Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14891/15.7T8LSB-B.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: COMPENSAÇÃO
EXIGIBILIDADE JUDICIAL DO CRÉDITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Na compensação, o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito nada tem a ver com um prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial desse crédito, considerando que a exigibilidade em questão se reporta, diversamente, à possibilidade de o compensante impor à outra parte a realização coactiva do seu crédito
-Contudo, estando o crédito do embargante a ser discutido numa outra acção, este não é judicialmente exigível.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.



I-Relatório:


Os executados J…e C…vieram deduzir embargos à execução que lhes move o N…Banco S.A., alegando que o executado é credor da exequente por via das relações laborais que os uniam de um crédito de €1.500.000,OO, tendo por comunicação à exequente declarado compensado os créditos exequendos com esse crédito, pelo que, os créditos da exequente se mostram extintos, requerendo que se absolvam os embargantes da acção executiva por a divida exequenda estar extinta por compensação.

Alegam, ainda, que não tendo o banco na sequência da declaração para compensação entregue a documentação para cancelamento do registo das hipotecas que garantem o crédito exequente e tendo o mesmo banco respondido que não reconhecia o direito de crédito, instaurou, ainda antes da entrada em juízo da presente execução, uma acção no Tribunal do Trabalho de Lisboa com vista a que o tribunal reconheça o crédito do embargante e condene a aí ré a pagar, acção que se mostra pendente. Por via desta alegação requerem os embargantes que, caso se entende nestes embargos que o crédito do embargante é controvertido, se suspenda a execução e os embargos até à decisão da acção pendente no tribunal do trabalho.

Foi, então, proferida esta decisão:
“Em face do exposto, ao abrigo do art.732.nº1 do CPC, indeferem-se liminarmente os embargos.
Custas pelos embargantes…”

É esta decisão que os embargantes impugnam, formulando estas conclusões:

1-Os Embargantes, ora Apelantes, vieram invocar, nos presentes embargos, um facto extintivo da obrigação, que provaram por documento, tudo no termos do art. 729°, al. g), aplicável por força do art. 731°, ambos do Código de Processo Civil.
2-E, por isso, não estava apenas em causa uma compensação de créditos. Mas, ainda que estivesse apenas em causa uma compensação de créditos, a al. h) do art. 729°, aplicável por força do art. 731°, ambos do Código de Processo Civil, prevê expressamente que a oposição à execução pode ter como fundamento um contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.
3-Acresce que o art. 731 do Código de Processo Civil determina que não se baseando a execução em sentença, além dos fundamentos previstos no art. 729 do mesmo Código, podem ser invocados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
4-A compensação de créditos, cumpridos que estejam os requisitos definidos no art. 847 do Código Civil, pode ser invocada em processo de declaração, não tendo o crédito a compensar de estar judicialmente reconhecido, mas tendo de ser judicialmente exigível.
5-Os Apelantes deixaram demonstrado, o crédito do Embargante marido é judicialmente exigível.
6-O contracrédito do Executado marido, ora Apelante, e a declaração extra judicial de compensação feita em 29.01.2015, foram invocados, e documentalmente provados, como facto extintivo do direito do Exequente.
7-E a compensação pode ser invocada em sede de embargos de executado - seja por força da concatenação do disposto nas als. g) e h) do art. 729 do Código de Processo Civil, seja por tal excepção ser susceptível de ser invocada em processo de declaração, tudo nos termos do art. 731 do mesmo Código.
8-A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 729 e 731, ambos do  Código de Processo Civil, bem como os arts. 847 e 848 do Código Civil.
10-Caso se considere que, quer na presente execução, quer nos autos que sob o n." 12405/15.8T8LSB, correm termos pela Comarca de Lisboa, Lisboa, Instância Central, la Secção de Trabalho, J4, está em causa essencialmente a mesma questão jurídica, então deve o Tribunal ad quem determinar que o Tribunal recorrido ordene a suspensão da execução e dos embargos, até que seja proferida decisão, com transito em julgado, na instância laboral, tudo nos termos do art. 272 do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, deve o Tribunal ad quem determinar a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra, que receba os embargos de executado, com o efeito requerido pelos Embargantes.
Caso se considere que, quer na presente execução, quer nos autos que sob o n." 12405/15.8T8LSB, correm termos pela Comarca de Lisboa, Instância Central, 1ª Secção de Trabalho, J4, está em causa essencialmente a mesma questão jurídica, então deve o Tribunal ad quem determinar que o Tribunal recorrido ordene a suspensão da execução e dos embargos, até que seja proferida decisão, com transito em julgado, na instância laboral

O embargado contra-alega, pugnando pela improcedência do recurso.

Os factos com interesse para a análise do objecto do recurso.
Os que constam do relatório.

Tendo em conta que é o teor das conclusões que baliza o objecto do recurso , salvo questões de conhecimento oficioso, o que aqui está em causa é saber se há lugar, ou não , à compensação.

Nos termos do disposto nos arts. 728, 729 e 731 ,todos do CPC , a oposição à execução baseada em título extrajudicial pode ter por fundamento facto extintivo da obrigação exequenda, nos mesmos termos em que poderia ser invocado no processo de declaração.

Uma das formas de extinção das obrigações que a lei contempla é, precisamente, a compensação, estatuindo o art. 847º do CC que, quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade, é admissível que as respectivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizarem as suas prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte.

A compensação traduz-se na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas, devedor na outra e o credor desta última, devedor na primeira.

É um encontro de contas que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos, nos dizeres de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª ed. rev. e act., pág. 319, que acrescenta que se afigura equitativo não obrigar a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor, pois de outro modo correria o risco de não ver o respectivo crédito inteiramente satisfeito, caso se desse entretanto a insolvência da outra parte.
Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. II, 2ª ed. rev. e act., pág. 117, dizem-nos que “a compensação é uma formade extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, o compensante realiza o seu crédito, por uma espécie de acção directa”.

A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma parte à outra (art. 848º, nº 1 do CC), sendo ineficaz se feita sob condição ou a termo (nº 2 do mesmo artigo), consubstanciando, pois, um negócio jurídico unilateral, que tanto pode ser exercido extrajudicialmente como judicialmente, neste caso quer por via de acção, de reconvenção ou de defesa por excepção, conforme os casos.

Assim sendo, como direito potestativo extintivo que é, pode ser operada em sede de oposição à execução como facto extintivo da quantia exequenda, como excepção peremptória.

Para que haja lugar à compensação, exige o art. 847º do CC que se mostrem preenchidos determinados requisitos  , entre os quais o de o crédito (do compensante) ser exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória,de direito material – nº 1, al. a).

Como explica Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 168, “para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra crédito) que se arroga contra este. A alínea a) do nº 1 do artigo 847º concretiza esta ideia, explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material. Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817º) – requisito que não se verifica nas obrigações naturais (art. 402º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda se não tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra. Esta a razão legal por que o declarante não pode livrar-se duma obrigação civil, invocando como compensação um crédito natural sobre o credor ou um crédito (civil) ainda não vencido. Tão pouco procederá para o efeito um crédito contra o qual o notificado possa e queira fundadamente invocar qualquer facto que, com base no direito substantivo, conduza à improcedência definitiva da pretensão do compensante (prescrição, nulidade ou anulabilidade, por ex.) ou impeça o tribunal de julgar logo a pretensão como procedente (v. g. excepção de não cumprimento do contrato, benefício de excussão, se o notificado for um simples fiador, etc.)”.

Como se refere de forma clara e com abundante referência jurisprudencial no Ac. desta Relação de 15.12.2012, P. 3342/11.6YYLSB-D.L1-6, rel. Desemb. Vítor Amaral, in www.dgsi.pt,  “Quanto ao requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito (art.º 847.º, n.º 1, al. a), do CCiv), uma corrente jurisprudencial – … –defende que só é judicialmente exigível o crédito já reconhecido, cujo credor esteja em condições de obter a sua realização coactiva, instaurando a respectiva execução. . Em oposição a esta perspectiva, defende outra corrente jurisprudencial que o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito nada tem a ver com um prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial desse crédito, considerando que a exigibilidade em questão se reporta, diversamente, à possibilidade de o compensante impor à outra parte a realização coactiva do seu crédito”.

Propendemos a seguir esta segunda orientação, na esteira, aliás, do ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela acima reproduzido, afigurando-se-nos que o requisito da exigibilidade judicial do crédito não se reporta a créditos já reconhecidos por via judicial, bastando, desde logo, que o contracrédito esteja reconhecido pela contraparte, ou que seja susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento, podendo vir a ser declarado na própria oposição à execução.

Só assim não poderá ser se o crédito cuja compensação se pretende já estiver a ser discutido numa outra acção que se encontra pendente, ou se a própria existência do crédito estiver dependente de uma decisão que ainda não existe.

Ora, é precisamente este o caso; o direito do embargante ao crédito laboral ainda está em discussão, ou seja, existe uma acção judicial junto do Tribunal de Trabalho ,cujo desfecho ,neste momento , é desconhecido.

E assim sendo, este crédito não é obviamente exigível – enquanto não estiver reconhecida a sua existência.

Consequentemente, não há lugar a qualquer suspensão da instância, porquanto o crédito não é exigível, desconhecendo-se se alguma vez o será: é que, perante este pressuposto não existe qualquer causa prejudicial ao bom andamento deste processo, ou pelo contrário, a suspensão da instância seria um mero expediente dilatório sem interesse útil.
 
Termos em que improcedem todas as conclusões.

Síntese: é nosso entendimento, a propósito da compensação, que o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito nada tem a ver com um prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial desse crédito, considerando que a exigibilidade em questão se reporta, diversamente, à possibilidade de o compensante impor à outra parte a realização coactiva do seu crédito.
Contudo, estando o crédito do embargante a ser discutido numa outra acção, este não é judicialmente exigível.

Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão impugnada, ainda que por fundamento diverso.
Custas pelos embargantes



Lisboa,18/2/2016


Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Decisão Texto Integral: