Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2028/11.6TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
DIREITO À GREVE
GREVE ILEGAL
ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
SERVIÇOS MÍNIMOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Reconduz-se à nulidade de sentença prevista na alínea b) do número 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil a falta absoluta do cumprimento do disposto nos números 2 e 3 do artigo 659.º do mesmo diploma legal.

II - O direito à greve possui contornos especiais que são evidenciados pela forma como o mesmo é exercido, pois se a sua convocação tem de partir de uma decisão da direção do sindicato ou de deliberação do conjunto de trabalhadores filiados em associação sindical ou a laborar numa empresa ou grupo empresarial, seguro é que tal direito se insere na esfera jurídica de cada um dos trabalhadores, possuindo uma natureza individual, em termos da correspondente titularidade, que se concretiza, em rigor e materialmente, no momento da adesão pessoal à mesma.

III - A possível desconformidade quantitativa ou mesmo qualitativa entre a decisão orgânica ou mesmo coletiva de se entrar em greve e a forma efetiva como esta se vai desenrolar revela a estrutura mista e complexa do correspondente direito, que se desdobra temporalmente em diversos e sucessivos atos de entidades muito diversas (associações sindicais e patronais, trabalhadores, empregadores, tribunais arbitrais e Estado) e que possui um carácter de imprevisibilidade, quer em termos de execução como de conteúdo, que importa assinalar.

IV - A possibilidade de adesão (até maioritária) de outros trabalhadores que não os que se acham inscritos no sindicato promotor da paralisação e da adoção pelos mesmos de condutas ilícitas (em piquetes de greve ou fora deles) revela as dificuldades jurídicas que se colocam ao nível do controlo, fiscalização, contenção e responsabilização (inclusive, civil) por parte do sindicato sobre a forma como se desenrola e desenvolve a dita paragem e sobre os comportamentos individuais e coletivos aí adotados.    

V - Derivam, necessária e inevitavelmente, da noção, natureza  e exercício do direito de greve por banda dos trabalhadores, danos de índole diversa e de valor pecuniário incerto e, as mais das vezes avultado, para as entidades empregadoras, sendo esses prejuízos uma decorrência natural e normal do instituto jurídico em análise.

VI - Mesmo nos sectores da atividade económica que reclamam a organização de serviços mínimos, esses mesmo danos também se verificam inexoravelmente, ainda que numa relativa menor dimensão, que fica dependente da maior ou menor extensão dos referidos serviços mínimos decretados (que, todavia e em nome do princípio constitucional da proporcionalidade e adequação, não podem cercear ou coartar para além do absolutamente imprescindível e indispensável os efeitos e âmbito da correspondente greve).             

VII - A responsabilidade civil prevista no regime jurídico do direito de greve tem de ser encarada numa perspetiva estritamente laboral e não civilista, atenta as especialidades que separam o Direito do Trabalho do Direito Civil.

VIII - Essa responsabilidade civil, quer dos sindicatos, como dos próprios trabalhadores (grevistas), tem de ser concatenada com  a circunstância do direito de greve constituir, conjuntamente com a liberdade de associação sindical e o direito de negociação coletiva, um dos três pilares do direto laboral coletivo, por via dos quais a nossa legislação procura reequilibrar a relação de forças que, em termos individuais, pende em benefício e favor do empregador e transforma o trabalhador na parte débil ou frágil do vínculo de trabalho.

IX - Tais institutos, todos eles com assento constitucional e ainda que de exercício pautado por limites impostos por outros direitos e princípios de idêntica natureza, têm de ser olhados da forma mais abrangente e elástica que for socialmente consentida, de maneira a que possam ser efetiva e eficazmente concretizados sem os constrangimentos que outros direitos, de cariz estritamente individual e/ou privatístico, conhecem no nosso ordenamento jurídico e, por essa via aberta e "generosa", logrem o conteúdo, sentido e alcance que o legislador constitucional e ordinário lhe quis conferir.

X - Nessa fotografia de grande plano, em que direito de greve surge como derradeiro meio legalmente consentido de coação sobre os empregadores e outras entidades, como forma de luta dos trabalhadores, há que chamar à colação os direitos de liberdade de reunião, manifestação e de expressão, que, igualmente e no descrito quadro de índole laboral, possuem um âmbito consideravelmente mais vasto e permissivo do que para o cidadão ou pessoa coletiva, no seu quotidiano particular, social ou económico.

XI - Não tendo o Réu impugnado a sentença da 1.ª instância na vertente em que foi considerado que o mesmo, por não ter convocado as greves com um prazo de Aviso Prévio de 10 dias úteis nem definido os serviços mínimos e indicado os trabalhadores que os deveriam executar, violou o regime legal aplicável, conferindo-lhes, dessa forma, a natureza jurídica de ilícitas, verificou-se a formação de caso julgado material, que nos impede de reapreciar e julgar em sentido diverso essas duas questões.

XII - A recorrente não pode accionar o instituto da responsabilidade civil e reclamar os danos próprios e totais de uma paralisação ilegal), quando, logo desde o início, decidiu recorrer, na sequência das greves ilicitamente convocadas (prazo do aviso prévio e não indicação de serviços mínimos), aos meios que o legislador estabeleceu para greves de natureza lícita, aceitando sujeitar-se assim aos pressupostos, condicionalismos e limites previstos no respetivo regime jurídico (tendo, consequentemente, os elementos constitutivos do instituto da responsabilidade civil, com especial acuidade para os eventuais prejuízos sofridos pela Autora, de ser ponderados e medidos dentro do quadro que resultou da aplicação de tal regime legal e não nos moldes absolutos e totais reclamados nesta ação).

XIII - Se a greve convocada pelo Sindicato vai decorrer no aeroporto e se vai traduzir na ausência de qualquer atividade de limpeza dos espaços públicos e privados aí existentes, bem como dos aviões que por tal aeroporto vão circular, é manifesto que tal paralisação irá afetar, em abstrato e ainda que de uma forma indireta, as necessidades sociais impreteríveis derivadas do transporte de pessoas, animais, géneros alimentícios deterioráveis e de bens essenciais á economia nacional.

XIV - Os serviços mínimos requeridos pelo legislador – e que, segundo o mesmo devem ser definidos com respeito pelos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade – variam inevitavelmente em função do setor de atividade, época do ano, tipo de greve, duração da mesma, representatividade do sindicato ou sindicatos que a convocaram, trabalho prestado normalmente pelos grevistas, movimento ordinário ou extraordinário dos locais onde se desenvolve, etc.

XV - Os serviços mínimos não tinham que ser fixados pelo tribunal arbitral, dado a entidade empregadora visada diretamente pela greve é uma empresa privada que não se acha integrada no sector empresarial do Estado e  que, por força de um contrato de prestação de serviços de limpeza firmado com uma empresa de hadling, com participação maioritária de capital privado, tem de desenvolver a atividade contratada nos aeroportos nacionais, que são geridos por uma empresa pública, e também nos aviões de diversas empresas privadas ou de capitais públicos, afetando a referida paralisação somente de forma mediata, as atividades de transporte e serviços conexos ou acessórios desenvolvidos pelas referidas empresas em tais espaços e aviões.

XVI - Os serviços mínimos reconduzem-se unicamente a operações básicas imprescindíveis  (v. g., recolha de lixo e reposição da água potável) ou a casos imprevistos e excecionais de premente e indispensável necessidade de limpeza do aludido espaço público ou dos aparelhos em questão, por questões de operacionalidade imediata relacionada com a segurança, higiene e saúde dos passageiros e utentes do aeroporto, sob pena de contenção ou restrição inadmissível do direito de greve, nos seus contornos legais e constitucionais.

XVII - A fixação dos serviços mínimos tem de traduzir-se na determinação objetiva e concreta, até onde for materialmente possível, quer das necessidades sociais impreteríveis (fundamentação), quer da sua satisfação suficiente mediante a indicação dos correspondentes serviços mínimos, quer finalmente dos meios humanos destinados a garanti-los, o que tem de ser feito em termos quantitativos (número de trabalhadores ou percentagem dos mesmos, em função da execução habitual da atividade da entidade empregadora) e qualitativos (horários/turnos, locais e categorias profissionais), pois só assim se logra os objetivos procurados por essas normas: o decurso da greve dentro dos parâmetros da legalidade, normalidade e paz social, o que passa também pela efetiva prestação dos ditos serviços mínimos.

XVIII - A prestação dos serviços mínimos essenciais não significam a anulação do direito de greve na esfera jurídica dos trabalhadores grevistas afetados à realização dos mesmos e a recuperação pelo empregador de todos (ou pelo menos parte) dos poderes suspensos pela paralisação coletiva de prestação do trabalho.           

XIX - O facto da nomeação dos trabalhadores recair exclusivamente sobre a entidade empregadora não significa que esta última, face à intervenção administrativa do Governo nessa matéria,  podia ignorar o procedimento a que, a esse respeito, estava obrigada, em função, designadamente, das restrições legais e constitucionais que lhe são diretamente aplicáveis e, a coberto dessas decisões governamentais, ir para além do que o regime jurídico dos serviços mínimos consente, isto é, não lhe era permitido extravasar o âmbito de satisfação suficiente das necessidades sociais impreteríveis em presença, de forma a procurar garantir – designadamente, por recurso a trabalho suplementar –, toda a atividade que, no âmbito dos seus contratos de prestação de serviços com os seus clientes, tinha que assegurar normalmente nos referidos dias de greve.

XX - O artigo 601.º do Código do Trabalho de 2003, por comparação com o n.º 3 do art.º 541.º do atual Código do Trabalho,  contém, em termos de redação, uma diferença fundamental, ao afirmar que tal requisição civil pode ser determinada, «sem prejuízo dos efeitos gerais» (frase que inexiste no n.º 3 do art.º 541.º), abrindo a porta, pelo menos na vigência de tal diploma legal, a outras consequências e que são as decorrentes do instituto da responsabilidade civil.

XXI - Não somente a utilização dos trabalhadores não aderentes não estava vedada por lei como, por outro lado, é sempre possível à entidade empregadora lançar mão dos trabalhadores não grevistas para garantir os serviços mínimos essenciais.
         (Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:ACORDA-SE NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO

AA, SA., pessoa coletiva n.º (…), com sede na Estrada (…),(…),(…) Rio de Mouro veio instaurar, em 21/05/2011, os presentes autos de acção declarativa de condenação com processo comum contra STAD – SINDICATO DOS TRABALHADORES DE SERVIÇOS DE PORTARIA, VIGILÂNCIA, LIMPEZA, DOMÉSTICAS E ACTIVIDADES DIVERSAS, pessoa coletiva n.º 500 977 666, com sede na Rua de São Paulo, n.º 12, 1.º, 1200-428 Lisboa, pedindo, em síntese, que seja a ação julgada procedente por provada, e, em consequência, ser o réu condenado a pagar à autora:

a) € 28.894,51 (vinte e oito mil oitocentos e noventa e quatro euros e cinquenta e um cêntimos), a título de lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de cumprir com a totalidade das limpezas a que a Autora se encontrava contratualmente obrigada;

b) € 1.854,14 (mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e catorze cêntimos) a título de danos emergentes decorrentes das penalizações por atrasos que a Autora se viu obrigada a pagar às suas clientes TAP e SPDH pelo facto de não ter procedido à limpeza e aprovisionamento dos aviões dentro dos tempos fixados;

c) € 15.169,95 (quinze mil cento e sessenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos) a título de danos emergentes motivados pelo recurso à prestação de trabalho suplementar, que não se verificaria caso as greves ilícitas não tivessem ocorrido;

d) € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização pelos danos causados na imagem, reputação, crédito e bom nome da Autora e pela perda de clientela que se hajam repercutido ou venham a repercutir-se na sua esfera jurídica;

e) Juros vincendos desde a citação até integral pagamento.

*

Para tal alega, muito em síntese[1], que o Réu convocou e encetou, nos anos de 2007 e 2008, greves ilícitas no Aeroporto da Portela, onde aquela presta serviços de limpeza desde 1/02/2004, aí tendo para o efeito a desempenhar as correspondentes funções cerca de 300 trabalhadores seus assalariados, traduzindo-se a referida ilicitude quer na violação do prazo de aviso-prévio, como na indicação de trabalhadores para assegurarem os serviços mínimos, dado tais greves afetarem uma atividade destinada à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.  

*

Foi agendada data para a realização da Audiência de partes (fls. 1123), que, tendo-se realizado (fls. 1132 e 1133), não logrou a conciliação das partes, tendo o Réu STAD - SINDICATO DOS TRABALHADORES DE SERVIÇOS DE PORTARIA, VIGILÂNCIA, LIMPEZA, DOMÉSTICAS E ACTIVIDADES DIVERSAS sido citado a fls. 1126 a 1131, mediante carta registada com Aviso de Receção, assinadas em 22/06/2011.

Na sequência da notificação do Réu para, no prazo e sob a cominação legal contestar a ação, veio o mesmo a fazê-lo, em tempo devido, e nos termos constantes de 1143 a 1242, tendo na sua contestação discorrido sobre a ilicitude da greve, dizendo que não foi cumprido o pré-aviso de 10 dias por não ser aplicável, nem terem sido cumpridos os serviços mínimos por não terem sido fixados. E, de todo o modo, atento o facto de a adesão à greve ter sido apenas parcial, os trabalhadores que não aderiram, eram suficientes para assegurar serviços mínimos. Acresce que não existe nexo causal entre os danos alegados e a greve decretada.

Conclui sustentando a improcedência total da presente ação.  

*

O Tribunal recorrido prolatou, com data de 22/06/2012, o despacho de aperfeiçoamento de fls. 1268 e 1269[2], que foi cumprido pela Autora nos termos constantes de fls. 1278 a 1448, através da apresentação de uma nova Petição Inicial corrigida, com 887 artigos, que mereceu a resposta do Réu vertida na sua nova contestação de fls. 1452 a 1517.

O tribunal entendeu que os autos reuniam todos os elementos necessários ao conhecimento imediato do mérito da causa, tendo contudo e previamente, determinado a notificação das partes para alegarem de facto e de direito, nos termos do número 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, tendo somente a Autora o vindo fazer nos moldes constantes de fls. 1522.       

*

Foi então proferido, a fls. 1524 a 1539 e com data de 22/05/2013, saneador sentença que culminou na seguinte decisão:

“Face ao acima exposto, julgo a presente ação de processo comum, proposta por AA, S. A. contra STAD - SINDICATO DOS TRABALHADORES DE SERVIÇOS DE PORTARIA, LIMPEZA, DOMÉSTICAS E ACTIVIDADES DIVERSAS, totalmente improcedente, e, em consequência:

a) Absolvo o Réu do pedido;

b) Condeno a Autora nas custas da ação - art.º 446.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Valor da ação: o atribuído pela Autora: € 395.918,60

Registe e notifique.”

*
A Autora, inconformada com tal saneador/sentença, veio, a fls. 1545 e seguintes, arguir a nulidade do mesmo e dele interpor recurso de Apelação, que foi admitido a fls. 1013 dos autos, como Apelação, a subir, de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

*
A Apelante apresentou, a fls. 1552 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)

*

O Réu STAD - SINDICATO DOS TRABALHADORES DE SERVIÇOS DE PORTARIA, VIGILÂNCIA, LIMPEZA, DOMÉSTICAS E ACTIVIDADES DIVERSAS notificado de tais alegações, veio responder-lhes dentro do prazo legal, tendo para o efeito apresentado as contra-alegações de fls. 1585 e seguintes, aí tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

*

O tribunal da 1.ª instância entendeu que o saneador/sentença não padecia de qualquer nulidade, conforme ressalta do despacho de fls. 1663, prolatado em 24/09/2013.

*

O ilustre magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso (fls. 1670 a 1672), não tendo as partes se pronunciado acerca do mesmo dentro do prazo legal e apesar de notificadas para o efeito.

*
Tendo os autos ido a vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – OS FACTOS


A factualidade com relevância para o julgamento do litígio dos autos não foi formal e autonomamente descrita pelo tribunal da 1.ª instância[3].
           


III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

*

A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

(…)

B – NULIDADE DO SANEADOR/SENTENÇA


A Autora e Apelante AA, SA. vem, no seu requerimento de interposição de recurso e em momento autónomo e prévio ao mesmo, arguir a nulidade do saneador/sentença impugnada, nos termos e para os efeitos do artigo 668.º, número 1, alínea b) do Código de Processo Civil (“É nula a sentença: b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;), estipulando ainda os artigos 158.º, número 1 e 659.º, número 2, desse mesmo diploma legal, a propósito, respetivamente, do dever de fundamentação da decisão e da estrutura da sentença, que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e “…seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes concluindo pela decisão final”.
A recorrente justifica a invocação dessa nulidade da sentença nos seguintes moldes (cfr. igualmente as conclusões 6.ª a 12.ª[4]):

«I – DA NULIDADE DA SENTENÇA DE 1.ª INSTÂNCIA POR FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO QUE JUSTIFICAM A DECISÃO.

1. Considerou o Tribunal a quo conterem os autos todos os elementos necessários para, sem necessidade de mais provas, conhecer do mérito da causa e apreciar os pedidos formulados pela ora Recorrente, exercendo a faculdade prevista nos artigos 510.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil e 61.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.

2. Nos termos do disposto no artigo 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, a sentença, após a identificação das partes e do objeto do litígio em sede de relatório, deverá conter a exposição dos fundamentos “(…) devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” – tal normativo, aliás, reflete o dever geral de fundamentação das decisões judiciais plasmado no artigo 158.º do Código de Processo Civil.

3. Acrescentando ainda o n.º 3 do aludido preceito: “Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal coletivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.”.

4. Verifica-se, contudo, que a sentença em crise não discrimina quais os factos invocados pelas partes que foram considerados provados pelo Tribunal e nos quais o mesmo se terá baseado para, após a aplicação das normas jurídicas correspondentes, proferir a decisão sub judice.

5. Ora, ao não indicar, na respetiva fundamentação, qual o acervo factual alegado que considerou provado, mormente em face dos documentos juntos aos autos, a sentença recorrida impediu e impede a Recorrente de avaliar a forma como o Tribunal examinou criticamente as provas e ponderou os meios probatórios disponíveis.

6. Desconhecendo a Recorrente qual o concreto julgamento efetuado quanto à matéria de facto, ficou, pois, impossibilitada de conhecer a convicção formada pelo Tribunal relativamente a cada meio de prova disponível nos autos, bem como de sindicar – sobretudo no que tange à prova documental – qual a força probatória que lhe foi atribuída.

7. Neste sentido, refere José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 677, que “A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as exceções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas (…). Nomeadamente o documento, o objeto da declaração confessória e o articulado de resposta no seu conjunto hão-de ser interpretados para se determinar o âmbito concreto dos factos abrangidos pela sua força probatória”.

8. Em nenhuma parte da sentença se faz alusão à matéria de facto provada ou se indica qual foi o meio de prova que levou à conclusão retirada pelo Julgador.

9. Tal circunstância redunda numa clara e total falta de fundamentação da sentença.

10. A título exemplificativo, e conforme será escalpelizado infra, retira-se do texto (rectius, da fundamentação de Direito) da decisão que o Julgador terá valorado o teor dos documentos n.ºs 147, 153 e 159 da petição inicial (que correspondem aos documentos sob os números 160, 166 e 172 juntos com a petição inicial apresentada em 31.05.2011) para efeitos de concluir pela ilicitude das greves decretadas pelo Recorrido por desrespeito do prazo de pré-aviso legal.

11. Contudo, para efeitos de imputação subjetiva do facto ilícito ao Recorrido, o Tribunal parece ter desvalorizado os mesmos documentos, ao concluir que, como a responsabilidade do Recorrido depende da culpa de quem atuou em sua representação, e os representantes do Recorrido não estão identificados, o nexo de imputação não está estabelecido. No entanto, os mesmos documentos – antes valorados como prova pelo Tribunal – estão elaborados em papel timbrado do Recorrido, contêm a identificação dos seus representantes e a comprovação da qualidade em que atuaram aquando da convocação das graves, factos aos quais o Julgador não atribuiu já (de forma incompreensível, refira-se) qualquer relevo probatório.

12. A determinação de quais os factos que o Tribunal considerou como provados e nos quais sustentou a sua decisão, bem como de quais os meios de prova que valorou no processo decisório, é, pois, impossível face ao teor da sentença recorrida.

13. De idêntica forma, a preterição, quanto à realidade factual relevante, das fases da condensação (despacho saneador com elaboração de matéria de facto assente e de base instrutória que a incluísse ou seu aditamento/ampliação em sede já de audiência de julgamento) e da instrução (com a indicação e realização das diligências probatórias requeridas e/ou determinadas oficiosamente pelo tribunal incidindo sobre a aludida factualidade controvertida), a par da omissão de qualquer referência, na sentença, ao acervo factual em que o Tribunal se apoiou para o proferimento da decisão, vedam à Recorrente a possibilidade de reagir processualmente contra a eventual não inclusão ou não ponderação de matéria que, por erro ou lapso - e não obstante alegada e/ou documentada nos autos -, não tenha sido tida em conta pelo Tribunal, inquinando o julgamento da causa e traduzindo-se numa limitação ilegítima dos poderes processuais e substantivos da Recorrente.

14. De acordo com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

15. Tal exigência de fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objetivo - pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões - e de carácter subjetivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos destinatários que as mesmas afetam.

16. Para satisfazer a exigência de índole constitucional, a fundamentação há-de ser expressa, clara, coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta dos fundamentos da decisão; os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos; a fundamentação deve ser adequada à importância e à necessidade de boa apreensão da decisão.

17. A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo, sendo que, no caso vertente, resultaram manifestamente cerceados os direitos de defesa da Recorrente.

18. Refira-se, por pertinente, o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 07.03.2013, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/4ba31bf60b8660ce80257b2c003dc8bc?OpenDocument: “(…) a nulidade invocada pela recorrente, que é, como vimos, a da alínea b) do nº1 do artigo 668º do CPC, já transcrita, tem vindo a ser interpretada e aplicada pelos nossos tribunais, de forma praticamente uniforme, no sentido de que somente ocorre quando se verifique uma completa ausência de fundamentação, e não quando a fundamentação seja incompleta ou deficiente, pois só no primeiro caso o destinatário da sentença ficará na ignorância das razões, de facto ou de direito, pelas quais foi tomada a decisão, e o tribunal ad quem ficará impedido de sindicar a lógica inerente ao silogismo judiciário que a ela presidiu - por todos, AC STJ 26.02.2004, R.º03B3798, AC STA de 26.07.2000, R.º46382, e AC STA de 19.09.2012, R.º0862/12.

19. No caso sub judice, constata-se que a sentença omite de forma integral o fundamento decisório ao nível factual, pelo que dúvidas não podem restar quanto à nulidade da mesma.

20. Veja-se, adicionalmente, o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.12.2012, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/aeb6144f37bab7e980257ad90054f055?OpenDocument: “A obrigação de fundamentação das decisões judiciais decorre de imperativo constitucional[2] – art.º 205.º da Constituição da República – visando possibilitar aos destinatários da decisão o conhecimento dos fundamentos legais e factuais para que possam controlar a respetiva legalidade, e ao Tribunal de recurso para poder apreciar as razões porque se decidiu num certo sentido e seus fundamentos. Como se pode ler no “Manual de Processo Civil”, do Professor Antunes Varela, Sampaio e Nora e J. Miguel Bezerra, 2.ª Edição, págs. 688/699: “A nulidade da sentença carecida de fundamentação justifica-se por duas ordens de razões. A primeira, baseada na função dos tribunais como órgãos de pacificação social, consiste na necessidade de a decisão judicial explicitar os seus fundamentos como forma de persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada pelo Estado.”.

21. Vide, por último, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/88, de 14.12, in BMJ, 382-231: “A fundamentação das decisões judiciais cumpre, em geral, duas funções: a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão”.

22. Sempre se dirá que uma decisão vale o que valerem os seus fundamentos, e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer que a decisão é justa, pelo que, no caso vertente, o vazio de fundamentação no que tange à matéria de facto que sustenta a decisão proferida não pode deixar de ferir de nulidade a sentença ora em crise.

23. Assim, ao ter tomado uma decisão sem especificar os fundamentos de facto que a justificam, o Tribunal a quo cometeu a nulidade a que alude o artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, pelo que se roga a esse Tribunal que considere nula a sua decisão atentos os motivos invocados.»

Chegados aqui, impõe-se, desde logo e antes de mais, atentar na regra especial, de índole formal, que, no quadro do direito processual juslaboralista, vigora nesta matéria e que se acha contida no número 1 do artigo 77.º do Código de Processo de Trabalho:   

Artigo 77.º

Arguição de nulidades da sentença

1 – A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

2 – (…)

Ora, se compulsarmos as alegações de recurso da Apelante verificamos que a mesma dá cumprimento a tal exigência legal específica do referido regime adjetivo, pois invoca, de forma autónoma, no quadro do requerimento de interposição do recurso, a irregularidade em questão, que depois carreia, na sua essência, para as conclusões do recurso.

Acerca do primeiro vício de natureza formal que deixámos enunciado, convirá ouvir Fernando Amâncio Ferreira, em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª Edição, Almedina, páginas 52 e seguintes, quando afirma o seguinte: “A falta de motivação suscetível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito.

A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afetando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso.

Para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade de sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o que se estabelece no n.º 3 do art.º 659.º, e que suportam a decisão (…)”, bem como Jaime Octávio Cardona Ferreira, “Guia de Recursos em Processo Civil – o novo regime recursório civil”, Coimbra Editora, Novembro de 2007, página 54, ao defender o seguinte: “Omissão dos fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão (cfr. art.º 158.º); não é o mesmo que fundamentação insuficiente, inadequada ou, até, errada (…)”.

Ainda a propósito daquela causa de nulidade da sentença, ensina o Prof. Alberto dos Reis, in C.P.C., Anotado, volume V, pág. 140, o seguinte: «(…) Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (…)».

No mesmo sentido, pronunciou-se o Prof. Artur Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, volume III, págs. 141-142, segundo o qual «(…) Também a falta de fundamentação constitui causa de nulidade da sentença, quer a omissão respeite aos fundamentos de facto, quer aos de direito. Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)».

Não será despiciendo chamar ainda à colação o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/11/2013 (conferência), Processo n.º 2973/09.9TTLSB.L1, relatora: Juíza Desembargadora Isabel Tapadinhas, inédito, quando, num caso idêntico ao dos presentes autos, perspetiva o mesmo à luz do disposto no artigo 712.º do Código de Processo Civil e não do artigo 668.º do mesmo diploma legal:   

«Examinados os autos não se vislumbra que em 1.ª instância se tenha dado como assente qualquer matéria de facto, sendo certo que é ao juiz do processo que cabe selecionar, de entre os factos provados, os factos relevantes para a decisão a proferir, de acordo com o princípio geral que emana do art.º 511.º do Cód. Proc. Civil, visto que o art.º 659.º, nº 2 do mesmo corpo de leis tem aqui plena aplicação sendo, por isso, necessário discriminar os factos que o juiz considera como provados (Acs. do STJ de 22.10.2003, proc. nº 02S277, www.dgsi.pt e da RC de 30.05.2004, proc. n.º 697/04, BTE, 2.ª série, n.ºs 1-2-3/2006, pág. 294).

   Não tendo tais disposições sido observadas, há que anular a sentença por não se ter conhecido do mérito da causa e declarado quais os factos provados ao abrigo do art.º 712.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil (Ac. RP de 3.12.2001, JTRP00031076, www.dgsi.pt).

   Efetivamente, se a Relação pode, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 712.º do Cód. Proc. Civil, oficiosamente anular a decisão de 1.ª instância quando repute deficiente, obscura e contraditória a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto, também se afigura que o pode fazer quando tal matéria seja completamente omissa como sucede no caso em apreço (Artur Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol III, Almedina, Coimbra, pág. 137).

   Neste sentido apontam Lebre de Freitas e outros (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora 2001, pág. 303), bem como acórdão desta Relação de 1.07.1999, CJ, Ano XXIV, T. IV, págs. 90 e 91.

   E nem se argumente que do processo constam todos os elementos probatórios que até permitiriam a reapreciação da matéria de facto, pelo que sempre este Tribunal se podia substituir à 1.ª instância nessa apreciação, nomeadamente por aplicação indireta do estatuído no art.º 715.º do Cód. Proc. Civil: para haver uma reapreciação tem de haver uma primeira apreciação sobre a matéria em causa a qual no caso, em bom rigor, não se mostra levada a cabo.

   Por outro lado, tal como se refere no supra mencionado aresto desta Relação com total ausência de decisão da matéria de facto não pode este tribunal de recurso exercer o poder censório não só quanto à própria matéria de facto provada, como também sobre o direito aplicado e aplicável.

   Os conflitos de interesses entre as partes e as relações materiais controvertidas traduzem-se em factos.

   O direito aplica-se aos factos alegados e provados.

   Por falta absoluta da matéria provada falta de um dos pressupostos necessários ao julgamento, pelo que ignora-se e não é possível conhecer se foi bem ou mal aplicado o direito correspondente.

   E na situação em apreço tal falta torna-se evidente, bastando atentar, ainda na justificação de direito lavrada na decisão ora impugnada.

   Como bem refere Abílio Neto (“Código de Processo do Trabalho, Anotado” 6.ª Edição Atualizada e Ampliada, Janeiro de 2011, Ediforum, pág. 88) [o] julgamento da causa conforme for de direito pressupõe e exige a fixação/enunciação dos factos que o tribunal considera assentes.

   Nem se argumente com o disposto no art.º 659.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, aqui aplicável segundo o qual [n]a fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal coletivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, sob pena de a Relação acabar por se tornar na única instância factual o que constitui uma violação evidente do princípio da dupla jurisdição nessa sede.

   No sentido que vem sendo exposto, pode ainda ver-se o Ac. desta Relação de 10.10.2012 (proc. n.º 1043/11.4TTLSB.L1, www.dgsi.pt).

Impõe-se, assim, a anulação do julgamento, devendo o Juiz a quo elencar de entre os factos provados, os factos relevantes para a decisão a proferir e só depois indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

Fica, assim, prejudicado o conhecimento das questões colocadas. (…)

Não menos lamentável também é o facto de confundir nulidade da sentença com nulidade do julgamento: as causas de nulidade estão previstas no n.º 1 do art.º 668.º do Cód. Proc. Civil ao passo que a circunstância que determinam a anulação do julgamento constam do art.º 712.º, n.º 4 do mesmo corpo de leis.»[5]

Afigura-se-nos útil, face a tal controvérsia, ouvir, de novo, o Professor Anselmo de Castro, ainda que no quadro de um regime adjetivo consideravelmente diferente do atualmente em vigor, acerca da «nulidade do julgamento da matéria de facto»[6], que o mesmo situa no âmbito geral das nulidades dos atos do juiz:      

«Assim, ao falar de nulidades de julgamento tendo em vista decisões proferidas por tribunais de primeira instância, referimo-nos em primeira linha às nulidades próprias da decisão sobre matéria de facto, quer tais nulidades advenham das referidas questões haverem sido julgadas pelo juiz singular, quando o devessem ser pelo tribunal coletivo (art.º 646.º, n.º 2.º), quer da deficiência, obscuridade ou contradição das respostas ou da falta da sua fundamentação (art.º 653.º, n.º 4.º) quer ainda de o tribunal coletivo se haver pronunciado sobre questões de direito ou sobre factos apenas suscetíveis de prova documental ou que já estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão das partes (art.º 646.º, n.º 3.º).

Consistindo a nulidade em deficiência ([7]), obscuri­dade ([8]) ou contradição ([9]) das respostas, dela conhecerá o tribunal coletivo mediante reclamação dos advogados deduzida imediatamente no próprio ato, sem que para tal lhes seja concedido portanto prazo especial. O tribunal recolherá então novamente para, julgando as reclamações fundadas, corrigir os vícios apontados, ou considerando-as injustificadas assim o declarar.

Não admite a lei a dedução de novas reclamações contra a decisão que for proferida pelo tribunal.

Mas, tenha ou não havido reclamação no próprio ato e hajam ou não as partes suscitado a questão no recurso eventualmente interposto da sentença final, deverá o tribunal superior conhecer de tais vícios oficiosamente. É expresso neste sentido o art.º 712.°, n.° 2.°: "pode a Relação anular a decisão do coletivo, mesmo oficiosamente, quando repute deficientes, obscuras ou contraditórias as respostas aos quesitos formulados...". A dispensa de alegação do vício, ao contrário do que sucede no tocante à decisão propriamente dita da causa na sentença final, tem a sua razão na impossibilidade de o tribunal conhecer do objeto do recurso - os erros da decisão da matéria de direito - na ausência dos necessários pressupostos de facto que aqueles vícios pressupõem.»

Este douto processualista faz uma distinção clara entre as situações que se traduzem em nulidades do julgamento da matéria de facto das que se podem qualificar, nessa mesma área e residualmente, como nulidades de sentença (cfr. primeiro excerto reproduzido e assacado ao Dr. Anselmo de Castro), não sendo despiciendo compulsar igualmente o que o Dr. António Santos Abrantes Geraldes[10], quando sintetiza os resultados mais correntes derivados da aplicação do regime previsto no artigo 712.º do Código de Processo Civil.       

Ora, da leitura atenta do saneador/ sentença recorrido ressalta efetivamente uma absoluta carência de fundamentação em termos fácticos, pois a análise que aí se faz é praticamente de cariz jurídico, havendo apenas umas referências muito esparsas e abstratas de natureza fáctica que, contudo, não precisam mínima ou suficientemente as circunstâncias de modo, lugar e tempo em que as greves alegadamente ilícitas, foram convocadas e realizadas nos anos de 2007 e 2008, no aeroporto de Lisboa.

Não obstante o que sustenta o Sindicato Réu nas suas contra-alegações de recurso, afigura-se-nos que, perante a extensão dos articulados, o número grande de documentos e a complexidade do litígio, é impossível reconduzir a situação em análise autos ao cenário previsto no número 2 do artigo 61.º do Código do Processo do Trabalho.

Não se ignora, naturalmente, o que estatui o artigo 73.º, números 1 e 2 do Código do Processo do Trabalho[11], mas não só essa regra é aplicável em fase processual distinta e mais avançada em termos de tramitação da acção declarativa com processo comum,  como  mesmo aí se alude a uma «sucinta fundamentação de facto e de direito», o que não é o caso dos autos, pois inexiste qualquer fundamentação fáctica e a fundamentação de direito está longe de ser sucinta.     

Nessa medida, temos de reconduzir tal falta absoluta do cumprimento do disposto nos números 2 e 3 do artigo 659.º do Código de Processo Civil à referida nulidade de sentença prevista na alínea b) do número 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, nulidade essa que aqui se reconhece e declara.  

C - ARTIGO 715.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Chegados aqui e face a tal nulidade da sentença, por absoluta falta de fundamentação de facto por parte de mesma, impõe-se chamar à colação o disposto no artigo 715.º, número 1, do Código de Processo Civil, quando estipula que «ainda que se declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação».

Será isso então que iremos passar a fazer, muito embora se nos afigure que este tratamento uniforme e igualitário por parte do legislador de todas as nulidades de sentença, conduz, em alguns casos, a situações absurdas ou em que, pelo menos, de uma forma intensa e grave se viola um grau de jurisdição.[12]

A nulidade da sentença acima declarada implica que este tribunal de recurso se substitua ao tribunal da 1.ª instância e que, depois de fixar a matéria de facto que considera assente, por acordo, confissão das partes ou prova documental e desde que a considere suficiente para um julgamento objetivo e rigoroso, já nesta fase dos autos, do litígio dos autos, se debruce sobre as diversas vertentes jurídicas que emergem do mesmo e são suscitadas pelas partes nos seus articulados.                     

D - FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA

Da leitura e confronto dos articulados da Autora e do Réu, bem como dos documentos aceites pelas partes e que os complementam, podem-se dar como provados os seguintes factos, com base no acordo e confissão das partes e nos documentos com força probatória suficiente[13]:

(…)

E – INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO CONSIDERADA NA DECISÃO RECORRIDA

A Autora, num segundo plano do seu recurso de Apelação vem invocar a «Insuficiência da matéria de facto considerada na decisão recorrida», o que não só é contraditório com a nulidade de sentença anteriormente arguida com base na absoluta falta de fundamentação de facto, como, ao nos remeter para o número 4 do artigo 712.º anterior Código de Processo Civil, persegue a anulação do saneador/sentença, com vista ao prosseguimento dos autos e oportuna realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com a inerente produção de prova sobre uma série de factos que a AA considera relevantes e que integram a causa de pedir desta ação.

A sua argumentação, em sede de conclusões de recurso, é a seguinte:

«13.º Sem prejuízo da invocação de nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto em que assentou a decisão, a ora recorrente considera que o julgador a quo não atendeu a factos alegados e/ou constantes dos documentos juntos aos autos, pelo que a matéria de facto considerada relevante pelo tribunal a quo é manifestamente insuficiente para a boa decisão da causa face às diversas soluções plausíveis de direito.

14.º A insuficiência que aqui se argui adquire particular importância dado que o julgador a quo prescindiu da ulterior fase (normal) de julgamento por se considerar habilitado, sem necessidade de mais provas, a conhecer imediatamente do mérito da causa – artigo 510.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

15.º A sentença o recorrida não considerou relevante para a decisão da causa parte da factualidade carreada para os autos pela recorrente, inter alia, nos artigos 127.º, 277.º, 278.º, 327.º e 386.º da petição inicial aperfeiçoada e nos documentos n.ºs 7, 147, 153 e 159 da mesma petição inicial – que correspondem aos documentos sob os números 10, 160, 166 e 172 juntos com a petição inicial apresentada em 31.05.2011.

16.º O julgador a quo não considerou também pertinentes os factos concretos que sustentam o pedido de ressarcimento por danos não patrimoniais alegados pela recorrente nos artigos 839.º a 884.º da petição inicial aperfeiçoada.

17.º Na fundamentação de direito do saneador-sentença, o tribunal recorrido preconizou que a recorrente funda tal pedido “basicamente em generalidades e conceitos indeterminados”, sendo que a recorrente entende ter invocado factos concretos que permitem ancorar o pedido indemnizatório por si formulado: a título de exemplo, os factos vertidos nos artigos 839.º, 843.º a 848.º, 868.º, 869.º e 870.º da petição inicial aperfeiçoada.

18.º Assim, em face da factualidade alegada, colocava-se e coloca-se uma solução plausível de direito diversa da que foi preconizada na decisão recorrida e que implicava que a valoração dos elementos probatórios juntos aos autos houvesse sido diferente ou, no mínimo, que a matéria de facto alegada na petição inicial tivesse de ser objeto de produção de prova em audiência de discussão e julgamento, pelo que o julgador a quo não podia ter dispensado a realização daquela audiência e a produção de prova sobre aquela matéria, designadamente a alegada pela recorrente nos artigos 839.º, 843.º a 848.º, 868.º, 869.º e 870.º da petição inicial aperfeiçoada.

19.º Tendo decidido deste modo, a douta decisão recorrida padece de manifesta insuficiência da matéria de facto, razão pela qual deve ser anulada por V. Exas., nos termos e com os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 712.º do Código de Processo Civil.»[14]

Importa lembrar que a causa de pedir que funda os diversos pedidos da AA[15] é complexa, radicando a Apelante os pedidos de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais formulados na ação nas seguintes condutas que imputa ao STAD:

a) Ilicitude das greves convocadas pelo Réu no ano de 2008, por falta de cumprimento do prazo legal para a sua convocação (10 dias úteis e não os 5 dias úteis que foram praticados pelo Sindicato) e na omissão da indicação e posterior prestação de serviços mínimos reclamados pela satisfação das necessidades sociais impreteríveis, conforme o disposto no artigo 598.º do Código do Trabalho de 2003;

b) Violação do princípio da boa-fé no âmbito das conversações de natureza coletiva havidas entre a AA e o STAD e que terão culminado num acordo entre as partes no que toca a algumas das matérias de cariz laboral que estavam em cima da mesa das negociações, quer no que concerne à greve convocada pelo Réu para o dia 28/4/2008, como no que toca à recusa do aumento salarial de 2,3% e posterior participação junto da ACT, por redução da retribuição aos trabalhadores;

c) Ações de luta e protesto diversas junto dos trabalhadores filiados no STAD, participações (denúncias caluniosas, na qualificação da Apelante) feitas à ACT, bem como o patrocínio ou representação judicial dos mesmos, que definem uma forma específica de atuação e propósitos de afrontamento e sabotagem da atividade económica da Autora;

d) Teor excessivo, ofensivo e mentiroso do teor dos comunicados e outros textos de natureza sindical emitidos e divulgados pelo STAD;

e) Uso abusivo do nome, logótipo e marca da AA.

Se compulsarmos a extensíssima e algo repetitiva Petição Inicial da Autora (mesmo depois de aperfeiçoada), verificamos, ainda que numa abordagem algo superficial e pouco rigorosa, que se acham controvertidos os seguintes artigos de tal peça processual (não se ignorando que muitos deles são parcialmente jurídicos, conclusivos ou reincidentes nas afirmações neles contidas, havendo que isolar e extrair dos mesmos os factos que ali se acham articulados), admitindo-se, por outro lado, que alguns deles poderão ter pouca ou nenhuma relevância para a decisão final do pleito dos autos e estando outros dependentes de prova documental: 14.º a 18.º/854.º a 856.º, 23.º/860.º a 30.º, 33.º, 34.º, 38.º, 51.º a 53.º, 55.º, 56.º, 75.º, 76.º, 78.º, 84.º, 109.º, 110.º, 111.º/127.º, 112.º, 120.º, 123.º, 124.º, 129.º, 150.º, 191.º/192.º, 203.º, 210.º, 215.º, 217.º, 218.º, 222.º, 223.º, 225.º, 226.º, 236.º, 241.º, 281.º, 306.º, 315.º, 316.º, 317.º/318.º, 378.º a 383.º, 403.º, 427.º, 462.º a 466.º, 665.º a 670.º, 676.º a 681.º, 687.º a 692.º, 698.º a 703.º, 709.º a 714.º, 720.º a 725.º, 731.º a 736.º, 742.º a 747.º, 756.º, 757.º, 758.º, 760.º a 762.º, 764.º, 765.º, 768.º a 834.º, 836.º, 837.º, 841.º, 843.º, 844.º, 845.º, 858.º e 865.º. (assinalam-se a negrito os indicados pela Autora nas suas conclusões, achando-se os demais dados como assentes - v.g., artigos 277.º, 278.º, 327.º e 386.º - ou afastados por manifestamente conclusivos ou com conteúdo jurídico).                             

A apreciação desta problemática passa, em nosso entender, pela abordagem jurídica das demais questões suscitadas pela recorrente, com referência ao saneador/sentença proferido pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, sendo certo que, muito embora o mesmo tenha sido declarada nulo por este tribunal e não tenha incidido sobre todas as questões ou matérias suscitadas pela AA na presente ação (v. g., as alíneas b), c) e e) acima enunciadas], este Tribunal da Relação de Lisboa, de acordo com o número 1 do artigo 715.º do anterior Código de Processo Civil, só se encontra obrigado a conhecer do objeto da Apelação, ou seja, das temáticas de índole fáctica e jurídica nela levantadas e não outras, que aí não foram afloradas, tendo a parte feito incidir a sua atenção, quer em termos fácticos, como jurídicos, sobre as greves ilícitas e os comunicados ofensivos (havendo ainda uma referência genérica à violação do princípio da boa fé) e sobre os danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados, sendo portanto sobre estes aspetos que iremos fazer incidir essencialmente a nossa abordagem (à imagem, no fundo, do que fez a decisão judicial impugnada).                

F – DIREITO À GREVE E SEU EXERCÍCIO – REGIME LEGAL

As diversas questões que, acerca da greve, se suscitam nos autos, radicam-se, em termos jurídicos, nas seguintes disposições da Constituição da República Portuguesa (artigo 57.º) e 591.º a 604.º do Código do Trabalho de 2003, na parte que para aqui releva (reproduzindo-se os demais em Nota de Rodapé)[16]:    

Artigo 57.º

Direito à greve e proibição do lock-out

1. É garantido o direito à greve.

2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.

3. A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.

4. (…).

Artigo 591.º

Direito à greve

1 - A greve constitui, nos termos da Constituição, um direito dos trabalhadores.

2 - Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve.

3 - O direito à greve é irrenunciável.

Artigo 592.º

Competência para declarar a greve

1 - O recurso à greve é decidido pelas associações sindicais.

2 - Sem prejuízo do direito reconhecido às associações sindicais no número anterior, as assembleias de trabalhadores podem decidir do recurso à greve, por voto secreto, desde que na respectiva empresa a maioria dos trabalhadores não esteja representada por associações sindicais e que a assembleia seja expressamente convocada para o efeito por 20% ou 200 trabalhadores.

3 - As assembleias referidas no número anterior deliberam validamente desde que participe na votação a maioria dos trabalhadores da empresa e que a declaração de greve seja aprovada pela maioria dos votantes.

Artigo 593.º

Representação dos trabalhadores

1 - Os trabalhadores em greve serão representados pela associação ou associações sindicais ou por uma comissão eleita para o efeito, no caso a que se refere o nº 2 do artigo anterior.

2 - As entidades referidas no número anterior podem delegar os seus poderes de representação.

Artigo 595.º

Aviso prévio

1 - As entidades com legitimidade para decidirem o recurso à greve devem dirigir ao empregador ou à associação de empregadores, e ao ministério responsável pela área laboral, por meios idóneos, nomeadamente por escrito ou através dos meios de comunicação social, um aviso prévio, com o prazo mínimo de cinco dias úteis.

2 - Para os casos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 598.º, o prazo de aviso prévio é de 10 dias úteis.

3 - O aviso prévio deve conter uma proposta de definição dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, bem como, sempre que a greve se realize em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, uma proposta de definição de serviços mínimos.

Artigo 596.º

Proibição de substituição dos grevistas

1 - O empregador não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que à data do aviso prévio referido no número anterior não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço, nem pode, desde aquela data, admitir novos trabalhadores para aquele efeito.

2 - A concreta tarefa desempenhada pelo trabalhador em greve não pode, durante esse período, ser realizada por empresa especialmente contratada para o efeito, salvo no caso de não estarem garantidos a satisfação das necessidades sociais impreteríveis ou os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.

Artigo 597.º

Efeitos da greve

1 - A greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e, em consequência, desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade.

2 - Relativamente aos vínculos laborais dos grevistas, mantêm-se, durante a greve, os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho, assim como os direitos previstos na legislação sobre segurança social e as prestações devidas por acidentes de trabalho e doenças profissionais.

3 - O período de suspensão não pode prejudicar a antiguidade e os efeitos dela decorrentes, nomeadamente no que respeita à contagem de tempo de serviço.

Artigo 598.º

Obrigações durante a greve

1 - Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores:

a) Correios e telecomunicações;

b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;

c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;

d) Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;

e) Abastecimento de águas;

f) Bombeiros;

g) Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;

h) Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho de ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respectivas cargas e descargas;

i) Transporte e segurança de valores monetários.

3 - As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.

Artigo 599.º

Definição dos serviços mínimos

1 - Os serviços mínimos previstos nos nºs 1 e 3 do artigo anterior devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo com os representantes dos trabalhadores.

2 - Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e não havendo acordo anterior ao aviso prévio quanto à definição dos serviços mínimos previstos no nº 1 do artigo anterior, o ministério responsável pela área laboral convoca os representantes dos trabalhadores referidos no artigo 593.º e os representantes dos empregadores, tendo em vista a negociação de um acordo quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os assegurar.

3 - Na falta de um acordo até ao termo do 3º dia posterior ao aviso prévio de greve, a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior é estabelecida, sem prejuízo do disposto no n.º 4, por despacho conjunto, devidamente fundamentado, do ministro responsável pela área laboral e do ministro responsável pelo sector de actividade.

4 - No caso de se tratar de serviços da administração directa ou indirecta do Estado ou de empresa que se inclua no sector empresarial do Estado, e na falta de um acordo até ao termo do 3.º dia posterior ao aviso prévio de greve, a definição dos serviços e meios referidos no n.º 2 compete a um colégio arbitral composto por três árbitros constantes das listas de árbitros previstas no artigo 570.º, nos termos previstos em legislação especial.

5 - O despacho previsto no n.º 3 e a decisão do colégio arbitral prevista no número anterior produzem efeitos imediatamente após a sua notificação aos representantes referidos no nº 2 e devem ser afixados nas instalações da empresa ou estabelecimento, nos locais habitualmente destinados à informação dos trabalhadores.

6 - Os representantes dos trabalhadores a que se refere o artigo 593.º devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos no artigo anterior, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve, e, se não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação.

7 - A definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

Artigo 599.º

Definição dos serviços mínimos

1 - Os serviços mínimos previstos nos nºs 1 e 3 do artigo anterior devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo com os representantes dos trabalhadores.

2 - Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e não havendo acordo anterior ao aviso prévio quanto à definição dos serviços mínimos previstos no n.º 1 do artigo anterior, o ministério responsável pela área laboral convoca os representantes dos trabalhadores referidos no artigo 593.º e os representantes dos empregadores, tendo em vista a negociação de um acordo quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os assegurar.

3 - Na falta de um acordo até ao termo do 3.º dia posterior ao aviso prévio de greve, a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior é estabelecida, sem prejuízo do disposto no n.º 4, por despacho conjunto, devidamente fundamentado, do ministro responsável pela área laboral e do ministro responsável pelo sector de actividade.

4 - No caso de se tratar de serviços da administração directa do Estado ou de empresa que se inclua no sector empresarial do Estado, e na falta de um acordo até ao termo do 3º dia posterior ao aviso prévio de greve, a definição dos serviços e meios referidos no nº 2 compete a um colégio arbitral composto por três árbitros constantes das listas de árbitros previstas no artigo 570º, nos termos previstos em legislação especial.

5 - O despacho previsto no n.º 3 e a decisão do colégio arbitral prevista no número anterior produzem efeitos imediatamente após a sua notificação aos representantes referidos no nº 2 e devem ser afixados nas instalações da empresa ou estabelecimento, nos locais habitualmente destinados à informação dos trabalhadores.

6 - Os representantes dos trabalhadores a que se refere o artigo 593.º devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos no artigo anterior, até quarenta e oito horas antes do início do período de greve, e, se não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação.

7 - A definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

Artigo 600.º

Regime de prestação dos serviços mínimos

1 - Os trabalhadores afectos à prestação de serviços mínimos mantêm-se, na estrita medida necessária à prestação desses serviços, sob a autoridade e direcção do empregador, tendo direito, nomeadamente, à retribuição.

2 - O disposto no número anterior é aplicável a trabalhadores que prestem durante a greve os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.

Artigo 601.º

Incumprimento da obrigação de prestação dos serviços mínimos

No caso de não cumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos, sem prejuízo dos efeitos gerais, o Governo pode determinar a requisição ou mobilização, nos termos previstos em legislação especial.

Artigo 604.º

Inobservância da lei

1 - A greve declarada ou executada de forma contrária à lei faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas.

2 - O disposto no número anterior não prejudica a aplicação, quando a tal haja lugar, dos princípios gerais em matéria de responsabilidade civil.

Será, portanto, a partir de tal regime jurídico que iremos proceder à análise e julgamento das diversas questões que são suscitadas no presente recurso.

G – NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO À GREVE – ÂMBITO DA GREVE

A Autora vem demandar e pedir a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais com fundamento no instituto da responsabilidade civil e tendo em consideração o estatuído no artigo 604.º do C.T. de 2003, que se mostra acima transcrito.

A nossa doutrina não é unânime no que concerne à interpretação do regime emergente dessa regra laboral, divergência essa que se mostra, aliás, refletida nas posições assumidas pelas partes nos seus articulados, pois uns assacam tal responsabilidade apenas aos trabalhadores aderentes de uma greve ilícita, ao passo que outros cumulam tal imputação individual com a imputação coletiva aos sindicatos promotores dessa paralisação em desconformidade com a lei.

A questão prende-se com os contornos especiais que o direito à greve possui e que são evidenciados pela forma como o mesmo é exercido, pois se a sua convocação tem de partir de uma decisão da direção do sindicato ou de deliberação do conjunto de trabalhadores filiados em associação sindical ou a laborar numa empresa ou grupo empresarial (conforme resulta do artigo 531.º do Código do Trabalho de 2009[17]), seguro é que tal direito se insere na esfera jurídica de cada um dos trabalhadores, possuindo uma natureza individual, em termos da correspondente titularidade (cfr., por exemplo, os artigos 57.º da Constituição da República Portuguesa e 530.º e 532.º do Código do Trabalho de 2009[18]), que se concretiza, em rigor e materialmente, no momento da adesão pessoal à mesma.

O Professor JOSÉ JOÃO ABRANTES[19], a respeito da natureza jurídica do direito de greve, afirma o seguinte:

«3.1. A greve é um direito dos trabalhadores subordinados enquanto tais, independentemente da sua filiação sindical. A titularidade desse direito pertence ao trabalhador individualmente considerado.

Na nossa lei, são, aliás, admitidas paralisações decretadas à margem do sindicato (art. 531.°/2 do CT); mas, mesmo nas que são decretadas pelos sindicatos, estes - tal como, naquele caso, as assembleias de tra­balhadores - surgem como meros instrumentos do exercício da absten­ção colectiva, não como titulares do direito correspondente, que é um direito do trabalhador singular.

O momento decisivo do exercício da greve é o da adesão individual, através da qual o trabalhador deixa de prestar o trabalho contratual ‑ mente devido; só há greve se for concretizada pelo trabalhador a deci­são de parar o trabalho[20].

Simplesmente, reduzir a greve a esse momento individual seria des­figurar um fenómeno que também tem uma dimensão colectiva, dele inseparável[21]. A greve é um direito dos trabalhadores individuais, via­bilizado pela dimensão colectiva do fenómeno[22]. Para exercer o seu direito (individual) de greve, o trabalhador carece de uma intermedia­ção[23]. A dimensão individual — o "direito" de fazer greve, em si, que é um "direito" potestativo de adesão à declaração de greve, que suspende as prestações principais do contrato — está legalmente condicionada a uma eventual declaração de greve no sector[24].

A greve é um direito de estrutura complexa[25]. Corresponde a uma reivindicação individual de cada trabalhador, mas a exercer em con­junto pelos vários trabalhadores[26]. A declaração de greve ainda não é uma greve, mas constitui uma condição da sua licitude[27].

A greve é um direito dos trabalhadores enquanto membros de um determinado grupo portador de interesses próprios, cujo exercício pressupõe o concurso dos membros do grupo considerado. É enquanto membro de uma categoria portadora de interesses colectivos que o tra­balhador se pode abster de trabalhar em conjunto com outros, sem a sua conduta ficar exposta à incriminação.

Por outro lado, do ponto de vista individual, o mesmo trabalhador tem a faculdade de, aderindo a uma greve, interromper a prestação de trabalho, sem que possa ser contratualmente responsabilizado, antes desencadeando, por uma sua opção pessoal, a suspensão do vínculo laboral[28].

A greve é um instrumento de auto-tutela de interesses colectivos, através do qual se reconhece aos trabalhadores a possibilidade de agirem em defesa de fins colectivos que se proponham, negando temporariamente ao empregador a disponibilidade da sua força de trabalho.

O exercício da greve sobrepõe a liberdade pessoal dos trabalhadores a um compromisso de actividade contratualmente assumido, com aque­les a colocarem-se provisoriamente "fora do contrato".

A greve é um direito individual de cada trabalhador, que comporta uma dimensão colectiva, que, sem apagar essa fisionomia de direito in­dividual, faz parte do seu próprio conteúdo e é condição da sua efecti­vação[29].

3.2. Algumas dificuldades podem suscitar-se perante a afirmação de um direito do trabalhador perante a contraparte, com reflexo no con­teúdo da relação laboral, sem que esteja necessariamente em causa uma pretensão situada no domínio dessa relação e na zona de influência do empregador. Exemplo de escola é a greve de solidariedade, modalidade de abstenção colectiva de trabalho que visa objectivos que estão fora da área de disponibilidade do empregador.

No nosso sistema, articulam-se uma liberdade pública e um direito potestativo. Do facto de a faculdade de abstenção colectiva se projectar nas relações individuais de trabalho, reagindo sobre os interesses par­ticulares que nelas se confrontam, não resulta qualquer restrição à lici­tude da greve. O exercício deste "direito de greve" tem, à luz do n.° 2 do art. 57.º da CRP, o mesmo espaço e sujeita-se aos mesmos limites que o exercício da "liberdade de greve". Contrariamente ao que ocorria com o Decreto-Lei n.° 392/74, não existe hoje uma "funcionalização" da greve a certos objectivos, nomeadamente a interesses especifica­mente profissionais.

