Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10696/2007-4
Relator: NATALINO BOLAS
Descritores: LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO
ERRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Compete aos exequentes suscitar a questão do eventual erro na liquidação do julgado junto do tribunal que procedeu a essa liquidação e, não, ao tribunal, onde foi suspensa a execução quanto aos bens já penhorados, oficiar ao que procedeu à liquidação, para que rectifique o alegado erro na liquidação.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
A…. e outros, instauraram, em 24.11.92, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção executiva fundada em sentença para pagamento de quantia certa sob a forma de processo ordinário contra O…, S.A..
Referem estar, nessa sentença, devidamente identificados os exequentes bem como a quantia a pagar, a cada um, a título de complemento de reforma desde 1989 e respectivos juros, bem como o montante que a executada ficou obrigada a pagar mensalmente, a cada um dos exequentes, a título de subsídio de reforma fixo.
Nomearam bens à penhora.
Atribuíram à execução o valor de Esc. 11.524.674$00.
Por requerimento datado de 20.06.2006, os exequentes informaram o tribunal de que estava à ordem do 1.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Coimbra (Proc. 225-A/1997) a importância de € 349,136,08 proveniente da venda do património da executada “O…, S.A.” e nomearam à penhora, daquele montante, o suficiente para pagar as quantias exequendas devidas a cada um, prosseguindo a execução “nos termos do art.º 92.º do CPT”.
Sobre esse requerimento foi proferido despacho oficiando ao processo referido (225-A/97 do Tribunal do Trabalho de Coimbra) que os créditos da executada resultante da venda do seu património ficavam à ordem desta acção executiva, ordenando que se procedesse “à comunicação a que alude o art.º 93.º n.º 1 do CPT”.
O Tribunal do Trabalho de Coimbra solicitou ao Tribunal do Trabalho de Lisboa, com data de 27.07.2006, a “nota de extinção ou do remanescente do crédito”
Por despacho datado de 27.11.2006 ordenou-se à secção para proceder ao cálculo da quantia exequenda e custas prováveis, comunicando ao Tribunal do Trabalho de Coimbra, para efeitos do disposto no art.º 93.º n.º 2 do CPT.
Este último Tribunal remeteu ao Tribunal do Trabalho de Lisboa, em 31.05.2007 cópia da conta e da liquidação em julgado onde consta o exequente A… e Outros.
Por requerimento datado de 22.06.2007, vieram os exequentes, notificados que foram das referidas listas de liquidação, requerer, perante o Tribunal do Trabalho de Lisboa, a correcção do rateio efectuado no Tribunal do Trabalho de Coimbra por entenderem ter havido erro material no cumprimento do despacho proferido naquele processo, porquanto no processo que corre termos no Tribunal do Trabalho de Lisboa havia uma pluralidade de exequentes, sendo que o senhor funcionário que procedeu à liquidação, por manifesto erro material, tratou como um, a pluralidade de exequentes, em violação do despacho que determinou o rateio, de que resultou o prejuízo para todos os ora requerentes comparativamente com os outros exequentes levados às ditas listas individualmente, por cabeça, e não por processo, como aconteceu com os requerentes.
Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho:
A questão suscitada apenas pode ser apreciada pelo tribunal que procedeu à liquidação do julgado e que alegadamente cometeu o erro material apontado no requerimento que antecede.
Notifique.

Inconformados com tal despacho vieram os exequentes interpor recurso de agravo para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.

O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).

Assim, a questão essencial a que cumpre dar resposta no presente recurso consiste em saber se competia ao tribunal “a quo” determinar a imediata comunicação ao tribunal que efectuou a venda dos bens, o alegado erro na realização do rateio.

II - FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos com interesse para a decisão da causa são os constantes do relatório.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como dissemos acima, está em causa saber se devem ser os exequentes a suscitar a questão do eventual erro na liquidação do julgado junto do tribunal que procedeu a essa liquidação – como vem defendido no despacho em crise, - ou se competia ao tribunal onde foi suspensa a execução quanto aos bens já penhorados, oficiar ao tribunal que procedeu à liquidação para que rectifique o alegado erro na liquidação , conforme entende o recorrente.
Estriba-se o recorrente, para defesa desse entendimento, em invocados princípios da igualdade, da oficiosidade desta fase da execução, da celeridade processual e da garantia dos créditos laborais irrenunciáveis.

