Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6395/14.1T8ALM.L1-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
INCUMPRIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
DIREITO DE RETENÇÃO
BENFEITORIAS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-A perda de interesse tem que se aferir segundo critérios de razoabilidade própria do comum das pessoas.

II-São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa.

III-A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstractas.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


1-Relatório:


A autora, Isabel ... dos ... ... ... intentou acção declarativa, contra a ré, ... ... ... de Jesus ... ..., peticionando que:

-Se valide e reconheça a resolução contratual invocada, considerando que esta operou efeitos e cessou o contrato de arrendamento, desde a entrada em juízo da acção;
-E, se assim não se considerar, quanto ao tempo da produção de efeitos da resolução, que a valide e reconheça, considerando que esta operou efeitos e cessou o contrato de arrendamento em causa desde a citação;
-Cumulativamente, reconheça e confirme o direito de retenção da Autora sobre o locado, confirmando a legalidade da não entrega deste à Ré, em concomitância com a validação e reconhecimento da resolução contratual, mantendo-o na sua posse e fazendo uso do seu direito de retenção até ao integral pagamento de todos os valores aqui demandados;
-Cumulativamente, condene a Ré a pagar, à Autora, a quantia €17.618,15 (dezassete mil seiscentos e dezoito euros e quinze cêntimos), discriminados em €15.618,15 (quinze mil seiscentos e dezoito euros e quinze cêntimos) mais €2.000,00 (dois mil euros), a título de compensação e reembolso pelas reparações e benfeitorias realizadas no locado;
-Cumulativamente, condene a Ré a pagar, à Autora, a quantia de €2.168,80 (dois mil cento e sessenta e oito euros e oitenta cêntimos), a título de prejuízos patrimoniais que lhe causou em virtude do incumprimento contratual;
-Cumulativamente, condene a Ré ao pagamento, à Autora, de €4.000,00 (quatro mil e quinhentos euros), a título de danos morais que esta sofreu;
-Por consequência, condenando a Ré ao pagamento da quantia indemnizatória global de €23.786,95 (vinte e três mil setecentos e oitenta e seis euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal em vigor para os juros civis, contabilizados desde a citação da presente acção até ao seu efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou a autora que é inquilina da ré há longos anos e que esta de forma reiterada, incumpre a obrigação de realizar obras no locado, o que obrigou a autora a suportar os custos de tais obras, dada a sua urgência.
A situação descrita cria medos incómodos e problemas de saúde na autora.
E face à manifestação de vontade da ré em actualizar a renda do locado pretende a autora resolver o contrato de arrendamento e ser indemnizada pelas benfeitorias que fez no imóvel e indemnizada pelos danos não patrimoniais que o incumprimento contratual da ré lhe causou.

Citada contestou a ré, alegando que a habitabilidade do imóvel nunca esteve em causa, que as obras que a autora supostamente executou tenham sido necessárias e urgentes, bem como, imputou à autora uma conduta integrável no conceito de abuso de direito, dada a desproporção entre o valor das rendas que paga e o valor das obras que reclamava.

A autora exerceu o seu contraditório no concernente à excepção de abuso de direito invocada, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do processo e organizados os temas de prova.

Prosseguiram os autos para julgamento, vindo a final a ser proferida sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória:

«Nestes termos, e face ao exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente, decide-se:
a)-considerar resolvido o contrato de arrendamento existente entre autora e ré;
b)-condenar a ré a pagar à autora a importância de €15.618,15, pelas benfeitorias necessárias que esta efetuou no locado, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento;
c)-reconhecer que, nos termos do disposto no art. 754º do CC, à autora existe o direito de retenção sobre o locado, enquanto a ré não pagar a importância referida na al. anterior;
d)-absolver a ré do demais peticionado pela autora.
Custas por autora e ré, na proporção do vencimento».

Inconformada recorreu a ré, concluindo as suas alegações:

1ª.-A ora Recorrente entende que os pontos 8 e 37 dos factos dados como provados foram incorrectamente julgados, tendo o Tribunal a quo ficado aquém na sua decisão atenta a prova documental e testemunhal produzida.
2ª.-Assim, no que respeita ao ponto 8, deveria ter sido dado como provado que em 1995, a fachada frontal do prédio foi pintada por iniciativa da Ré, bem como substituída a porta da rua e arranjado o telhado.
3ª.-Em face do exposto, no que tange ao ponto 37 da matéria de facto deveria ter sido dado como provado que a Ré efectuou obras no prédio, reparou o esgoto e procedeu à ligação das canalizações à prumada geral de esgotos em 1995.
4ª.-Entende a Apelante que o fundamento de resolução aplicado pelo Tribunal a quo - a perda do interesse da ora Apelada à luz das circunstâncias do caso e de um critério de razoabilidade - não se coaduna com os factos provados.
5ª.-A Apelada nunca interpelou a Apelante no sentido de lhe conceder um prazo certo para a execução das obras pelo que não poderá considerar-se existir mora.
6ª.-O ónus da prova da perda do interesse, nos termos da lei substantiva, recai sobre o credor, neste caso sobre a Apelada, enquanto facto constitutivo do seu direito de resolução.
7ª.-Diga-se, ainda, em abono da verdade, nunca a Apelada interpelou judicialmente ou extrajudicialmente a Apelante para o pagamento de quaisquer obras que tenham sido realizadas no locado.
8ª.-Sendo que toda e qualquer reparação urgente realizada pela Apelada tinha de ser autorizada pela aqui Apelante conforme previsto no nº 2 do artigo 1036.° do CC, ou quando não autorizada teria de ser a Apelante avisada ao mesmo tempo da realização das obras, ou seja, interpelada para pagamento de quaisquer despesas.
9ª.-A Apelada, no sentido de ultrapassar o diferendo, teria duas soluções: ou procurava demonstrar a perda automática do seu interesse na concretização do contrato - o que não fez -, ou, entendendo que à Apelante ainda era lícito o seu cumprimento, interpelava-a, para o efeito, de acordo com o preceituado pelo artigo 808°, nº 1, 2ª parte, do CC.
10ª.-A actuação da Apelada, neste particular, consubstancia um claro exercício de abuso de direito nos termos e para os efeitos do artigo 334.° do CC.
11ª.-O tribunal a quo considerou que as obras realizadas pela Apelada consubstanciam benfeitorias necessárias, com as legais consequências decorrentes da referida qualificação: o reconhecimento de um direito a compensação por benfeitorias e do direito de retenção da Apelada sobre o locado.
12ª.-Dos documentos juntos pela Apelada na petição inicial não resulta que as obras em causa tenham sido efectivamente realizadas no locado e que se tenham revelado indispensáveis a evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa.
13ª.-Só o senhorio pode fazer obras no locado ou o arrendatário com autorização escrita do senhorio.
14ª.-Ressalvam-se apenas as reparações urgentes, previstas no artigo 1036.°do CC, pois não se compadecem com as delongas de um procedimento judicial.
15ª.-Quando o locatário faça reparações urgentes no locado é-lhe atribuído direito a compensação do seu crédito, cfr. artigo 1074.° nº.4 do CC, nas seguintes condições: i) aquando da execução da obra; ii) juntando os comprovativos das despesas; iii) até à data do vencimento da renda seguinte.
16ª.-Fora dos casos previstos o locatário não poderá fazer obras não autorizadas, devendo recorrer à via judicial, o que a Apelada não fez e agora pretende fazer valer em juízo um direito a compensação e um alegado direito de retenção.
17ª.-As obras que a Apelada executou não integram o conceito de benfeitoria previsto no artigo 216° do Código Civil, porque não contribuíram para melhorar ou conservar o local dos autos.
18ª.-De facto, resultou provado que o locado carece de obras de reparação - ponto 39 e 40 - e que o estado de conservação em geral se deteriorou. Mesmo que assim não seja,

19ª.-O direito de indemnização que a Apelada alega tem como factos constitutivos o seguinte:
-a alegação e prova da execução da obra;
-a alegação e prova de que a obra constitui uma benfeitoria;
-a alegação e prova de que as benfeitorias foram necessárias - ou seja
-que foram executadas para evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio.

20ª.-Ora, a Apelada não alega um único facto que permitisse qualificar as obras executadas como benfeitorias necessárias.
21ª.-Pelo que, a Apelada não cumpriu o ónus da alegação e da prova que sobre eles recai, conforme resulta do disposto no artigo 342°, nº 1 do Código Civil.
22ª.-O facto de terem sido executadas diversas obras não constitui matéria suficiente para qualificá-las como benfeitorias necessárias.
23ª.-São também constitutivos do direito de reembolso por execução de benfeitorias: o enriquecimento do proprietário decorrente da execução das benfeitorias;
- o empobrecimento dos réus com a execução das benfeitorias.
24ª.-Ora, também no que respeita a estes factos, a Apelada nada alegou.
25ª.-Tendo ficado demonstrado nos autos que o património da Apelante em nada se enriqueceu com as obras executadas pela Apelada, uma vez que o locado encontra-se num estado de conservação que demonstra que as obras executadas em 2005 em nada valorizaram o locado.
26ª.-De facto, a douta sentença recorrida ignorou por completo as regras que devem estar subjacentes à indemnização do arrendatário.
27ª.-A obrigação de indemnizar que recai sobre o senhorio, tem de obedecer às regras do enriquecimento sem causa, conforme resulta do artigo 1273°, nº 2 do Código Civil.
28ª.-Acresce também que a douta sentença não aplicou o disposto no artigo 1043° do Código Civil, do qual resulta que o arrendatário tem o dever de manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvando as deteriorações inerentes a uma prudente utilização.
29ª.-Pelo que, as referidas obras integram-se no dever de manutenção do locado que recai sobre o arrendatário.
30ª.-Donde, a autora não têm qualquer direito a ser indemnizada.
31ª.-Não obstante o seu dever de execução de obras de conservação do locado, quer as mesmas sejam ordinárias ou extraordinárias - cfr. artigo 1074.° nº 1 do CC - no caso sub judice não pode deixar de ser julgada procedente a excepção peremptória de abuso de direito, por contrariedade ao princípio da boa fé.
32ª.-Na jurisprudência é dominante o reconhecimento do abuso de direito quando o inquilino exige do senhorio a realização de obras no locado de valor consideravelmente elevado, quando paga uma renda extremamente reduzida.
33ª.-Se o Tribunal a quo aceita que fosse legítimo, enquanto vigora o contrato, que a Apelante invocasse uma situação de abuso de direito da autora para incumprir a obrigação de realizar todas as reparações, no mesmo sentido deverá considerar abuso de direito o pagamento de qualquer indemnização derivada dessas mesmas obras!
34ª.-Assim, pretende a Apelante ver revogado o excerto da sentença que a condena no pagamento de € 15.618,15, pelas pretensas benfeitorias que a Apelada efectuou no locado, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.
35ª.-E, consequentemente, deverá ser revogada a sentença na parte em que declara que a Apelada assiste o direito de retenção do imóvel, nos termos previstos no artigo 754.° do CC, pelo período temporal em que a Apelante não pagar a importância a que foi condenada.
36ª.-A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 216°,342°, nº 2, 1273°, nº 2, 1043°, 1036°, 805.°, 808.° nº 1 e 2 e 334.° do Código Civil.
37ª.-Nestes termos e demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.

Por seu turno, contra-alegou a autora:

I.-Da Matéria de Facto Impugnada - A Apelada considera que o Tribunal a quo não julgou de forma totalmente conveniente a prova produzida no presente processo, quer em sede de audiência de julgamento, quer no tangente aos documentos juntos aos autos, mas conforma-se com o seu entendimento.
II.-Os Pontos 8 e 37 da Matéria de Facto provada devem manter-se exactamente como o tribunal considerou ser o correspondente à realidade, escorando-se no princípio da livre apreciação da prova.
III.-O princípio da livre apreciação da prova (Artigo 607.°, nº 5, do Código de Processo Civil), que alicerça o julgamento da matéria de facto, sustenta-se em critérios racionais e objectivos, em juízos de ilações e inferências razoáveis, mas sempre de mera probabilidade; e conduz a um juízo positivo de prova, quando, em face dos instrumentos disponíveis, do seu conteúdo, da consistência e harmonia, se afigure aceitável à consciência de um cidadão, medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada já se possa ter como efectivamente assumida (vide Acórdão da Relação do Porto, referente ao Processo nº 1267/06.6TBAMT.P2).
IV.-A avaliação dos depoimentos das testemunhas e das partes deve assentar na razão de ciência evidenciada e no maior ou menor afastamento (ou comprometimento pessoal) que, com a controvérsia em discussão, se afigure existir (vide Acórdão da Relação de Lisboa antes mencionado).
V.-Isto significa que o princípio da livre apreciação da prova, apesar de não ser absolutamente livre, é relativamente livre, estando sujeito a critérios razoavelmente objectivos, ainda que influenciados pela subjectividade humana.
VI.-A sentença prolatada sustentou-se, para prova desses factos, no aquilatar dos testemunhos das senhoras ... Alzira da Silva Pereira e de ... Alda M... C..., bem como do escrutínio das declarações de parte da Apelante.
VII.-O douto Tribunal a quo ouviu, reflectiu e, dentro das balizas da livre apreciação da prova, dirimiu a situação, não lhe sendo demandável mais do que efectuou.
VIII.-O Tribunal a quo deve ater-se à matéria de facto alegada pelas partes, ou seja, que se deve reger pelo princípio do dispositivo ou da disponibilidade das partes, consignado no artigo 5.° do Código de Processo Civil.
IX.-Com lastro nisto, o Tribunal a quo determinou os temas da prova e procedeu à normal tramitação que desemboca na audiência de julgamento.
X.-É verdade que um dos temas listado é o aferir quais as obras que a Apelante efectivou no imóvel, mas não é menos verdade que, em face de outros factos provados, os acrescentos sugeridos à matéria de facto tida por veraz são espúrios e inconsequentes para uma alteração do veredicto.
XI.-Por conseguinte, em face de tudo isto, a impugnação da matéria de facto teve por intento o mero benefício da extensão do prazo em 10 (dez) dias (Artigo 638.°, nº 7, do Código de Processo Civil), devendo a factualidade conservar-se imutada.
XII.-Da Matéria de Direito Impugnada - Resolução do Contrato - Apesar das divergências jurídicas de entendimento que a Apelada expressa em relação à aplicação do direito na douta sentença, no essencial, esta concorda com o aresto de 1ª. Instância.
XIII.-Discorda em absoluto da tentativa da Apelante em contrariar o arbitramento promanado com enviesamentos do conceito de mora, visto que o Tribunal a quo estribou a resolução do contrato de arrendamento na perda de interesse na sua manutenção, segundo o preceituado nos Artigos 432.° e 808.°, nº 1, do Código Civil.
XIV.-Para aferição do desinteresse, analisou a factualidade e adimpliu com o estatuído no Artigo 808.°, nº2, do Código Civil, isto é, averiguou se, objectivamente, mediante um juízo prudente de razoabilidade, essa factologia poderia ser justificadora desse alheamento negocial.
XV.-O Tribunal a quo diz-nos que: "Da factualidade dada como assente resulta que o locado há vários anos apresenta problemas estruturais que a ré nunca se prontificou a resolver, apesar de ser essa a sua obrigação, isto não obstante a autora lhe ter comunicado a existência dos mesmos e suscitado a sua resolução."
XVI.-Neste âmbito, a Matéria de Facto não foi confutada, logo, está consolidado que ocorreu o não cumprimento de um dever contratual e legal, por um período que se inicia em 1998 e prossegue até 2014.
XVII.-Segundo a sentença ficou assente: "Se conjugarmos todos os fatores; o incumprimento reiterado da ré ao longo dos anos não efetuando as obras necessárias, os problemas estruturais que apresenta o locado (com tendência para se agravarem caso não haja intervenções), o facto de ser a autora a custear reparações urgentes e, mais recentemente, a perspetiva de poder vir a ser confrontada com um aumento de renda por iniciativa da senhoria, será mister concluir que, segundo um critério de razoabilidade, é atendível que a autora tenha perdido interesse na continuação da relação locatícia, justificando-se a resolução do contrato de arrendamento entre as partes existente. "
XVIII.-Não subsiste dubiez quanto à proporcionalidade, adequação e necessidade da sua intenção resolutiva, ou seja, da justa causa de resolução por desinteresse na prestação.
XIX.-O centro da argumentação da Apelante, nesta parte, para pôr em crise a sentença é a não materialização da mora, condição sine qua non para a aplicação do Artigo 808.° do Código Civil.
XX.-A Apelante pugna pelo colhimento da tese de que a mora, ao fim de décadas de incumprimento, não se constituiu.
XXI.-O Artigo 798.° do Código Civil postula que: o devedor que falta culposa mente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor".
XXII.-O Artigo 804.°, nº 1 e nº 2, do Código Civil preceitua que: a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e que o devedor se considera assim constituído quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
XXIII.-Por sua vez, o Artigo 805.°, nº.1 do Código Civil dispõe que: "O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir".
XXIV.-Ora, da justaposição interpretativa da factualidade ínsita aos Pontos 11, 14 (em concomitância com os Pontos 13, 15, 16 e 17, 21, 22, 23, 28, 30 e 32 da Matéria de Facto provada, conclui-se que Apelada interpelou a Apelante para cumprir com o seu dever legal e contratual.
XXV.-E, se se compulsar o Doc. 22, junto com a Petição Inicial e concernente ao Ponto 30, o representante da Apelada indica um prazo de 5 dias, após tantos anos de incumprimento da Apelante, para retorquir ou diligenciar de maneira a que as empreitadas se iniciem.
XXVI.-Dessa factologia resulta que a Apelante concordou que o imóvel carecia de obras urgentes, que a obrigação de as corporificar seria sua e que se encarregaria disso até Agosto de 2003, ou seja, ela especificou um prazo para o incoar das empreitadas; em consequência, não só houve as indispensáveis interpelações, como até se fixaram prazos.
XXVII.-E, a despeito disso, o Artigo 805.°, nº1 do Código Civil institui que a mora, no caso das obrigações puras, aflora da interpelação, não aludindo à fixação de prazo.
XXVIII.-A Apelante alegou que o ónus da prova da perda do interesse e da sua justeza cabia à Apelada, e foi isso que ela fez (Artigo 342.° do Código Civil), não tendo essa matéria de facto provada sido impugnada.
XXIX.-Finalmente, do Artigo 805.°, nº2, alínea b), do Código Civil extrai-se que, se a obrigação provier de facto ilícito, a mora emerge sem interpelação, o que se aplica ao presente caso, porque a obrigação de proceder às obras era, além de contratual, uma obrigação legal, bastando que a Apelante tenha conhecimento da necessidade de obras, por qualquer forma, para nascer a mora no cumprimento da obrigação contida nos Artigos 1074.°, nº 1, e 1031.°, b), do Código Civil.
XXX.-Do Abuso de Direito - A Apelante defende que o exercício do direito resolutivo pela Apelada consiste num abuso de direito, amparando a sua posição na não constituição em mora do devedor; sendo que um direito só será abusivo se transbordar para lá das fronteiras da boa-fé, dos bons costumes e/ou do fim social ou económico desse direito (Artigo 334.° do Código Civil).
XXXI.-No entanto, para um direito ser abusivo, terá de haver esse direito, ou seja, se a proposição da Apelante triunfasse, o direito de resolução nem sequer existiria por inobservância da mora, excluindo as hipóteses de venire contra factum proprium.
XXXII.-Contesta-se, outrossim, que houve abuso de direito pela violação do princípio da boa-fé e do princípio da proporcionalidade, que a Apelante alegou no seu recurso de Apelação, pois não se excederam os limites vertidos no Artigo 334.° do Código Civil.
XXXIII.-A Apelante não se pode apoiar no congelamento de rendas ou na inaptidão para alterar o montante da renda, porque existia um regime legal para o efeito e porque os vários comportamentos da Apelada permitiam entender que esta estaria disponível para rever o valor da renda, se tal lhe fosse proposto e esse valor respeitasse as benfeitorias necessárias e urgentes que esta custeou.
XXXIV.-A Apelada actuou sempre dentro da boa-fé, revelou lisura, procurou soluções, contactou a Apelante inúmeras vezes, demonstrou o seu desagrado, salientou a urgência das intervenções requeridas, agiu após muita espera e inércia, solicitou autorizações e informou a Apelante do que iria fazer; e não violou os bons costumes, porque a sua atitude se pautou por um elevado sentido ético.
XXXV.-A sua oposição ao aumento de renda sugerido - além de este ser, outrossim, um direito legal -, seguiu acompanhada de uma contraproposta de €100,00 (cem euros) e de uma explicação dos motivos para a recusa, não se escudando na mera legalidade, tendo em conta que, objectivamente, €18,00 (dezoito euros) não são uma quantia digna de uma renda.
XXXVI.-E, quanto aos limites impostos pelo fim social e económico desse direito, não ficou provado, nos autos, que a Apelante estaria impedida de convencionar uma empreitada por carência económica, pelo contrário, mostrou-se que a Apelante, após as interpelações da Apelada, ignorou o que lhe estava a ser requestado, mas, quando outros inquilinos precisaram que se fizessem obras, estas foram realizadas (Ponto 37 da Matéria de Facto provada).
XXXVII.-Não pode vingar a tese de que existe uma desproporcionalidade brutal entre prestações, visto que a Apelada expendeu imenso dinheiro em obras que deveriam ser suportadas pela Apelante, pelo que lhe foi imposta uma conjuntura onerosa e que contraria o fim social e económico do seu direito, enquanto arrendatária.
XXXVIII.-É consensual entre a jurisprudência de que o abuso de direito por exercício de direito em desequilíbrio demanda que: a) O titular do direito seja movido pela intenção exclusiva de prejudicar ou de fazer mal a outrem; b) O exercício do direito não represente qualquer vantagem para o seu titular, enquanto dele resulte para outrem um sacrifício injusto; c) Se verifique uma desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o prejuízo que causa a outrem.
XXXIX.-É óbvio, pela Matéria de Facto Provada, que a Apelada não resolveu o contrato, tendo por motor volitivo o prejuízo da Apelante ou de lhe fazer mal; é óbvio que tem a vantagem de deixar de estar acorrentada a uma relação que lhe é danosa e é ressarcida e indemnizada pelas despesas em benfeitorias; é óbvio que não há sacrifício injusto, porque a Apelada agiu com honestidade e clareza; é óbvio que a perda de interesse não se cingiu, tão-somente, à questão da renda; e é óbvio que não existe desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular do direito e o prejuízo que causa a outrem, dado que a Apelada materializou várias obras urgentes e necessárias no locado, enriquecendo a Apelante.
XL.-Da Indemnização - A Apelante, advoga uma errónea qualificação jurídica das obras efectuadas pela Apelada no imóvel locado, alegando que houve uma incorrecta avaliação da prova e recusando que a empreitada germinava da urgência em executar benfeitorias necessárias.
XLI.-Assenta essa argumentação nos Pontos 31 e 33 da Matéria provada, quando não impugnou esses factos e a sua interpretação e quando os factos apontam para a solução de direito da sentença prolatada.
XLII.-A Apelada acrescenta que a Apelante não pode apostar noutra decifração dos factos supramencionados sem incluir no rolos Pontos 29 e 30 da Matéria de Facto provada, que envigoram o já afirmado.
XLIII. Todos esses pontos confirmam que as obras eram urgentes e que a habitabilidade do prédio estava comprometida, havendo mesmo perigo desabamento do tecto, a inutilização de áreas nevrálgicas da habitação, como a cozinha e casa de banho, e que estas obras foram essenciais para a e sustentação da habitabilidade e segurança do imóvel, porque consertou telhados e tectos, janelas, portas, canalizações de águas e ligações de esgoto, rede eléctrica, entre outras.
XLIV.-A Apelante alega que a Apelada não permitiu acesso ao locado ou a execução de obras, quando, da matéria de facto provada, não figura um único facto que autorize tal compreensão.
XLV.-As benfeitorias eram, portanto, necessárias e urgentes, à luz do disposto no primeiro segmento do Artigo 216.°, nº 2, do Código Civil, pelo que o tribunal considerou aplicável, em consequência, o regime plasmado no nº 1 do artigo 1046.° do CC, o que significa que Apelada tem direito de ser indemnizada pelas benfeitorias necessárias.
XLVI.-Ainda assim, também seria defensável, observando os factos provados, que a Apelada poderia ser indemnizada pela conjugação do disposto nos artigos Artigos 1036.° e 1074.° do Código Civil.
XLVII.-Visto que, salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras urgentes realizadas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé, desde que informe o senhorio, o que o fez (Ponto 30 da Matéria de Facto, conjugado com o Doc. 22 da P.I.).
XLVIII.-Do Enriquecimento sem causa - A Recorrente veio objectar ao teor deliberativo da sentença, sustentando que a obrigação de indemnizar tem de obedecer às regras do enriquecimento sem causa, conforme resulta do Artigo 1273.°, nº 2, do Código Civil, e que a Apelada nada alegou em relação a esse aspecto.
XLIX.-A Apelada, em alegações orais, em sede de audiência e julgamento, fez menção ao enriquecimento sem causa e ao porquê de este existir no caso sub judice.
L.-Caso não o houvesse feito, isso não impediria que, por remissão do Artigo 1273.°, nº 2, do Código Civil, se aplicasse o regime do enriquecimento sem causa, visto que um tribunal, em função dos factos provados, pode aplicar qualquer norma (ou conjunto de normas) não alegada (vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 7365/2006-1, e o Artigo 5.°, nº3, do Código de Processo Civil).
LI.-Atendendo ao Artigo 1273.° do Código Civil, deduz-se, que as benfeitorias necessárias são sempre indemnizadas, mesmo que o arrendatário seja equiparado ao possuidor de boa-fé ou má-fé; e deduz-se que, para evitar o detrimento da coisa, o indemnizado deve observar a sua indemnização calculada com base no instituto do enriquecimento sem causa, o que conduz ao corolário lógico de que a compensação só é aceitável se não for possível levantar as benfeitorias realizadas.
LII.-Dada a factualidade provada, não seria possível levantar qualquer benfeitoria sem nascer daí um detrimento deste imóvel; uma deterioração extremamente arriscada e perigosa para a estabilidade conjuntural e estrutural da fracção e de todas as outras que completam a globalidade do prédio.
LIII.-Por conseguinte, esta factologia origina um de dever de indemnização, compreendendo tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido (Artigo 479.°, nº1, do Código Civil).
LIV.-A Apelante teoriza que não houve enriquecimento, porque, mesmo com as obras, o locado não ficou em perfeitas condições de manutenção e/ou conservação, mas o enriquecimento não se verifica só se um imóvel estiver em perfeitas condições, e não se pode esquecer de que os dispêndios da Apelada sobrestaram ao agravar da danificação do imóvel e deram azo a um empobrecimento e, naturalmente, a um enriquecimento.
A Apelante continua a defender as obras eram obrigação da Apelada, interpretando enviesadamente o Artigo 1043.° do Código Civil, quando o dever recaía sobre aquela, porque o locador, para assegurar o gozo da coisa locada, está obrigado a efectuar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, e as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para tanto (Artigos 1074.°, nº 1, e 1031.°, b), do Código Civil) e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo nº 120/10.3TBVNC.Gl).
LV.-A Apelante argumenta que, porque as obras foram executadas em 2005, não houve mais-valia ou que esta se consumiu pelo uso que a Apelada fez do imóvel.
LVI.-O facto de obras terem sido efectuadas há mais de uma década não positiva a inexistência de mais-valia, só por si, como se esse agente temporal fosse prova de que as obras não obstaram à depreciação e deterioração superiores do locado.
LVII.-Nesta acepção, a passagem do tempo seria prova, sem mais, de que qualquer obra feita não tem efeitos de valorização sobre onde é efectuada se se passar tempo relevante, o que é um absurdo.
LVIII.-Quanto à valorização ser consumida pelo transcurso dos anos, isso desprestigia o esforço da Apelada em assegurar que aquela não viesse a despertar para uma série de problemas futuros com o imóvel e com os seus inquilinos e a empobrecer, porque obras restabeleceram a habitabilidade do locado e baldaram a sua acelerada erosão.
LIX.-É óbvio que o imóvel, que estava altamente degradado num certo momento, após a execução das obras, se viu valorizado; e é óbvio que, se as obras sustaram uma degeneração acentuada, também tolheram o seu rápido desvalorizar e o da esfera patrimonial da Apelante.
LX.-A falta de cumprimento da obrigação de fazer obras, faz a Apelante incorrer em responsabilidade contratual, com o correspondente dever geral de indemnizar (Artigo 562.° do Código Civil), presumindo-se a sua culpa (Artigo 799.° do Código Civil).
LXI.-Retornando ao enriquecimento sem causa: "O enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do activo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas." (Novamente, Acórdão da Relação de Coimbra, processo nº 1867 /08.0TBVIS.C1.).
LXII.-Verificando os requisitos do regime, apercebemo-nos que estão todos preenchidos e houve enriquecimento da Apelante, porque a Apelada: a) Lhe valorizou o imóvel (aumento do activo) e limitou o desgastar e a depreciação do locado; b) Quanto à carência da causa justificativa, é o próprio regime legal que remete para aplicação do instituto; c) Houve patente empobrecimento da Apelada, que foi forçada a custear obras em quantia elevada; d) O empobrecido não tinha outro meio de ser restituído/indemnizado conferido por lei, porque é a lei que remete para o regime do instituto e não era praticável o levantamento das benfeitorias.
LXIII.-O direito de retenção da Apelada sobre o locado deve manter-se obrigatoriamente (Artigo 754.° do Código Civil).
LXIV.-Não sendo aceitável, por tudo isto, uma decisão do Tribunal ad quem, por injusta e contrária ao direito, que não certifique a razão da sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos.

2-Cumpre apreciar e decidir:

As conclusões de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 608º, nº2, 5º, 635º e 639º todos do CPC.

As questões a dirimir consistem em aquilatar:
- Da impugnação dos factos provados nºs. 8 e 37 da sentença.
- Sobre a perda de interesse para efeitos de resolução do contrato.
- Da natureza necessária das benfeitorias.
- Do abuso de direito.
- Do direito de retenção.
 
A matéria de facto delineada na 1ª.instância foi a seguinte:

1-A Autora, Isabel ... dos ... ... ..., é arrendatária de uma fração sita na Estrada Nacional, nº 377, nº 25, Sótão Direito, 2825- b831, União das Freguesia de Caparica e Trafaria.
2-Fração essa identificada na Conservatória do Registo Predial de Almada pelo artigo matricial nº 840, sendo 1988 o ano de inscrição na matriz, tratando-se de um sótão de 3 (três) assoalhadas esconsas.
3-A Ré, ... ... A. J. ... ..., é a proprietária e arrendatária da fração supra-identificada.
4-O contrato de arrendamento foi celebrado no dia 1 de Agosto de 1977, entre a mãe da Ré, a falecida ... Alice ... de Jesus, e o ex-marido da Autora Mário F... R... M....
5-Após o divórcio por mútuo consentimento, em Abril de 1986, a Autora viu a casa de morada de família ser-lhe atribuída.
6-A Autora voltou a casar em 1986.
7-Em 1988, o locado começou a evidenciar sinais de degradação (infiltrações, frestas no telhado e paredes, buracos e manchas).
8-Em 1995, a fachada frontal do prédio foi pintado por iniciativa da Ré.
9-Por carta datada de 31 de Março de 1996, o falecido marido da Ré, Fernando de ... ..., interpelou a Autora, indagando se esta estaria interessada em adquirir o andar correspondente à fração supra-identificada, visto que, na altura, o imóvel ainda não havia sido sujeito ao regime da propriedade horizontal.
10-Retorquindo - também por carta datada de 15 de Abril de 1996 -, a Autora manifestou interesse em adquirir o locado, mas recusou a oferta pelo preço sugerido 2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos).
11-Nessa mesma missiva, alertou, para a necessidade de reparação do telhado e para existência de infiltrações, o que a forçou a colocar recipientes para recolher a água que penetrava pelo teto.
12-Por carta datada de 24 de Abril de 1996, Fernando ... ... inteirou a Autora de que aguardava a resposta de alguns dos inquilinos para se pronunciar sobre todos os assuntos.
13-Acrescentou, também, que iria dar início ao processo camarário para concretizar a passagem do imóvel para o regime da propriedade horizontal.
14-Por carta datada de 20 de Julho de 1998, a Autora, assustada com os vestígios de acelerado desgaste e erosão por força do agravamento das infiltrações, escreveu uma carta a Fernando de ... ....
15-Temia que, durante o período invernal, o teto da casa de banho viesse a abater se não fossem tomadas medidas urgentes.
16-Tendo-se disponibilizado para acertar um dia e uma hora para que a Ré pudesse visitar o locado e inteirar-se do seu estado.
17-Não obteve qualquer resposta.
18-Enquanto ia custeando pequenos arranjos, para evitar que males maiores viessem a sobrevir, ia recebendo ao longo dos anos as atualizações de renda segundo as correções anuais por aplicação do coeficiente legal indexado à inflação.
19-A Autora requereu várias vistorias à Câmara Municipal de Almada (C.M.A.), de modo a ter os estragos documentados e a autarquia devidamente informada.
20-A vistoria realizou-se em 2003, no dia 29 de Janeiro.
21-A Ré, por intermédio do seu falecido marido, prometia que as obras teriam início, em princípio, em Agosto desse ano de 2003.
22-As obras nunca foram realizadas.
23-A Autora continuou a insistir com a ré para a realização das obras.
24-Em carta datada de 5 de Fevereiro de 2004 a Ré propôs que a Autora adquirisse por contrato de compra e venda todo o imóvel.
25-A Autora aquiesceu em encetar negociações.
26-No seguimento, a Autora envidou esforços para obter toda a informação da situação do imóvel junto da Câmara Municipal de Almada.
27-Com base na documentação, foi apresentada uma contraproposta para a aquisição do imóvel de €150.000,00.
28-Em carta datada de 21 de Janeiro de 2005, a Autora volta a referir que é necessário fazer obras urgentes no locado, esclarece que caiu todo o estuque dos tetos da cozinha e da casa de banho, que a deterioração do locado generalizou-se.
29-Pediu que a Ré promovesse uma nova vistoria com vista a determinar a profundidade dos estragos e deteriorações, de modo a que se pudessem delimitar as reparações urgentes e inadiáveis.
30-A 4 de Janeiro de 2005, a Autora, por intermédio do seu advogado à altura, interpelou a Ré alertando de que, após vistoria camarária de 14 de Setembro de 2005, havia perigo iminente de desabamento dos tetos e que aquela estava impedida de utilizar a cozinha e casa de banho.
31-Foi dado a conhecer uma estimativa dos custos das reparações básicas essenciais para evitar o desabamento, ou seja, cerca de €3.000,00 (três mil euros) sem contemplar pinturas, colocação de azulejos e reparações elétricas.
32-A Ré nada disse, o que levou a que a Autora efetuasse obras.
33-Essas obras contemplaram a substituição de vigas e telhas; substituição de novos tetos em todas as divisões; colocação de duas janelas Velux (as que existiam eram de ferro e estavam muito ferrugentas); substituição de todas as portas (devido à humidade, já se desfaziam); colocação de mosaicos e azulejos na casa de banho; colocação de novos armários na cozinha; substituição da parte elétrica em toda a casa; substituição de toda a canalização de águas e ligação a esgoto (a canalização de água quente deixara de funcionar); substituição da estrutura de ferro da marquise por alumínio; colocação de duas janelas em alumínio branco nos quartos (as anteriores, entretanto, haviam apodrecido); colocação de chão flutuante em toda a casa (a maioria dos tacos estava a desfazer-se).
34-Estas obras custaram cerca de €15.6l8,15.
35-Para concretizar todas estas obras, a Autora recorreu a poupanças e contratou um mútuo oneroso (empréstimo) com o Banco BPI.
36-Em datas não concretamente apuradas do ano de 2010, a Ré, por duas vezes, esteve no locado.
37-Numa das frações do prédio, o rés-do-chão esquerdo, a Ré efetuou obras e reparou o esgoto.
38-Em 29 de Outubro de 2013, foi feita uma vistoria pela seguradora, tendo a autora assinado um auto que lhe foi apresentado pelo perito da GEP-Peritagens.
39-Em 25 de Setembro de 2013, a Autora endereçou dois e-mails para a Ré, com fotografias, expondo o que se passava e evidenciando o seu intenso desagrado e desassossego.
40-Em Agosto de 2014, no dia 29 desse mês, a Autora remeteu outros dois e-mails para a Ré, tendo um sido contestado, e em que esta tentou passar as responsabilidades da sua inação para a Autora.
41-Ao fim de uns dias, a Autora recebe uma carta datada de 03 de Setembro de 2014, tendo como remetente a Associação Lisbonense de Proprietários - ALP.
42-Agindo em representação da Ré, a ALP pretendia aumentar a renda de €18,00 (dezoito euros) para €250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais e a transição para o NRAU.
43-A Autora opôs-se à transição para o NRAU e ao aumento de renda através de carta datada de 26 de Setembro de 2014 e rececionada no dia 29 do mesmo mês, sugerindo, ao invés, o valor mensal de €100,00 (cem euros) e a manutenção do regime legal.
44-Em carta datada de 16 de Outubro de 2014 (Doc. 41), a ALP retrucou à oposição arguida pela Autora, considerando o contrato sob o regime do NRAU e fixando o valor mensal da renda em €240,39 (duzentos e quarenta euros e trinta e nove cêntimos).
45-Recentemente foi diagnosticada à autora hipertiroidismo.
46-A autora paga €18,00 de renda.
47-Desde data não concretamente apurada, mas anterior ao ano de 1995, a autora passou a residir, com carater de permanência, na casa arrendada do seu cônjuge, frequentando o locado aos fins de semana e em períodos de Verão.

Factos não provados:

1-Em 1988, iniciaram-se os pedidos por parte da Autora para que a primitiva senhoria realizasse obras.
2-Ainda em 1988, a Autora, em virtude da premência de que se fizesse uma empreitada que devolvesse condições de habitabilidade ao locado, pediu autorização à primitiva senhoria para as realizar.
3-Tendo a devida autorização, a Autora rebocou os tetos e colocou novos móveis na cozinha, porque os preexistentes estavam a desfazer-se devido a infiltrações, o que lhe custou €2000,00 (dois mil euros) em moeda atual.
4-O seu estado de preocupação e ansiedade incrementavam profundamente, sempre angustiada por ter de colocar recipientes para recolher a água que se infiltrava; por ter, literalmente, de tapar buracos; por temer que o teto lhe desabasse em cima da cabeça e da sua família.
5-A sua irritação era cada vez maior, sentindo-se vilipendiada e humilhada, porque os seus senhorios eram lestos em pedir aumentos de renda, mas não agiam, nem retrucavam aos seus contactos.
6-De tal maneira grave era (e é) a situação que, desde 2004, a Autora vive, intermitente, entre o locado em questão e um imóvel que o seu marido tem arrendado.
7-Teme pela sua vida e integridade física, bem pelas dos seus familiares, o que implica que esta e a família estejam fora de casa, forçados, períodos de tempo variáveis.
8-A Ré, aquando da inspeção pessoal que fez ao local, asseverou que iria compensar a Autora pelos gastos em que incorreu, mas que, naquele momento, ainda não tinha dinheiro suficiente para o efeito.
9-A Autora, atenta a argumentação da Ré, aconselhou-a a aumentar as rendas todos os anos - o que já deveria ter feito -, bem como a arrendar as 3 (três) frações vagas de que era proprietária, de modo a conseguir granjear as quantias em causa.
10-Terminadas as reparações no esgoto de outra fração, a Autora começou a ter maus odores na sua casa, quando alguém, nos andares inferiores, utilizava o autoclismo.
11-A Autora telefonou à Ré e enviou-lhe várias SMS, admonindo-a que iria solicitar uma nova vistoria camarária e de saúde.
12-Em Novembro de 2013, a Ré e um empreiteiro avaliaram o estado do locado, mediante a análise dos resultados da vistoria executada pela seguradora e visitando o local, e definiram as obras que seriam concretizadas.
l3-Em Dezembro de 2013, a Ré transmitiu à Autora que havia recebido o valor do seguro para a empreitada tangente à reparação do telhado e substituição dos tetos da cozinha, da casa de banho, marquise e sala.
14-Em Janeiro de 2013, a Ré interpelou a Autora por telefone, explicando-lhe que o empreiteiro adoecera, pelo que teria de aguardar um pouco mais para o começo da empreitada.
15-Durante o mesmo mês de Janeiro de 2013, bem como em datas subsequentes, a Autora foi indagando acerca do princípio das obras, mas apenas recebeu explicações pouco convincentes.
15-O próprio médico vaticina que o número de anos sob incessante stress e ansiedade contribuíram para o medrar da aludida enfermidade (hipertiroidismo), seguindo a concorrer para o seu agravamento.

Vejamos:

Insurge-se a apelante relativamente à sentença proferida, discordando, desde logo, dos factos dados como provados naquela quanto aos pontos 8 e 37.

Os factos em questão têm o seguinte teor:
8-Em 1995, a fachada frontal do prédio foi pintado por iniciativa da ré.
37-Numa das fracções do prédio, o rés-do-chão esquerdo, a ré efectuou obras e reparou o esgoto.
Porém, pretende a apelante que no concernente ao ponto 8, se adite que foi substituída a porta da rua e arranjado o telhado.
E quanto ao ponto 37, deveria ter sido dado como provado que a ré efectuou obras no prédio, reparou o esgoto e procedeu à ligação das canalizações à prumada geral de esgotos em 1995.
Para tanto, invoca o depoimento prestado pela testemunha ... Alzira P..., bem como, o depoimento de parte prestado pela própria ré.
Na fundamentação da matéria de facto assente na sentença, no concernente às obras que a ré efectuou no locado, o tribunal a quo, baseou-se nas declarações de parte da ré e nos depoimentos das testemunhas ... Alzira e ... Alda C....
Ora, compulsados os depoimentos daquelas testemunhas, não podemos extrair dos mesmos, algo mais do que ficou contemplado nos factos em apreço.
A testemunha ... Alzira, inquilina no prédio há cerca de 51 anos, afirmou ter a ré efectuado obras no mesmo, na parte de fora e também na canalização de baixo.
Porém, não só não conseguiu precisar datas, como, quando questionada sobre que obras em concreto, aludiu que «não ando a ver as obras».
Quanto ao depoimento da testemunha Alda C..., também nada de novo acrescentou quanto a obras, residindo ali há cerca de 48 anos, mas num anexo ao prédio.
Por último, a depoente, ... ... ..., mencionou ter feito efectivamente obras de beneficiação no prédio em 1995.
A mesma mencionou a realização de pintura, esgotos, ramal de águas, caixa para resíduos de água, reforço de varandas, electricidade, mudança de porta de prédio, telhado.
Porém, apenas confirmou que a pintura da fachada do prédio ocorreu nas obras de 1995, não conseguindo precisar as datas em que realizou os restantes trabalhos.
Perante tal prova, não vemos como possível aditar mais conteúdo à redacção dos factos em apreço, não merecendo os mesmos censura.
Assim sendo, improcede este segmento do recurso.

Discorda também a apelante quanto à sentença proferida, na parte em que julgou resolvido o contrato de arrendamento por perda de interesse na sua manutenção, na medida em que nunca foi interpelada para execução de obras, pelo que, não existe mora, sendo esta fulcral para efeitos do disposto no art. 808º do C. Civil.
A sentença em causa entendeu assistir razão à autora quanto à pretendida resolução do contrato de arrendamento.
Contudo, não encontrou motivo de resolução daquele, ao abrigo do disposto no art. 1050º do C. Civil, onde se explanam as razões para resolução do contrato, independentemente de responsabilidade do locador, mas perante o disposto no art. 1083º do mesmo normativo, onde menciona o seu nº. 1 que, qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
Ora, a autora esgrimiu como fundamento de resolução do arrendamento, a perda de interesse na sua manutenção, tendo aludido não querer mais obrigar a ré a realizar obras, mas seu desiderato a resolução contratual.

Dispõe o art. 808º do Código Civil que:
1-Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
2-A perda de interesse na prestação é apreciada objectivamente.
Com efeito, não basta que o credor diga, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa; há que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas (cfr. Galvão Telles, Obrigações, pág. 253).
A perda de interesse tem que se aferir segundo critérios de razoabilidade própria do comum das pessoas.
Na situação vertente, entende a apelante que o ónus da prova da perda do interesse incumbia à ora apelada, mas esta nunca interpelou a apelante, no sentido de lhe conceder um prazo para execução das obras, ou seja, não existe mora.
Porém, não lhe assistirá razão.

Resulta, concretamente, da factualidade assente que:
-Nessa mesma missiva (carta datada de 15 de Abril de 1996), a autora alertou, para a necessidade de reparação do telhado e para existência de infiltrações, o que a forçou a colocar recipientes para recolher a água que penetrava pelo tecto.
-Por carta datada de 20 de Julho de 1998, a Autora, assustada com os vestígios de acelerado desgaste e erosão por força do agravamento das infiltrações, escreveu uma carta a Fernando de ... ....
-Temia que, durante o período invernal, o tecto da casa de banho viesse a abater se não fossem tomadas medidas urgentes.
-Tendo-se disponibilizado para acertar um dia e uma hora para que a Ré pudesse visitar o locado e inteirar-se do seu estado.
-Não obteve qualquer resposta.
-A Autora requereu várias vistorias à Câmara Municipal de Almada, de modo a ter os estragos documentados e a autarquia devidamente informada.
-A vistoria realizou-se em 2003, no dia 29 de Janeiro.
-A Ré, por intermédio do seu falecido marido, prometia que as obras teriam início, em princípio, em Agosto desse ano de 2003.
-As obras nunca foram realizadas.
-A Autora continuou a insistir com a ré para a realização das obras.
-Em carta datada de 21 de Janeiro de 2005, a Autora volta a referir que é necessário fazer obras urgentes no locado, esclarece que caiu todo o estuque dos tectos da cozinha e da casa de banho, que a deterioração do locado se generalizou.
-Pediu que a Ré promovesse uma nova vistoria com vista a determinar a profundidade dos estragos e deteriorações, de modo a que se pudessem delimitar as reparações urgentes e inadiáveis.
-A 4 de Janeiro de 2005, a Autora, por intermédio do seu advogado à altura, interpelou a Ré alertando de que, após vistoria camarária de 14 de Setembro de 2005, havia perigo iminente de desabamento dos tectos e que aquela estava impedida de utilizar a cozinha e casa de banho.
-A Ré nada disse, o que levou a que a Autora efectuasse obras.
-Em 25 de Setembro de 2013, a Autora endereçou dois e-mails para a Ré, com fotografias, expondo o que se passava e evidenciando o seu intenso desagrado e desassossego.
-Em Agosto de 2014, no dia 29 desse mês, a Autora remeteu outros dois e-mails para a Ré, tendo um sido contestado, e em que esta tentou passar as responsabilidades da sua inacção para a Autora.
Perante os factos supra descritos, é objectivo que a autora por diversas e variadas vezes ao longo dos anos, comunicou à ré, a necessidade de realização de obras, no que nunca obteve êxito.
Nos termos do disposto na al. b) do art. 1031º do Código Civil, é obrigação do locador assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que esta se destina.
Com efeito, reporta-se o preceito às obrigações específicas de efectuar reparações ou outras providências essenciais para que a coisa locada possa possuir as devidas qualidades, ou seja, o locador está em falta quando não cumpre a sua prestação.
Nos termos do disposto no art. 798º do C. Civil, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
No caso em apreço, a ré tinha conhecimento do estado de degradação do imóvel, foi por diversas vezes confrontada pela autora para efectuar obras e nunca as realizou.
A perda de interesse da autora pela sua permanência no locado é objectiva, pois, não oferecendo aquele as condições necessárias para o seu pleno gozo, não existindo qualquer manifestação de vontade da ré em minorar a situação, tendo sido a autora a efectuar a expensas suas, as únicas obras de que a fracção foi alvo ao longo de tantos anos de arrendamento e acabando por ser confrontada pela senhoria com um aumento da renda, é demais evidenciador que a autora logrou demonstrar a mora da ré, a qual se converteu em incumprimento definitivo, ou seja, logrou provar os elementos constitutivos do seu direito à resolução do contrato de arrendamento, na medida em que a manutenção daquele vínculo já não fazia parte da sua vontade.
Nos termos do disposto no nº. 2 do art. 804º do C. Civil, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
E face ao nº. 1 do art. 808º do mesmo normativo legal, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
Assim sendo, encontram-se preenchidos todos os requisitos para a resolução do contrato pela autora e sem qualquer exercício abusivo de direito por banda desta.
Nos termos do disposto no art. 334º do C. Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Ora, ao longo dos anos de vigência do arrendamento, ou seja, desde 1 de Agosto de 1977, nunca a apelante acedeu a qualquer missiva da autora para a realização de obras, mesmo quando em 1988, o locado começou a evidenciar sinais de degradação.
A apelante fez obras na fachada frontal do prédio em 1995 e no rés-do-chão esquerdo do mesmo efectuou obras e reparou o esgoto, o mesmo não sucedendo na fracção da autora.
Perante tal inércia da apelante, foi a própria apelada que se substituiu à ré, executando aquilo que à senhoria incumbia.
A autora agiu com a diligência normal de um locatário, quando confrontado com uma atitude inactiva do locador, ou seja, não extrapolou de forma anormal o exercício de qualquer direito, mas procedeu dentro do estritamente necessário para poder usufruir minimamente do locado.

Destarte, improcede este segmento do recurso.

Entende ainda a apelante que as obras efectuadas pela autora não foram nem necessárias nem urgentes.

Ora, nos termos constantes do art. 216º do Código Civil:
1.-Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
2.-As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.
3.-São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.

Compulsada a matéria de facto dada como assente, dela resulta que:
-Em carta datada de 21 de Janeiro de 2005, a Autora volta a referir que é necessário fazer obras urgentes no locado, esclarece que caiu todo o estuque dos tectos da cozinha e da casa de banho, que a deterioração do locado generalizou-se.
-Pediu que a Ré promovesse uma nova vistoria com vista a determinar a profundidade dos estragos e deteriorações, de modo a que se pudessem delimitar as reparações urgentes e inadiáveis.
-A 4 de Janeiro de 2005, a Autora, por intermédio do seu advogado à altura, interpelou a Ré alertando de que, após vistoria camarária de 14 de Setembro de 2005, havia perigo iminente de desabamento dos tectos e que aquela estava impedida de utilizar a cozinha e casa de banho.
-Foi dado a conhecer uma estimativa dos custos das reparações básicas essenciais para evitar o desabamento, ou seja, cerca de €3.000,00 (três mil euros) sem contemplar pinturas, colocação de azulejos e reparações eléctricas.
-A Ré nada disse, o que levou a que a Autora efectuasse obras.
-Essas obras contemplaram a substituição de vigas e telhas; substituição de novos tectos em todas as divisões; colocação de duas janelas Velux (as que existiam eram de ferro e estavam muito ferrugentas); substituição de todas as portas (devido à humidade, já se desfaziam); colocação de mosaicos e azulejos na casa de banho; colocação de novos armários na cozinha; substituição da parte eléctrica em toda a casa; substituição de toda a canalização de águas e ligação a esgoto (a canalização de água quente deixara de funcionar); substituição da estrutura de ferro da marquise por alumínio; colocação de duas janelas em alumínio branco nos quartos (as anteriores, entretanto, haviam apodrecido); colocação de chão flutuante em toda a casa (a maioria dos tacos estava a desfazer-se).
-Estas obras custaram cerca de €15.618,15.
Analisada a factualidade, não poderemos deixar de considerar serem as obras em apreço necessárias e urgentes, colocando em causa a segurança da ré, na sua própria habitação.
Com efeito, dispõe o nº. 1 do art. 1036º do Código Civil que, se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas e umas e outras, pela sua urgência, se não compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso.
No caso vertente, as obras efectuadas jamais têm a natureza de obras de manutenção, nos termos plasmados no art. 1043º do C. Civil, pois, o estado de degradação do imóvel nada tem a ver com deteriorações inerentes a uma prudente utilização e a que o locatário se encontra vinculado a preservar.
As obras efectuadas visavam entre outras circunstâncias evitar desabamento, bem como, a fruição do imóvel no seu todo.
Assim, não assumindo as obras em apreço, uma natureza de mera manutenção do locado, mas antes imprescindíveis e inadiáveis para o uso daquele, tem a apelada direito a ser reembolsada dos inerentes custos, nos termos do disposto no nº. 3 do art. 1074º do C. Civil, ou seja, o arrendatário pode executar quaisquer obras, no âmbito do artigo 1036º, caso em que pode efectuar a compensação pelas despesas.
No caso sub judice, a feitura das obras pela autora advieram do incumprimento da obrigação pela ré, pois, não procedeu à manutenção do locado para os fins a que se destinava.
Nem faz sentido, como o pretende a apelante, arguir que não se apreciaram os requisitos do enriquecimento sem causa, quando estão em causa benfeitorias necessárias, que dão direito a indemnização.
As obras feitas, não só não valorizaram o imóvel, como colocaram na esfera patrimonial da autora, uma obrigação contratual que não era sua, causando-lhe um prejuízo que foi devidamente concretizado.
Assim, também decai este segmento do recurso.

Entende também a apelante que, mesmo que se entenda serem as obras indemnizáveis, sempre haveria abuso de direito da autora, na medida em que, as rendas são reduzidas para o valor peticionado a tal título.
Ora, o abuso de direito, nos termos do disposto no art. 334º do Código Civil, pressupõe a existência de um direito existente na esfera do titular, mas que será exercido de forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o fim social ou económico desse direito.
Como se alude no Ac. do STJ. de 5-5-2015, in http://www. «A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstractas.
O princípio do abuso do direito constitui, um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas dessas situações particularmente clamorosas, aos efeitos da rígida estrutura das normas legais, e reconduz-se à prática de um acto ilegítimo desde que se ultrapassem os limites que ao direito subjectivo são impostos e descritos no art. 334º».
Ora, será perante a situação concreta que haverá que aquilatar da sua verificação ou não.
Entende a apelante que existe desproporção quando se exige ao senhorio a realização de obras, sendo a renda irrisória.
Porém, temos de analisar que o arrendamento se iniciou há bastantes anos e que, desde o seu início até à actualidade nunca a senhoria procedeu a quaisquer obras no imóvel, apesar da contínua chamada de atenção para o efeito.
O contrato de arrendamento é sinalagmático, determinando obrigações para ambas as partes.
O imóvel necessitava efectivamente de obras necessárias e urgentes, como ficou apurado nos autos, mas a senhoria não as realizou, forçando a autora a tal desiderato.
Não podemos concluir que a autora ao fazer as obras que seriam pertença da ré, tivesse actuado de forma abusiva ou excessiva, quando a senhoria deixou degradar o imóvel, quedando-se pela inacção no concernente à sua normal conservação, colocando em causa a segurança do locatário anos a fio.
A invocação do diminuto valor das rendas não pode legitimar «o nada fazer».
Assim, não entendemos existir configurado nos autos qualquer abuso de direito, improcedendo, de igual modo, tal segmento do recurso.

Por último, resta-nos analisar o decretado direito de retenção.
Nos termos do disposto no art. 754º do C. Civil, o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.

Como escreve ... Costa, Direito das Obrigações, 9ª. ed., pág. 911, o direito de retenção depende de três requisitos:
1) A detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem;
2) Apresentar-se o detentor, simultaneamente, credor da pessoa com direito à entrega;
3) A existência de uma conexão directa e material entre o crédito do detentor e a coisa detida, quer dizer, resultante de despesas realizadas com ela ou de danos pela mesma produzidos».

Ora, na situação concreta, a autora preenche todos os requisitos supra enunciados, razão pela qual, não merece censura o decidido.
Destarte, improcedem na totalidade as conclusões do recurso apresentado.


Em síntese:
-A perda de interesse tem que se aferir segundo critérios de razoabilidade própria do comum das pessoas.
  
-São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa.
-A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstractas.


3-Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida.
Custas a cargo da apelante.



Lisboa, 24-01-2017



Rosário Gonçalves
José Augusto Ramos
João Ramos de Sousa