A concepção subjacente ao n.° 2 do art. 57.° assenta na especial natu­reza dos interesses juridicamente tutelados e na relação que se estabe­lece entre eles e os que se confrontam na relação individual. Trata-se de interesses colectivos que se não confundem com o interesse singular de cada trabalhador envolvido, mas cuja tutela directa há-de necessa­riamente passar por condutas individuais, embora coligadas[30].

O contrato permanece, não obstante o facto de o trabalhador sus­pender a prestação de actividade. O exercício, em certos termos, da "liberdade" de não cumprir o contrato não representa violação deste porque, durante a paralisação colectiva, o trabalhador fica exonerado do seu débito perante o empregador[31]. A lei reconhece a causa da paralisa­ção como apta a descaracterizá-la enquanto violação contratual. Afirma desse modo a prevalência do interesse do trabalhador sobre o do em­pregador, conferindo ao primeiro a faculdade de agir de certo modo: mais do que uma liberdade, trata-se de um verdadeiro direito, um direito potestativo, oponível à contraparte no contrato, cuja posição se assume como uma sujeição, com a necessidade de suportar as modificações assim introduzidas no conteúdo da relação[32]».[33]

A longa transcrição doutrinária que acima fizemos, na sua conjugação com as normas legais pertinentes, permite equacionar cenários muito diversos que passam pelo potencial desfasamento entre o o resultado final da greve convocada e os pressupostos sobre os quais se radicou a sua marcação, as intenções e finalidades anunciadas a esse respeito pela associação sindical e as expetativas e receios criados em função desse conjunto de fatores objetivos e subjetivos, quer no que concerne ao sindicato como aos trabalhadores filados ou não e aos empregadores afetados pela mesma.

É possivel conceber, em tese, a designação por um sindicato, sem consulta prévia aos seus associados, de uma paragem que vem a conhecer no dia ou dias da sua efetiva realização uma adesão praticamente nula, por os trabalhadores visados pela mesma não se mostrarem sensibilizados ou familiarizados suficientemente  com as premissas de que partiu a decisão da greve (ou mesmo uma concordância e adesão significativa por parte de trabalhadores não filiados ou até de membros de outros sindicatos[34], ao contrário do que acontece com os sindicalizados na associação sindical que a convocou, ou ainda a reinvidicação de condições laborais ou outras exigências em algumas empresas, à margem das que estavam contidas no Aviso prévio daquela). 

Essa possível desconformidade quantitativa ou mesmo qualitativa entre a decisão orgânica ou mesmo coletiva de se entrar em greve e a forma efetiva como esta se vai desenrolar (inclusive, à revelia total ou parcial do comunicado e planeado, quer ainda dentro dos limites legais, quer já fora deles) revela a estrutura mista e complexa do correspondente direito, que se desdobra temporalmente em diversos e sucessivos atos de entidades muito diversas (associações sindicais e patronais, trabalhadores, empregadores, tribunais arbitrais e Estado) e que possui um carácter de imprevisibilidade, quer em termos de execução como de conteúdo, que importa assinalar.

Tal possibilidade de adesão (até maioritária) de outros trabalhadores que não os que se acham inscritos no sindicato promotor da paralisação (e que não tiverem qualquer intervenção direta, quer por participação em eventuais assembleias de associados designadas com tal fim, quer por via indireta, por votação na direção que a decidiu)[35] e da adoção pelos mesmos de condutas ilícitas (em piquetes de greve ou fora deles) revela as dificuldades jurídicas que se colocam ao nível do controlo, fiscalização, contenção e responsabilização (inclusive, civil) por parte do sindicato sobre a forma como se desenrola e desenvolve a dita paragem e sobre os comportamentos individuais e coletivos aí adotados.      

H - EFEITOS DA GREVE - ENTIDADE EMPREGADORA - TERCEIROS 

Não será despiciendo, ainda a respeito da natureza jurídica do direito de greve, realçar os efeitos prejudiciais mas juridicamente consentidos que incidem sobre a esfera de interesses e atividade do empregador (designadamente no que concerne às suas relações com terceiros), voltando-se mais uma vez ao Dr. José João Abrantes, obra citada, págs. 89 a 92:

«5.1. O principal efeito da greve é, nos termos do art. 536.° do CT, a suspensão do contrato de trabalho. Tal como acontece nas situações de impossibilidade temporária da prestação laboral não imputável ao tra­balhador, resultantes, por exemplo, de doença, acidente ou cumpri­mento de deveres legais, o contrato permanece, não obstante haver uma não prestação de actividade pelo trabalhador, uma vez que a lei considera que a causa dessa paralisação a legitima e descaracteriza como violação contratual, ficando o trabalhador, durante ela, exonerado do seu débito.

A ausência do trabalhador do local de trabalho por motivo de adesão a greve não configura uma falta (nem sequer justificada), porque du­rante a greve não se mantém o dever de assiduidade.

5.2. O contrato mantém-se, só ficando suspensos temporariamente s seus efeitos principais, desde logo o direito à retribuição[36]. O traba­lhador, por sua vez, deixa de estar sujeito, entre outros, aos deveres de assiduidade e diligência, mantendo-se, todavia, os deveres "que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho", como é o caso dos deveres de respeito, sigilo e não concorrência [alíneas a) e f) do n.° 1 do 128.°], autónomos da prestação principal e, como tal, não abrangidos pelo efeito suspensivo decorrente da adesão à greve. Também não se alteram os direitos do trabalhador em matéria de segurança social (n.º 2 art. 536.º)[37] e a suspensão conta para efeitos de antiguidade (n.º 3).

Uma questão que se levanta é saber se actos praticados por ocasião da greve são passíveis de procedimento disciplinar. Uma vez que os trabalhadores, durante a greve, ficam "fora do contrato", então, pelo menos no que toca às obrigações principais, estão subtraídos ao poder disciplinar do empregador. Ao suspender o contrato, a greve legitima a inobservância pelo trabalhador de certos deveres ligados à prestação que se recusa e, por conseguinte, paralisa, nessa medida, o poder direc­tivo e disciplinar do empregador. Contudo, não neutraliza disciplinar­mente os comportamentos ilícitos daqueles que, apesar da greve, con­tinuam a ser trabalhadores e podem ser responsabilizados por esses actos, nomeadamente, pela violação de deveres laborais que não este­jam suspensos (por ex., a revelação de segredos ou o exercício de uma actividade concorrente)[38].

5.3. Outra questão importante diz respeito às consequências da greve nas relações do empregador com terceiros. Que efeitos tem o facto de ela inviabilizar o cumprimento de obrigações do empregador para com terceiros? Há ou não lugar a responsabilidade contratual por parte de uma empresa que não cumpre um contrato de fornecimento de mercadorias a que estava adstrita porque os seus trabalhadores fize­ram greve e, por isso, as mercadorias não puderam ser entregues no prazo acordado?

Há quem sustente que se está perante um caso de impossibilidade da prestação por causa não imputável ao devedor, situação prevista no art. 790.º do Código Civil. Assim, sendo terceiros que, ao fazerem greve, obstam ao cumprimento, ou seja, havendo uma causa de inexecução não imputável ao devedor, mas sim a esses terceiros, a responsabilidade do devedor seria excluida[39].

Esta não nos parece, porém, uma solução aceitável.

Causa não imputável ao devedor, para efeitos daquele artigo, é a que não se encontra na sua esfera de influência; ora, não se pode con­cluir que a greve esteja sempre fora do controlo de actuação do empre­gador. Nos ordenamentos democráticos, ela deve ser considerada um facto normal, como tal assimilada aos riscos da empresa, devendo os em­pregadores suportar esses riscos, tal como sucede com os riscos rela­tivos ao desaparecimento de matérias-primas, a oscilações do mercado ou a modificações na paridade da moeda. A questão deve, por isso, em nosso entender[40], ser resolvida com recurso às regras obrigacionais do risco, aplicando-se aqui a presunção de culpa do devedor prevista no art. 799.°/1 do Código Civil.

A greve não constitui fundamento para afastar tal presunção de culpa, porque, integrando-se os trabalhadores na estrutura empresarial, essa integração impede que os seus actos excluam a responsabilidade do empregador[41]. Se este não cumpre o contrato, será responsável perante o seu cliente, sob pena de a greve passar a constituir, em cadeia, um "passar de culpas"; se, invocando a greve, não tivesse de indemnizar os seus clientes, estes, ao receberem as mercadorias com atraso, tam­bém não seriam responsabilizados pela falta de entrega atempada aos consumidores, e assim por diante. A greve seria uma forma de desres­ponsabilizar todos os intervenientes numa cadeia de prestação de ser­viços ou de fornecimento de bens, com a consequente insegurança jurí­dica, o que não parece aceitável.»[42]

Derivam assim, necessária e inevitavelmente, da noção, natureza  e exercício do direito de greve por banda dos trabalhadores, danos de índole diversa e de valor pecuniário incerto e, as mais das vezes, avultado, para as entidades empregadoras, sendo esses prejuízos (que alguns autores procuram, em nome do princípio da proprorcionalidade, delimitar e circunscrever, através de patamares qualitativos ou quantitivos que não podem ser ultrapassados, muito embora sem base legal expressa ou implícita) uma decorrência natural e normal do instituto jurídico em análise.

Importa referir que mesmo nos sectores da atividade económica que, segundo o artigo 537.º do Código do Trabalho atual (anteriormente, artigo 598.º e 601.º, número 1) reclamam a organização de serviços mínimos, esses mesmos danos também se verificam inexoravelmente, ainda que numa relativa menor dimensão, que fica dependente da maior ou menor extensão dos referidos serviços mínimos decretados (que, todavia e em nome do já referido princípio constitucional da proporcionalidade e adequação, não podem cercear ou coartar para além do absolutamente imprescindível e indispensável os efeitos e âmbito da correspondente greve).              

          

I – RESPONSABILIDADE CIVIL POR GREVES ILÍCITAS

O que se deixou exposto prendia-se com a interpretação do regime constante do artigo 541.º do Código do Trabalho de 2009, no que toca à responsabilização civil somente dos trabalhadores aderentes[43] a uma greve formal e/ou materialmente ilícita ou também da associação ou associações sindicais que a convocaram fora dos parâmetros legais.  

Nesta matéria afigura-se-nos importante ouvir o Professor ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES[44], quando afirma o seguinte acerca do teor do referido artigo 541.º, que tem correspondência nos artigos 601.º e 604.º do anterior Código do Trabalho:            

«2.3. A responsabilidade civil. Tratando-se de paragens coletivas desencadeadas sem observância das regras legais aplicáveis, são tratadas, antes do mais, no plano individual, como situações de incumprimento da obrigação de trabalho, e daí o regime do n.º 1 deste artigo. Mas, no plano da responsabilidade extracontratual, há que ponderar ainda os prejuízos que a paragem ilícita cause ao empregador. Este tem que suportar – dentro dos limites da proporcionalidade – os prejuízos que decorram do exercício lícito da greve, mas não os resultantes de uma greve ilegal. O ressarcimento desses prejuízos pode ter que ser suportado pelos trabalhadores aderentes e pelo próprio sindicato promotor da paralisação – sobretudo por este, dado que os aderentes podem ter atuado (como é normal) segundo as diretrizes da sua organização, na convicção de estarem dentro da legalidade, e, portanto, sem culpa.

Trata-se, pois, em todo o caso, de um mecanismo pouco efetivo, dada a impenhorabilidade dos bens do sindicato “cuja utilização seja estritamente indispensável ao seu funcionamento” (artigo 435.º do C.T.)[45] – o que, na prática, abrangerá todo o património da organização. Paradoxalmente, a questão da responsabilidade civil pelo exercício ilícito da greve poderá suscitar-se, sobretudo, em relação a trabalhadores individualmente considerados, por atos danosos que pratiquem no contexto de uma paralisação – por exemplo, como membros de um piquete.».

Também o Professor BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER[46], depois de excluir do conceito de greves ilícitas todas aquelas situações que não se traduzem numa «abstenção da prestação do trabalho, por um grupo de trabalhadores, para pressionar no sentido da realização dos seus fins comuns» e de qualificar como tal todas as paragens que são desconformes com o Direito e não somente as que estavam referidas no artigo 11.º da Lei da Greve[47], afirma o seguinte acerca dos efeitos das mesmas no plano das relações coletivas:

«79. A eventual responsabilidade das organizações dos trabalhadores nos casos de greve ilícita. O problema do efeito externo da obrigação. As dificuldades de ressarcimento do dano global causado por uma greve ilegal através de um número eventualmente elevado de acções intentadas contra os trabalhadores singulares inadimplentes, a injustiça de lançar apenas sobre estes a responsabilidade pelo dano (principalmente quando ao ilícito foram induzidos por uma organização sindical) e mesmo o que se disse a propósito da relevância da falta de consciência da ilicitude levam-nos a pôr o problema da responsabilidade das organizações dos trabalhadores pelas greves ilegais que tenham declarado.

(…). Per­gunta-se pois se a empresa afectada por uma greve ilegal poderá exigir, dos sindicatos que a tenham declarado, indemnização pelos prejuízos sofridos.

Quem visione a greve apenas no domínio das relações indivi­duais estará tentado a dar uma resposta negativa. Na verdade, os actos do sindicato somente induziram os trabalhadores ao não cumprimento, ainda que ilícito, do contrato de trabalho. Ora os empresários, como a generalidade dos credores, não têm acção contra o terceiro que promova o não cumprimento do devedor: o nosso direito não consagra — como é doutrina comum o efeito externo das obrigações. Na verdade, ensina-se entre nós que só o devedor assumiu perante o lesado a responsabilidade pelo cumpri­mento da prestação, tendo assim os direitos de crédito apenas efi­cácia relativa[48] .

E muito embora esta doutrina tenha vindo a sofrer certa ate­nuação, admitindo-se a responsabilização daqueles que instigam à prática do ilícito contratual, quando agem com manifesto abuso de direito[49], nem por isso deixa de ser tida como válida na maioria dos casos. Dir-se-á que, em princípio, o dever de cumprimento dos contratos de trabalho não vincula propriamente os sindicatos mas apenas os trabalhadores em causa, somente a estes podendo ser exigida a responsabilidade pelo inadimplemento. O sindicato terá a posição de terceiro quanto às obrigações dos trabalhadores e mesmo quando tenha provocado o seu não cumprimento, não será responsável perante a entidade patronal. (…)

80. A eventual responsabilidade das organizações dos trabalhadores pelos danos ocasionados pela greve ilícita (cont.). A violação pelo sindicato de direitos ou interesses protegidos de titularidade patronal. Quanto a nós, o problema não pode ser perspectivado apenas na óptica das relações individuais de tra­balho e, portanto, a propósito do não cumprimento de uma série de prestações contratuais. Pois na verdade a greve não é somente qualquer coisa que tem a ver com a inexecução deste ou daquele contrato, mas potencialmente refere-se a todos os contratos de tra­balho, representando ainda uma situação de conflito colectivo, que abala um certo esquema de normalidade de relações colectivas e a própria funcionalidade das empresas em causa. Parece-nos que esses valores são protegidos pelo Direito, de modo a poder dizer-se que, quando eles são postos em causa por uma greve ilegal, haverá lugar à aplicação das regras do art. 483.º do C. Civ.

Diz este preceito, que trata precisamente da responsabili­dade por factos ilícitos, que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da vio­lação».

Não cremos que baste para excluir a responsabilidade dos sin­dicatos a invocação da eficácia meramente interna dos direitos de crédito resultantes de um contrato de trabalho. De facto, o que se passa é que os direitos das empresas em causa não são os simples direitos de crédito relativos à prestação do trabalho de cada um dos trabalhadores. Na verdade, cremos que a lei, ao conceber um certo sistema de relações colectivas, confere direitos às empresas[50], ou ao menos está também a proteger interesses destas. É certo que o sistema de relações colectivas não se esgota no quadro de meios pacíficos estabelecidos no diploma respectivo (LRCT — DL n.º 519- -C1/79), mas também admite processos de coacção directa (como a greve): só que esses processos terão que ser lícitos (e, por isso, se proíbe o lock-out e implicitamente todas as condutas que exorbitem do quadro legal da greve). É que, na realidade, uma greve ilegal põe em causa todo o sistema visado pelo ordenamento para a defi­nição das relações colectivas de trabalho. Daí que não nos pareça forçado conceber um direito das empresas a que as relações colectivas se processem segundo os modelos apontados na lei, direito esse que seria violado no caso de greve ilegal. De qualquer maneira, parece-nos evidente que, pelo menos, a legislação sobre conflitos colectivos protege os interesses empresariais numa tramitação cor­recta das relações colectivas, isto é, numa relativa paz laboral e no equilíbrio social. São estes direitos à normalidade das relações cole­tivas, à paz laboral e ao equilíbrio social que podem ser postos em causa por uma greve ilegal, o que, portanto, dará lugar à aplicação do art. 483.º do C. Civ.

Não se esqueça também que o sistema de relações colectivas previsto na lei cria vínculos entre os chamados parceiros sociais que o Direito tutela, conferindo a estes direitos, deveres, ónus e facul­dades. Isto ocorre, particularmente, num sistema como o nosso, que aderiu a esquemas orgânicos de greve, sendo esta desencadeada e dirigida por organizações sindicais num quadro legislativo de direitos e deveres. Ora os referidos direitos e faculdades ficariam sem garantia se a violação do quadro legal em que se integram não conduzisse a um ressarcimento do dano a cargo do lesante.

Haverá ainda a considerar outros argumentos, inspirados na doutrina alemã, para a qual, quando se utilizam formas ilícitas de luta laboral, há como que uma violação do direito à exploração da empresa.

Na Alemanha, tendo-se começado por negar que as dispu­tas laborais constituíssem violação do direito a explorar uma empresa (já que a protecção à empresa se limitava aos actos que imediatamente significassem uma ingerência na existência da exploração), foi-se afirmando um princípio de justiça mate­rial que tinha em conta o ataque que na prática se fazia ao bem jurídico constituído pela exploração empresarial.

Actualmente, a jurisprudência alemã reconhece como cons­tituindo fundamento de indemnizações um ataque imediato contra o círculo empresarial, isto é, uma ingerência no âmbito da exploração, como tal considerando a greve ilícita. V. HUECE­-NIPPERDEY, Compendio, cit., 419-423.

Tratar-se-á da violação ao direito ao funcionamento de uma actividade empresarial estabelecida e exercitada («Recht am eingerichteten und ausgeübten Gewerbebetrieb»), que obriga, segundo a doutrina dominante, ao pleno ressarcimento do dano (D.RUBLER, ob. cit., 253).

Pensamos igualmente que no nosso direito a empresa ou o estabelecimento são protegidos como uma unidade jurídica objec­tiva[51], para o que haverá que forçosamente ultrapassar as tutelas específicas dos vários bens e posições contratuais que se lhe repor­tam[52] (quanto a estas últimas, por exemplo, as posições que decor­ram dos contratos de arrendamento, de fornecimento, e - no caso que nos interessa dos contratos de trabalho).

Ora, se o ordenamento português considera a empresa como um bem jurídico autónomo (e, portanto, como algo de diferente dos bens materiais, posições contratuais, etc., que o integram), sobre o qual podem recair direitos, caberá dizer-se que não haveria obstáculo à aplica­ção ao caso do art. 483.º do C. Civ. A greve ilegal dirigir-se-ia afinal contra a empresa: aliás, não se traduziria na simples indução ao não cumprimento dos contratos de trabalho avulsos mas seria, sim, uma tentativa de desintegração temporária do estabelecimento, retirando-lhe a mão-de-obra de que este dispõe. O comportamento ilícito do sindicato estaria apontado afinal contra a globalidade do estabelecimento, contra a empresa enquanto organização, não se expressando apenas na indução ao não cumprimento de contratos avulsos a ela ligados.

A exploração deste caminho requer, contudo, estudo mais aprofundado[53]. Seja como for, parece-nos líquido que a greve ilegaI declarada pelo sindicato atinge direitos ou interesses protegidos da empresa, sendo os respectivos danos indemnizáveis nos termos do art. 483.º, 2, do C. Civil. E nos casos de greve com violação das convenções colectivas estabelecidas (supra, n.º 34) aplicar-se-ão indubitavelmente os princípios da responsabilidade contratual.(…)

81. Efectivação da responsabilidade das organizações sin­dicais pelas greves ilícitas. A responsabilidade dos sindicatos efec­tivar-se-á nos termos gerais da lei civil, na medida em que lhes seja imputável a greve e sejam demonstrados os prejuízos por esta causados. Julgamos ainda que os sindicatos podem ser responsabili­zados com base no risco quando, porventura, a ilicitude da greve seja devida a comportamentos dos comitidos (art. 500.0 do C. Civ.): será o caso, por exemplo, do bloqueamento dos acessos da empresa feito pelos piquetes de greve[54].

Como é evidente, pôr-se-ão a propósito da greve ilegal difíceis problemas quanto à extensão do dano a indemnizar, sobretudo se se tiver em conta que as empresas têm também acção contra os trabalhadores individualmente considerados[55].

É ainda de lembrar que qualquer condenação dos sindicatos em indemnização sofre, para ser executada, as limitações decorrentes do art. 5.º, 2, da LS, pelo que «são impenhoráveis os móveis e imó­veis cuja utilização seja estritamente indispensável ao funcionamento das associações sindicais».

Finalmente, a Professora MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO[56] sustenta o seguinte:

«A greve ilícita pode ocasionar igualmente a responsabilidade civil dos sindicatos, por via contratual (no caso de greve em violação da convenção coletiva ou com quebra do dever relativo de paz social - supra, art.º 1.º n.º 3 e nota 14), ou extracontratual: se a ilicitude for imputável aos sindicatos pode configurar-se a violação de direitos e interesses próprios da empresa ou do estabelecimento (diferentes dos direitos de crédito emergentes do contrato de trabalho de cada trabalhador), cujos danos poderão ser compensados de acordo com os critérios gerais do art.º 483.º do Código Civil; além disso, os sindicatos poderão ser responsabilizados como comitentes, pelos atos praticados por elementos do piquete de greve (art.º 500.º do Código Civil) – BERNARDO XAVIER, Direito da Greve cit., pp. 284 e segs.».[57]             

Compulsada tal doutrina e cruzando a mesma com os preceitos legais invocados e as considerações que acima fizemos acerca da natureza, âmbito e efeitos da greve, afigura-se-nos, desde logo, que a responsabilidade civil prevista no número 2 do artigo 541.º do C. T. de 2009 (antes, número 2 do artigo 604.º do C.T. de 2003) tem de ser encarada numa perspetiva estritamente laboral e não civilista, atenta as especialidades que separam o Direito do Trabalho do Direito Civil (e que conhecem no n.º 3 do artigo 1.º do Código do Processo do Trabalho um claro reconhecimento, que, para alguns, extravasa mesmo o campo do direito processual, assumindo as características de um princípio geral também ao nível substantivo).

Pensamos, por outro lado, que essa responsabilidade civil, quer dos sindicatos, como dos próprios trabalhadores (grevistas), tem de ser encarada de uma forma rigorosa e exigente ou, se quisermos, tem de ser abordada de uma maneira assaz cautelosa e restritiva, dado o direito de greve constituir, conjuntamente com a liberdade de associação sindical e o direito de negociação coletiva, um dos três pilares do direto laboral coletivo, por via dos quais a nossa legislação procura reequilibrar a relação de forças que, em termos individuais, pende em benefício e favor do empregador e transforma o trabalhador na parte débil ou frágil do vínculo de trabalho.

Tais institutos, todos eles com assento constitucional e ainda que de exercício pautado por limites impostos por outros direitos e princípios de idêntica natureza, têm de ser olhados da forma mais abrangente e elástica que for socialmente consentida, de maneira a que possam ser efetiva e eficazmente concretizados sem os constrangimentos que outros direitos, de cariz estritamente individual e/ou privatístico, conhecem no nosso ordenamento jurídico e, por essa via aberta e "generosa", logrem o conteúdo, sentido e alcance que o legislador constitucional e ordinário lhe quis conferir[58].

Não será despiciendo e a este propósito dar de novo a palavra ao Professor José João Abrantes, na obra citada, págs. 20 a 22, 27 a 30 e 66 e 67:    

«2.3. Surgido como resultado de uma determinada evolução histórica, o direito laboral possui regras e princípios especiais, afastando-se de certos dogmas contratualistas, de modo a proteger a parte contratual mais débil, e tendo como técnica específica a desigualdade jurídica em favor desse contraente, princípio basilar que se verifica desde logo com a própria determinação colectiva das condições de trabalho(...).

O direito do trabalho surge à revelia e mesmo contra o direito civil, tendo-se formado historicamente como um direito de protecção dos trabalhadores assalariados. Foi o próprio desenvolvimento do capita­lismo que, com a necessidade de concentrar grandes massas de traba­lhadores, viria a conduzir à organização e à luta destes, engendrando o factor subjectivo determinante para a formação e progresso do direito do trabalho: o Movimento Operário. Económica e socialmente depen­dentes, os trabalhadores unem as suas forças e lutam colectivamente pelos seus interesses. Começam a organizar-se e a agir colectivamente, passando a exigir aumentos de salários, diminuição de horários e, duma forma geral, melhores condições de vida, recorrendo a greves e ocupa­ções de fábricas, sob a orientação de organizações, secretamente cons­tituídas, que deste modo procuram subtrair-se à repressão do aparelho estadual. São assim introduzidas as formas embrionárias da organização sindical e da negociação colectiva. Mas apenas uma muito difícil e per­sistente luta das classes trabalhadoras, crescente entretanto em número e em importância social, lhes possibilitou a ruptura da ilegalidade e a conquista do direito à tolerância para com as suas organizações de classe e as suas formas de luta, designadamente a greve.

Os trabalhadores foram conquistando os direitos que hoje consti­tuem o essencial da moldura juslaboral das modernas sociedades. Sob a pressão das lutas operárias, a ordem jurídica é obrigada a emitir leis para a protecção dos trabalhadores e, por outro lado, a reconhecer os sindicatos e o respectivo direito de celebrarem com as entidades patro­nais contratos aplicáveis aos trabalhadores por eles representados, bem como, posteriormente, as suas formas de luta.

Ao lado das primeiras "leis sociais" — cujo principal alcance consis­tiu, nas palavras de Monteiro Fernandes, "na quebra de pretensa posi­ção de neutralidade estadual (...) e na abertura de todo um caminho de produção legislativa que levou à sedimentação do Direito do Tra­balho moderno"[59] —, aparecem também leis sobre as relações colectivas de trabalho. O intervencionismo estatal — se bem que "destinado mais a assegurar a coesão e a perenidade do trabalho subordinado do que propriamente a conter-lhe os excessos", para utilizarmos palavras de Gérard Lyon-Caen[60] — acabou, sob a pressão dos factos, por vir a ganhar um sentido social. O crescimento numérico das massas trabalhadoras e o reforço, através da própria luta, da sua consciência de classe levaram, na verdade, à limitação da supremacia das classes dominantes. O peso político e a força organizativa dos trabalhadores vão aumentando cada vez mais, com a difusão de doutrinas sociais e o alargamento do di­reito de voto, até ao sufrágio universal — tudo isto conduzindo a que os trabalhadores fossem conseguindo melhorias nas suas condições de vida e de trabalho. O processo, iniciado timidamente em meados do séc. XIX, terá uma história sofrida, feita de sangue, suor e lágrimas.

O Direito do Trabalho surgiu, pois, sob pressão destes acontecimen­tos, como reacção à incapacidade revelada pelo Direito Civil de fazer face à "questão social".

Aspecto fulcral do seu desenvolvimento ulterior como ramo autó­nomo da ordem jurídica consistiu na desvalorização da autonomia privada individual e na valorização da autonomia privada colectiva. O direito laboral forma-se, autonomizando-se do Direito Civil, a partir da determinação colectiva das condições de trabalho e da intervenção do Estado através das leis sociais. Estas subtraem ao domínio da auto­nomia da vontade matérias cada vez mais extensas do conteúdo do con­trato de trabalho, procurando no essencial assegurar a igualdade subs­tancial dos contraentes e a tutela do trabalhador. Por sua vez, aquela opera a "transferência da responsabilidade das negociações do plano individual para o dos grupos", representando, assim, "um regresso à bilateralidade, à paridade, logo ao contrato", ao corrigir a situação em que o empregador impunha sozinho as suas condições[61].

(…)

A fórmula do Estado de direito democrático significa que, para além dos direitos, liberdades e garantias pessoais e de participação política, fazem igualmente parte substancial do sistema político os direitos dos trabalhadores e os direitos sociais em geral, como a liberdade sindical, a negociação colectiva, a greve e a informação e consulta dos trabalha­dores, os quais estão no centro desse Estado e do chamado modelo social europeu, como tal, aliás, consagrados na Carta dos Direitos Fun­damentais da União Europeia, que, com valor normativo, incorporou o Tratado de Lisboa[62].

De entre esses direitos, destaca-se a greve. Símbolo de uma luta longa e dura pela igualdade, a greve tem um significado político e cul­tural e é um acto democrático importantíssimo. É um acto que ex­prime a força do trabalho face à força do poder económico, o maior obstáculo à liberdade e à igualdade dos cidadãos. Constitui uma forma de participação democrática dos cidadãos, mediante a qual, aliás, se foram conseguindo a grande maioria dos direitos sociais e o aumento do património colectivo dos direitos de cidadania. Nesse sentido, ins­creve-se numa cultura reivindicativa que acompanhou desde sempre as classes trabalhadoras na sua procura de uma maior justiça e igual­dade[63].

A greve desempenha, de facto, um papel fundamental no sistema político democrático. A sua consagração como direito fundamental dos trabalhadores é uma conquista civilizacional. No sistema jurídico por­tuguês, como acontece também na generalidade dos europeus, a greve é um direito fundamental, expressão do reconhecimento aos traba­lhadores, enquanto grupo social organizado, do poder de autotutela dos seus interesses e, em geral, do pluralismo político e social em que se inspira o ordenamento no seu conjunto.

Encarada pelo legislador constitucional como instrumento funda­mental para o reequilíbrio das posições de força e de poder nas rela­ções laborais e, portanto, como instrumento de realização da promessa constitucional de igualdade material entre todos os cidadãos, a greve adquire assim na CRP a natureza de um instrumento imprescindível de participação democrática do cidadão-trabalhador na construção de uma nova ordem social, política, económica e cultural. Daí que a auto-tutela colectiva se assuma como faculdade a desenvolver-se, não apenas no quadro do contrato e da empresa, mas também, e fundamental­mente, na esfera política, social e económica. Isso relaciona-se de forma estreita com o reconhecimento de um papel institucional dos sindicatos na esfera do económico e do social. Configurados como um dos pilares fundamentais da estruturação do Estado social e democrático de di­reito, o seu campo de actuação estende-se para além do domínio da luta salarial e das condições de trabalho para abarcar a totalidade do sistema político no seu conjunto.

Na verdade, o factor decisivo da importância reconhecida pela Cons­tituição aos direitos dos trabalhadores é o reconhecimento, não só da sua inferioridade substancial em relação aos empregadores, mas igualmente do seu protagonismo no projecto constitucional para uma nova ordem social. Sensível ao papel histórico dos que só através da luta social lograram ascender a uma cidadania integral, tendo pela mesma via contribuído decisivamente para a consolidação e o alargamento dos restantes direitos fundamentais, designadamente de participação polí­tica, o legislador constituinte, claramente inspirado por "um imaginário cultural que, queiramos ou não, foi o da intervenção laboral colectiva em prol da realização dos direitos do homem"[64], elevou o trabalhador a paradigma constitucional.

Mais do que representarem a tutela de um estatuto, mais do que meios de mera "auto-defesa" contra a exploração do trabalho assala­riado, muitos desses direitos são concebidos como instrumentos ao ser­viço da luta por uma nova sociedade, onde plenamente se realizem os direitos do homem, no quadro de uma democracia económica, social e cultural (e não meramente política).

Na concepção constitucional, os interesses dos trabalhadores extra­vasam, com efeito, do mero âmbito sócio-profissional, abrangendo antes um vasto conjunto de domínios em que se concretiza a demo­cracia participativa, designadamente no campo da organização e gestão da economia, da segurança social, etc.[65]

É precisamente o caso do direito à greve, que não é constitucional­mente funcionalizado à prossecução de interesses puramente profis­sionais e, pelo contrário, pode também estender-se a domínios em que se recortam interesses completamente distintos, com a possibilidade de intervenção na dinâmica social, defendendo os interesses dos tra­balhadores face a outros grupos e ao Estado independentemente da sua caracterização como "contratuais" ou "salariais"[66].

Tal está, aliás, de acordo com a evolução histórica do próprio sindi­calismo, a primeira e a mais directa expressão do conflito entre o capital e o trabalho caracterizador das nossas sociedades, que aparece inscrito numa dinâmica de emancipação social de amplas massas de pessoas às quais o sistema capitalista, generalizado a partir do séc. XIX, colocou numa situação de miséria moral e material e de submissão política. A implantação dos primeiros espaços de dignidade no trabalho é inse­parável da acção sindical. O movimento operário construiu colectiva­mente um conjunto de direitos no trabalho, simultaneamente exigiu a ampliação dos direitos políticos e, na sua etapa de maturidade, foi capaz de contribuir de forma decisiva para a edificação de uma estru­tura articulada de direitos e prestações sociais que conformam aquilo a que hoje chamamos cidadania social.

O direito de greve é o instrumento idóneo para impulsionar a reali­zação desses objectivos e, por isso, desde o reconhecimento jurídico e político da liberdade sindical, forma parte do conteúdo essencial desta e é garantido ao mais alto nível pelos sistemas jurídicos democráticos.

(…)

A situação dos trabalhadores subordinados levou à criação de instrumentos específicos de protecção. A liberdade sindical, a autonomia colectiva e a greve são direitos que, na sua estrutura, só em parte coinci­dem com as liberdades clássicas. Esses direitos colectivos, permitindo aos trabalhadores compensar a sua fraqueza relativamente à empresa, são, ao cabo e ao resto, condição necessária para a afirmação e o fun­cionamento de todas as outras suas liberdades.

Se a necessidade de ser salvaguardada a liberdade dos trabalhadores é hoje ponto assente, na linha lógica de todo o desenvolvimento pre­cedente do Direito do Trabalho, não é por acaso que a maioria das Constituições dá uma particular atenção a tais direitos colectivos.

No que toca à greve, a actual Constituição não deixa grande "mar­gem" à lei ordinária para limitar este meio de defesa dos trabalhadores, ao consagrar uma concepção ampla desse direito, que vai muito para além da respectiva concepção clássica, pelo menos no que diz respeito à sua motivação, aos seus objectivos. A Lei Fundamental, com o seu art. 57.º, n.º 2, afastou a possibilidade de limitação do direito de greve em função dos motivos, tendo, porém, permanecido aberto o espaço para que o legislador ordinário limitasse o exercício desse direito quanto às formas e tipos de comportamento, que pode assumir, bem como às regras processuais a observar para o seu desencadeamento. Esta posição tem projecção no regime jurídico constante do Código do Trabalho, que, aliás, absorveu quase literalmente o anterior regime da Lei n.º 65/77, de 12-08 (salvo no que toca à organização dos servi­ços mínimos): nesse regime, não são precisados os motivos da greve, nem as formas que o seu exercício pode assumir, apenas assumindo relevo os aspectos processuais sobre deliberação e declaração de greve e salvaguarda da liberdade de trabalho e dos serviços essenciais.» [67]

O referido enquadramento constitucional e legal do direito de greve e a sua umbilical conexão com o sindicalismo, a autonomia coletiva (ainda que não se esgotando aí, como bem afirma José João Abrantes, dessa forma discordando do Professor Bernardo da Gama Lobo Xavier[68]) e a legitimidade da conflitualidade laboral, através dos diversos meios lícitos e coercivos colocados ao dispor dos assalariados, e, por força desses diversos institutos específicos do Direito do Trabalho, a consagração jurídica e social dos principais direitos dos trabalhadores (radicados bem no núcleo duro do chamado Estado Social, que ajudaram a formar e construir) têm se estar sempre presentes, como pano de fundo, em qualquer análise como a que estamos a desenvolver no âmbito do presente Aresto.         

Nessa fotografia de grande plano e em concatenação com o direito de greve, que aí surge como derradeiro meio legalmente consentido de coação sobre os empregadores e outras entidades, como forma de luta dos trabalhadores que é desencadeada, quer por intermédio das associações sindicais, quer por força das reuniões de empresa ou de grupos de empresa, há que chamar à colação os direitos de liberdade de reunião, manifestação e de expressão, que, igualmente e no descrito quadro de índole laboral, possuem um âmbito consideravelmente mais vasto e permissivo do que para o cidadão ou pessoa coletiva, no seu quotidiano particular, social ou económico.

J – DEMAIS PRETENSÕES DA AUTORA

Nessa lógica - embora nem todas as situações a que iremos fazer referência  sejam objeto das alegações de recurso -, afigura-se-nos que quer a utilização da imagem da Autora no site do Réu (e nos documentos aí anexados[69]), quer a linguagem usada pelo Sindicato nas suas variadas formas de comunicação não nos parece exceder, objetiva e subjetivamente, os limites consentidos no seio dos conflitos laborais e no desenvolvimento da luta sindical, visando o Autor, através desses múltiplos processos de pressão sobre a AA, a cedência por parte desta última às reclamações e exigências dos trabalhadores filiados e representados pelo STAD, que para si prestam funções.

As afirmações e expressões usadas pelo Apelado nos seus pré-avisos de greve, comunicados e outros meios de informação, ainda que de cariz assertivo, inflamado, agressivo, “ameaçador” e panfletário, têm de ser compaginadas com o referido cenário e direitos, numa aproximação à propaganda partidária e política, onde também as fronteiras do lícito e do ilícito são distintas das impostas nas outras esferas da vida em sociedade e onde são tolerados, em nome da liberdade de expressão, epítetos, imputações, qualificações e acusações que noutros contextos, seriam vistas como ofensivas e suscetíveis de perseguição penal ou de responsabilidade civil.

Também aqui se podem integrar as diversas participações efetuadas pelo Réu à IGT/ACT, sendo certo que todo o trabalhador ou associação sindical tem o direito de participar qualquer infração contraordenacional ou criminal que julgue ter sido cometida por uma entidade empregadora, ainda que a mesma não seja inequívoca, por se radicar em interpretação controvertida do regime legal em presença (tudo sem prejuízo das situações limites, de teor calunioso e maldoso, que não podendo ser acionadas por via criminal, poderão, eventualmente, ser objeto de ação de responsabilidade civil[70]), idêntica postura tendo de ser tomada quanto às acções judiciais propostas ou patrocinadas pelo STAD contra a AA nos tribunais do trabalho, prevendo o legislador sanções de índole adjetiva (v. g. condenação como litigante de má fé - artigos 456.º e 457.º do Código do Processo Civil de 1961 e 542.º e 543.º do atual Código do Processo Civil) para quem litiga à margem da boa fé processual.

Diga-se, finalmente, quanto às inúmeras negociações dadas como demonstradas nos autos ao longo do período de tempo que neles está em causa, que as mesmas são o natural reflexo das atribuições conferidas por lei aos sindicatos, impondo-se dizer quanto às que, particularmente, tiveram lugar entre janeiro e março de 2008 e que a Autora considera terem sido pautadas pela má fé do Sindicato Réu (ou, pelo menos, dos seus dirigentes presentes nas respetivas reuniões,          que, contudo, não foram demandados nesta ação)[71], que ficou demonstrado que tal acordo de princípio entre os dirigentes do Sindicato e aqueles que agiram em nome da entidade empregadora ficou, por declaração expressa dos primeiros, dependente da posterior aprovação pelos trabalhadores filiados no mesmo e que desempenhavam funções para a aqui Apelante, confirmação ou ratificação que não foi conseguida (ao que julgamos, devido à publicação em BTE do CCT entre a FETESE e a associação patronal representante das entidades patronais do sector de actividade das limpezas industriais).

Dir-se-á, por outro lado, que não ficou demonstrada nos autos a alegada greve de Abril de 2008, não retirando a Autora, finalmente, quaisquer consequências jurídicas diretas e concretas de tal (eventual) paralisação como da postura de alegada má fé do STAD, quer em termos de danos patrimoniais, como de danos não patrimoniais.

Logo, ficam pendentes as questões relativas à ilicitude das greves elencadas nos autos e aos danos patrimoniais reclamados ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual, como, finalmente, a indemnização global por danos não patrimoniais.

K – QUESTÕES SUSCITADAS NAS ALEGAÇÕES DE RECURSO DA APELANTE

A recorrente contesta a sentença impugnada nas seguintes vertentes jurídicas:

1) Aplicação do artigo 500.º do Código Civil e identificação dos representantes do Sindicato Réu, para efeitos da imputação objetiva e subjetiva das condutas ilícitas praticadas;

2) Nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano;

3) Danos não patrimoniais.  

L – PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

O artigo 604.º, número 2, do Código do Trabalho de 2003 remete-nos para os princípios gerais em matéria de responsabilidade civil o que, no nosso caso e estando perante uma alegada situação de responsabilidade civil extracontratual, nos leva até ao regime constante dos artigos 483.º e seguintes e 562.º e seguintes do Código Civil.

Ora, como é sabido, a nossa doutrina e jurisprudência[72] indica como pressupostos da verificação do mencionado instituto os seguintes elementos: a) o facto voluntário do agente; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante (culpa em termos latos); d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

 

M – GREVES CONVOCADAS PELO STAD NO ANO DE 2008

Tendo como pano de fundo os indicados pressupostos, não restam dúvidas de que os factos voluntários em causa nos autos são as diversas greves decretadas no ano de 2008 pelo STAD. 

Quanto à natureza ilícita das greves convocadas pelo Réu, a sentença recorrida, sem a eficaz e oportuna oposição do STAD pela única via recursória legalmente prevista – ampliação do objeto do recurso da Autora, nos termos do artigo 484.º-A do Código de Processo Civil de 1961, pois não nos parece estarem reunidas as condições previstas no artigo 682.º do mesmo diploma legal –, decidiu o seguinte:

«(…) Ora, alega a Autora a ilegalidade da greve decretada. A lei impõe que sejam cumpridos determinados formalismos, aquando da organização de uma greve. De acordo com o disposto no art.º 592.º do Código do Trabalho, o recurso à greve é decidido por associações sindicais, podendo ainda a assembleia de trabalhadores da empresa deliberar o recurso à greve desde que a maioria dos trabalhadores não esteja representada por associações sindicais, a assembleia seja convocada para o efeito por 20 % ou 200 trabalhadores, a maioria dos trabalhadores participe na votação e a deliberação seja aprovada por voto secreto pela maioria dos votantes.

No caso dos autos, o recurso à greve foi decidido pelo STAD - Sindicato dos trabalhadores de serviços de portaria, vigilância, limpeza, domésticas e atividades diversas, sindicato que representa os trabalhadores grevistas, pelo que, por esta banda, nenhuma ilegalidade existe.

a) - Do pré-aviso:

Por outro lado, o art.º 595.º exige que a entidade que decida o recurso à greve dirija ao empregador, ou à associação de empregadores, e ao ministério responsável pela área laboral um aviso com a antecedência mínima de cinco dias úteis ou, em situação referida no n.º 2 do artigo 598.º, 10 dias úteis.

No caso dos autos, é o próprio réu que admite que não cumpriu o pré-aviso de 10 dias, por entender não ser o mesmo aplicável. Ora, o referido art.º 598.º, no seu n.º 2, indica de forma não taxativa quais as empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação das necessidades sociais impreteríveis, entre os quais se incluem:

h) Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho de ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respetivas cargas e descargas.

E é esta a primeira questão que opõe Autora e Réu.

Alega a Autora que, operando no aeroporto de Lisboa, a greve em causa se insere nesta norma. Por seu turno, o Réu alega que os trabalhadores seus filiados são trabalhadores que efetuam limpezas no aeroporto e em aeronaves, mas não são funcionários da ANA, empresa que gere o aeroporto, nem de nenhuma companhia aérea.

Sobre uma questão análoga, que envolveu precisamente o ora Réu e se passou num hospital, já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça,[73]. Embora proferido à luz da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, entendo ser aqui plenamente aplicável o entendimento plasmado nesse douto acórdão.

Assim, como aí se entendeu, “o que, a nosso ver, releva, para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 8.º e, consequentemente, para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 5.º, não é a atividade da empresa a que os trabalhadores estão contratualmente ligados, mas a atividade da empresa ou estabelecimento em que os mesmos prestam serviço. E, quando a atividade da empresa ou estabelecimento em que prestam serviço se integrar no elenco dos sectores referidos no n.º 2 do art.º 8.º, o pré-aviso de greve relativamente aos trabalhadores que aí trabalham passa a ser de dez dias. O disposto no n.º 2 do art.º 8.º tem de ser interpretado à luz do teor e da razão de ser do disposto no seu n.º 1 do mesmo artigo.

Ora, segundo o disposto naquele n.º 1, nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, as associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades. E, como do seu teor decorre (nas empresas ou estabelecimentos), aquela obrigação recai sobre todos os trabalhadores que prestem serviços nessas empresas ou estabelecimentos e não apenas sobre os trabalhadores que mantenham um vínculo laboral com a empresa ou com o dono do estabelecimento. A letra do preceito não contém qualquer indício neste último sentido e a razão de ser dos serviços mínimos não seria eventualmente atingida se só alguns dos trabalhadores estivessem sujeitos àquela obrigação. Esta é a interpretação que, à luz do disposto no art.º 236.º, n.º 1, do C.C., diretamente decorre dos normativos em causa, não carecendo os mesmos de qualquer interpretação extensiva, para se chegar à conclusão de que o recorrente estava obrigado a dar à Ré um pré-aviso de greve de dez dias, uma vez que alguns dos seus associados prestavam serviços no Hospital do Barreiro.

Ou seja, in casu, estando os associados do Réu inseridos no aeroporto de Lisboa, independentemente de o seu vínculo laboral estar estabelecido com a ANA ou qualquer companhia aérea. O que releva é o local onde os trabalhadores prestam o seu trabalho; sendo no aeroporto de Lisboa, é-lhes aplicável a obrigação constante do art.º 595.º, n.º 2, do Código do Trabalho, ou seja, em caso de greve, o prazo de pré-aviso é de 10 dias.

Como o Réu confessa, tal não ocorreu, pelo que estamos perante greves ilegais, com o aludido fundamento.

b) - Dos serviços mínimos:

No que concerne à definição dos serviços mínimos, alega a Autora que o Réu não os definiu, nem indicou os trabalhadores que os deviam assegurar, por entender não ter que o fazer. E, efetivamente, o próprio Réu admite que assim foi.

Alega ainda a Autora que, em algumas greves houve adesão de entre 95 % a 100 %, pelo que os serviços mínimos não foram cumpridos. No entanto, como resulta da vasta documentação junta pela Autora, tais serviços mínimos estavam estabelecidos pela tutela. Não nos deteremos na questão da competência para definir os serviços mínimos, até porque tal questão é mais do foro do direito administrativo, mas também por que o não cumprimento dos serviços mínimos pode determinar quer a requisição civil (o que não ocorreu) - art.º 601.º, do Código do Trabalho - quer a responsabilidade disciplinar dos trabalhadores.

De todo o modo, não é esta responsabilidade que está aqui em causa, mas sim a responsabilidade civil do Réu e, no caso de incumprimento dos serviços mínimos, parece que, a haver responsabilidade civil seria dos trabalhadores designados que não compareceram ao serviço. Sucede que nem a Autora, nem o Réu designaram quaisquer trabalhadores para assegurarem esses serviços, pelo que se mostra inviável imputar a responsabilidade civil a qualquer trabalhador, que aliás nem foram demandados. Aliás, se estivessem designados, a responsabilidade sempre seria deles e não do Réu, pois estamos perante pessoas com capacidade e personalidade jurídica, que não carecem de representação do Réu.

É certo que “A associação sindical, como gestora e coordenadora da greve e corresponsável da obrigação de serviços mínimos, se não organizar os procedimentos necessários à designação dos trabalhadores para o cumprimento de tal obrigação, pratica um ato ilícito, suscetível de gerar responsabilidade civil, nos termos gerais.”[74] Ou seja, no que concerne ao Réu não está em causa o incumprimento dos serviços mínimos, mas sim a não designação dos trabalhadores que os deveriam assegurar – o que o Réu não fez, como lhe competia, pelo que estamos perante outra vertente da ilicitude das referidas greves.

Assim, nesta parte, assiste razão à Autora».   

Não tendo o STAD, como antes se referiu, impugnado a sentença da 1.ª instância nesta sua vertente, em que foi considerado que o Réu, por não ter convocado as greves com um prazo de Aviso Prévio de 10 dias úteis nem definido os serviços mínimos e indicado os trabalhadores que lhes deveria dar cumprimento, violou o regime legal aplicável, conferindo-lhes, dessa forma, a natureza jurídica de ilícitas, verificou-se a formação de caso julgado material, que nos impede de reapreciar e julgar em sentido diverso essas duas questões.

Impõe-se dizer ainda, acerca desta problemática, que a Autora, não obstante se confrontar com greves formalmente ilícitas e de, nessa medida, estar dispensada de observar os procedimentos e exigências legais nesta matéria[75], optou[76] por as encarar e enfrentar dentro dos estritos parâmetros do regime jurídico previsto nos artigos 591.º a 606.º do Código do Trabalho de 2003, fazendo-as assim regressar, em grande medida, aos carris legais e, nessa sequência, lançando mão dos mecanismos jurídicos constantes dos artigos 598.º a 600.º daquele texto legal, o que não pode deixar de ser ponderado nesta sede, dado tais procedimentos reguladores terem funcionado de acordo com o determinado pelo legislador laboral e terem sido ordenados (em moldes que iremos de seguida analisar) pelos organismos competentes a realização de serviços mínimos.

Tal opção da Apelante condicionou inevitavelmente todo o processo que veio a culminar nas referidas paragens de trabalho e que foi adotado a partir do conhecimento por parte da AA dos Pré-Avisos das greves dos autos e da omissão de identificação dos correspondentes serviços mínimos em tal documentos[77], bem como a forma como tais paralisações se vieram a desenrolar, tendo tal cenário inexoráveis reflexos não só sobre a perspetiva jurídica que iremos assumir relativamente às diversas questões ainda pendentes no quadro deste recurso (v. g. responsabilidade civil do Sindicato Réu), como no que concerne aos efeitos negativos e eventualmente danosos do desrespeito do prazo de aviso prévio e da não indicação atempada dos serviços mínimos e correspondentes trabalhadores.

O que queremos dizer, no fundo, é que a recorrente não pode querer ter em simultâneo «sol na eira e chuva no nabal», como se usa dizer popularmente, ou seja, não pode accionar o instituto da responsabilidade civil e reclamar os danos próprios e totais de uma paralisação ilegal (como ressalta claramente dos artigos 661.º a 838.º da Petição Inicial), quando, logo desde o início, decidiu recorrer, na sequência de uma greve ilicitamente convocada (prazo do aviso prévio e não indicação de serviços mínimos), aos meios que o legislador estabeleceu para greves de natureza lícita, aceitando sujeitar-se assim aos pressupostos, condicionalismos e limites previstos no respetivo regime jurídico (tendo, consequentemente, os elementos constitutivos do instituto da responsabilidade civil, com especial acuidade para os eventuais prejuízos sofridos pela Autora, de ser ponderados e medidos dentro do quadro que resultou da aplicação de tal regime legal e não nos moldes absolutos e totais reclamados nesta ação).                       

L – SERVIÇOS MÍNIMOS DEVIDOS

Diremos que, face ao estatuído no artigo 598.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do Código do Trabalho de 2003 e atendendo a que a AA, por força de um contrato de prestação de serviços celebrado com a SPDH/GROUNDFORCE, tinha a obrigação contratual de proceder à limpeza das aeronaves[78], colocando, para o efeito, nos aeroportos (v. g., no aeroporto da Portela, único para onde foram convocadas as ditas paralisações) os trabalhadores, em número e com as atribuições adequadas ao cumprimento de tal dever negocial continuado, afigura-se-nos que a sentença recorrida fez uma correta interpretação do aludido regime jurídico, ao entender que, no caso, o STAD se achava obrigado a cumprir o prazo de Aviso Prévio de 10 dias úteis (art.º 595.º, n.º 2 do C.T. de 2003) e a garantir os serviços mínimos indispensáveis à satisfação das necessidades sociais impreteríveis em presença.

Se a greve convocada pelo Réu vai decorrer no aeroporto da Portela e se vai traduzir na ausência de qualquer atividade de limpeza dos espaços públicos e privados aí existentes, bem como dos aviões que por tal aeroporto vão circular, é manifesto que tal paralisação irá afetar, em abstrato e ainda que de uma forma indireta, as necessidades sociais impreteríveis derivadas do transporte de pessoas, animais, géneros alimentícios deterioráveis e de bens essenciais á economia nacional.

Bastará pensar nas instalações sanitárias, quer do aludido aeroporto, quer das próprias aeronaves de passageiros, para perceber que existem aí serviços, ainda que reduzidos ao essencial, que têm de ser assegurados, com vista aos trabalhadores designados acorrerem, nomeadamente, a situações de emergência que, a não serem prontamente resolvidas, podem impedir que um avião levante voo, por não estarem reunidos os requisitos mínimos de segurança e higiene reclamados para o efeito ou implicar que os espaços aeroportuários deixem de possuir as condições suficientes de saúde e higiene exigidas para locais com uma elevada frequência de público (frise-se ainda a possibilidade de, na decorrência de uma viagem mais agitada, alguém - uma criança, por exemplo -, ter vomitado ou entornado comida ou bebida nos assentos ou no chão daquele meio de transporte ou mesmo partido uma garrafa adquirida durante o voo, inviabilizando a utilização de tal lugar e/ou lugares adjacentes pelos passageiros que adquiriram os correspondentes bilhetes, não sendo possível atribuir-lhes outras cadeiras, por a lotação estar completa ou não comportar tal mudança). 

Neste sentido vai o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Fevereiro de 2008 (ainda que proferido no âmbito de aplicação da Lei n.º 65/77, de 26/08, como bem realça o Apelado nas suas contra-alegações), com o n.º de processo 07S4006, em que foi relator Sousa Peixoto, e que possui o seguinte Sumário (parcial):

1. É de 10 dias o pré-aviso de greve que abrange trabalhadores que, num hospital, prestem serviços de limpeza ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado entre o hospital e a empresa de prestação de serviços de limpeza a que se encontram contratualmente vinculados por contrato de trabalho.

2. O que releva para efeitos do pré-aviso a observar não é a actividade da empresa a que os trabalhadores estão vinculados, mas sim a actividade da empresa ou estabelecimento onde os trabalhadores prestam serviço.[79]

Ora, chegados aqui e tendo em consideração que os serviços mínimos requeridos pelo legislador – e que, segundo o n.º 7 do art.º 599.º do C.T. de 2003, deviam ser definidos com respeito pelos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade – variam inevitavelmente em função do setor de atividade, época do ano, tipo de greve, duração da mesma, representatividade do sindicato ou sindicatos que a convocaram, trabalho prestado normalmente pelos grevistas, movimento ordinário ou extraordinário dos locais onde se desenvolve, etc.[80]

Sendo assim, como nos parece inequívoco, haverá que saber, no âmbito do litígio dos autos, quais os serviços mínimos que legalmente eram devidos pelos trabalhadores do STAD, por ocasião das diversas greves pelo mesmo convocadas e com adesões substanciais dos seus associados.

M - DESPACHOS MINISTERIAIS

As diversas decisões ministeriais que definiram tais serviços mínimos, assim como os meios humanos a afetar aos mesmos (sendo certo que a especificação ou mesmo nomeação concreta dos respetivos trabalhadores, face à posição reiterada e teimosa do Réu, foi sempre feita pela Autora) estão espelhadas nos seguintes Pontos de Facto:

«A – DA GREVE DE 25 A 28 DE JANEIRO DE 2008.