Como violação do princípio da igualdade parece-nos vir invocado um alegado princípio da efectivação do rateio na medida em que este terá sido feito, nalguns casos, tendo em conta os exequentes individualmente, sendo que, no caso dos recorrentes, o rateio considerou, os recorrentes, globalmente.
A ser como efectivamente dizem os recorrentes – e não temos nos autos elementos que indiciem nesse sentido, já que a listagem junta pode corresponder a um processo por pessoa (com excepção dos recorrentes) - será que isso alteraria o resultado final do rateio?
O rateio é uma operação de divisão «pró rata», ou seja, na proporção do direito de cada um.
Sendo a distribuição proporcional, ela não sairá defraudada se, num processo, houver apenas um exequente, (sendo esse o valor da execução a tomar em conta), e, noutro processo, houver uma pluralidade de exequentes sendo o valor da execução a soma dos créditos de cada um deles.
Tomemos um exemplo.
O total das dívidas a todos os credores era de 1000, sendo todos os créditos graduados no mesmo nível; o valor dos bens ascendia, apenas, a 500;
Haveria que efectuar o rateio.
Num processo existia apenas um credor com crédito de 100;
Num outro havia dois credores exequentes com crédito total de 200;
Num terceiro processo eram 7 credores exequentes com crédito total no valor de 700.
Efectuando o rateio (operação de divisão do valor existente, proporcionalmente ao valor constante dos processos, sendo certo que, no primeiro, havia apenas um credor), verificamos que:
- o credor do 1.º processo receberia 50 do crédito total de 100;
- os 2 credores do segundo processo receberiam 100 do crédito total de 200 – o que, se o crédito de cada um dos exequentes fosse de igual montante, levaria a que, cada um, ficasse com 50;
- os 7 credores do terceiro processo receberiam 350 do crédito total de 700 – o que, se o crédito de cada um dos exequentes fosse de igual montante, levaria a que, cada um, ficasse com 50;
Isto tudo para dizer que, sendo efectuado o rateio tendo em conta todos os créditos, obtém-se o mesmo resultado, mesmo que nesse rateio se misturem processos com um único exequente – exequentes individualmente considerados – com processos com vários exequentes, mas em que se teve em conta o valor total da dívida exequenda.
Daí que não se veja como se pode defender que a operação de rateio assim efectuada viola o princípio da igualdade, pois os credores recebem, exactamente, na medida da proporção da quantia exequenda.

Vejamos, agora, a questão da oficiosidade desta fase da execução, defendida pelos recorrentes.
Estabelece o art.º 93.º n.º 1 do CPT aprovado pelo DL 480/99 de 9.11 (normativo que corresponde ao n.º 1 do art.º 97.º do CPT de 1981) que “sendo as penhoras efectuadas por tribunais do trabalho, o tribunal que ordenar a última comunica oficiosamente o facto ao outro tribunal, …”.
Deverá, ainda, fornecer ao tribunal que efectuou a primeira penhora, nota do remanescente do crédito verificado e custas (n.º 2 do mesmo artigo).
A oficiosidade desta fase executiva terminou, para o tribunal que ordenou a segunda penhora, com o envio da nota do remanescente do crédito e custas.
A partir daí, “o remanescente do crédito ou das custas é pago juntamente com o crédito deduzido na execução que corre no tribunal onde foi feita a venda, procedendo-se a rateio, se necessário (n.º 3 do mesmo artigo).
E aí foi determinado que “oportunamente, nos autos de execução se dará pagamento aos créditos dos trabalhadores objecto das comunicações a que alude o art.º 93.º do CPT, conjunta e rateadamente, se necessário, com o crédito do exequente”.
É, pois, ao tribunal onde corre a efectivação do rateio – e onde será efectuado o pagamento do valor que lhe coube - que o exequente se deverá dirigir no caso ter alguma reclamação a efectuar contra o rateio ou pagamento.
Daí que entendamos que a eventual reclamação sobre alegado erro existente no rateio cumpra aos exequentes junto do processo onde foi efectuado o rateio e será efectuado o pagamento.
Assim melhor se defenderá a celeridade processual reclamada pelo requerente se o requerimento para rectificação da liquidação for apresentado perante o tribunal que fez essa liquidação e não perante o tribunal que nenhuma intervenção terá na fase de liquidação do julgado e nos respectivos pagamentos.

Defendem, ainda, os exequentes, que deveria ser o tribunal a substituir-se oficiosamente aos requerentes por estarem em causa direitos irrenunciáveis.
Mais uma vez, sem razão.
Conforme resulta do requerimento inicial constante da execução, estão em causa determinadas importâncias a que os exequentes têm direito a título de complemento de reforma e respectivos juros.
Afirmam os recorrentes que se trata de créditos laborais irrenunciáveis; contudo, não esclarecem donde resulta essa irrenunciabilidade (não consta das peças processuais juntas qual a origem do direito, – certamente um CCT aplicável).
Não vêm invocados e também se não lobrigam, preceitos inderrogáveis resultantes de regulamentação colectiva de trabalho para que, nesta sede, se possa indagar se estaremos perante créditos irrenunciáveis.

Existe irrenunciabilidade quando se colocarem casos em que, para além da sua existência, se conclui que o respectivo exercício se torna absolutamente necessário por razões inerentes a interesses de ordem pública (assim, verbi gratia, Castro Mendes, in Pedido e Causa de Pedir no Processo de Trabalho, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, suplemento, 132).

Têm a doutrina e a jurisprudência feito uma distinção básica entre os direitos de existência necessária, mas que não são de exercício necessário, como é o caso do direito ao salário após a cessação do contrato, e os direitos cuja existência e exercício são necessários, como é o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho e do direito ao salário na vigência do contrato, considerando que só estamos perante direitos indisponíveis – e, portanto, irrenunciáveis, - neste segundo tipo de direitos que têm subjacentes interesses de ordem pública, cabendo ao juiz o suprimento dos direitos de exercício necessário imperfeitamente exercidos pelo seu titular.

No caso dos autos parece-nos evidente estarmos perante verbas devidas após a cessação do contrato de trabalho já que se trata de complemento de reforma, sendo que a reforma inculca a cessação do contrato de trabalho por caducidade.
De acordo com a jurisprudência corrente, as verbas devidas após a cessação do contrato de trabalho são, normalmente, disponíveis (neste sentido cfr., entre outros, os Acs. desta Relação de 8.6.2005 e 19.10.2005 e do STJ de 31.10.2007, referenciando, ainda, os acórdãos do mesmo Tribunal de 4 de Abril de 1996, BMJ n.º 356, pág. 163, e de 12 de Dezembro de 2001, Revista n.º 2271/01) e, por isso, renunciáveis.
Daí que, não constando dos autos quaisquer elementos que nos indiciem em sentido diferente, tenhamos de concluir que a(s) quantia(s) exequenda(s) não resulta(m) de direitos irrenunciáveis e, portanto, não beneficia(m) da característica da oficiosidade da execução a que se refere o art.º 90.º n.º 4 do CPT aprovado pelo DL 480/99 de 9.11 (normativo que corresponde ao n.º 4 do art.º 93.º do CPT de 1981).
Acresce que, como acima dissemos, a oficiosidade na tramitação da execução laboral terminou com a remessa da nota “… do remanescente do crédito verificado e das custas”.

Improcedem, deste modo, as conclusões de recurso.

IV - DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se inteiramente a decisão.
Custas pelos recorrentes sem prejuízo do benefício de eventual apoio judiciário.

Lisboa, 2 de Abril de 2008



Natalino Bolas
Leopoldo Soares
Seara Paixão