Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24358/10.4YYLSB-A-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: NOMEAÇÃO DE PATRONO
PRAZO
DEDUÇÃO
EMBARGOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

“No caso de o pedido de patrocínio judiciário formulado na pendência de processo judicial, a Lei do Apoio Judiciário contempla, implicitamente, a eventualidade de a notificação ao patrono nomeado e ao requerente do patrocínio judiciário, da designação daquele, se efetivar em datas distintas, optando por consagrar como dies a quo da contagem do prazo reiniciado, a data da notificação ao patrono nomeado.”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação


I – Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, com processo sumário, requerida pelo Condomínio do Prédio sito na ..., Lisboa, contra Maria, veio esta deduzir oposição, mediante embargos de executado.

Por despacho de 2015-11-06, reproduzido a folhas 84 e 85, foram os embargos liminarmente indeferidos, por extemporâneos.

Inconformada Recorreu a Embargante, formulando, nas suas alegações, nominadas conclusões que – sem qualquer rebuço – reproduzem literalmente o corpo das alegações.

O que – tratando-se de patrono nomeado a quem, por concedida insuficiência económica, não pode constituir advogado por si escolhido – se entende não dever integrar impedimento ao julgamento do mérito do recurso.

Sendo assim o teor de tais “conclusões”:

“A. A questão a decidir centra-se, pois, em saber se, requerendo-se apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo para a apresentação de oposição deve ser contado a partir da data da notificação ao patrono da sua nomeação ou a partir da data notificação da nomeação ao requerente de apoio judiciário.

Ou seja, sendo o apoio judiciário concedido em benefício do requerente, deve ser permitido ao patrono nomeado o uso integral do prazo de que dispõe aquele para o exercício do direito.

E assim, ocorrendo a notificação ao beneficiário em data posterior à da notificação do patrono, será desde esta data que deverá contar-se o prazo para o exercício do direito de oposição e não desde a data em que a dita nomeação havia sido comunicada ao patrono nomeado?

B. A ora recorrente foi em 05/03/2015 citada do requerimento executivo e para no prazo de 20 (vinte) dias deduzir oposição à execução e/ou à penhora, mediante embargos.

C. Por encontrar-se em situação de insuficiência económica, a ora requerente requereu protecção jurídica nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono em 20/03/2015 junto do Instituto da Segurança Social, Centro Distrital de Lisboa.

D. Em 25/03/2015 a ora recorrente juntou aos presentes autos de execução documento comprovativo da apresentação do requerimento de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono, interrompendo assim o prazo para deduzir oposição.

E. Em 22/04/2015 foi a Patrona notificada do Ofício de Nomeação por parte do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados.

F. Daquela nomeação a ora recorrente só em 05/05/2015 veio a tomar conhecimento através de notificação que lhe foi enviada pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados.

G. Também só em 05/05/2015 a ora recorrente tomou conhecimento do deferimento do seu requerimento de protecção jurídica nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono.

H. Aliás, a missiva supra enviada pelo Instituto da Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Lisboa, data de 29 de Abril de 2015, tendo ocorrido feriado nacional no dia 01/05/2015 (sexta-feira).

I. Pelo que, não obstante a contagem do prazo interrompido se iniciar com a notificação ao Patrono do Ofício de Nomeação, ao requerente de apoio judiciário, deve permitir-se o uso integral do prazo de que dispõe para o exercício do direito.

J. A notificação à requerente/beneficiária de apoio judiciário, ora recorrente, ocorreu em data posterior à da notificação à Patrona.

K. É a beneficiária/requerente de apoio judiciário que dispõe do conhecimento fáctico, bem como, da posse da prova documental e testemunhal que permite fundamentar a oposição.

L. Bem como, é a beneficiária que recebe a comunicação de deferimento de apoio judiciário e em que modalidades, documento essencial e necessário à instrução da referida oposição, sem o qual, por exemplo, define a necessidade ou não da junção do respectivo comprovativo de taxa de justiça inicial/subsequente.

M. A Patrona apenas detém o conhecimento fáctico pela sua comunicação através da beneficiária de apoio judiciário cabendo-lhe a sua subsunção à aplicação do Direito.

N. Tendo a comunicação à beneficiária de apoio judiciário ocorrido em 05/05/2015, é desde esta data que deverá contar-se o prazo para o exercício do direito de oposição e não desde a data em que a dita a nomeação havia sido comunicada à Patrona nomeada pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados.

O. Contados os 20 (dias), sem qualquer dilação, para a beneficiária de apoio judiciário opor-se à execução e/ou à penhora, mediante embargos, conforme artigos 728º, n.º 1 e 856º do NCPC, desde a data em que a beneficiária de apoio judiciário tomou conhecimento da nomeação de Patrono conclui-se terminar o prazo dia 25 de Maio de 2015.

P. Ao abrigo do preceituado no artigo 145º, n.º 3 do CPC, o acto pode ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao término do prazo, pelo que, in casu, poderia ser praticado até ao dia 28 de Maio de 2015.

Q. A ora recorrente, deduziu os embargos sub judice no dia 19/05/2015.

R. A nossa legislação processual civil dispõe no artigo 569º, n.º 2, a propósito da apresentação de contestação, que esta possa ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.

S. A norma contida no artigo 728º, n.º 4 do Código de Processo Civil, apenas afasta a aplicação do n.º 2 do artigo 569º do referido Código quando em questão estão notificações em datas diferentes a executados diversos, o que aqui não é o caso.

T. Sendo a notificação da nomeação de apoio judiciário uma nomeação para acto processual rege-se pelas leis processuais gerais, nomeadamente as disposições gerais contidas no Código de Processo Civil, devendo por isso, entender-se que a oposição deverá ser admitida até ao término do prazo que se iniciou em último lugar.

U. Acresce que, o apoio judiciário é concedido em benefício do requerente, destinando-se a assegurar "que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos", conforme dispõe o n.º 1 do artigo 12 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 47/2007 de 28 de Agosto.

V. A nomeação oficiosa é distinta da normal relação de mandato forense.

W. O beneficiário de apoio judiciário apenas toma conhecimento da identidade e domicílio profissional do Patrono com a recepção da notificação enviada para si por parte do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, que ocorreu dia 05/05/2015.

X. Pelo que, limitar o prazo de exercício do direito do beneficiário, por via de notificação efectuada a terceiro, com quem este nunca contactou, corresponde, na prática a uma diminuição do direito, in casu, de oposição que assiste à ora recorrente.

Y. Os embargos apresentados deverão ser admitidos por praticados tempestivamente.”.

Remata com a “revogação da decisão recorrida e consequentemente, admitir-se os embargos apresentados.”.

Não se mostram produzidas contra-alegações.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber os deduzidos embargos não são extemporâneos.


***

Com interesse emerge da dinâmica processual o que se deixou referido supra em sede de relatório.

Sendo ainda de considerar assente – por convergir a Recorrente com o que, nessa parte, se considerou no despacho recorrido – que:

- A executada Maria, ora embargante, foi citada para os termos da execução no dia 05.03.2015.

- No dia 25.03.2015, foi junta aos autos de execução, documento comprovativo da apresentação, pela Executada, do requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.

- A Ordem dos Advogados nomeou patrono à embargante e notificou a ll. Patrona nomeada da sua nomeação no dia 22.04.2015, através de correio eletrónico, recebido nessa mesma data.

- Sendo com tal notificação chamada a atenção do patrono nomeado para as “regras de contagem de prazos constantes dos n.ºs 4 e 5 do artigo 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial”.


***

Vejamos.

1. Nos termos do artigo 24º do Lei do Apoio Judiciário – Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto:

“1 - O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.

2 – (…)

3 – (…)

4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”.

Dispondo-se, por outro lado, no artigo 31º da mesma Lei:

“1. A nomeação de patrono é notificada pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado e, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 26.º, para além de ser feita com a expressa advertência do início do prazo judicial, é igualmente comunicada ao tribunal.

2. A notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com a menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado.”.

E referindo-se o artigo 26º, n.º 4, à hipótese de o requerimento de proteção jurídica ter “sido apresentado na pendência de acção judicial”.

2. Em anotação àquele artigo 24º, assinala Salvador da Costa, que “Prevê o n.º 5 o reinício do prazo interrompido nos termos do número anterior, e estatui que ele ocorre, conforme os casos, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou ao requerente do apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.

A notificação em causa é, pois, a da decisão que conheceu do mérito da pretensão do requerente, dirigida ao patrono no caso de decisão de deferimento, e ao requerente do apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário, no caso de indeferimento.

O prazo que estiver em curso para deduzir a contestação ou alegação no recurso, conforme os casos, começa a correr por inteiro a partir da notificação da decisão que dele conhecer, quer ela seja de natureza positiva quer seja de natureza negativa.

Assim, o prazo de contestação ou de alegação que esteja em curso aquando da formulação do pedido de apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário interrompe-se por mero efeito daquele pedido probatoriamente demonstrado no processo da causa e começa de novo a correr após a notificação do despacho respectivo ao patrono nomeado.

Indeferido o pedido de nomeação de patrono, o prazo de contestação reinicia-se a partir da data da notificação do respetivo despacho ao requerente.”.

E, na verdade, não vemos como perante normativo tão expresso e inequívoco, outra interpretação, postergadora da dualidade incontornavelmente formulada – como assim é a propugnada pela Recorrente – seja defensável.

Importa com efeito ter presente que à interpretação da lei deve proceder-se na observância do que a propósito se dispõe no artigo 9º do Código Civil, e assim, designadamente, sendo de presumir, na fixação do sentido e alcance daquela, “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.

Sempre tendo presente, no confronto do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 9º, que como ensina Oliveira Ascensão, “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer isto dizer que o texto funciona também como limite da busca do espírito. Os seus possíveis sentidos dão-nos como que um quadro muito vasto, dentro do qual se deve procurar o entendimento verdadeiro da lei. Para além disto, porém, não se estaria a interpretar a lei mas a postergá-la, chegando-se a sentidos que não encontrariam no texto qualquer apoio.”.[1]

Mais tabelarmente referindo João de Castro Mendes que a primeira e principal tarefa do intérprete “é ler a lei e ver o que aí se diz”.[2]

Naturalmente, e como prossegue Oliveira Ascensão, “esta conclusão não nos deve levar à afirmação oposta, que a interpretação se deve limitar à escolha de um dos possíveis sentidos literais do texto. Em breve veremos que à letra se pode preferir o sentido que a letra traiu. Mas terá de se assentar na valoração de elementos que o texto, mesmo que defeituosamente, refere. Se se prescinde totalmente do texto já não há interpretação da lei, pois já não estaremos a pesquisar o sentido que se alberga em dada exteriorização.”.[3]

Ora, como resulta da articulação dos citados artigos 24º, n.º 5, alínea a) e 31º, n.º 1, a lei, implicitamente, contempla a eventualidade de a notificação ao patrono nomeado e ao requerente do patrocínio judiciário, se efetivar em datas distintas, optando por consagrar como dies a quo da contagem do prazo reiniciado, a data da notificação ao patrono nomeado da sua designação.

Tendo esta Relação decidido a propósito, em Acórdão de 14-01-2013,[4] que “O termo inicial do prazo de oposição, na hipótese, é portanto alheio à notificação que, da concessão do patrocínio, foi feita ao requerente do apoio, e requerido no procedimento cautelar. Foi, ao invés, a notificação ao próprio patrono que desencadeou a recontagem do prazo.”.

E, em Acórdão de 06-12-2011,[5] que “Iº Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo; IIº O prazo começa a correr de novo com a notificação ao patrono da sua designação e não com a notificação ao requerente da concessão de apoio judiciário;”.

E nem se diga, como faz a Recorrente, que, tendo sido a notificação da requerente posterior à do patrono nomeado, a solução legal determinará encurtamento “do prazo para de que dispõe para o exercício do seu direito” de embargar, por ser aquela “quem dispõe do conhecimento fáctico, bem como, da posse da prova documental e testemunhal que permite fundamentar a oposição.”.

Pois “O facto de o patrono nomeado ter sido informado da nomeação e de a recorrente ter obrigação de lhe dar apoio e colaboração não isentava aquele de ver e consultar o processo e de verificar todas as condições formais e materiais para formulação do que houvesse que ser peticionado (oposto, in casu) nos autos, face às previsões e regas legais em vigor.”.[6]

Tanto mais quanto é certo haver o patrono nomeado sido expressamente advertido, com a sua notificação, das “regras de contagem de prazos constantes dos n.ºs 4 e 5 do artigo 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial”.


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Tendo-se pois que notificado o patrono nomeado da sua designação, em 22-04-2015, o prazo de vinte dias para a dedução dos embargos – cfr. artigo 856º, n.º 1, do Código de Processo Civil –  terminou em 12-05-2015, podendo estes ser ainda deduzidos até 15-05-2015, nos termos do artigo 139º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

Sendo pois incontornável a extemporaneidade dos embargos, cuja petição deu entrada em 29-05-2015.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do concedido apoio judiciário.


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Lisboa, 2016-04-21

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

(Maria Teresa Albuquerque)

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[1]In “O Direito Introdução e Teoria Geral”, 13ª Ed., Almedina, 2006, pág. 396.
[2] In “Introdução ao Estudo do Direito”, Lisboa, 1977, pág. 351.
[3] In op. cit., págs. 396, 397.
[4] Proc. 1074/12.7TBPNF.P1, Relator: LUÍS LAMEIRAS, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
[5] Proc. 496/10.2PARGR-A.L1-5, Relator: AGOSTINHO TORRES, no mesmo sítio da Internet.

[6] Ibidem.