117) Face à inexistência de acordo entre a Autora e o Réu quanto à definição dos serviços mínimos a cumprir nos dias de greve, no dia 24 de Janeiro de 2008, Suas Excelências, o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, procederam à determinação dos serviços mínimos, por entenderem que “A prestação daqueles serviços de limpeza por parte da AA, S.A., às empresas de aviação que operam entre o continente e as regiões autónomas constitui uma necessidade social impreterível que deve ser satisfeita durante a greve. A circunstância de os trabalhadores abrangidos pelo aviso prévio trabalharem para empresa que presta serviços de limpeza não afasta a obrigação de prestação de serviços mínimos sempre que esteja em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis. Na verdade, de acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no caso de greve em empresa que preste serviços a outra empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, se a paralisação provocada pela greve puser em causa a satisfação dessas necessidades, a obrigação de prestação de serviços mínimos também se aplica na situação de greve na empresa prestadora de serviços. Deste modo, o Sindicato que declarou a greve e os trabalhadores que a ela aderiram devem assegurar, durante a greve, a prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação das necessidades sociais impreteríveis asseguradas pelas empresas de aviação, de acordo com o n.º 1 do artigo 598.º do Código do Trabalho.” – cfr. documento n.º 150 (que corresponde ao documento sob o número 163 junto com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011, a fls. 1048 a 1051).

118) Mais concretamente, tais serviços mínimos foram fixados por Despacho Conjunto do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social nos seguintes moldes:

“1.º No período de greve a decorrer na AA, S.A., entre os dias 26 e 28 de Janeiro de 2008, os serviços de limpeza de aeronaves que operam entre o continente e as regiões autónomas devem ser assegurados, em cada um desses dias de greve, nos seguintes voos:

a) Lisboa – Funchal: 4 voos por dia

b) Lisboa – Terceira: 1 voo por dia

c) Lisboa – Santa Maria: 1 voo por semana

d) Lisboa – Ponta Delgada: 1 voo por dia

e) Lisboa - Horta: 3 voos por semana.

2.º Os meios humanos necessários para assegurar os serviços mínimos referidos no número anterior são os resultantes da organização técnica do trabalho na empresa, com cumprimento das disposições sobre prestação de trabalho em condições normais.

3.º Os meios humanos referidos no número anterior são designados pelo Sindicato que declarou a greve até vinte e quatro horas antes do período referido no n.º 1.º ou, se estes o não fizerem, deve a AA S.A, proceder a essa designação.”

4.º Transmita-se de imediato ao SINDICATO DOS TRABALHADORES DE SERVIÇOS DE PORTARIA, VIGILÂNCIA, LIMPEZA, DOMÉSTICAS E ATIVIDADES DIVERSAS e à AA S.A., para os efeitos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 599.º do Código do Trabalho.”

121) No dia 24 de Janeiro, e em observância da competência subsidiária que lhe era atribuída nos termos do Despacho Conjunto acima citado, a Autora procedeu à nomeação dos trabalhadores que deveriam realizar os serviços mínimos – cfr. documento n.º 152 (que corresponde ao documento sob o número 165 junto com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011, junto a fls. 1054 a 1056).

122) Nos dias 25, 26, 27 e 28 de Janeiro de 2008, verificou-se uma adesão significativa à greve, por parte dos trabalhadores da Autora, da ordem dos 80 %.

B – DA GREVE DE 22 E 23 DE FEVEREIRO DE 2008.

131) Através de despacho conjunto datado de 20 de Fevereiro de 2008, Suas Excelências, o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, procederam à determinação dos serviços mínimos, por entenderem que “A prestação daqueles serviços de limpeza por parte da AA, S.A., às empresas de aviação que operam entre o continente e as regiões autónomas constitui uma necessidade social impreterível que deve ser satisfeita durante a greve. A circunstância de os trabalhadores abrangidos pelo aviso prévio trabalharem para empresa que presta serviços de limpeza não afasta a obrigação de prestação de serviços mínimos sempre que esteja em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis. Na verdade, de acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no caso de greve em empresa que preste serviços a outra empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, se a paralisação provocada pela greve puser em causa a satisfação dessas necessidades, a obrigação de prestação de serviços mínimos também se aplica na situação de greve na empresa prestadora de serviços. Deste modo, o Sindicato que declarou a greve e os trabalhadores que a ela aderiram devem assegurar, durante a greve, a prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação das necessidades sociais impreteríveis asseguradas pelas empresas de aviação, de acordo com o n.º 1 do artigo 598.º do Código do Trabalho.” – Cfr. Documento n.º 155 (que corresponde ao documento sob o número 168 junto com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011, a fls. 1069 a 1073).

132) Mais concretamente, tais serviços mínimos foram fixados nos seguintes moldes:

 “1.º No período de greve a decorrer na AA, S.A., nos dias 22 e 23 de Fevereiro de 2008, os serviços de limpeza de aeronaves que operam entre o continente e as regiões autónomas devem ser assegurados, em cada um dos dias de greve, nos seguintes voos:

a) Lisboa – Funchal: 4 voos por dia

b) Lisboa – Terceira: 1 voo por dia

c) Lisboa – Ponta Delgada: 1 voo por dia

d) Lisboa – Horta: 1 voo por dia

2.º Os meios humanos necessários para assegurar os serviços mínimos referidos no número anterior são os resultantes da organização técnica do trabalho na empresa, com cumprimento das disposições sobre prestação de trabalho em condições normais.

3.º Os meios humanos referidos no número anterior são designados pelo Sindicato que declarou a greve até vinte e quatro horas antes do início do período de greve ou, se este o não fizer, deve a AA  S.A, proceder a essa designação.

4.º Transmita-se de imediato ao SINDICATO DOS TRABALHADORES DE SERVIÇOS DE PORTARIA, VIGILÂNCIA, LIMPEZA, DOMÉSTICAS E ATIVIDADES DIVERSAS e à AA S.A., para os efeitos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 599.º do Código do Trabalho.”.

135) No dia 21 de Fevereiro, a Autora, ao abrigo da competência subsidiária que lhe era atribuída nos termos do Despacho Conjunto acima citado, aprovou a lista dos trabalhadores destacados para o cumprimento dos serviços mínimos – cfr. documentos n.ºs 157 e 158 (que correspondem aos documentos sob os números 170 e 171 juntos com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011, a fls. 1076 a 1085).

136) Nos dias 22 e 23 de Fevereiro, verificou-se uma adesão significativa à greve, por parte dos trabalhadores da Autora, na ordem dos 95% e 100%, respetivamente.

137) Nos dias em que ocorreu a greve, 22 e 23 de Fevereiro de 2008, nenhum dos trabalhadores que foram destacados para efeito do cumprimento dos serviços mínimos compareceu no local de trabalho.

C – DA GREVE DE 15 E 16 DE JUNHO DE 2008.

146) Através de despacho conjunto datado de 12 de Junho 2008, Suas Excelências, o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, procederam à determinação dos serviços mínimos, por entenderem que “a prestação daqueles serviços de limpeza por parte da AA, S.A., às empresas de aviação que operam entre o continente e as regiões autónomas constitui uma necessidade social impreterível que deve ser satisfeita durante a greve. A circunstância de os trabalhadores abrangidos pelo aviso prévio trabalharem para empresa que presta serviços de limpeza não afasta a obrigação de prestação de serviços mínimos sempre que esteja em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis. Na verdade, de acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no caso de greve em empresa que preste serviços a outra empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, se a paralisação provocada pela greve puser em causa a satisfação dessas necessidades, a obrigação de prestação de serviços mínimos também se aplica na situação de greve na empresa prestadora de serviços. Deste modo, o Sindicato que declarou a greve e os trabalhadores que a ela adiram devem assegurar, durante a greve, a prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação das necessidades sociais impreteríveis asseguradas pelas empresas de aviação, de acordo com o n.º 1 do artigo 598.º do Código do Trabalho.” – Cfr. Documento n.º 162 (que corresponde ao documento sob o número 175 junto com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011, a 1099 a 1103).

147) Mais concretamente, tais serviços mínimos foram fixados nos seguintes moldes:

“1.º No período de greve a decorrer na AA, S.A., entre as zero horas do dia 15 de Junho de 2008 e as 24 horas do dia 16 do mesmo mês, bem como nos períodos que se iniciem no dia 14 e terminem no dia 15 e nos que iniciados no dia 16, terminem no dia 17 de Junho de 2008, os serviços de limpeza de aeronaves que operam entre o continente e as regiões autónomas, devem ser assegurados nos seguintes voos:

e) Lisboa – Funchal: 4 voos em cada dia

f) Lisboa – Terceira: 1 voo em cada dia

g) Lisboa – Ponta Delgada: 1 voo em cada dia

h) Lisboa – Horta: 1 voo no dia 19

2.º Os meios humanos necessários para assegurar os serviços mínimos referidos no número anterior são os resultantes da organização técnica do trabalho na empresa, com cumprimento das disposições sobre prestação de trabalho em condições normais.

3.º Os meios humanos referidos no número anterior são designados pelo Sindicato que declarou a greve até vinte e quatro horas antes do início do período de greve ou, se este o não fizer, deve a AA S.A, proceder a essa designação.

4.º Transmita-se de imediato ao SINDICATO DOS TRABALHADORES DE SERVIÇOS DE PORTARIA, VIGILÂNCIA, LIMPEZA, DOMÉSTICAS E ATIVIDADES DIVERSAS e à AA S.A., para os efeitos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 599.º do Código do Trabalho.”.

149) Ao abrigo da competência subsidiária que lhe era atribuída nos termos do Despacho Conjunto acima citado, a Autora aprovou a lista dos trabalhadores destacados para o cumprimento dos serviços mínimos – documento n.º 163 (correspondente ao documento sob o número 176 junto com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011), que constitui o Anexo IV à Ata junta como documento n.º 161/174.

150) Nos dias 15 e 16 de Junho 2008 verificou-se uma adesão significativa à greve, por parte dos trabalhadores da Autora, da ordem dos 95% e 100%, respetivamente.

D – DA GREVE DE 18 E 19 DE JULHO DE 2008.

160) Através de despacho conjunto datado de 17 de Julho de 2008, Suas Excelências, o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, procederam à determinação dos serviços mínimos, por entenderem que “A prestação de serviços de limpeza, por parte da AA, S.A., é essencial para a realização dos voos entre o continente, a partir do aeroporto de Lisboa, e as regiões autónomas. A circunstância de os trabalhadores abrangidos pela declaração de greve trabalharem para empresa que presta os serviços de limpeza não afasta a obrigação de prestação de serviços mínimos sempre que esteja em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis. De acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no caso de greve em empresa que preste serviços a outra empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, se a paralisação provocada pela greve puser em causa a satisfação dessas necessidades, a obrigação de prestação de serviços mínimos também se aplica na situação de greve na empresa prestadora de serviços. Deste modo, o Sindicato que declarou a greve e os trabalhadores que a ela adiram devem assegurar, durante a greve, a prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação das necessidades sociais impreteríveis asseguradas pelas empresas de aviação, de acordo com o n.º 1 do artigo 598.º do Código do Trabalho.” – Cfr. Documento n.º 166 (que corresponde ao documento sob o número 179 junto com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011, a fls. 1116 a 1118).

161) Mais concretamente, tais serviços mínimos foram fixados nos seguintes moldes:

“1.º No período de greve a decorrer na AA, S.A., nos dias 18 e 19 de Julho de 2008, os serviços de limpeza de aeronaves que operam entre o continente e as regiões autónomas devem ser assegurados, em cada um desses dias de greve, nos números de voos seguintes:

i) Lisboa – Funchal: quatro voos por dia

j) Lisboa – Ponta Delgada: 1 voo por dia

k) Lisboa – Terceira: 1 voo por dia

l) Lisboa – Horta: 1 voo por dia

2.º Os meios humanos necessários para assegurar os serviços mínimos referidos no número anterior são os resultantes da organização técnica do trabalho na empresa, com cumprimento das disposições sobre prestação de trabalho em condições normais.

3.º Os meios humanos referidos no número anterior são designados pelo Sindicato que declarou a greve, até vinte e quatro horas antes do início do período referido no n.º 1 ou, se este o não fizer, deve a AA S.A, proceder a essa designação.

4.º Transmita-se de imediato ao SINDICATO DOS TRABALHADORES DE SERVIÇOS DE PORTARIA, VIGILÂNCIA, LIMPEZA, DOMÉSTICAS E ATIVIDADES DIVERSAS e à AA S.A., para os efeitos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 599.º do Código do Trabalho.”.

163) A Autora, nos termos usuais, convocou os trabalhadores para os serviços mínimos (cfr. documento n.º 167,que corresponde ao documento sob o número 180 junto com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011, a fls. 1119 a 1121).

164) Nos dias 18 e 19 de Julho de 2008, verificou-se uma adesão significativa à greve, por parte dos trabalhadores da Autora, da ordem dos 95% e 100%, respetivamente.»

Escusado será dizer que, quer o Governo, como o tribunal arbitral, quando chamados a intervir no processo de convocação de uma greve, estão sujeitos, na fixação dos serviços mínimos, aos limites constitucionais e às determinações legais a que temos vindo fazer referência.

O STAD questiona, desde logo, a validade de tais Despachos Ministeriais, por entender que deveriam ter sido os Tribunais Arbitrais a julgar tal matéria (cf. N.º 4 do artigo 599.º do Código do Trabalho de 2003), mas a argumentação jurídica desenvolvida, não obstante ser convincente e radicar-se numa possível interpretação do regime legal aplicável, não merece a nossa adesão e concordância, pois que a entidade empregadora visada diretamente pela greve é uma empresa privada que não se acha integrada no sector empresarial do Estado e  que, por força de um contrato de prestação de serviços de limpeza firmado com a GROUNDFORCE (empresa de HADLING, com participação maioritária de capital privado, sendo que o restante estava na titularidade da TAP, SA), tem de desenvolver a atividade contratada nos aeroportos nacionais, que são geridos pela ANA (na altura, empresa pública), e também nos aviões de diversas empresas privadas ou de capitais públicos, afetando a referida paralisação somente de forma mediata, as atividades de transporte e serviços conexos ou acessórios desenvolvidos pelas referidas empresas em tais espaços e aviões.                 

Invoca, por outro lado e numa outra perspetiva, como segunda via de contestação às aludidas decisões governamentais, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31 de Março de 2005, no Processo  n.º 00452/04, relatora: Cristina dos Santos, publicado em www.dgsi.pt, que possui o seguinte Sumário[81]:   

«1. O legislador constitucional delegou a tarefa da delimitação do direito fundamental de greve no legislador ordinário, apenas impondo a observância das seguintes fronteiras de critério:

a. No tocante aos serviços mínimos, o critério da indispensabilidade para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis;

b. No tocante aos meios, o critério das condições de prestação necessárias à segurança e manutenção de equipamentos e instalações - cfr. art.º 57.º, n.º 3 CRP.

2. Na definição de serviços mínimos e meios, o art.º 599.º, n.ºs 3 e 7 do Código do TRABALHO assumiu o conteúdo do art.º 8.º, n.º 6 da Lei da greve, exprimindo-se através de critérios orientadores:

a. Na definição dos serviços mínimos - art.ºs 598.º, n.º 1 e 599.º, n.ºs 1 e 3 - pelo critério da indispensabilidade: serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis;

b. No tocante aos meios - art.º 599.º, nºs. 2 e 3 - pelo critério das condições de prestação necessárias à segurança e manutenção de equipamentos e instalações;

3. O despacho conjunto ministerial previsto no art.º 599.º, n.º 3 CT tem a natureza de acto administrativo constitutivo de efeitos desfavoráveis por se traduzir na imposição de limites ao direito subjectivo fundamental - o direito de greve, art.º 57.º, n.º 1 +CRP - e incorporação de especiais obrigações de facere e non facere na relação jurídica laboral dos particulares seus destinatários durante o período de greve.

4. Na concretização dos conceitos gerais e indeterminados e princípios do art.º 599.º, n.º 3 e 7 CT e preenchimento do fim legal de realização do interesse público e ditames de conformação - restrição do direito de greve, o despacho conjunto ministerial, além de enumerar os serviços mínimos e meios asseguradores, há-de mostrar-se devidamente fundamentado mediante a enunciação dos motivos que no caso concreto justificam a incorporação do elenco de serviços mínimos e meios no respectivo objecto mediato.

5. O art.º 599.º, n.º 3 CT ao delegar na Administração a possibilidade de determinar os serviços mínimos e meios asseguradores em cada caso concreto de período de greve, nada mais fez do que render-se à evidência da casuística de conformação da matéria a regular.»

Ora, nesta matéria, importa dizer que tais Decisões Ministeriais nos suscitam dúvidas desde logo no que concerne aos serviços mínimos decretados, pois não nos deparamos aqui com greves que visavam diretamente o serviço de transporte aeronáutico mas unicamente a limpeza das respetivas aeronaves e instalações do Aeroporto da Portela, não estando, nessa medida e por regra em causa a possibilidade dos aviões serem utilizados na realização da sua atividade normal (tanto quanto julgamos saber, não ocorreram, em simultâneo, paralisações dos pilotos, pessoal de cabine ou da manutenção e  assistência aqueles, que obstassem a tal).

Logo, unicamente no que toca a operações básicas imprescindíveis  (v. g., recolha de lixo e reposição da água potável) ou em casos imprevistos e excecionais de premente e indispensável necessidade de limpeza do aludido espaço público (que, aliás, nem sequer se mostra abarcado pelas referidas decisões de serviços mínimos, muito embora também possam afetar, ainda que em moldes distintos e residuais, a atividade de transporte de pessoas e bens) ou dos aparelhos em questão, por questões de operacionalidade imediata relacionada com a segurança, higiene e saúde dos passageiros e utentes do aeroporto (nos moldes já antes referidos) e sob pena de contenção ou restrição inadmissível do direito de greve, nos seus contornos legais e constitucionais.

A ser assim, mal se compreende o estabelecimento de um número fixo de aviões, com referência a determinadas rotas (nacionais[82]), atenta a referida imprevisibilidade e excecionalidade dos serviços de limpeza requeridos, que relativamente aquele número fixo de voos, podem pecar por defeito ou excesso, parecendo essas decisões decalcadas das que são normalmente proferidas no âmbito das greves dos pilotos, pessoal de cabine ou de terra.

Temos igualmente como insuficiente a menção constante de tais despachos governamentais aos meios humanos a afetar a esses serviços mínimos, por nos parecer vago e indeterminado o texto repetidamente referenciado naqueles: « Os meios humanos necessários para assegurar os serviços mínimos referidos no número anterior são os resultantes da organização técnica do trabalho na empresa, com cumprimento das disposições sobre prestação de trabalho em condições normais.»

Afigura-se-nos que o legislador, ao demandar no n.º 3 do artigo 599.º do Código do Trabalho de 2003, «a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior», que, por seu turno, alude «aos serviços mínimos» e «aos meios necessários para os assegurar», não se contenta com uma afirmação genérica e vazia de conteúdo e eficácia com a acima transcrita, para mais quando se sabe, à partida, que o STAD se escusa até onde lhe for material e juridicamente possível, à realização dos ditos serviços mínimos e à adjudicação dos trabalhadores grevistas necessários.

Muito embora a doutrina por nós consultada não aprofunde muito tal problemática, estamos em crer que o regime jurídico da greve busca através dos artigos 598.º a 600.º do citado texto legal a determinação objetiva e concreta, até onde for materialmente possível[83], quer das necessidades sociais impreteríveis (fundamentação), quer da sua satisfação suficiente mediante a indicação dos correspondentes serviços mínimos, quer finalmente dos meios humanos destinados a garanti-los, o que tem de ser feito em termos quantitativos (número de trabalhadores ou percentagem dos mesmos, em função da execução habitual da atividade da entidade empregadora[84]) e qualitativos (horários/turnos, locais e categorias profissionais), pois só assim se logra os objetivos procurados por essas normas: o decurso da greve dentro dos parâmetros da legalidade, normalidade e paz social, o que passa também pela efetiva prestação dos ditos serviços mínimos.

Não foi isso quer aconteceu nas diversas paralisações documentadas nos autos, tendo o Governo alijado a sua responsabilidade e sacudido a água do capote  para cima dos contendores sociais (em rigor, para cima da AA, atenta a posição radicalizada do STAD).

Importa chamar a atenção, finalmente, para a expressão final de tal texto - com cumprimento das disposições sobre prestação de trabalho em condições normais - que nos parece, no caso em análise, manifestamente violadora do regime jurídico da greve, pois os serviços mínimos indispensáveis em presença não reclamam, em nosso entender, a execução pelos trabalhadores destacados para o efeito de toda atividade que normalmente deveriam realizar mas unicamente aquela exigida por tais serviços mínimos.        

Acerca da natureza de tais serviços mínimos, da fonte jurídica do seu cumprimento e da posição dos empregadores, sindicatos e trabalhadores perante a sua determinação, há que ouvir, mais uma vez, o Professor António Monteiro Fernandes, obra citada, págs. 106 a 109:

«1.2. A natureza do dever de prestação de serviços em greve. As exigências cons­tantes deste artigo (artigo 537.º) não conduzem, a nosso ver, à privação do direito de greve, que se traduziria na forçada reactivação do contrato de trabalho dos (ou de alguns dos) trabalhadores interessados. Todo o regime jurídico comentado pressupõe a universalidade desse direito, no âmbito em que se pode dizer que alguém recusa a sua actividade a outrem, isto é, no âmbito das relações de tra­balho subordinado ou assalariado.

O mecanismo estabelecido no ordenamento português é o da atribuição de obrigações legais (não contratuais) às associações sindicais e aos traba­lhadores, obrigações cujo objecto é definido, na qualidade e nas dimensões, pelo fim socialmente útil que a lei pretende tutelar: a continuidade dos ser­viços essenciais (naquilo em que são, de verdade, essenciais, isto é, no mínimo indispensável à satisfação de necessidades inadiáveis — tal é a formulação do n.º 1) e a segurança e manutenção do equipamento e instalações. Cabe ao sindicato que declarou a paragem e aos trabalhadores aderentes, ou seja, aos grevistas, cuidar de que esse fim seja alcançado, mediante a realização das prestações de trabalho que se mostrem indispensáveis. A greve está de pé, os contratos de trabalho estão suspensos e as obrigações contratuais não são normalmente cumpridas. As actividades que alguns dos grevistas são cha­mados a exercer podem até não coincidir com aquelas que correspondem aos comportamentos normalmente devidos por eles — podem ser reduzidas, aumentadas, ou mesmo modificadas[85]6. Por outro lado, mesmo em empresas ou estabelecimentos dos sectores de actividade a que se refere o n9 2 deste artigo, nada impede que todos os aderentes a uma greve fiquem dispensados de quaisquer serviços, porque as condições e a dimensão do movimento não fazem perigar a continuidade dos serviços essenciais, nomeadamente por reafectação dos não aderentes.

A fundamentalidade do direito de greve obriga, em nosso entender, à construção do regime dos serviços essenciais (designação que compreende as actividades consideradas nos n2s 1 e 3 deste artigo) de acordo com uma lógica de preservação máxima do conteúdo essencial daquele direito. A sal­vaguarda dos valores de que se trata não exige — se e na medida em que exista um potencial de disponibilidade dos contraentes — a privação do direito de greve nem a restituição do crédito de trabalho e da autoridade normal ao em­pregador. É compatível com um arranjo segundo o qual ambos os contraentes[86], numa situação de neutralização temporária dos efeitos do contrato, são en­volvidos em operações de emergência para salvaguarda de objectivos superio­res ameaçados pela paragem colectiva de trabalho. O trabalhador aderente à greve vê-se investido pela lei na obrigação de prestar trabalho; o empregador é encarregado pela mesma lei de enquadrar e dirigir essa prestação "na estrita medida necessária" - como diz o n.° 4 - à realização dos serviços essenciais. Trata-se de cumprir obrigações legais, e não de executar o contrato[87].

Não vemos, em suma, que o preceito constante desse n.º 4, destinando-se a resolver uma evidente dificuldade prática do regime dos serviços mínimos, represente uma guinada do legislador no sentido da revitalização do con­trato de trabalho dos grevistas obrigados a prestar serviços durante a greve. Essa disposição legal não podia ser diferente, sob pena de se atribuir ao di­reito de greve um efeito cumulativo sobre a própria titularidade da empresa e dos meios de produção. A referência a uma "subordinação limitada" — "na estrita medida necessária..." - mostra que se está fora da lógica do sinalagma contratado, e que a perspectiva adoptada pelo legislador na construção da solução é, quanto a esse aspecto, puramente instrumental. Por outro lado, a referência à retribuição é, como se notará adiante, igualmente explicável por uma lógica estranha à da execução do contrato. A tese da "redução tele­ológica" — ou da "suspensão limitada" do contrato - sustentada em doutrina autorizada[88], com reflexos na jurisprudência[89], surge, assim, como uma artifi­cialidade provavelmente dispensável.

No entanto, se não parece sufragável o entendimento das obrigações de actividade fixadas neste artigo como formas de privação do direito de greve, é indiscutível que se trata de restrições importantes ao exercício desse di­reito. Subsiste nelas o elemento de protesto e resistência, assim como o afastamento do programa contratual e a recusa da normal autoridade do empregador. A manifestação típica do exercício do direito de greve, que é a indisponibilidade temporária face ao empregador, é formalmente mantida. No entanto, a abstenção total de actividade na empresa — visando, imedia­tamente, a paralisação desta ou o mais elevado grau de perturbação do seu funcionamento — resulta impedida, plenamente ou não, e por razões que se prendem aos fins económico-produtivos da mesma empresa, ainda que fun­dadas em imperativos de ordem pública.»[90]

Tomando posição quanto a tal questão, também nos parece que os serviços mínimos essenciais não podem significar a anulação do direito de greve na esfera jurídica dos trabalhadores grevistas afetados à realização dos ditos serviços e a recuperação pelo empregador de todos (ou pelo menos parte) dos poderes suspensos pela paralisação coletiva de prestação do trabalho, sob pena de nos encontrarmos perante uma restrição ou contenção do âmbito daquele direito  que não é consentida pelo artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa, já para não falar das dificuldades práticas e jurídicas que a tese da "subordinação limitada" suscita nessa matéria e noutras com ela diretamente conexas (nomeadamente, nos planos dos poderes de direção disciplinar, seus limites e legitimidade).            

Perante o quadro jurídico descrito, este tribunal é confrontado com a seguinte dúvida: a Autora, na sua concretização dos meios humanos, respeitou ou extravasou os serviços mínimos definidos pelo Governo?                           

Compulsados os autos, quer ao nível dos factos alegados pelas partes, quer no plano dos documentos que os suportam, quer, finalmente, na matéria factual que demos como assente, constatamos que, embora exista uma concretização dos horários/turnos de cumprimento dos serviços mínimos, assim como do número de funcionários (e respetivas categorias) filiados no Sindicato Réu, não existem articulados factos - nem documentos que os sustentem e os supram, dentro dos limites adjetivos admissíveis - que nos permitam o necessário termo de comparação, de maneira a aferirmos, com um mínimo de certeza e segurança, tal conformidade substancial.

Não ignoramos que a Autora, no âmbito das reuniões havidas no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, apresentou propostas de serviços mínimos bem como, na sequência da recusa do STAD em indicar os trabalhadores grevistas que iriam prestar os serviços mínimos ordenados pelos Despachos Ministeriais, viu-se na contingência de indicar os turnos, categoria e a identificação dos trabalhadores que reputava necessários.        

Dir-se-á que o STAD se colocou a jeito – perdoe-se-nos a expressão –, ao omitir a designação dos trabalhadores que deveriam cumprir os serviços mínimos administrativamente ordenados pelos competentes Ministérios e ao permitir que tal nomeação recaísse exclusivamente sobre a AA, mas tal não significa que esta última, face à intervenção administrativa do Governo nessa matéria (ainda que irregular e muito indefinida, em termos decisórios, no que se refere à concretização dos meios humanos a afetar a tais serviços mínimos, como já vimos), pudesse ignorar o procedimento a que, a esse respeito, estava obrigada, em função, designadamente, das restrições legais e constitucionais que lhe são diretamente aplicáveis e, a coberto dessas decisões governamentais, ir para além do que o regime jurídico dos serviços mínimos consente, isto é, não lhe era permitido extravasar o âmbito de satisfação suficiente das necessidades sociais impreteríveis em presença, de forma a procurar garantir – designadamente, por recurso a trabalho suplementar –, como resulta manifestamente  da sua alegação  e pedidos consequentemente formulados, toda a atividade que, no âmbito dos seus contratos de prestação de serviços com a GROUNDFORCE e a TAP, tinha que assegurar normalmente nos referidos dias de greve.

Deparamo-nos assim como mais um obstáculo de monta na apreciação e julgamento da questão central deste recurso: a responsabilidade civil do Réu pela realização de greves ilícitas.

N – SERVIÇOS MÍNIMOS E SEU INCUMPRIMENTO

Chegados aqui e como diz o tribunal recorrido, terá o STAD incorrido numa conduta ilícita ao não designar, na sequência dos despachos ministeriais, os trabalhadores necessários à execução dos serviços mínimos indicados?

Pensamos naturalmente que o teor inconclusivo de tais decisões o colocariam numa situação similar à da AA, de inevitável e prévia concretização do número de trabalhadores, categorias e turnos/horários, assim como da identificação dos aderentes à greve que os deviam garantir (abrindo, com grande certeza, mais uma zona de conflito com a Autora, face à divergência que ela iria manifestar relativamente à designação minimalista feita por aquele), mas sem que as irregularidades indicadas simplesmente o exonerassem ou libertassem de tal obrigação jurídica.

A dúvida colocada perde, todavia, relevância ou pertinência, na economia dos autos, dado que a posição do Réu foi sempre a de negar a existência de necessidades sociais impreteríveis e, nessa medida, o dever legal de prestação de quaisquer serviços mínimos, recusando-se, assim, a propor os mesmos e a indicar os trabalhadores em concreto, que assegurariam a sua execução[91].

Logo, tal faculdade foi exercida pela AA nos moldes que constam dos autos, não tendo nenhum dos trabalhadores destacados comparecido nos locais onde decorria a paralisação com o propósito de desenvolver tais serviços mínimos.

Impõe-se dizer, quanto a esse «destacamento» e de acordo com os elementos dos autos, que o mesmo assumiu carácter nominativo e que houve convocação dos trabalhadores por ele abrangidos, apesar de não constar do processo a forma como ocorreu tal convocação.

Achamo-nos, assim, face a uma clara situação de incumprimento dessa obrigação de prestação de serviços mínimos, muito embora seja evidente, em face da forma como a ação está construída e os pedidos estão sustentados e formulados, que os trabalhadores destacados pela Autora excederam sempre os estritamente necessários à sua execução, havendo que reduzir, nessa medida, tal incumprimento à sua exata medida.

Quais as consequências jurídicas de tal inexecução dos serviços mínimos essenciais?                           

António Monteiro Fernandes, obra citada, págs. 161 a 163, refere o seguinte acerca do incumprimento dos serviços mínimos:

«2.4. O incumprimento de serviços mínimos. A inobservância dos deveres de prestação de trabalho impostos pelo artigo 537.º não tem, na lei, expressa contrapartida, para além da prevista no n.º 3 deste artigo. Ele sugere que a requisição civil é a única consequência possível do incumprimento dos serviços mínimos pelos trabalhadores escalados para o efeito. Neste sentido tem ido, de resto, há muito tempo, a jurisprudência dominante[92]. Todavia, parece claro que o preceito se limita a abrir uma possibilidade ou a indicar um recurso disponível para suprir a situação de carência gerada por aquele incumprimento – de resto já implícita nos pressupostos legais de requisição civil -, e não se destina, por conseguinte, a esgotar as consequências desse incumprimento.

Com efeito, o artigo 1.º/1 do DL 637/74 de 20 de Novembro, atribui à requisição civil – como medida de “carácter excecional” – a finalidade de, “em circunstâncias particularmente graves, se assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público ou de setores vitais da economia nacional”. Trata-se de um expediente de natureza específica, pois é utilizável em qualquer situação de emergência nacional e não apenas em caso de paralisação coletiva de trabalho. Mas parece evidente que o incumprimento de serviços mínimos, destinados a assegurar a satisfação de “necessidades sociais impreteríveis”, é suscetível de preencher a previsão do preceito legal citado. Para que tal hipótese se verifique, é necessário que tenha funcionado o sistema de definição desses serviços (artigo 538.º) e que ocorra incumprimento (ou risco de incumprimento) em concreto, ou seja, não comparência ou recusa de trabalho dos trabalhadores escalados para o efeito. Isto significa que a requisição, em regra (mas não necessariamente), só pode ser determinada após o início da paralisação, face ao comportamento dos trabalhadores envolvidos.

De qualquer modo, o Governo conserva sempre uma ampla margem de apreciação da necessidade e da conveniência da medida. Não existe aqui nenhum automatismo. A inobservância total ou parcial da obrigação de prestação dos serviços mínimos pode – por exemplo, em função da curta duração da greve –, na ponderação a que o Governo proceda, não evidenciar um quadro emergencial que imponha a requisição, medida delicada e grave. Por outro lado, embora o procedimento estabelecido pela lei seja bastante simples – resolução do Conselho de Ministros, divulgação imediata pela comunicação social, portaria do(s) ministro(s) encarregado(s) de gerir a situação – a “montagem” da requisição envolve alguma demora, incompatível com os casos urgentes e com greves de curta duração. Não existe, pois, correlação forçosa entre incumprimento dos serviços mínimos e requisição civil.

A requisição civil representa uma verdadeira privação do direito de greve por decisão do Governo, na medida em que implica a obrigatória prestação de serviços, em regra sob um regime disciplinar idêntico ao da função pública. A competência disciplinar originária pertence aí, em qualquer caso, à entidade pública que fique encarregada de supervisionar o cumprimento da requisição, mesmo se o regime aplicável for – por determinação da portaria acima referida – o das relações jurídico - privadas de trabalho.

Mas, para além disso, há que ponderar que, quer a definição de serviços mínimos – geradora da obrigação de prestação de trabalho durante a greve –, quer a requisição civil, resultam de decisões de autoridades legalmente competentes – os ministros autores do despacho conjunto, para o sector privado; o tribunal arbitral necessário, para o sector público; o Conselho de Ministros e os ministros delegados, para a requisição civil em qualquer caso. Sendo observadas as pertinentes regras de procedimento, e verificando-se os pressupostos de necessidade e urgência inerentes a qualquer das situações, o incumprimento de “tais ordens ou mandatos”pode preencher o crime de desobediência, punível nos termos do art.º 348.º do Código Penal. Todavia, e uma vez que não existe disposição legal cominatória de tal punição, ela supõe, nos termos deste artigo, que a autoridade emissora da ordem (no caso, o tribunal arbitral) faça essa cominação».[93]

Para o autor acima transcrito (assim como para o Professor José João Abrantes) o único mecanismo legal previsto para tal incumprimento é a requisição civil, nos termos do número 3 do artigo 541.º do atual Código do Trabalho, mas afigura-se-nos que o artigo 601.º do Código do Trabalho de 2003 contém, em termos de redação, uma diferença fundamental, ao afirmar que tal requisição civil pode ser determinada, «sem prejuízo dos efeitos gerais» (frase que inexiste no n.º 3 do art.º 541.º), o que parece abrir a porta, pelo menos na vigência de tal diploma legal, a outras consequências, que em coerência com o que antes deixámos defendido quanto ao quadro jurídico que rodeia a decisão de determinação de serviços mínimos, serão as decorrentes do instituto da responsabilidade civil, se a ele houver lugar, conforme refere o n.º 2 do artigo 604.º do mesmo texto legal[94].                                                         

                     

O – DIRIGENTES SINDICAIS E NEXO DE IMPUTAÇÃO SUBJETIVO AO STAD

Chegados aqui e entrando na análise das conclusões de recurso da Apelante, por referência à fundamentação da sentença impugnada, não podemos deixar de dar razão à AA quando se insurge contra a argumentação ali desenvolvida[95], pois, como resulta da Factualidade dada como Provada, estão claramente identificados os dirigentes sindicais que agiram em nome e representação do Sindicato Réu, não se percebendo, nessa medida, algumas das  afirmações constantes da fundamentação dada como reproduzida em Nota de Pé de Página (a não ser pela circunstância de não ter fixado, como devia, a matéria de facto dada como provada por acordo das partes, confissão e documentos).

Sendo assim, afigura-se-nos que é possível imputar subjetivamente ao STAD, em termos de culpa – quer por força da atuação daqueles seus dirigentes, que agiram como seus legais representantes, quer por força das posições coletivas assumidas, pelo menos, no âmbito das greves (dado ignorarmos o processo de formação da vontade do mesmo quanto à sua convocação), pelos seus associados, com adesões sempre muito significativas àquelas -, a recusa concertada, porque certamente instigada e controlada pelo Apelado, no que toca ao cumprimento efetivo dos serviços mínimos essenciais devidos (houve sempre uma ausência total dos trabalhadores destacados para esse efeito).

Dir-se-á que tal culpa é algo atípica, pois radica-se, fundamentalmente, numa interpretação jurídica possível e credível[96] do regime legal do direito de greve mas radicalmente oposta à defendida pela AA, pelos diversos despachos conjuntos do Governo e pela sentença recorrida e presente Acórdão, bem como por alguma doutrina  e jurisprudência (v. g., pelo Professor António Monteiro Fernandes e pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  pelo mesmo citado e acima transcrito em termos de Sumário), interpretação essa que, pelo menos em parte do ano de 2008, levou o recorrido a convocar as diversas greves em termos normais e não qualificados pelas necessidades sociais impreteríveis presentes no sector do transporte aéreo e a não propor e assegurar os correspondentes serviços mínimos.

Tal divergência entre as partes, de cariz essencialmente jurídico, perspetiva a culpa do Réu que aqui se analisa em termos particulares e atenuados, importando, em sede de responsabilidade civil extracontratual considerar e ponderar essa especificidade da imputação subjetiva do facto ao agente (cfr., aliás, a esse respeito, os artigos 487.º e 494.º do Código Civil).      

P – NEXO CAUSAL ENTRE O FACTO ILÍCITO E O DANO

A decisão judicial impugnada entendeu também que não se verificava uma ligação em termos de nexo de causalidade adequada entre os factos ilícitos praticados - traduzidos, no nosso entender, na recusa do cumprimento efetivo dos serviços mínimos essenciais, dado a ilicitude das demais condutas ter sido confrontada e "consumida" pelo desencadeamento dos mecanismos legais previstos para a definição daqueles e pelo normal desenvolvimento dos correspondentes procedimentos, como já em outra parte deste Aresto sustentámos - e os danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados pela Autora[97].             

Nesta matéria, embora com outros fundamentos para além dos invocados em tal sentença, temos de concordar com a posição aí assumida, pois também se nos afigura que nem os factos dados como provados nos autos e os documentos que os suportam e complementam (mas que, convirá realçar, não substituem nem suprem a falta da competente alegação fáctica), nem sequer os demais factos articulados pela Autora e que se mostram controvertidos (mesmo que fossem todos dados como assentes), permitem/permitiriam formular um juízo seguro e objetivo de causalidade adequada entre a conduta ilícita dos trabalhadores associados no STAD, traduzida na sua recusa em cumprirem a obrigação legal de serviços mínimos essenciais e os danos reclamados pela Autora no quadro destes autos.

Sem olvidar a interpretação jurídica cautelosa e restritiva que fizemos do regime da responsabilidade civil no quadro do direito de greve , importa recordar o que já antes deixámos referido quanto à indefinição que resulta do quadro fáctico e documental acima referenciado e que não nos permite fazer a destrinça entre os serviços mínimos efetivamente devidos, no âmbito das diversas greves realizadas pelo STAD e em causa nesta ação, por referência aos voos nacionais indicados nos despachos ministeriais respetivos, e aqueles que, no terreno e na prática, foram levados a cabo pela Autora, assim como se os trabalhadores indigitados pela AA eram ou não apenas os efetivamente necessários ao cumprimento daqueles (em rigor, tudo indica que não).

Interessa ainda chamar a atenção para a circunstância do quadro de pessoal da Autora[98], quer o que desempenha funções no aeroporto da Portela, quer o que o faz em termos gerais, não ser só integrado por filiados no STAD, mas também noutros sindicatos, havendo, finalmente, um largo e muito maioritário espectro de trabalhadores que não estão inscritos em quaisquer associações sindicais.

Ora, se olharmos para os factos dados como assentes e que resultaram da alegação da Apelante, verifica-se que as percentagens de adesão à greve não são claras quanto ao número e qualidade dos trabalhadores que aderiram às diversas paragens coletivas (25/1 a 28/1 - 80%; 22 e 23/2, 15 e 16/6 e18 e 19/7 - 95% a 100%), tanto mais que, segundo a própria AA, no Aeroporto da Portela existem cerca de 100 trabalhadores que não pertencem ao STAD.

Ora, uma questão suscita-se, desde logo, a esse respeito: a referida adesão respeitou somente aos associados do Réu ou abraçou igualmente os demais que não são seus membros?

É que se somente os membros do Sindicato recorrido aderiram, nas referidas percentagens, às ditas paralisações, resulta daí que a Autora tinha, em princípio, uma reserva de mão de obra de 100 trabalhadores (em rigor, na 1.ª greve, de 140 trabalhadores, face aos 20% de elementos do STAD que não aderiram, ao passo que nas demais tal número poderia ter chegado aos 110, face aos 5% de não aderentes que não teriam feito greve[99]), número que excede até aquele indicado a fls. 1054 a 1056 (54 trabalhadores - greve de 25 a 28/01) e 1079 a 1080 (71 trabalhadores - greve de 22 e 23/2) ou fica muito próximo do indicado a fls.  1119 a 1121 (106 trabalhadores - greve de 18 e 19/7)[100], num crescendo quantitativo que não se compreende bem e que não visa certamente satisfazer apenas os referidos serviços mínimos.

Ora, não somente a utilização desses trabalhadores não aderentes não estava vedada por lei (cf. artigo 596.º do Código do Trabalho de 2003, bem como a interpretação que a nossa doutrina  e jurisprudência fazem de tal norma ou das correspondentes que a antecederam ou sucederam[101]) como, por outro lado, é sempre possível à entidade empregadora lançar mão dos trabalhadores não grevistas para garantir os serviços mínimos essenciais.

Nessa medida, ficaram por alegar e justificar os motivos que, nesse quadro, obviaram a que a Apelante pudesse designar, desde logo, tais trabalhadores não filiados no STAD, de maneira a obstar ou a atenuar grandemente as consequências do não cumprimento por parte dos membros daquele dos serviços mínimos (incumprimento antecipadamente anunciado e conhecido).

Mesmo que se equacione que as percentagens dadas como provadas abarcam todo o universo de assalariados ao serviço da Autora (logo, numa adesão de 240 e de 285 trabalhadores, respetivamente), temos sérias dificuldades em imputar ao Réu a responsabilidade por eventuais prejuízos causados por esses grevistas não associados, que tenham incumprido os referidos serviços mínimos, dado os mesmos não terem intervenção direta ou indireta na vida interna e associativa, bem como na atuação do mesmo, dependendo somente deles (ainda que conhecedores e influenciados pela posição do recorrido) a decisão final quanto à efetiva adesão às greves e ao não cumprimento dos serviços mínimos.                 

Logo, também por aqui se pode questionar a existência de um efetivo nexo causal entre as greves dos autos, na sua vertente de incumprimento dos serviços mínimos, e os danos alegados e reclamados pela Autora (depois de reduzidos aos seus devidos limites ou mesmo, no que toca à primeira greve, independentemente de tal redução).

Importa ainda aludir ao aspeto referenciado na decisão impugnada e que se prende com a circunstância da AA ter omitido na sua Petição Inicial qualquer menção aos dias de remuneração descontados aos trabalhadores grevistas (inclusive aqueles que foram legitimamente destacados para os serviços mínimos e não compareceram), assim como a compensação entre tais valores que arrecadou e aqueles que a título de danos patrimoniais vem peticionar nesta ação, ficando-se sem saber se o montante global assim arrecadado cobriu ou não as importâncias peticionadas e referentes aos danos derivados da não prestação dos serviços mínimos efetivamente devidos.

Impõe-se, finalmente, relembrar o que já anteriormente se deixou afirmado, a saber, que as entidades empregadoras por força das greves a que estão sujeitas sofrem sempre danos, de maior ou menor significado (julgando nós que no caso dos autos e atento o diminuto âmbito dos serviços mínimos, seria acentuado), sendo que nas diversas paralisações em apreço e apesar do seu início irregular, se veio dar cumprimento aos procedimentos legais destinados à fixação dos serviços mínimos essenciais, como em todas elas veio efetivamente a acontecer, o que impunha à AA a alegação e demonstração da diferença patrimonial, para efeitos de reparação dos seus prejuízos, entre a situação que decorreria da satisfação regular  dos referidos serviços mínimos e aquela que resultou de tal incumprimento (que seria devido somente dentro dos limites legais e constitucionais).

Logo, pelo referido conjunto de razões, tem o recurso da Apelante de ser julgado improcedente nesta sua vertente jurídica, com a confirmação do saneador/sentença nessa parte, ainda que com fundamentação parcialmente diversa (por mais variada e extensa).            

Q – DANOS PATRIMONIAIS

Chegados aqui e atendendo ao que já se deixou antes referido, limitar-nos-emos a referir que não só os prejuízos patrimoniais peticionados não encontram, quer nos factos já dados como provados e documentos juntos, como naqueles que ficaram por demonstrar, eco causal objetivo e suficiente na conduta ilícita e culposa do Réu, como se revelam, por outro lado, quantitativa e qualitativamente inflacionados, não só em função da realidade excessiva abarcada pelos mesmos, como pela circunstância de não levarem em linha de conta as deduções de salário feitas aos trabalhadores grevistas e filiados no STAD e os danos que sempre teriam de contabilizar no caso do cumprimento regular dos serviços mínimos essenciais legal e efetivamente devidos.      

R – DANOS NÃO PATRIMONAIS

A Apelante demanda também o Réu, pretendendo que o mesmo seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 350.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela mesma, ao nível da sua imagem, bom nome e reputação empresarial.

Em termos de regime legal, importa chamar à colação o artigo 496.º do Código Civil, na sua redação original, rezando tal disposição legal o seguinte, na parte que para aqui releva: 

Artigo 496.º

Danos não patrimoniais

1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2. (…)

3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.

   

Ora, cruzando tal regime legal com a factualidade dada como assente e aquela que se mostra alegada e controvertida, afigura-se-nos que não ressaltam daí factos que, pelo seu conteúdo ou natureza, tenham cariz ofensivo para os aludidos "direitos de personalidade coletiva" invocados pela empresa demandante, que consintam, pela sua relevância e gravidade jurídicas, uma qualquer condenação do Sindicato Réu nos moldes perseguidos pela recorrente.

Dir-se-á, em rigor, que a Apelante não articula factos concretos que configurem danos efetivos e palpáveis na sua imagem, nome e reputação comerciais, limitando-se, tão somente, a fazer afirmações e considerações de cariz conclusivo e/ou jurídico, de teor vago e genérico, sem lhes dar conteúdo posterior, por via da descrição de situações ocorridas que evidenciem, sem grande margem para dúvidas, os efeitos negativos provocados pelas múltiplas atitudes levadas por diante pelo STAD.

Temos para nós que, nesta matéria dos danos morais causados às pessoas coletivas, só casos manifestos e gratuitos, em que as imputações feitas são objetivamente infundadas, falseadas e maldosas, é que justificam a sua ponderação e concessão jurídicas, dado entendermos que existem diferenças qualitativas assinaláveis entre o respetivo estatuto e a subsequente proteção jurídica dos direitos de personalidade individuais e os que respeitam aos seus "congéneres" de índole coletiva.

Escusamo-nos de repetir, por outro lado, o que já dissemos acerca dos direitos coletivos dos trabalhadores e do seu reflexo nos direitos referentes à liberdade à liberdade de expressão, reunião e manifestação, não se nos afigurando que, no seu geral, os comportamentos dados como assentes nos autos excedam as fronteiras traçadas pelo legislador constitucional e legal para o associativismo sindical, a autonomia coletiva e as formas de luta juridicamente permitidas, como é o caso do direito de greve.

Julgamos mesmo que o público em geral e as empresas que, de forma direta ou indireta, são afetadas por greves como a dos autos não ficam, salvo hipóteses raras e excecionais, com uma imagem diferente, persistente e negativa da entidade empregadora ou do conjunto das empresas em cujo setor de atividade as ditas paralisações acontecem, deixando, por tal motivo, de estabelecer relações comerciais com as mesmas[102].             

Logo, face a esse quadro factual e jurídico, não pode este Tribunal da Relação de Lisboa dar acolhimento às pretensões em julgamento, concordando-se também nesta parte com a sentença recorrida.

Sendo assim, pelas razões explanadas, é inevitável a improcedência desta Apelação também na vertente agora abordada.            

S - ARTIGOS 27.º E 72.º DO CÓDIGO DO PROCESSO DO TRABALHO E 660.º, N.º 2 E 378.º E SEGUINTES DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL

Afigura-se-nos pertinente, ainda que de uma forma sintética e apesar de tal questão não ter sido levantada pelas partes, alertar para a circunstância de não nos encontramos perante um cenário adjetivo que pudesse ser suprido ou "consertado" (perdoe-se-nos a expressão) por força da utilização dos mecanismos previstos nos artigos 27.º e 72.º do Código do Processo do Trabalho (proferição oportuna de um (segundo) despacho de aperfeiçoamento ou consideração, em sede de Audiência Final, de factos não alegados mas resultantes da discussão da causa) mas face a perspectivas jurídicas substancialmente diferentes de uma mesma realidade, que embora se referindo a um conjunto comum de factos, divergem na demais factualidade que importa alegar e na interpretação e aplicação do regime legal pertinente aos mesmos.

Não se tratando de uma questão meramente quantitativa (insuficiência de factos articulados na Petição Inicial) mas antes qualitativa, expressa na forma muito distinta de abordagem jurídica que fizemos aos diversos problemas suscitados nos autos (e também no recurso), nunca seria possível fazer coincidir essas visões díspares através da mediação dos referidos artigos 27.º e 72.º do Código do Processo do Trabalho.

Não se pode também chamar à colação, no âmbito dos autos, o disposto nos artigos 661.º, n.º 2 e 378.º e seguintes do Código do Processo Civil de 1961, com referência à não alegação dos factos relativos aos descontos feitos nos vencimentos dos trabalhadores grevistas, bem como no que toca a outros factos que qualificámos ao longo do texto como essenciais e omissos, pois os mesmos, pela sua natureza constitutiva, tinham de ser obrigatoriamente alegados na ação e já não no incidente de liquidação, que reclama que o direito esteja já definido e determinado na sentença condenatória, apesar de não quantificado.                                    

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 715.º e 713 do Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de Apelação interposto por AA, SA., com a confirmação da decisão recorrida (saneador/sentença), ainda que por fundamentos parcialmente diferentes.

Custas do presente recurso a cargo da Apelante - artigos 446.º do Código de Processo Civil e 7.º, número 2, do Regulamento das Custas Processuais.

Registe e notifique.

Lisboa, 03 de Dezembro de 2014     

 José Eduardo Sapateiro

 Sérgio Almeida

 Jerónimo Freitas


[1] Dado a Petição Inicial (na sua redação original) ser composta por 1068 artigos e constituir o I Volume dos autos, havendo que considerar ainda os documentos que acompanharam tal articulado e que ocupam os II, III, IV, V e parte do VI Volume (fls. 211 a 1122).  
[2] «A Autora intentou a presente ação fundando-a na responsabilidade civil por factos ilícitos alegadamente praticados pelo Réu.
Porém, lendo a prolixa petição inicial (1068 artigos!), mau grado as sucessivas repetições e mistura de factos com direito, logo se compreende que a mesma contem matéria que nada tem a ver com o Réu, a não ser que a Autora defenda que os trabalhadores que refere e associados do Réu sejam inimputáveis, sendo por eles responsável o Réu. Parece que a Autora não irá tão longe, mas a verdade é que pretende responsabilizar o Réu por factos ilícitos praticados por trabalhadores concretos em nome pessoal e não em representação do Réu. Tais factos, a verificarem-se, trazem consigo a responsabilidade disciplinar e até criminal - mas desses trabalhadores concretos e não do Réu. Veja-se, por exemplo, a referência a uso abusivo de cartões de acesso, falsificação de registos, baixas fraudulentas, não cumprimento dos serviços mínimos, alegadamente perpetrados por trabalhadores concretos. Como é óbvio, trata-se de responsabilidade pessoal desses mesmos trabalhadores e, por isso, das duas, uma: ou a Autora demandava ab initio essas pessoas (o que já não pode fazer agora), ou não imputava ao Réu tais condutas.
Por outro lado, a Autora pretende até ver discutido o mérito de eventuais contraordenações por si praticadas, que foram (falsamente, na perspetiva da Autora) denunciadas pelo Réu; como é óbvio, tais questões são discutidas em sede própria: os respetivos processos de contraordenação e não nos presentes autos.
Refira-se ainda que, sendo a Autora uma pessoa coletiva, causa enorme perplexidade ver escrito que a Autora se sentiu ofendida (art.ºs 408.º e 563.º da petição inicial) - o que decerto se tratará de lapso de escrita.
De todo o modo, ao ter carreado tais matérias alheias ao objeto dos autos, a Autora gerou uma peça processual de dimensões desmedidas, dificultando desnecessariamente a seleção da matéria de facto (caso a mesma se faça em despacho saneador) e, de todo o modo, a produção da prova em audiência de julgamento.
Assim, convido a Autora a, em 15 dias, apresentar nova petição inicial expurgada de tais matérias e apelando ao seu poder de síntese.»
[3] Numa conduta processual que radica a arguição por parte da Autora da nulidade da sentença e da impugnação da sentença com fundamento na insuficiência da matéria de facto considerada na decisão recorrida, conforme iremos analisar nos momentos seguintes deste Aresto.  
[4] «6.º A sentença em crise não discrimina quais os factos invocados pelas partes que foram considerados provados pelo tribunal, e nos quais o mesmo se terá baseado para, após a aplicação das normas jurídicas correspondentes, proferir a decisão sub judice, em clara violação do disposto no artigo 659.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo DO Trabalho.
7.º Ao não indicar, na respetiva fundamentação, qual o acervo factual alegado que considerou provado, designadamente em face dos documentos juntos aos autos, a sentença recorrida impediu e impede a recorrente de avaliar a forma como o tribunal examinou criticamente as provas e ponderou os meios probatórios disponíveis, i.e., vedando o conhecimento da convicção formada pelo tribunal relativamente a cada meio de prova disponível nos autos, bem como a possibilidade de sindicar – sobretudo no que tange à prova documental – qual a força probatória que lhe foi atribuída.
8.º Em nenhuma parte da sentença se faz alusão à matéria de facto provada ou se indica qual foi o meio de prova que levou à conclusão retirada pelo julgador.
9.º De idêntica forma, a preterição, quanto à realidade factual relevante, das fases da condensação (despacho saneador com elaboração de matéria de facto assente e de base instrutória que a incluísse ou seu aditamento/ampliação em sede já de audiência de julgamento) e da instrução (com a indicação e realização das diligências probatórias requeridas e/ou determinadas oficiosamente pelo tribunal incidindo sobre a aludida factualidade controvertida), a par da omissão de qualquer referência, na sentença, ao acervo factual em que o tribunal se apoiou para o proferimento da decisão, vedam à recorrente a possibilidade de reagir processualmente contra a eventual não inclusão ou não ponderação de matéria que, por erro ou lapso - e não obstante alegada e/ou documentada nos autos -, não tenha sido tida em conta pelo tribunal, inquinando o julgamento da causa e traduzindo-se numa limitação ilegítima dos poderes processuais e substantivos da recorrente.
10.º De acordo com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, visando tal exigência de fundamentação cumprir uma dupla função: de carácter objetivo - pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões - e de carácter subjetivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos destinatários que as mesmas afetam.
11.º A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo, sendo que, no caso vertente, resultaram manifestamente cerceados os direitos de defesa da recorrente uma vez que a sentença omite de forma integral o fundamento decisório ao nível factual.
12.º Assim, ao ter tomado uma decisão sem especificar os fundamentos de facto que a justificam, o tribunal a quo cometeu a nulidade a que alude o artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, pelo que se roga a esse tribunal ad quem que considere nula a decisão atentos os motivos invocados.»
[5] Importa referir que o relator do presente Acórdão assinou como adjunto o Aresto acima transcrito, que decidiu a reclamação para a conferência da Decisão Sumária pela mesma relatora daquele, alterando, contudo, a posição aí subscrita para agora expressa no texto deste Acórdão.   
[6] Obra citada, páginas 135 e seguintes.

[7] Isto é, em o tribunal deixar de responder a algum facto sobre que se formulara quesito. (nota de rodapé do texto transcrito)

[8] O sentido exato da decisão proferida não pode determinar-se com segurança. (nota de rodapé do texto transcrito)

[9] As respostas dadas a um quesito colidem com as dadas a outro ou outros. (nota de rodapé do texto transcrito)

[10] Em “Recursos em Processo Civil - novo regime - Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto”, Dezembro de 2007, Almedina, páginas 259 e seguintes, com particular incidência para páginas 284 a 286 (Nota 11).
[11]                                                           Artigo 73.º
Sentença
1 – A sentença é proferida no prazo de 20 dias.
2 – Se a simplicidade das questões de direito o justificar, a sentença pode ser imediatamente lavrada por escrito ou ditada para a ata.
3 – No caso do número anterior, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado.
[12] Não deixa de ser curioso referir que os autores acima citados - Fernando Amâncio Ferreira e António Santos Abrantes Geraldes - não referem esta específica causa de nulidade da sentença, quando se referem aos pressupostos de aplicação do número 1 do artigo 715.º do Código de Processo Civil.    
[13] O Réu, nos artigos 1.º e 2.º da sua contestação (integrados e constitutivos da Parte A da mesma, com a seguinte denominação: «Dos factos admitidos e não admitidos»), afirma o seguinte:
«1.º - A petição inicial está estruturada de tal forma que mistura factos com qualificações e conclusões dificultando a contestação de uns e outros e a destrinça dos factos aceites e não aceites por simples remissão para os respetivos artigos.
2.º - Deste modo, o Réu deixa desde já impugnados todos os factos, a sua qualificação e as conclusões que dele tira o Autor e que não sejam admitidos na presente contestação, ou constem de documento com força probatória plena ou assinados pelos representantes do Réu agindo nessa qualidade».
Não deixa de ser contraditório com tal censura à forma de articulação da Autora, a circunstância do Réu acabar por adotar uma postura adjetiva semelhante ou, pelo menos, próxima daquela, importando ainda, nesta matéria, ter na devida consideração o estatuído nos artigos 49.º, 57.º e 60.º, número 4 do Código do Processo do Trabalho e 490.º, números 1 e 2 do anterior Código de Processo Civil de 1961, quanto ao exato alcance da impugnação global e genérica feita pelo STAD, sem olvidar, naturalmente, a admissão posterior de alguns dos factos alegados pela AA e a muita documentação de natureza autêntica ou particular, desde que assinada pelas partes ou somente pelo STAD ou quando inexistem dúvidas quanto à fidedignidade da sua origem.              
[14] «127.º - O Réu, na pessoa dos seus representantes FC e Dra. AR, assegurou à Autora que não seria atingida pela greve de 28 de Abril de 2008, por ter chegado a acordo com esse sindicato, e não obstante, levou a efeito tal greve, lesando os interesses da Autora.
277.º - No documento n.º 137, comunicado n.º 82/08, de 12 de Agosto de 2008, subscrito por FC e por CT em representação do Réu, estes afirmaram que:
A AA, ao retirar os aumentos de 2,3%, que tinha unilateralmente pago…, bem como os retroativos do subsídio de transportes (…) a AA demonstrou total desprezo (…) pela Lei do nosso País!”.

278.º - Os referidos FC e CT exercem funções sindicais no STAD, tendo, nessa qualidade, participado em várias das negociações encetadas entre o STAD e a AA, aqui Autora.

327.º - Os comunicados ofensivos do Réu originaram a apresentação, pela Autora, de duas queixas-crime nos anos de 2008 e 2009, uma contra os dirigentes do Réu FC, CT e VS e contra o Réu, e outra contra os dirigentes FC e CT, respetivamente com os NUIPC 2490/09.7TDLSB-02 e 4832/08.3TDLSB-01 – cfr. documentos ora juntos sob os n.ºs 139 e 140 (que correspondem aos documentos sob os números 146 e 147 juntos com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011).

386.º - A factualidade descrita constituiu fundamento para a apresentação, no passado dia 9 de Agosto de 2010, pela Autora contra o Réu e os seus dirigentes sindicais CT e VS, de uma queixa-crime – cfr. documento n.º 142 (que corresponde ao documento sob o número 155 junto com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011).
839.º - A atividade da Autora caracteriza-se pela fiabilidade, rigor e qualidade com que presta os serviços de limpeza que disponibiliza aos seus clientes.
840.º - A Autora tem vindo a expandir o seu negócio de forma consistente e consolidada, tendo logrado garantir um crescimento económico estável e sustentado.
841.º - Pelas razões enumeradas, a Autora é, presentemente e de há quinze anos para cá, líder de mercado na sua área de atividade,
842.º - Contando com uma carteira de clientes de enorme valor, que integra, entre outros, empresas de renomada reputação e dimensão, bem como diversos organismos públicos.
843.º - O sector das limpezas industriais, em que a Autora exerce a sua atividade, é pautado pela existência de uma acentuada e feroz concorrência entre prestadores de serviços.
844.º - O mercado onde a Autora desenvolve a sua atividade é, pois, muito específico, fechado e restrito, sendo rápida a circulação de notícias não só entre empresas do ramo, mas igualmente entre os clientes que contratam os respetivos serviços,
845.º - Pelo que qualquer rumor acerca de uma eventual instabilidade – ao nível financeiro, social ou outro – é suscetível de gerar de imediato desconfiança quanto à capacidade de o prestador do serviço honrar os seus compromissos contratuais, o que, no limite, mina de forma irreversível a confiança que tem necessariamente de pautar este tipo de vínculos contratuais.
846.º - Constitui uma expectativa legítima de todos esses clientes – designadamente da TAP e da SPDH, mas também dos restantes clientes da Autora - que exista paz social e não ocorram quaisquer tensões e conflitos que, decorrentemente, afetem o normal e regular desenvolvimento da sua própria atividade, tanto mais que os trabalhadores da Autora prestam os seus serviços nas próprias instalações dos clientes.
847.º - A Autora, que é uma sociedade comercial de capitais exclusivamente nacionais, é líder de mercado no seu sector de atividade.
848.º - O Réu, com a sua atuação eivada de má-fé, com a sabotagem económica, as pressões ilícitas e a perseguição que moveu contra a Autora, promoveu, designadamente durante o ano de 2008, uma campanha feroz e ilícita no sentido de afetar deliberadamente a imagem comercial da Autora e o seu bom nome no mercado, agitando o tecido social e promovendo greves ilegais em termos que comprometeram de forma determinante a qualidade dos serviços por esta prestados e a sua produtividade e rentabilidade.
849.º - Esquecendo que, ao afetar com tal gravidade a imagem da Autora perante os seus clientes – atuais e potenciais – pôs em risco a estabilidade e o equilíbrio financeiro da empresa e, reflexamente, fez perigar a solidez do vínculo dos seus filiados e dos restantes trabalhadores da Autora.
850.º - Em causa estão comportamentos subversivos e ilícitos tendentes a causar o maior prejuízo económico e comercial possível à Autora.
851.º - A conduta do Réu vai para além do exercício legal e admissível dos seus direitos, aproximando-se de conduta concertada de guerrilha sindical e sabotagem económica.
852.º - O Réu recorre a meios ilegais para causar prejuízos à Autora.
853.º - A conduta do Réu apenas visa a ruína económica da Autora e ainda por cima em concertação com os trabalhadores da mesma.
854.º - A Autora empregou em média, em 2007, mais de 3984 trabalhadores.
855.º - Em 2008, a Autora empregou mais de 3800 trabalhadores.
856.º - A Autora tem uma rotatividade de pessoal (média de trabalhadores que entram e saem dos seus quadros) que ronda aproximadamente os 25% - 30%.
857.º - Sempre que ganha ou perde um concurso de prestação de serviços de limpeza num dado estabelecimento ou unidade económica, a Autora admite ou perde os respetivos trabalhadores.
858.º - Dos 3810 trabalhadores da Autora (em 31 de Dezembro de 2008), 798 estavam filiados no STAD, 37 estavam filiados em sindicatos afetos à FETESE (mormente no SITESE – Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços) e 2975 não se encontravam filiados em qualquer sindicato (ou estavam filiados em sindicatos alheios ao sector, logo sujeitos aos regulamentos de extensão em vigor).
859.º - A Autora presta os seus serviços em centenas de estabelecimentos e unidades económicas espalhados pelo país – Portugal continental e arquipélago dos Açores.
860.º - Em 2008 (continuando em 2009), a Autora prestou serviços em cerca de 800 estabelecimentos, espalhados pelo país – Portugal continental e arquipélago dos Açores.
861.º - Os dados contabilísticos disponíveis da Autora relativos ao exercício de 2008 apontam para um resultado líquido inferior ao de 2007 o qual, compreendendo o pagamento de penalidades, resulta num quadro económico-financeiro preocupante.
862.º - Em suma, a atual situação económica e financeira da Autora revela-se bastante frágil e condicionada, não podendo ser sujeita a fatores corrosivos e externos inesperados que tenham grande impacto sobre a tesouraria da empresa, sob pena de ficar seriamente comprometida a sua estabilidade financeira.
863.º - Essa situação é ainda agravada por fatores exógenos em face da atual situação de deflação e recessão da economia nacional e internacional.
864.º - Ora, operando a Autora no sector das limpezas, é evidente que o principal custo inerente à prestação dos seus serviços é precisamente o custo suportado com trabalho (mão-de-obra), representando mais de 70% na estrutura de custos da empresa.
865.º - O volume de negócios da Autora em 2008 foi superior a € 10.000.000,00 (dez milhões de Euros).
866.º - Toda a conduta assumida pelo Réu acarretou enormes prejuízos para a imagem comercial da Autora, a qual tem sido construída de forma consistente ao longo dos últimos quinze anos.
867.º - Assim sendo, facilmente se conclui que toda esta situação provocada pelo Réu causou graves danos na imagem profissional da Autora.
868.º - Com a sua atuação, o Réu colocou em causa o crédito, o prestígio e o bom-nome da Autora, tendo abalado a confiança que nela depositavam os seus Clientes, efetivos e potenciais.
869.º - Prejudicou o seu prestígio enquanto pessoa coletiva, designadamente em termos da sua gestão ao nível da exatidão, prudência e diligência, geradoras de confiança financeira e de convicção social.
870.º - Ocorreu manifestamente, em consequência da atuação do Réu, uma ofensa do bom nome e da reputação da Autora, pois é patente que tal imputação tem a virtualidade de diminuir a confiança quanto ao cumprimento, por esta, das suas obrigações, bem como de abalar o prestígio de que goza ou o conceito positivo em que é tida no meio em que se integra, concretamente como empresa de limpeza prestigiada no mercado.
871.º - O direito ao bom nome e à reputação de outrem encontra consagração constitucional no art.º 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e é concretizada pelas normas de Direito Civil, através da tutela de personalidade (artigos 483.º e 484.º do Código Civil).
872.º - Conforme amplamente defendido na jurisprudência, esse direito não é exclusivo das pessoas singulares, podendo também ser dele titular as pessoas coletivas – conforme, aliás, expressamente resulta do disposto no artigo 484.º do Código Civil.
873.º - As pessoas coletivas não são portadoras do valor da honra, enquanto direito de personalidade, mas transmitem para o exterior uma certa e determinada imagem da forma como se organizam, prestam serviços ou fornecem bens que constituem o seu escopo, tendo assim a defender o seu nome, o seu crédito comercial perante o mercado dos seus clientes, efetivos ou potenciais, na aquisição dos seus produtos ou na prestação dos seus serviços.
874.º - Dispõe o artigo 484.º do Código Civil que “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados”.
875.º - Resulta do artigo 496.º, nºs 1 e 3, do Código Civil que "Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito" e que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código.
876.º - Poderá, porventura, entender-se que as sociedades comerciais operam no mundo dos negócios com o objetivo do lucro, sendo próprio da sua natureza que o bom nome, a reputação e a imagem comercial lhes interessam na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar.
877.º - No entanto, é inegável que a sua imagem, a sua reputação e o crédito granjeado no mercado, perante os players concorrentes, os clientes efetivos ou potenciais, os trabalhadores e a sociedade em geral, ainda que tratando-se de um capital imaterial, merece tutela, na mesma medida em que o merecem as pessoas singulares.
878.º - Ainda que assim não se entenda, sempre terá que concluir-se que toda a ofensa ao bom nome comercial acaba por se projetar num dano patrimonial revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas (e perda de lucros) por força da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má imagem que se propaga.
879.º - Em consequência, e neste entendimento, para as sociedades comerciais, a ofensa do crédito e do bom nome produziria, portanto, um dano patrimonial indireto, isto é, o reflexo negativo operado na respetiva potencialidade de lucro.
880.º - Salvo o respeito por tal entendimento, se é certo que, pela natureza das coisas, as pessoas coletivas não têm emoções, sofrimento, prazer, alegrias e tristezas, importa reconhecer que as mesmas são portadoras de determinada imagem, que transmitem para o exterior relativamente à forma como se organizam, funcionam e prestam serviços ou fornecem bens que constituem o seu escopo.
881.º - Trata-se de um direito análogo ao direito de personalidade reconhecido constitucionalmente aos indivíduos, sendo que as pessoas coletivas têm todo o interesse em defender o seu bom nome no universo dos seus negócios comerciais (crédito comercial), o prestígio de que gozam ou o conceito positivo em que são tidas no meio social em que se integram e operam.
882.º - Ora, não se vê que, à semelhança do que acontece com os indivíduos em caso da violação dos seus direitos de personalidade, os danos morais provocados pela violação da imagem do ente coletivo não possam, por si só, dar lugar a uma indemnização em sede de danos não patrimoniais (ressalve-se que o artigo 12.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa estabelece que as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza), desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, tanto mais que, na maior parte das vezes, é muito difícil a demonstração dos chamados danos patrimoniais indiretos (afastamento da clientela e consequente frustração de vendas por força da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má imagem que se propaga) e a indemnização pelos danos não patrimoniais não reveste natureza exclusivamente ressarcitória, tendo também um cariz punitivo.
883.º - Sendo que a indemnização por danos não patrimoniais – ou danos patrimoniais indiretos, caso se sufrague a correspondente tese – não tem cariz exclusivamente ressarcitório, mas reveste também um carácter punitivo perante o comportamento lesante, faz todo o sentido que se considere neste caso.
884.º - Assim, a título de danos sofridos na sua imagem comercial, bem como de ofensa à sua credibilidade e prestígio, deve a Autora ser indemnizada em valor a ser fixado pelo tribunal, mas nunca inferior a € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil Euros).»
[15] «… ser o Réu condenado a pagar à Autora:
a) € 28.894,51 (vinte e oito mil oitocentos e noventa e quatro euros e cinquenta e um cêntimos), a título de lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de cumprir com a totalidade das limpezas a que a Autora se encontrava contratualmente obrigada;
b) € 1.854,14 (mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e catorze cêntimos) a título de danos emergentes decorrentes das penalizações por atrasos que a Autora se viu obrigada a pagar às suas clientes TAP e SPDH pelo facto de não ter procedido à limpeza e aprovisionamento dos aviões dentro dos tempos fixados;
c) € 15.169,95 (quinze mil cento e sessenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos) a título de danos emergentes motivados pelo recurso à prestação de trabalho suplementar, que não se verificaria caso as greves ilícitas não tivessem ocorrido;
d) € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização pelos danos causados na imagem, reputação, crédito e bom nome da Autora e pela perda de clientela que se hajam repercutido ou venham a repercutir-se na sua esfera jurídica;
e) Juros vincendos desde a citação até integral pagamento.»

[16]                                                        Artigo 594.º

Piquetes de greve

A associação sindical ou a comissão de greve pode organizar piquetes para desenvolver actividades tendentes a persuadir os trabalhadores a aderirem à greve, por meios pacíficos, sem prejuízo do reconhecimento da liberdade de trabalho dos não aderentes.

Artigo 602.º

Termo da greve

A greve termina por acordo entre as partes ou por deliberação das entidades que a tiverem declarado, cessando imediatamente os efeitos previstos no artigo 597.º.

Artigo 603.º

Proibição de discriminações devidas à greve

É nulo e de nenhum efeito todo o acto que implique coacção, prejuízo ou discriminação sobre qualquer trabalhador por motivo de adesão ou não à greve.



[17] E antes derivava do artigo 592.º do Código do Trabalho de 2003.
[18] Antes, artigos 591.º e 593.º do Código do Trabalho de 2003.
[19] Em "DIREITO DO TRABALHO II (DIREITO DA GREVE)", 2014, Almedina, págs. 82 a 88.

[20] «Como diz Luís Menezes Leitão, cit., p. 680, "o direito à greve só é exercido no momento da adesão destes [trabalhadores individuais], e não no momento em que a greve é decla­rada pelos seus representantes, sendo o concurso de entidades colectivas (...) uma condi­ção procedimental do exercício do respectivo direito".

Note-se que, tal como escreve Lobo Xavier, Manual, p. 160, "decidida e declarada a greve e verificando-se que a decisão sindical é obedecida apenas por um único trabalhador nem por isso a abstenção deste deixará de ser qualificada como greve, ao menos para efeitos de suspender o contrato de trabalho daquele trabalhador: deve, pois, considerar-se o único grevista como imune no plano contratual".» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[21] «Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. I, p. 276 s.; cfr., também, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, p. 935.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[22]  «Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, p. 932.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[23]  «Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, p. 1351.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[24]  «António Menezes Cordeiro, Manual, p. 416.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[25] «Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. I, p. 277. O mesmo autor diz que é um direito potes­tativo (numa perspectiva civilista), um direito de liberdade (numa perspectiva constitucio­nal), um direito de autotutela dos trabalhadores (numa coloração laboral) [p. 276].» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[26] «Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, p. 1350.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[27] «Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. I, p. 278.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[28] «Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, p. 935 ss.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[29] «Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, p. 935 ss., autor que acrescenta, parafraseando Santoro-Passarelli, que a greve é um direito colectivo de cada trabalhador. Quanto ao conteúdo, é um direito potestativo, quanto ao interesse tutelado, um direito subjectivo colectivo.
Ainda sobre este ponto relativo à natureza da greve, v. Lobo Xavier, Direito da greve, p. 254 ss. (260).» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[30] «Como diz Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, p. 938, a auto-defesa de direitos concretiza-se aqui perante a figura do interesse colectivo e o princípio da autonomia colec­tiva.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[31] «Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, p. 932».(Nota de Rodapé do autor transcrito)

[32] «Em nosso entender, secundando M. Rosário Palma Ramalho, Da autonomia dogmática do Direito do Trabalho, p. 866 ss., a greve não pode ser reconduzido aos quadros da dogmá­tica civilista.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[33] Cf., a este respeito, o Professor António Monteiro Fernandes, “A Lei e as Greves”, páginas 30 e seguintes, Nota 3 ao artigo 530.º do Código do Trabalho. 
[34] Cf., a este respeito, o Professor António Monteiro Fernandes, “A Lei e as Greves – Comentário a dezasseis artigos do Código do Trabalho”, páginas 46 e 47, Nota 1.5 ao artigo 531.º e Professor José João Abrantes, obra citada, página 88, Ponto 4.2.   
[35] Cf., a este respeito, Professor António Monteiro Fernandes, “A Lei e as greves”, páginas 47 e 48, Nota 2 ao artigo 531.º.

[36] «Relativamente aos complementos retributivos (por exemplo, subsídio de refeição) e de retribuição indirecta (por exemplo, o subsídio de transporte), ter-se-á que ver se eles estão ou não relacionados com a actividade e, por isso, se se mantém ou não. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, p. 1314.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

Sobre os feriados verificados no decurso da greve, considerando que há lugar a que seja descontada a respectiva remuneração (contrariamente ao que se passa com os dias de descanso, que constituem uma ocorrência neutra para efeitos desse desconto, uma vez que não são contabilizados para o cálculo da retribuição na fórmula legal), cfr. Bernardo Xavier, Direito da greve, p. 212 s.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[37] «Diga-se que, no que toca aos acidentes ocorridos em situação de greve, a doutrina e a jurisprudência têm-se pronunciado (apenas com ressalva dos ocorridos na prestação de serviços mínimos) pela sua descaracterização como acidentes de trabalho, ao considera­rem que, face à suspensão do contrato como efeito da greve, não se verifica o nexo de cau­salidade entre o trabalho e o acidente que delimita o conceito. É a posição sustentada, entre outros, por M. Rosário Palma Ramalho, "Sobre os acidentes de trabalho em situação de greve", ROA 1993, p. 521 ss., e Lei da greve, nota 18 ao artigo 7.º, Gonçalves da Silva, A greve e os acidentes de trabalho, Lisboa, 1998, e Romano Martinez, Direito do Trabalho, p. 1316.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[38] «Menezes Cordeiro, Manual, p. 397, que acrescenta ainda que a greve suspende também os ónus que, por causa dela, não possam ser exercidos, entre os quais os prazos para o exercício da acção disciplinar. No mesmo sentido, Romano Martinez, Direito do Trabalho, p. 1316.»

[39] «Romano Martinez, Direito do Trabalho, p. 1332 ss.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[40] «Secundando, entre outros, Menezes Cordeiro, Manual, p. 399, e Bernardo Lobo Xavier, Direito da greve, p. 219 e 289 (v., ainda, Nunes de Carvalho, "Responsabilidade civil do empresário e greve", RDES 1986, p. 371 ss. e 571 ss.).» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[41] «Tal é assim, aliás, ainda que a greve seja ilícita, dado, em sede de incumprimento con­tratual, existir uma responsabilidade objectiva, prevista no art. 800.º. do CC. Por isso, difi­cilmente será excluída a responsabilidade do empregador pelo incumprimento de con­tratos celebrados com clientes da empresa (com posição diversa, cfr., porém, Nunes de Carvalho, "Responsabilidade civil do empresário e greve", RDES 1986, p. 371 ss.). A teoria do risco enquadra ainda as situações em que a greve faz com que o empregador não aproveite a disponibilidade dos trabalhadores não grevistas, que mantêm o direito à retribuição por inteiro (Bernardo Lobo Xavier, Direito da greve, p. 214 ss.; v., porém, Manual, p. 291). No mesmo sentido, Romano Martinez, Direito do Trabalho, p. 1321 s. e 1344 ss., onde escreve que "os trabalhadores não grevistas e os clientes da empresa não podem ser prejudicados no caso de a greve ser ilícita. A ilicitude da greve pode determinar a responsabilidade de sindicatos e trabalahdores, mas não desresponsabiliza o empregador no cumprimento dos contratos de trabalho (com os não grevistas) e com os clientes da empresa".» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[42] Cfr., também, Bernardo Gama Lobo Xavier, "Direito de Greve", págs. 219 a 221 e 289 a 291.
[43] E só por estes, pois afigura-se-nos não ser possível assacar tal responsabilidade aos trabalhadores que embora tenham votado a efetuação da dita paralisação, acabam por não a fazer, por razões alheias ou não à sua vontade (falta por morte de um familiar, licença de casamento, cessação ou suspensão do contrato de trabalho, mudança de posição quanto à razoabilidade ou legitimidade dos motivos invocados para a realização da greve ou mesmo no que toca apenas à oportunidade da sua concretização).     
[44] Em «A LEI E AS GREVES», comentário a dezasseis artigos do Código do Trabalho, Novembro de 2013, Almedina, páginas 160 a 163, Notas 2.3 e 2.4.  
[45] Antes, artigos 488.º e 518.º do Código do Trabalho de 2003. (Nota de Rodapé do presente Acórdão)
[46] Em "DIREITO DA GREVE", Edição da Sociedade Científica da Universidade Católica de Lisboa, 1984, Verbo, páginas 263 e seguintes.  
[47] Que era a Lei n.º 65/77, de 26/08, cuja referida disposição (que corresponde atualmente ao número 1 do artigo 541.º do Código do Trabalho de 2009) estatuía o seguinte:
                                                          Artigo 11.º
(Inobservância da Lei)
A greve declarada com inobservância do disposto no presente diploma faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas.
[48] «V. A. VARELA, Das Obrigações, cit., I, 155 ss., e ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações (Coimbra, 1979), 65 ss.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[49] «V. FERRER CORREIA e VASCO LOBO XAVIER, «Efeito externo das obrigações», em RDE, 1979, 1, 3 ss.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[50] «Tomamos aqui empresa numa acepção não técnica, para expri­mir as várias formas jurídicas que pode revestir a figura da entidade patronal.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[51] «FERRER CORREIA, Direito comercial, I, 230 SS.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[52] "FERRER CORREIA, ob. cit., 231-2; «além da tutela de cada um dos elementos de per si, é necessário ainda a do interesse do empresário em conservar inteira a força de coesão que os une, em manter intacta a organização, como único processo de assegurar a posição do aviamento da empresa e em particular da clientela»." (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[53] «Na verdade, não está ainda suficientemente esclarecido, para nós, que a indução ao não cumprimento dos contratos ligados ao exercício da empresa (v. a propósito dos negócios sobre a empresa MOTA PINTO, Cessação da posição contratual (Coimbra, 1970), 88, nota 5) e ORLANDO DE CARVALHO, Critério e estrutura do estabelecimento comercial (Coimbra, 1967), 392 segs., 379-81 segs., e em muitos outros locs.) possa sempre considerar-se como uma violação do direito do empresário ao estabelecimento. De qualquer modo, não é de excluir que se deva conceber a greve ilegal como violação do direito do empresário sobre o estabelecimento, sobretudo tendo em vista que a indução ao não cumprimento se dirige à totalidade dos contratos como integrando um elemento fundamental de gestão: disponibilidade da mão-de-obra.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[54] «V. supra, n.° 49. V. também o Ac. Rel. Cb.a de 4-12-79, Col. Jurisp., IV, 1979, 5, x436, citando este preceito sem dele tirar as necessárias consequências...» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[55] «Como se sabe nada impede que se cumule a responsabilidade contratual com a extracontratual. (V. entre nós, VAZ SERRA, «Responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual», em BMJ, n.º 85, n.º 8, e também na Rev. Leg. Jurisp., 1970, 313 segs.), admitindo-se que o lesado empregue os meios que lhe dêem mais cabal satisfação. Simplesmente, no nosso caso, o problema é deveras complexo, já que se não trata do problema da responsabilidade de um único lesante, não sendo naturalmente de admitir uma cumulação de que resulte que o mesmo dano venha a ser duplamente indemnizado pelos lesantes (trabalhadores grevistas, nos termos da responsabilidade contratual e, sindicatos, nos termos da responsabilidade civil).» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[56] Em "LEI DA GREVE ANOTADA", 1994, Lex Lisboa, página 80, Nota 11.
[57] Cfr., também, embora sem grandes ou mesmo nenhuns desenvolvimentos nesta matéria da responsabilidade civil prevista hoje no artigo 541.º do C.T. de 2009, os seguintes autores: JOSÉ JOÃO ABRANTES, obra citada, págs. 110 a 112, DIOGO VAZ MARECOS, "Código do Trabalho Anotado - Lei n.º 7/209 de 12/02", Setembro de 2010, Wolters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, pág. 1193, Nota 4, PEDRO ROMANO MARTINEZ, "Direito do Trabalho", Instituto do Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa, 5.ª Edição, 2010, Almedina, pág. 1346, Nota  IV e "Código do Trabalho Anotado - revisto pela Lei n.º 7/2009 de 12/02", anotações de PEDRO ROMANO MARTINEZ, LUÍS MIGUEL MONTEIRO, JOANA DE VASCONCELOS, PEDRO MADEIRA DE BRITO, GUILHERME DRAY, LUÍS GONÇALVES DA SILVA, 2009, Almedina, pág. 1313, Nota III.          
[58] Cf., a este respeito, o Professor António Monteiro Fernandes, “A Lei e as Greves”, páginas 21 e seguintes, Nota 2 ao artigo 530.º do Código do Trabalho. 
[59] «Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, p. 19.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[60] «Les fondements historiques et rationnels du droit du travail, Paris, 1951.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)

[61] «J. J. Abrantes, Contrato de trabalho e direitos fundamentais.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[62] «Note-se que, ao contrário do que acontece, por exemplo, nas convenções n.ºs 87 e 98 da OIT, em que a greve apenas é contemplada de forma implícita, reduzida ao âmbito da liberdade sindical e da negociação colectiva, a CDFUE, no seu artigo 28.º consagra, de forma expressa e autónoma, tal direito.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[63]  «Num interessante artigo, publicado no jornal "Público" de 26.11.2011, escreve José Pacheco Pereira que a greve "toca na intangibilidade do poder, perturba, incomoda". Acrescente-se que, além disso, a greve demonstra a centralidade do trabalho nas socie­dades democráticas, ao tornar visível que tudo funciona graças ao trabalho e aos traba­lhadores. Através dela, fica explícito que é o trabalho que cria riqueza, que se encontra no centro das relações sociais e da acção política.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[64] «Gomes Canotilho/Jorge Leite, p. 10.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[65] «Sobre o ponto, v. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição anotada, p. 312.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[66] «Gomes Canotilho/Vital Moreira, p. 311.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[67] Cfr. também este mesmo autor, acerca dos limites da greve, obra citada, págs. 92 e segs.

[68] «A greve é, desde logo, um direito autonomizado em relação à con­tratação colectiva, não se situa apenas dentro dos meios de luta nessa contratação» – obra citada, pág. 92, referindo este autor em Nota de Pé de Página a posição diversa – ligação entre greve e autonomia coletiva - do Professor Lobo Xavier, obra citada, pág. 140 e em "A licitude dos objetivos da greve(…)", RDE 1979, n.º 2, p. 267 ss. (297) e ainda de Mário Pinto, Direito do Trabalho, p. 390.
[69] No exato contexto em que tal utilização (ainda que não autorizada) do logótipo da recorrente ocorreu – como mero reforço da informação aí constante e relativa à empresa, que sempre teria de aí ser devidamente identificada, mesmo sem o recurso a esse símbolo –, não se nos afigura que tenham sido ultrapassados os limites referenciados no texto.
 Mesmo que não se concorde com tal perspetiva, sempre se dirá que, face à inexistência de alegação de outros factos que não esse mero uso indevido, ou seja, à não concretização dos efetivos prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos pela Autora, sempre tal pretensão estaria votada ao insucesso.    
[70] Não sendo, em nosso entender e apesar da alegação da demandante AA, o caso de qualquer uma das situações relatadas nos autos.
[71] Cfr. artigo 582.º do CT de 2003.
[72] Cfr., por todos, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 1970, Almedina, páginas 35 e seguintes e Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Volume I, 1982, 3.ª Edição revista e atualizada, Coimbra Editora, páginas 443 e seguintes. 

[73] «Ac. de 13/02/2008, Proc. 07S4006, www.dgsi.pt;» (Nota de Rodapé da fundamentação da sentença)

[74] Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de 27/01/99, www.dgsi.pt (Nota de Rodapé da fundamentação da sentença) 
[75] O professor Bernardo da Gama Lobo Xavier, obra citada, página 282, n.º 78 (generalidades) sustenta o seguinte: «Como é evidente, nos casos da greve ilícita as associações sindicais não desfrutam dos direitos, nem as associações patronais e empresas dos deveres, que a propósito da greve lícita estão referidos na lei. Assim, não será lícito às associações sindicais designar piquetes de greve, as entidades patronais mantêm intacto o direito de admitir pessoal ou de movimentá-lo em conformidade, etc.
Não são pois aplicáveis as considerações feitas na secção I do capítulo 5.º» (Efeitos nas relações coletivas de trabalho) cf. também o Professor António Monteiro Fernandes, “A Lei e as Greves”, páginas 67 e 68, Nota 1.2 ao artigo 534.º do Código do Trabalho.
[76] De boa fé e em nome, talvez, do que se costuma designar por jurisprudência das cautelas e como forma de procurar minorar, dentro de um ambiente juridicamente controlado, os danos daí decorrentes, o que, naturalmente, se compreende e aceita, mas relativamente à qual não se pode deixar de extrair as necessárias consequências jurídicas. 
[77] E que, em rigor, não constituíram uma surpresa para a empresa, pois o STAD sempre defendeu, nas múltiplas reuniões e negociações havidas entre ambas as organizações, que, no caso das aludidas greves, não haveria lugar à prestação de serviços mínimos, por não estarem em causa necessidades sociais impreteríveis.  
[78] Os  Pontos de Facto respeitantes à atividade desenvolvida pela AA são os seguintes:
«1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de limpeza (certidão permanente do registo comercial);
3) A Autora presta serviços de limpeza no Aeroporto de Lisboa;
4) A empresa ANA, SA, no quadro da exploração e gestão do Aeroporto de Lisboa adjudicou à GROUNDFORCE (ou SPdH - SERVIÇOS PORTUGUESES DE HANDLING) os serviços de «handling», tendo esta última adjudicado à Autora, desde 1/02/2004 até hoje, a atividade de limpeza do dito Aeroporto e das aeronaves que utilizam o mesmo;
5) A Autora presta também esse tipo de serviços para outras empresas com a TAP, PORTWAY e diretamente para transportadoras ali a operar;
97) No dia 12 de Março de 2007, a Autora celebrou um contrato de prestação de serviços de limpeza com a SPDH – cfr. documento n.º 145 (que corresponde ao documento sob o número 158 junto com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011, a fls. 1006 a 1029).
98) O contrato de prestação de serviços celebrado entre a SPDH e a Autora tem por objeto a limpeza de interiores dos aviões, na placa e no hangar; cabin dressing; abastecimento de água potável; remoção de despejos e lavagem de equipamentos de placa.
99) A prestação dos serviços de limpeza supra indicados é efetuada de acordo com o contratualmente acordado entre a Autora e a SPDH, encontrando-se tais serviços melhor descritos nos anexos V, VI e VII ao dito contrato.
100) Os supra mencionados serviços que a Autora se encontra obrigada a prestar a favor da SPDH abrangem todos os aviões assistidos por esta, nomeadamente a frota da TAP.
101) No que respeita à prestação de serviços de limpeza de interiores dos aviões na placa, cabin dressing, abastecimento de água potável e remoção de despejos, por cada atraso na partida de um avião que seja imputável à Autora, é-lhe aplicável uma penalidade.
102) Por cada atraso até cinco minutos não são pagos à Autora quaisquer serviços de limpeza do avião em causa.
103) Por cada atraso igual ou superior a cinco minutos mas inferior a dez minutos não são pagos à Autora quaisquer serviços de limpeza do avião em causa, sendo-lhe ainda cobrada uma multa correspondente a 10% do valor cumulado dos serviços.
104) Por cada atraso igual ou superior a dez minutos mas inferior a vinte minutos não são pagos à Autora quaisquer serviços de limpeza do avião em causa, sendo-lhe ainda cobrada uma multa correspondente a 50% do valor cumulado dos serviços.
105) Por cada atraso igual ou superior a vinte minutos não são pagos à Autora quaisquer serviços, sendo-lhe ainda cobrada uma multa correspondente a 100% do valor do serviço de limpeza, dressing, de abastecimento de água e de remoção de despejos do avião em causa.
106) Em Setembro de 2008, a SPDH, a Autora e a TAP – TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, S.A. (doravante designada abreviadamente apenas por TAP), celebraram um contrato de cessão parcial da posição contratual, mediante o qual a primeira cedeu parcialmente a esta última alguns dos serviços de limpeza prestados pela Autora, mormente a limpeza de interiores dos aviões, na placa e no hangar; cabin dressing; abastecimento de água potável; remoção de despejos e lavagem de equipamentos de placa – cfr. documento n.º 146 (que corresponde ao documento sob o número 159 junto com a Petição Inicial apresentada em 31.05.2011, a fls. 1030 a 1036).
107) A partir dessa data, os serviços de limpeza supra referidos passaram a ser contratados diretamente entre a Autora e a TAP, mantendo-se igualmente em vigor o contrato de prestação de serviços celebrado entre aquela e a SPDH, ainda que objeto de revisão.
108) A Autora, ao assumir a empreitada de prestação de serviços de limpeza no aeroporto de Lisboa, assumiu, igualmente, o vínculo laboral de todos os trabalhadores que estavam afetos a esse local de trabalho e ao serviço da BB.»    
[79] Cf., neste mesmo sentido e com base em tal Aresto, António Monteiro Fernandes, obra citada, página 74: «Há todavia situações em que a greve é declarada contra uma empresa e, atingindo os serviços prestados por esta a outra, acabe por ter impacto sobretudo nesta última. Se se tratar aqui de uma das empresas a que se refere o art.º 537.º, que o prazo de aviso prévio deverá ser observado? A jurisprudência é, a este respeito, muito clara: aplica-se o prazo válido para a entidade beneficiária do serviço». 
[80] Podendo, em última análise, nem sequer se justificarem, em razão da natureza da greve feita pelos trabalhadores – cfr., a este respeito, António Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 121 e 122, aí se discordando (nota 42) de Acórdão de 27/6/2012, Processo n.º 505/12.0YRLSB-4 deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa e elaborado pelo mesmo relator deste Aresto, que, com referência à concreta greve da CARRIS em presença, sustentou posição diversa, muito embora o seu Sumário assuma um teor generalista que é equívoco.
Tomando posição clara quanto a essa questão, concorda-se com a posição crítica assumida pelo referido autor, pois poderão existir fenómenos grevistas que, pela sua curta duração ou por visarem, por exemplo, somente o trabalho suplementar, não exigem tais serviços, apesar de ocorrerem em setores que satisfazem necessidades sociais impreteríveis.     
[81] Encontrando-se parte significativa do seu texto dado como reproduzido nas alegações do STAD.
[82] A limitação dos serviços mínimos essenciais aos voos nacionais não se radica, ao que julgamos, no facto de, relativamente aos voos internacionais, as operações de limpeza realizadas pelos trabalhadores da Autora poderem ser supridas pelos das suas congéneres existentes nos aeroportos de destino das respetivas aeronaves, pois esse raciocínio também se podia aplicar aos próprios voos nacionais, dado as greves dos autos só terem afetado o Aeroporto da Portela e não os demais aeroportos portugueses, onde, certamente, existirão serviços de limpeza como os prestados em Lisboa.
Tal perspetiva, aliás, revelar-se-ia incorreta, pois eram as situações verificadas à chegada ou à partida das aeronaves do Aeroporto da Portela que importava acautelar, por forma a permitir a sua normal atividade, o que só poderia ser tratado pelos trabalhadores da AA destacados para os correspondentes serviços mínimos.   
Afigura-se-nos que o critério interpretativo passou pela circunstância das necessidades sociais impreteríveis referidas na lei da greve se referirem essencialmente aos cidadãos portugueses ou de outras nacionalidades aqui residentes, que presumivelmente utilizariam preferencial e maioritariamente os voos entre os aeroportos nacionais.        
[83] Sendo essa, entre outras, uma das razões para a presença das partes litigantes, que poderão dar o seu parecer acerca de todas essas questões e prestar as informações de que os serviços ministeriais carecem para dar cumprimento aos referenciados dispositivos legais. 
[84] Cf. Professor António Monteiro Fernandes, obra citada, págs. 138 e 139 e jurisprudência aí referenciada, entre outra que pode ser localizada em www.dgsi.pt. 

[85] «Se se tratar apenas de garantir a segurança e a manutenção do equipamento e das instala­ções (nomeadamente quando a paragem completa é, sob o ponto de vista técnico, inviável ou perigosa) , pode ser que a condução normal dos equipamentos seja substituída por um simples controlo a cargo de um encarregado ou uma chefia intermédia que, usualmente, orienta ope­radores directos do mesmo equipamento. Haverá, nesse caso, acréscimo de funções. Mas a realização do mesmo objectivo poderá exigir que os trabalhadores normalmente encarregados de certo tipo de tarefas se mantenham activos, embora executando apenas uma parte delas.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[86] «A vinculação do empregador não está explicitamente estabelecida na lei, mas parece evi­dente que a prestação dos serviços mínimos está condicionada pela cooperação do titular da empresa e da respectiva estrutura hierárquica. A omissão da lei resulta da desnecessidade dessa referência. Mas nem por isso se pode considerar que o empregador actua, meramente, no quadro da solução legal, como credor de trabalho: ele não pode, por exemplo, recusar-se a manter o estabelecimento aberto, ou a empresa a laborar (como, porventura, lhe conviria em certos casos), de modo a tornar possível a prestação dos serviços mínimos. Por isso, o sistema de sanções a que faremos referência mais à frente é comum a ambas as partes.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[87] «Neste sentido, pode ver-se, nomeadamente, o Ac. STJ 10/04/1995 — P. 004218 (LOUREIRO PIPA): "A prestação de trabalho pelos grevistas no cumprimento dos 'serviços mínimos' sus­pende os contratos de trabalho daqueles, deixando os grevistas de estar na dependência jurídica da entidade patronal, o que significa que esta deixa de poder exigir-lhes a prestação de trabalho, ficando os mesmos desonerados do dever de assiduidade". Era a tese sempre defendida, na doutrina, por nós (Direito de greve, Coimbra, 1982, p. 60; Direito do trabalho, 16' ed., Coimbra, 2012, p. 793) e por J. J. ABRANTES, nomeadamente no seu estudo Greve e serviços mínimos, em Direito do Trabalho. Ensaios, Lisboa, 1995, p. 203 ss..» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[88] «Cfr. A. MENEZES CORDEIRO, Direito do Trabalho, vol. II, 2.ª ed. (copiog.), Lisboa, 1987/88, p. 75 ss.; BERNARDO XAVIER, Direito da greve cit., p. 185 ss.; M. ROSÁRIO PALMA RAMALHO, est. cit., p. 360.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[89] «Cfr., por exemplo, o Ac. Rel. Lisboa 19/12/2012 — P. 1641/11.6TTLSB.L1-4 (SEARA PAIXÃO), em que se tratou de um caso de não cumprimento de serviços mínimos por trabalhadores designados, nos termos da lei, pelo empregador: "a desobediência a ordens legítimas do empregador coloca sempre em crise a relação hierárquica e fragiliza o poder de comando do empregador, e, embora no caso concreto o comportamento dos AA. não pusesse em causa a subsistência das relações de trabalho, ele prejudicava gravemente as mesmas, justificando-se, assim, a aplicação da sanção disciplinar de suspensão sem vencimento" (itálicos nossos). É verdade que a lei confere ao empregador — em caso de omissão dos representantes dos trabalhadores em greve — competência para proceder à designação dos "trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos definidos", mas essa competência não se confunde com os poderes de direcção e organização do trabalho fundados nos contratos individuais respecti­vos, não se inscreve na normal relação hierárquica nem postula a utilização dos correspon­dentes meios de sancionamento. A nosso ver, a referência da lei à "autoridade e direcção do empregador" tem que ser entendida como exclusiva referência às condições de enquadramento e orientação que são indispensáveis à viabilização da prestação de trabalho em termos úteis — é o entendimento que parece plausível da expressão "na estrita medida necessária a essa prestação" —, não compreendendo, portanto, o poder de julgar os comportamentos e lhes aplicar sanções disciplinares. Adiante se tratará, no texto, do problema das consequências dos incumprimentos neste domínio.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[90] Cfr. Professor José João Abrantes, obra citada, págs. 107 e 108.
[91] Não temos notícia na ação de qualquer impugnação administrativa dos mencionados despachos conjuntos, quer por «incompetência material», quer pelos motivos assinalados no texto do Aresto.
[92] «Cfr., nomeadamente, o Ac. STJ 04/10/95 – P.004218 (LOUREIRO PIPA), onde se lê: «Dos factos acima descritos resulta que houve trabalhadores grevistas escalados pela Ré para prestarem os "serviços mínimos" que não compareceram à prestação dos mesmos e, por conseguinte, não os efectuaram; e que, por via disso, a Ré os considerou em situação de faltas injustificadas e lhes deu o tratamento que para as mesmas é previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 27 do Decreto-Lei 874/76, de 28 de Dezembro, (…) Podia fazê-lo? Não podia e por várias razões. Em primeiro lugar, a recorrente não tinha poderes para efectuar a designação ou escalação individual dos trabalhadores grevistas que deveriam executar os "serviços mínimos", depois, porque a greve suspendeu os contratos de trabalho entre a Ré e os seus empregados grevistas no assento de subordinação jurídica destes àquela, ou seja, subtraindo-os ao dever de obedecer às ordens da entidade patronal; finalmente e ainda como decorrência da suspensão do contrato estavam os grevistas desobrigados do dever de assiduidade, ou seja, de comparecerem ao serviço no quadro da relação contratual. A falta injustificada pressupõe a violação de tal dever e se este inexiste, é evidente que aquela não se verifica. Daí que a única consequência de falta de comparência à prestação dos "serviços mínimos" seja a prevista no n.º 4 do artigo 8 da L.G., cujo teor é o seguinte: "No caso de não cumprimento do disposto neste artigo, o governo poderá determinar a requisição ou mobilização, nos termos da lei aplicável". Assim, face à falta dos trabalhadores que devessem efectuar os "serviços mínimos", a recorrente não podia mais do que descontar-lhes a retribuição por cada dia de greve nos termos do n. 1 do referido artigo 8 - nada mais. Para além disto os faltosos ficavam sujeitos à requisição civil a ordenar pelo governo, sendo esta a única reacção específica ao incumprimento dos deveres de que nos estamos ocupando”.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[93] Nesse mesmo sentido, José João Abrantes, obra citada, págs. 108 e 109. Contra, Bernardo da Gama Lobo Xavier, obra citada, pág. 328, Nota 3.   
[94] Muito embora compreendamos a posição sustentada pelos dois autores referidos - até porque o n.º 2 do art.º 541.º do Código do Trabalho de 2009 remete apenas para o seu n.º 1, deixando de fora o seu n.º 3 -, não podemos deixar de ser sensíveis à argumentação do Professor Lobo Xavier (ainda que no regime em vigor em 1994), por nos parecer contraditório com as normas e procedimentos constantes da lei e destinados a garantir a execução efetiva dos referidos serviços mínimos essenciais (dado existirem outros direitos fundamentais em conflito com o direito de greve, sobrepondo-se o interesse público daqueles direitos derivado ao direito consagrado no artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa) que os efeitos da sua não satisfação se esgotem na mera e hipotética requisição civil (que em greves de curta duração não tem aplicação prática). Compreende-se, assim, que os nossos tribunais configurem tal situação no quadro da relação laboral, lançando mão do regime das faltas injustificadas, já para não falar do instituto da responsabilidade civil.                
[95] «b)- Nexo de imputação do facto ao lesante:
No entanto, é necessário ainda que exista um nexo de imputação do facto ao lesante, ou seja, que haja culpa deste. “Não basta reconhecer que ele procedeu objectivamente mal: é preciso que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa. (...) Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou a censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação podia e devia ter agido de outro modo.” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil anotado , Vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 474) 
Porém, sendo o R. uma pessoa colectiva, importa referir que “a responsabilidade imposta à pessoa colectiva é objectiva (cfr. art. 500.º), na medida em que não depende de culpa dessa pessoa colectiva (nas instruções dadas aos representantes, agentes ou mandatários, na escolha deles ou na fiscalização da sua actividade); mas depende da culpa de quem actuou em nome do ente colectivo (cfr. art. 500.º, n.º 1, in fine), salvo nos casos especiais em que a responsabilidade se funda no risco.
É necessário ainda que o acto gerador de responsabilidade tenha sido praticado no exercício da função confiada ao representante, agente ou mandatário (v. art. 500.º, n.º 2) - e não apenas por ocasião desse exercício.
(..) O representante, agente ou mandatário autor do facto ilícito responde solidariamente com a pessoa colectiva pelos danos causados a terceiro (arts. 500.º e 507.º, n.º 1). Se a pessoa colectiva satisfizer a indemnização, terá a seguir direito de regresso contra o autor do facto (art. 500.º, n.º 3). Se foi o representante, agente ou mandatário quem satisfez a indemnização, será ele quem goza do direito de regresso contra a pessoa colectiva, na medida em que a culpa desta ou o risco que impenda sobre ela o justifique.” (Idem, pág. 168)
Refira-se ainda que a culpa em sentido lato conhece duas modalidades: o dolo e a mera culpa, ou negligência. O dolo é a forma mais grave de culpa, podendo assumir uma de três formas: directo, necessário e eventual.
In casu, a A. nem sequer identifica os dirigentes do R. que decretaram a greve e, muito menos os demanda. E, se assim é, fica vedado ao tribunal conhecer da culpa dos representantes do R. e, ainda, saber se os mesmos (quem quer que sejam) agiram no exercício da função confiada ao representante, agente ou mandatário e não apenas por ocasião desse exercício. Nem sequer sendo conhecidos, não é possível fazer tal imputação, a título de dolo.
Ficaria ainda ressalvada a possibilidade de os representantes do R. terem agido negligentemente, consistindo a negligência na “omissão de um dever de diligência”, provindo este “do próprio ordenamento jurídico, das normas jurídicas vigentes; é um dever exigível. (...) A norma desempenha uma dupla função - valorativa e imperativa. É desta sua força imperativa que nasce um dever de diligência ou de cautela, destinado a evitar todos os actos (ou omissões) susceptíveis de violar aqueles interesses ou direitos alheios, como consequência em geral idónea ou adequada.” (DARIO MARTINS DE ALMEIDA, Manual de acidentes de viação , 3.ª edição revista e actualizada, pág. 68)
Mas, a negligência assume duas formas: a negligência consciente e a negligência inconsciente. De acordo com o Prof. Antunes Varela (Ob. cit ., pág. 542 e seguintes) cabem no âmbito da negligência “os casos (excluídos do conceito de dolo) em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar”, caso que configura a negligência consciente. Cabem também na negligência, aqui inconsciente, “ as numerosíssimas situações da vida corrente, em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.”
Estabelecida a noção de negligência, nas suas duas vertentes, cabe ainda uma referência sobre qual o critério que se deve seguir na apreciação da negligência: o da culpa em abstracto, ou da culpa em concreto ( entendendo-se culpa em sentido estrito, ou negligência). A doutrina, por considerar que o primeiro critério é demasiado casuístico, depressa adoptou o segundo critério, tendência essa que saiu reforçada pelo teor do art. 487.º, n.º 2 do Código Civil:
A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Tal norma, segundo se vem entendendo, consagrou o critério da culpa em abstracto. Assim, “a melhor orientação de iure constituendo e aquela que melhor se coaduna com a opção da lei pelo critério da culpa em abstracto, é a que, dando à diligência exigível do homem o conteúdo mais amplo, define a mera culpa como uma conduta deficiente e a não restringe à condição de uma simples deficiência de vontade no acto.” (JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, ob. cit ., pág. 548)  
Porém, para que haja culpa do lesante ( em sentido amplo), esta tem que ser provada (e, antes, alegada) pelo lesado, a não ser que exista uma presunção legal de culpa - art. 487.º, n.º 1 do Código Civil. Com efeito, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, em regra, cabe ao lesado o ónus da prova - art. 342.º, n.º 1, pois a culpa é um dos pressupostos da obrigação de indemnizar - cf. art. 483.º, n.º 1 do Código Civil.
Ora, mais uma vez desconhecendo-se os representantes do R., não se mostra viável o preenchimento do pressuposto da culpa.»
[96] Atento o elemento literal do artigo 598.º, que não prevê diretamente as empresas como a AA e as greves dirigidas contra as mesmas e referentes aos serviços de limpeza que elas desenvolvem, em termos industriais, para terceiros, havendo que buscar o espírito da norma e as finalidades que o legislador visou acautelar através da mesma.      
[97] «d)- Nexo de causalidade:
Por fim, para que haja obrigação de indemnizar, com fundamento na responsabilidade civil, é necessário que haja um nexo de causalidade entre o facto e o dano, cabendo aqui apenas os danos resultantes do facto.
De acordo com o artigo 563.º do Código Civil:
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Seja qual for a formulação da teoria da causalidade adequada, unanimemente considerada contida nesta norma “...pretende-se aferir ou determinar, em face dos danos reais invocados pelo lesado, quais, de entre eles, se devem considerar dentro do círculo da relação de condicionalidade ou do nexo causal e quais os que ficam de fora, por inadequados ou fortuitos. Com a sua aparelhagem, pretende-se libertar a relação de condicionalidade dos caprichos anómalos ou desproporcionados.” (DARIO MARTINS DE ALMEIDA, ob. cit. , pág. 92).
Considerando tudo o acima expendido, bem como a abundante documentação junta pela A., vemos que esta funda os danos patrimoniais no pagamento de horas de trabalho suplementar, de penalizações por não cumprimento dos objectivos contratualizados e pela diferença entre o que facturou e deveria ter facturado, se não houvesse greve. Ora, desde logo o raciocínio da A. mostra-se manifestamente viciado, pois esquece-se de contabilizar o que deveria ter pago em salários e não pagou, por virtude das mesmas greves.
Sucede que, havendo obrigação de indemnizar (o que, no caso vertente, não acontece), deveria o R. reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - art. 562.º do Código Civil. Esta norma, postula o princípio da restauração natural, pelo qual se procura fazer uma restituição em espécie, como, por exemplo, a reparação do automóvel sinistrado, a cura da lesão corporal. (Cf. DARIO MARTINS DE ALMEIDA, ob. cit. , pág. 385). Ou seja, tem-se aqui em vista a reparação do dano real ou concreto, impõe-se o dever de reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano.
Sendo este o princípio geral, “a indemnização por outra forma, como seja em dinheiro (art. 566.º) ou em renda (art. 567.º), tem carácter excepcional, embora seja a forma mais vulgar de indemnizar, por impossibilidade de reconstituir o estado anterior à lesão”. Quando a indemnização assume esta forma, “tem-se em vista o chamado dano de cálculo ou dano abstracto, ou seja, o valor pecuniário do prejuízo causado ao lesado.” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit. , pág. 577). Essa impossibilidade surge quando a reconstituição natural não é possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor - art. 566.º do Código Civil.
Por fim, quando se trate de indemnização em dinheiro, a medida desta é a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos - cf. art.º 566.º, n.º 2 do Código Civil. Tem entendido a jurisprudência, que a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, será a do encerramento da discussão na primeira instância, entendimento aliás, consonante com o disposto no art. 663.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Ora, esquecendo-se a A. de contabilizar os salários que não pagou em virtude da greve, sempre seria impossível apurar qual o “valor pecuniário do prejuízo causado ao lesado.”
Por outro lado, se acaso estivéssemos perante uma greve “legal” em que tivessem sido cumpridos os serviços mínimos, a A. sempre teria um prejuízo, pois deixaria sempre de realizar alguns dos objectivos contratualizados - mas aí, admitindo que se preenchiam os outros pressupostos da responsabilidade civil, não haveria ilicitude. Ou seja, os danos patrimoniais alegadamente ocorridos na esfera jurídica da A. não se encontram conexionados com a ilicitude do facto, pelo que também por aí, faleceria a sua pretensão.»
[98] Segundo a sua própria alegação, conforme artigos da Petição Inicial que se deixam reproduzidos:
«14.º - No aeroporto da Portela, a Autora tem ao seu serviço aproximadamente cerca de 300 trabalhadores.
38.º - A Autora, em 2007/2008, tinha ao seu serviço no aeroporto de Lisboa cerca de 200 trabalhadores filiados no STAD.
858.º - Dos 3810 trabalhadores da Autora (em 31 de Dezembro de 2008), 798 estavam filiados no STAD, 37 estavam filiados em sindicatos afectos à FETESE (mormente no SITESE – Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços) e 2975 não se encontravam filiados em qualquer sindicato (ou estavam filiados em sindicatos alheios ao sector, logo sujeitos aos regulamentos de extensão em vigor)
[99] Recaindo o ónus da prova  de todos esses factos, face à sua natureza constitutiva do pedido de indemnização por responsabilidade aquiliana do STAD, sobre a AA, impõe-se chamar à colação o estatuído no artigo 516.º do Código do Processo Civil, onde se determina que «a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita» (cf. hoje o artigo 414.º do NCPC), o que significa que entre as referidas percentagens de 95% a 100%, tem de se considerar, em caso de dúvida, a primeira, por ser a mais desfavorável aos interesses da Autora.           
[100] Mas que é excedido se tivermos também em atenção os sindicalizados no STAD que não aderiram a tal greve.
[101] Cfr. António Monteiro Fernandes, obra citada, págs. 77 e seguintes (em anotação ao artigo 535.º do Código do Trabalho de 2009).    
[102] Não será despiciendo fazer notar que a AA, é segundo a sua própria alegação, a empresa líder do mercado de limpezas industriais, o que é revelador do que se deixou dito no texto.

Decisão Texto Integral: