéria, tendo-se a assistente pronunciado no sentido de já ter deduzido nos tribunais civis o incidente em causa, mas enxertado em acção executiva, o que mereceu decisão de indeferimento liminar, tal como resulta de fls. 90 e segs..

Cumpre apreciar:

O Tribunal proferiu decisão, transitada em julgado nestes autos, no âmbito dos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com base no princípio da adesão, arbitrando indemnização à aqui assistente, mas, quanto a parte do pedido, relegando para decisão ulterior, a quantificação e qualificação dos danos derivados do acidente de viação, por futuros e ainda não determináveis, tal como resulta da decisão proferida e para a qual se remete (al. d) da mesma), tudo por via e consequência de ilícita criminal de que a assistente foi vítima.

Nos termos do Artigo 82°, n° 1 do C.P.P. "se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal".

Ora, daqui resulta que o presente Juízo Criminal é incompetente, em termos materiais, para a dedução e apreciação do aludido incidente, sendo-o, ao invés os tribunais cíveis, o que implica incompetência absoluta.

A incompetência em função da matéria (secções especializadas) constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso, até ao inicio da Audiência de Julgamento, que implica a absolvição do Réu da instância (Artigos 576°, n° 1 e 2, 577°, al. a) e 578°, 96°, 97°, n° 2 e 99° todos do C.P.C.).

DECISÃO:

Termos em que, face ao exposto, julgo o presente Juízo de Competência Especializada materialmente incompetente para conhecer do incidente deduzido, absolvendo a Ré da instância.”

1.2 – Desta decisão  recorreu a demandante civil MS... dizendo em conclusões da motivação apresentada:

I - Não estamos perante um caso de incompetência em razão da matéria por parte do Tribunal "a quo".

- A ora recorrente, lesada e demandante cível no processo crime supra identificado, deduziu pedido de indemnização cível, por adesão ao processo penal;

II - Tal pedido de indemnização cível foi julgado procedente, tendo a sentença, na parte decisória, fixado que:

" D) Mais condeno a demandada civil "Companhia de Seguros X... SA, a pagar à mesma demandante civil, MS..., o valor que se vier a liquidar em enxerto declarativo atinente às despesas/custos de 2011, suportadas pela demandante civil que se vierem a apurar, despesas conexionadas com elas, valor atinente aos tratamentos médicos, despesas médicas e medicamentosas, e outras despesas /custos conexionados cm a recuperação funcional da demandante civil, bem como o valor que se vier a apurar, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, atinentes à previsível intervenção cirúrgica a que a demandante civil terá que se submeter quanto à articulação tíbio-társica. "

III - A recorrente, deduziu incidente de liquidação, por apenso ao enxerto cível, no processo penal;

IV- O incidente, não foi admitido, com fundamento no disposto no artigo 82° n° 1 do C.P.P., porque o Tribunal "a quo" se declarou incompetente em razão da matéria;

V - Deduzida acção executiva sob a forma comum para pagamento de quantia certa, calculada por simples cálculo aritmético, foi a mesma indeferida, com fundamento na violação do disposto no artigo 716° n° 5 do C.P.C., no qual se estipula que a liquidação em processo executivo, só ocorre quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração;

VI- O indeferimento liminar da acção executiva, fundamenta-se ainda no facto de a sentença condenatória proferida no processo criminal, remeter a quantificação do valor a indemnizar, para o enxerto declarativo;

VII- Face ao indeferimento liminar, renovou a ora recorrente, o seu pedido de prosseguimento do incidente declarativo de liquidação, por apenso e sob a forma de enxerto cível no processo principal;

VIII- O Tribunal "a quo" indeferiu o incidente;

IX- Decidindo como decidiu, o Tribunal "a quo" violou, entre outros, os seguintes
preceitos legais, aplicáveis ao caso: artigos 358° n° 2, 360°, 609°, n° 2, 704° n° 6, 716° n° 4 e n° 5, todos do Código de Processo Civil;

X - Ao decidir como decidiu, violou ainda a norma do artigo 102º-A n° 1 da LOFTJ, na redacção que lhe foi dada pela lei 42/2005, de 29/08, ao considerar que o incidente declarativo deve correr sob a forma executiva, a sentença condenatória proferida genéricos, porque não liquidada, não constitui título executivo suficiente para a sua execução junto dos tribunais cíveis.

XI - Violou ainda o principio do Juiz natural.

XII- Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser admitido o incidente de liquidação por apenso ao pedido de indemnização cível, que correu termos pelo Tribunal Criminal, prosseguindo os autos os ulteriores termos.”

1.3- Em resposta disse apenas a demandada cível, em síntese :

“Negar-se provimento ao recurso porquanto a interpretação do artº 82º nº1 do CPP foi a correcta.”

1.4- Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o MºPº limitou-se à aposição de mero visto nos autos.

1.5- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.

II- CONHECENDO

2.1-O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo  do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP  [1].

Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida[2].

Assim, traçado o quadro legal temos por certo que as questões levantadas no recurso são cognoscíveis  no âmbito dos poderes desta Relação.

2.2-Está em  discussão para apreciação , em síntese,  a seguinte questão:

A que tribunal é atribuída a competência para liquidação de quantia certa, prévia a acção executiva, com base em condenação genérica em indemnização por danos futuros arbitrada em processo criminal ou seja, para a tramitação do incidente de liquidação prévia dessa indemnização?

2.3-  A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL

Dispõe o Artigo 82.º do CPP (Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis)

“1 - Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.


2 - Pode, no entanto, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, estabelecer uma indemnização provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e conferir-lhe o efeito previsto no artigo seguinte.


3 - O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.”

Os actuais pontos nº1 e 3 (ex nº2) correspondem à redacção original conferida pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro

O ponto nº 2 foi introduzido pelo artº 17º do DL DL n.º 423/91, de 30 de Outubro.

Actualmente, dispõe também o artigo 129º da lei 62/2013 (LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO)

“1 - Compete às secções de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal de propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, às secções de família e menores, às secções do trabalho, às secções de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível. ( negrito e itálico nossos)

3 - Para a execução das decisões proferidas pela secção cível da instância central é competente a secção de execução que seria competente caso a causa não fosse da competência daquela secção da instância central em razão do valor.”

No caso dos autos a sentença condenou em primeira instância, além do mais, nos seguintes termos:

“(…)

 D) Mais condeno a demandada civil "Companhia de Seguros X... SA, a pagar à mesma demandante civil, MS..., o valor que se vier a liquidar em enxerto declarativo atinente às despesas/custos de 2011, suportadas pela demandante civil que se vierem a apurar, despesas conexionadas com elas, valor atinente aos tratamentos médicos, despesas médicas e medicamentosas, e outras despesas /custos conexionados cm a recuperação funcional da demandante civil, bem como o valor que se vier a apurar, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, atinentes à previsível intervenção cirúrgica a que a demandante civil terá que se submeter quanto à articulação tíbio-társica. "

 

A demandante viu negada a sua pretensão no tribunal cível com os seguintes fundamentos:

MS... veio deduzir execução contra X... - Companhia de Seguros SA, apresentando como título executivo uma sentença proferida no 2.° juízo criminal deste tribunal.

Vejamos:

O art ° 609° n.° 2 do CPC dispõe o seguinte:

"Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida "

Por sua vez, o art.° 358.° n.° 2 do CPC prevê:

"O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida a sentença de condenação genérica, nos termos do n.° 2 do art.0 609. "e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada "

Depois, os art.°s 359.° e 360.° pormenorizam o modo como o incidente é deduzido e como se processa os ulterior termos.

No que concerne à execução, o art.° 716.° do CPC estipula as regras da liquidação, mas o n° 5 deste preceito clarifica que a regra do n° 4 é aplicável às execuções de decisões judiciais ou equiparadas, quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, bem como às execuções de decisões arbitrais.

Na sentença apresentada como título executivo é referido expressamente o seguinte: " A demandante civil peticiona ainda danos futuros, a serem liquidados em execução de sentença...resta portanto remeter para liquidação ulterior a verificação e quantificação ulterior de tais danos, ainda conexionados com o presente acidente, suas lesões e sequelas, nos termos do art.0564,°n.°2 do Código Civil... "

O art.° 564.° n.° 2 do Código Civil, diz o seguinte: "Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior"

Portanto, resulta claramente da articulação das referidas normas, que a requerente (aqui exequente) tem o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, aí devendo alegar (no respetivo incidente) os factos que conduzem aos valores que referiu "como liquidados" na petição executiva, de modo a que propicie à parte contrária a eventual impugnação desses factos e possa fixar-se então a indemnização nos termos do art.° 564.° n.° 2 do Código Civil.

Aliás, resulta da própria sentença (parte decisória) a necessidade de dedução do incidente declarativo, quando se refere "Mais condeno a demandada civil Companhia de Seguros X... Mundial SA a pagar à mesma demandante cível MS..., o valor que se vier a liquidar em enxerto declarativo... "

Assim, tendo em conta o exposto a execução instaurada segundo "a liquidação tabelar" conferida no requerimento executivo não pode ser admitida, por contrária à tramitação que deve ser observada para o apuramento do valor indemnizatório a pagar pela referida seguradora.

Consequentemente, por manifesta inadequação da execução ao fim pugnado, indefiro liminarmente o requerimento executivo. (…)”

No tribunal de 1ª instância, em apenso ao processo crime aquela demandante tinha interposto incidente de liquidação, através de enxerto declarativo, contra a X... - Companhia de Seguros SA nos termos seguintes:

“1º No processo supra identificado, foi a requerente do presente incidente de liquidação, constituída como assistente e assumiu as posições de lesado/ofendida e demandante cível.

 

2º A decisão que recaiu sobre a demanda cível, condenou, na alínea D) da respectiva sentença, a ora requerida, Companhia de Seguros, a:

" condeno a demandada civil "Companhia de Seguros X... SA, a pagar à demandante civil, Maria Isabel de Barros da Fonseca Jesus Silva, o valor que se vier a liquidar em enxerto declarativo atinente às despesas/custos das intervenções cirúrgicas realizadas em Abril e Outubro de 2011, suportadas pela demandante civil, que se vierem a apurar, despesas conexionadas com elas, valor atinente aos tratamentos médicos, despesas médicas e medicamentosas e outras despesas/custos conexionados com a recuperação funcional da demandante civil, bem como ao valor que se vier a apurar, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, atinentes à previsível intervenção cirúrgica a que a demandante civil terá que se submeter quanto à articulação tíbio-társica".

Ora, em 21/04/2011, a ora requerente, foi sujeita a uma intervenção cirúrgica, denominada ARTROPLASTIA TOTAL EM COXARTROPSE OU REVISÃO DE HEMIARTROPLASTIA.

A referida intervenção cirúrgica importou para a requerente um custo de: 9.302,88 euros. Doe n° 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais.

E, em 3/10/2011, foi de novo alto de uma cirurgia por ARTROSE OU REVISÃO DE PRÓTESE UNICOMARTIMENTAL.

Tal cirurgia importou para a requerente, o custo total de: 5.394,95 euros. Doc. n° 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Na sequência das cirurgias, a requerente teve necessidade de proceder à compra de equipamentos médicos e protésicos, de ajuda à sua locomoção, no que despendeu a quantia total de: 867,48 euros. Doe n° 3 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

Em tratamentos médicos e de fisioterapia, a requerente gastou: 4.000,00 euros Docº n° 4 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

Consultas médicas, exames auxiliares de diagnóstico, e actividades de fisioterapia, a requerente gastou: 854,00 euros. Doe n° 5 que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido.

10°

Acresce a tudo isto, que durante todo o período compreendido entre Abril e Outubro de 2011, a requerente, sofreu de uma situação de stress agudo, dores intensas por força da fisioterapia, ansiedade traduzida em falta de sono, tendo conseguido viver com muitas dificuldades de locomoção, já que a sua autonomia de movimentos, se resumia, a conseguir sentar-se e virar-se na cama, sempre com a ajuda dos analgésicos, sendo que as tarefas mais básicas com o banho, careciam sempre de ser co-adjuvadas por terceiros.

11°

Sofreu terrores nocturnos, o que se traduzia num cansaço diurno extremo, que lhe tolhia qualquer movimento, e que a impedia de sair para fazer a sua vida normal, não trabalhando nem sequer se deslocando em passeios à praia ou ao campo.

12°

O requerente sofreu dores intensas, que, num grau de 0 a 10, se classificam como de 10.

13°

Da sua situação física, resultou uma situação psicológica grave, evidenciando sintomas depressivos graves, que se traduzem em perda de auto - imagem feminina, com relevo para o desenvolvimento de complexos em usar vestidos ou saias, que mostrem as pernas.

14°

A requerente apresentava e ainda apresenta, sintomas de desinteresse e desvalorização pessoal, forte tendência para o choro incontrolável, a necessidade de se isolar das outras pessoas, sobretudo da família, filhos e marido, e até da própria mãe, manifestando claros sinais de forte desinteresse pela vida, para além de ter desenvolvido um medo intenso de atravessar ruas ou estradas, estremecendo violentamente, sempre que houve ruído de trânsito mais intenso que o normal.

15°

A requerente tem vindo a ser acompanhada nestes sintomas depressivos e ansiosos.

16°

Tudo nos termos do Relatório que ora se junta como documento n° 6 e se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

17°

Em suma, a requerente sofreu danos patrimoniais que totalizam o montante de: 20.419.31 euros, descrito e discriminado nos artigos anteriores.

18°

E, por outro lado, sofreu de danos não patrimoniais, correspondente às dores, ao dano estético, à depressão, que computa em 15.000,00 euros.

19°

A requerente viu já reconhecido pela sentença referida, o seu direito a ser ressarcida destes danos, quer os patrimoniais, quer os não patrimoniais.

20°

Encontra-se devidamente provado nos autos principais, o facto, o dano, o autor do facto, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

21°

Razão porque entende a requerente que no presente incidente de liquidação, tem direito a que a requerida, Companhia de Seguros, lhe pague a quantia total de: 35.419,31 euros, a que acrescem juros de mora á taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

22°

Pelo que, deve a Requerida ser condenada a pagar à requerente a quantia total de 35.419,31 euros, e ainda em custas e procuradoria condignas.

(…)”

*

A presente  questão não é nova e já foi abordada em diversas decisões.

Temos para nós como a mais correcta a solução defendida, entre outros, no Ac. TRL de 12/07/2010, desta secção , proferido no âmbito do recurso atinente ao procº nº 3230/04.2TDLSB-A-5 (Vieira Lamim) , publicado no site da DGSI ([3]).

Anote-se que, ali, a questão era a da tramitação da execução e não a da liquidação prévia, mas onde foi aflorado o problema da competência nesta última hipótese, atribuível ao tribunal cível.

A sintonia com os argumentos inferidos do acórdão, no caso de liquidação prévia, vai pois no sentido da exclusão da competência do tribunal criminal, mutatis mutandis, pois ali foi decidido ser competente o tribunal criminal por estar apenas em causa a execução , que já não a liquidação, como é agora o caso dos nossos autos.

Assim:

I - As execuções de natureza cível, relativas a sentenças proferidas por tribunal criminal que podem caber na previsão do nº 2 do art. 102º-A da LOFTJ são as proferidas na sequência de pedidos cíveis deduzidos em processo crime por força do princípio da adesão (art. 71 e ss CPP).


II - Quando as execuções respeitem a condenação em quantia certa a regra é que não devem decorrer perante o tribunal cível mas perante o tribunal criminal.
Apenas decorrem perante o tribunal civil aquelas em que haja necessidade de liquidação prévia, como determina o art. 82º, nº 1, 2ª parte do CPP

III - Esta interpretação, de considerar como regra a competência dos juízos criminais para a execução das decisões civis por si proferidas, é que mais se coaduna com a unidade do sistema jurídico. Na verdade, os juízos de execução foram criados para resolver o problema decorrente das elevadas pendências de acções executivas nos tribunais cíveis dos grandes centros urbanos, acções essas sem relevância estatística nos tribunais criminais.


IV - Por outro lado, excluindo o legislador dos juízos de execução as acções executivas relativas aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos, não se compreenderia que não adoptasse a mesma regra geral em relação aos tribunais criminais.

V - A excepção a essa regra geral quanto aos tribunais criminais será, apenas, como se referiu, a relativa às execuções com necessidade de liquidação prévia, pois se o art.82, nº1, 2ª parte, CPP, determina que corram perante o tribunal civil, não faria sentido que aí se procedesse à liquidação e que voltassem ao tribunal criminal para a fase seguinte da execução.


VI - Considerando o sistema no seu todo, faz assim sentido (podendo ser tido como elemento coadjuvante da interpretação proposta) a regra do art. 2º, da Portaria nº 114/08, de 6Fev.

Esta Portaria, que regula a tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1ª instância processados de acordo com as disposições do Código de Processo Civil (arts.1º e 2º) exclui do seu âmbito de aplicação os pedidos de natureza civil deduzidos na acção penal e também os processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal.” –Sumário.

E desenvolvendo o caso:

“(…)

1. A LOFTJ, na sua redacção inicial (Lei nº3/99, de 13Jan.), consagrava o princípio de que o decisor deve ser o executor, ao prever no art.103, a regra que os tribunais de competência especializada e de competência específica eram competentes para executar as respectivas decisões.

O Dec. Lei nº38/03, de 8Mar., veio introduzir alterações significativas no processo de execução, modificando um regime com excessiva jurisdicionalização e rigidez que, como refere o respectivo preâmbulo, obstava à satisfação, em prazo razoável, dos direitos do exequente.
O novo regime, procurou libertar o juiz das tarefas processuais que não envolvem uma função jurisdicional e previu que, nos casos em que essa intervenção tivesse de ocorrer, a mesma se fizesse através de magistrados judiciais afectos a juízos de execução e só através dos magistrados do tribunal de competência genérica quando não sejam criados esses juízos com competência específica.
Em consequência, introduziu aquele Dec. Lei nº38/03, algumas alterações à LOFTJ (citada Lei nº3/99), nomeadamente, aos artºs 64, nº2, 2ª parte, 77, nº1, al.c), 96, nº1, al.g), 97, nº1, al.b), 102-A e 103.

Entre essas alterações destaca-se a possibilidade de criação de varas e juízos de competência específica de execução (art.96, nº1, al.g).


Segundo o art.102 A, aditado à LOFTJ pelo Dec. Lei nº38/03 “Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil”.
A introdução dos juízos de execução, como juízos de competência específica, tornou necessário alterar a 2ª parte do nº 2 do art.64: tribunais de competência específica passaram então a ser os que conhecem de matérias determinadas pela espécie de acção ou pela forma de processo aplicável.

Ou seja, a competência dos juízos de competência específica passou a ser definida também em função da matéria, precisamente para abranger os juízos de execução que apenas conhecem de uma espécie de acções: as acções executivas (cfr. art.4, nº1 do CPC).


A LOFTJ, veio a ser de novo alterada pela Lei nº42/05, de 29Ago.

Entre outros, foram alterados os arts.102-A e 103, que passaram a ter a seguinte redacção:

Art.102-A

“1-Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

2 – Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.

3 – Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos tribunais de competência especializada referidos no número anterior”.

Art.103
“Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as suas próprias decisões”.

O art.103, voltou a proclamar o princípio geral de que o decisor deve ser o executor, com a ressalva “Sem prejuízo da competência dos juízos de execução…”, entretanto criados e instalados em algumas comarcas.
O art.102-A, estabelece no nº1, a regra geral da competência dos juízos de execução “…exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil”, inovando, porém, em relação ao regime legal anterior, ao introduzir exclusões a essa regra, em coerência com a alteração introduzida em simultâneo no art.103, excluindo da competência dos juízos de execução (nº2) “…os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil”.

As competências que o legislador de 2005 (Lei nº42/05) exclui dos juízos de execução, são as previstas no nº1, ou seja, as competências previstas no Código de Processo Civil, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, razão por que com a expressão “…execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil”, não pode o legislador ter querido abranger a execução da sentença penal na parte relativa à pena propriamente dita, como defende a Ex.ma PGA no seu douto parecer, pois essas competências nunca podiam pertencer aos juízos de execução, uma vez que em relação a essa parte da sentença criminal o Código de Processo Penal reserva o Livro X (Das execuções), sendo inquestionável que as questões relativas à execução da pena criminal só podem correr perante o tribunal criminal.

(…)”

MAS,

“(…)

Não estando em causa a execução da parte penal da sentença criminal, as execuções de natureza cível, relativas a sentenças proferidas por tribunal criminal, que podem caber na previsão daquele nº2, do art.102-A, são as proferidas na sequência de pedidos cíveis deduzidos em processo crime, por força do princípio de adesão (art.71, e segs. CPP).

Em relação a esses pedidos, pode o tribunal criminal condenar em quantia certa, ou em liquidação de sentença, hipótese esta em que, segundo o art.82, nº1, 2ª parte, do CPP “…a execução corre perante o tribunal civil…”.

Assim, como decidiu o douto acórdão desta Secção de 23Nov.10, proferido no Pº13582/02.3TDLSB (Relator Desembargador Nuno Gomes da Silva) “… quanto às execuções de natureza cível – pois é a essas que se refere este artigo – correlacionadas com a acção penal há as que não devem correr perante o tribunal civil – que são a regra – e as que devem correr perante este tribunal que são aquelas em que, como determinado pelo art.82, nº1, 2ª parte CPP, haja necessidade de liquidação prévia”.

Esta interpretação, de considerar como regra a competência dos juízos criminais para a execução das decisões civis por si proferidas, é que mais se coaduna com a unidade do sistema jurídico.

Na verdade, os juízos de execução foram criados para resolver o problema decorrente das elevadas pendências de acções executivas nos tribunais cíveis dos grandes centros urbanos[3], acções essas sem relevância estatística nos tribunais criminais.

Por outro lado, excluindo o legislador dos juízos de execução as acções executivas relativas aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos, não se compreenderia que não adoptasse a mesma regra geral em relação aos tribunais criminais.

A excepção a essa regra geral quanto aos tribunais criminais será, apenas, como se referiu, a relativa às execuções com necessidade de liquidação prévia, pois se o art.82º, nº1, 2ª parte, CPP, determina que corram perante o tribunal civil, não faria sentido que aí se procedesse à liquidação e que voltassem ao tribunal criminal para a fase seguinte da execução.

Como refere o citado acórdão de 23Nov.10, é esta “… a interpretação mais correcta dos preceitos citados e a que mais se coaduna quer com o elemento histórico quer com o elemento literal.

E assim, considerando o sistema no seu todo, faz então pleno sentido (podendo ser tido como elemento coadjuvante da interpretação proposta) a regra do art.2, da Portaria nº114/08, de 6Fev.”.
Esta Portaria, que regula a tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1ª instância processados de acordo com as disposições do Código de Processo Civil (arts.1º e 2º) exclui do seu âmbito de aplicação os pedidos de natureza civil deduzidos na acção penal e também os processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal
[4].

Assim, pretendeu o legislador submeter os processos atribuídos aos juízos criminais, mesmo nas comarcas em que foram instalados juízos de execução, à regra geral do decisor executor, com a excepção a que se refere a 2ª parte, do nº1, do art.82, CPP.”

*

Mais recentemente, também assim decidiu o Ac TRC de 18/02/2014  (sendo relator o  Sr Juiz desembargador Barateiro Martins):[4]

1 - O tribunal/juízo criminal é, mesmo em circunscrição territorial em que há juízo de execução, o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível a execução das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização que exija uma liquidação prévia.

2 - Ocorrendo incompetência do juízo de execução, embora a NLOFTJ qualifique os tribunais como de competência especializada, ou seja, em razão da matéria, deve a mesma seguir o regime da incompetência relativa, ou seja, julgada procedente a excepção, o processo deve ser remetido para o tribunal competente.

(…)

Está em causa saber, numa circunscrição territorial em que há juízo de execução, qual é o tribunal competente para a execução duma indemnização cível imposta numa sentença penal; o juízo de execução ou o tribunal/juízo criminal que condenou na indemnização cível?
Trata-se de questão – é justo observá-lo e reconhecê-lo – que não tem merecido resposta unânime nos nossos tribunais superiores; o que, a nosso ver e com o devido respeito, é imputável às sucessivas e contínuas alterações à organização judiciária, que transformam questões que deviam ser claras e incontroversas em questões complexas e de desfecho imprevisível e aleatório – gerando um inevitável “ping pong” entre tribunais
[1], com prejuízos quer para a imagem da Justiça quer para as partes.

Questão cujo dificuldade – indo directamente ao âmago da questão – está na interpretação do segmento final do art. 126.º/2 da Lei 52/2008, de 28-08; em que se excepciona da competência dos juízos de execução “as execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível”.

Segmento cujo sentido não é imediata e objectivamente apreensível, mas que por interpretação se admite que queira dizer, numa linguagem assaz elíptica, que o tribunal criminal é via de regra o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível as execuções das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização a liquidar em execução de sentença (agora, mais exactamente, em incidente de liquidação).

Expliquemo-nos:

A LOFTJ, na redacção inicial da Lei n.º 3/99, de 13-01, consagrava o princípio de que o decisor é o seu executor, estabelecendo no artigo 103.º[2] a regra de que os tribunais de competência especializada e de competência específica eram competentes para executar as respectivas decisões.

Em 2003, pelo DL 38/03, de 08-03, foram introduzidas diversas alterações à LOFTJ, destacando-se, no que aqui interessa, a possibilidade de criação de juízos de competência específica de execução (cfr. art. 96/1/g), aos quais passava a competir (nas circunscrições em que fossem criados e instalados) exercer, irrestritamente, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC[3]

Entretanto, em 2005, foi a LOFTJ de novo alterada, pela Lei 42/2005, de 29-08, sendo conferida, em face da nova redacção dada aos arts.102.º-A e 103.º[4], uma competência com algumas restrições aos juízos de execução. O artigo 103.º voltou a estabelecer o princípio geral de que o decisor deve ser o executor, com a ressalva “sem prejuízo da competência dos juízos de execução…”, entretanto criados e instalados em algumas comarcas; e, em consonância, o artigo 102.º-A – continuando a estabelecer no n.º1 a regra geral da competência dos juízos de execução – introduziu exclusões a essa regra, excluindo da competência dos juízos de execução (n.º2) “(…) os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil”.

E é justamente aqui – no art. 102.º-A/2 da Lei 42/2005, de 29-08 – que surge o segmento que hoje constitui a parte final do art. 126.º/2 da Lei 52/2008, de 28-08 (diploma ao caso aplicável)[5]; segmento que tem sido alvo de controvérsia interpretativa.

Há quem entenda que a menção a “execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível” se reporta ao disposto nos artigos 467.º e seguintes do CPP, ou seja, à execução das decisões penais.

O que – tal entendimento – não parece que faça muito sentido.

Efectivamente, as competências que (segundo o art. 102.ºA/2 da LOFTJ, na redacção da Lei n.º 42/2005, e o art. 126.º/2 da NLOFTJ, na redacção da Lei 52/2008,de 28-08) são excluídas da competência dos juízos de execução são as previstas no “número anterior”, ou seja, as competências previstas no Código de Processo Civil, no âmbito dos processos de execução de natureza cível; o que significa que a exclusão de competência para os juízos de execução não pode dizer respeito a algo – execução da sentença penal propriamente dita – que, claramente, não podia pertencer aos juízos de execução.

Daí que – procurando encontrar um sentido e alcance úteis para o número 2 em causa (quer do art. 102.ºA da LOFTJ, na redacção da Lei n.º 42/2005, quer do art. 126.º da NLOFTJ, na redacção da Lei 52/2008, de 28-08) – se venha entendendo[6] que a lei, ao aludir às “execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível”, está a pensar e a ter em vista as execuções em que a condenação numa indemnização cível é em quantia certa, porque em relação às outras, em que a condenação é em montante indemnizatório a “liquidar em execução de sentença”, a execução, nos termos do art. 82º/1/2ª parte, CPP, corre perante o tribunal cível[7].

Em síntese, num caso como os dos autos/recurso – em que o pedido cível, deduzido em processo penal, deu lugar a uma condenação/indemnização em quantia certa – vale a “exclusão” (constante do art. 102.ºA/2 da LOFTJ, na redacção da Lei n.º 42/2005, e do art. 126.º/2 da NLOFTJ, na redacção da Lei 52/2008, de 28-08), ou seja, a execução corre perante o tribunal/juízo criminal que proferiu tal condenação (estando assim excluída a competência regra dos juízos de execução[8]); diversamente, a execução correrá perante o juízo cível caso o pedido cível, deduzido em processo penal, tenha dado lugar a uma condenação numa indemnização no que se vier a “liquidar em execução de sentença”.

Daí que, antecipando a solução, tenhamos afirmado que o tribunal/juízo criminal é via de regra o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível a execução das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização a liquidar em execução de sentença[9].

Rematando, integra a competência do juízo de instância criminal de Ovar a execução da condenação indemnizatória por si proferida e aqui executada; pelo que bem andou a decisão recorrida ao dizer e declarar que o juízo de execução de Ovar é incompetente para conhecer e decidir a presente execução fundada em sentença penal que condenou o arguido/executado em montante certo.

O que não significa que concordemos com a totalidade do decidido.

A nosso ver – e trata-se de tema por certo também controverso – não estaremos, como também decorre da decisão recorrida, perante uma incompetência sujeita ao regime da incompetência absoluta e que implique a “absolvição da instância ou o indeferimento liminar” (cfr. 99.º/1 do NCPC).

Como refere Rui Pinto[10], “podem existir em dada comarca juízos de execução. São tribunais cuja competência é determinada pelo tipo de processo: execuções, seja qual for o valor e a matéria, em regra. Por isso, e bem, a LOFTJ/99 prevê-os no art. 96.º/1/g) como tribunais de competência específica, enquanto a LOFTJ/2008, já menos bem, prevê-os no art. 74.º/2/h) como juízos de competência especializada. (….). Se esta arrumação implica ou não com o regime de incompetência, ou seja, se gera incompetência absoluta ou incompetência relativa, é algo que veremos mais adiante.”

E mais adiante[11] refere que “a violação das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma de processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes de um pacto de competência executiva gera incompetência relativa. (….)” Acrescentando logo a seguir que “a preterição da competência de um juízo de execução na LOFTJ/99 constitui incompetência relativa, por se tratar de tribunal de competência específica, e, portanto, em razão da forma de processo. Na LOFTJ nova o legislador qualifica esses tribunais como de competência especializada, ou seja, em razão da matéria, mas nem por isso deixará de seguir-se o regime da incompetência relativa (…)”.

É este também o nosso ponto de vista.

As várias e profundas alterações legislativas com repercussão na distribuição horizontal da competência dos tribunais judiciais devem ser acompanhadas da devida adaptação dos contornos conceituais; e, na ausência de tal adaptação por iniciativa do legislador, compete ao intérprete fazê-la[12].(…)”

Ou ainda, no mesmo sentido, o Ac STJ de 10-09-2009, adiante sumariado: [5]

(Execução de sentença penal; Liquidação em execução de sentença ;Competência do Supremo Tribunal de Justiça Competência material Sentença criminal Embargos à execução)

I -A execução de sentença criminal, segundo o disposto no art. 470.º do CPP, corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido e, porque a lei não distingue, assim há-de reputar-se tanto no que toca aos seus efeitos penais, como quanto aos efeitos estritamente civis e, neste domínio, qualquer que seja a espécie executiva.

II - Esse princípio, de algum modo enformando o pensamento legislativo e integrando a solução a dar à questão suscitada, colhe apoio também no art. 90.º do CPC, segundo o qual, para a execução que se funde em decisão proferida pelos tribunais portugueses é competente o tribunal de 1.ª instância onde a causa foi julgada.

III - No entanto, nos termos do art. 82.°, n.º 1, do CPP, se o tribunal não dispuser de elementos para fixar a indemnização, condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a liquidação corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.

IV - Esta norma do art. 82.º pode e deve reputar-se o afloramento de um princípio geral segundo o qual a execução de sentença criminal corre os seus termos ante o tribunal criminal onde foi proferida e por apenso ao processo penal, excepção feita naquela peculiar situação do n.º 1, como flui do Ac. do STJ de 11-07-2007 – Proc. n.º 2547/06 -3.ª Secção.

V - De acordo com o art. 102.º-A, n.º 1, do DL 38/2003, de 08-03, compete aos juízos de execução exercer no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no CPC.

VI - Excluem-se do n.º 1, segundo o seu n.º 2, além do mais, as sentenças proferidas nos tribunais criminais cujos termos não devam correr nos tribunais cíveis. Aquelas que o devem são as destinadas à liquidação indemnizatória e não quaisquer outras.”

Nestes termos, sufragando as razões ali indicadas, temos por certo que será aos tribunais  cíveis com competência executiva que caberá a competência para o processamento da liquidação prévia e que a questão se atêm, antes, a  problema de excepção dilatória de incompetência em razão da matéria (especialidade) e não , como se decidiu no despacho recorrido, de incompetência absoluta.

Em consequência, também a interpretação que foi tida no juízo cível sobre o sentido e alcance da expressão “(…) ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração do nº 5 do artº 716º do CPC, não obstante estar transitada essa decisão é desadequada e não pode ser sufragada, sob pena de incoerência hermenêutica de todo o sistema.

Tudo isto, porém, após trânsito, implicará oportunamente que, face à oposição de competências negativas, se deva seguir abertura de conflito de competência a decidir pelo tribunal próprio ( artº 35º do CPP)

Consigna-se, ainda, que o Ac TRL de 6.1.2014  citado pela demandante no corpo da sua motivação não foi possível encontrar, sendo o mais próximo do que cita o  Ac do mesmo TRP mas, antes, de 20/10/2014, [6]o qual reflecte propriamente uma situação similar à dos autos mas sim atinente a acção executiva laboral com incidente prévio de  liquidação na acção declarativa de condenação, pelo que os argumentos ali referidos não são compagináveis com o presente caso, pois nem sequer se trata ali de caso em que fosse aplicável norma equiparável ao artº 82º nº1 do CPP.

Quanto ao também pela demandante citado Ac do TRG de 2/05/2008 (?),o mesmo não foi encontrado no site indicado.

III- DECISÃO

3.1.- Pelo exposto, julga-se o recurso  improcedente.

3.2- Taxa de justiça e custas da cargo da demandante, sendo aquela pelo mínimo legal e considerando o valor do incidente (RCP)

Lisboa,  17 de   Março   de  2015

                                                                             

Os Juízes Desembargadores

(texto elaborado em  suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)

                                                                                                  Agostinho Torres

João Carrola

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[1] vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95

[2]  vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e  o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de  Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335; e ainda  jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 16-11-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.

[3] Cfr :

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4f737a914f96502c8025780f0054d974?OpenDocument.


[4] Pubº no site da  dgsi: 
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/b93c8988e97333d480257c9900370864?OpenDocument

[5] Publicado no site da PGDL:

http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=27681&codarea=2

 [6] Pubº no site da dgsi:

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/0ea964f747df146a80257d80004bf8db?OpenDocument&Highlight=0,liquida%C3%A7%C3%A3o