Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2253/13.5TMLSB-A.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A FILHO MAIOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Não estando em causa os interesses de ordem pública que obrigam ao sigilo profissional e não havendo uma situação objetiva de segredo ou de confidencialidade, limitando-se o mandatário a informar o advogado da outra parte de determinados documentos a pedido da sua constituinte, a prova do envio desses documentos por comunicação trocada entre advogados não está sujeita ao sigilo profissional e não se compreende na proibição imposta ao tribunal de não poder relevar essa prova em juízo, nos termos do Art. 92º n.º 5 do EOA.

2.As alterações introduzidas pela Lei n.º 122/2015 de 1/9 na redação do Art. 1905º n.º 2 do C.C. não se aplicam aos acordos de prestação de alimentos devidos a maiores para completar a sua formação profissional regulada nos termos do Art. 1880º do C.C., quando o curso de formação que obriga à prestação alimentícia tenha sido concluído antes da entrada em vigor daquelas alterações.

3.As cláusulas do acordo de prestação de alimentos devidos a filho maior que cominam com a caducidade e consequente extinção do direito a alimentos pelo mero incumprimento da formalidade do envio por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias, da prova do aproveitamento verificado no ano letivo passado e da inscrição no ano letivo seguinte, independentemente da consideração de que pode subsistir a situação de facto de necessidade que obriga às prestações, violam a regra da razoabilidade da exigibilidade dessa obrigação aos pais, consagrada no Art. 1880º do C.C., sendo que também constitui uma forma indireta de renúncia antecipada a prestações vincendas em situação de necessidade efetiva de alimentos, o que não é permitido pelo Art. 2008.º n.º 1 do C.C. e determina a sua nulidade parcial no acordo quanto a essas cláusulas (Art.s 280º, 294º e 292º do C.C.).

(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


João José ... do ... ..., executado nos autos principais, veio deduzir oposição à execução, contra M. ... do ... ..., invocando essencialmente a falta de cumprimento da obrigação de comunicação da exequente relativamente ao seu aproveitamento académico e da matrícula de frequência no ensino universitário, como era condição no acordo celebrado entre ambos, o que determinaria a caducidade da prestação alimentícia aí estabelecida e pretendida executar.

A embargada contestou a oposição à execução invocando que cumpriu a obrigação de comunicação do andamento dos seus estudos, o que foi feito através do seu mandatário diretamente à mandatária do executado, ora embargante.

As partes não indicaram outra prova para além da documental, sendo que a embargada só juntou posteriormente documentos destinados a demonstrar as comunicações entre os mandatários, invocando que para o efeito só então havia solicitado a dispensa do sigilo profissional (cfr. fls. 39 e ss).

Na sequência da junção desses documentos o executado-embargante veio invocar que dos mesmos resulta que não foi cumprido o estritamente acordado, já que a comunicação deveria ser feita diretamente entre as partes e o executado nunca recebeu informação sobre a matrícula e o aproveitamento académico da sua filha, sendo que a documentação junta, caso venha a ser admitida, demonstra igualmente o atraso no cumprimento das obrigações em causa, o que determinaria a caducidade da prestação dos alimentos, nos precisos termos acordados.

Realizada audiência prévia, na mesma foi informado pela mandatária do embargante que iria solicitar o levantamento do sigilo profissional a fim de poder informar sobre a correspondência trocada entre mandatários relativamente às comunicações objeto dos autos, realçando que não foi junto comprovativo do envio ao embargante do aproveitamento da exequente relativo ao ano letivo de 2011/2012 e que só foi junto comprovativo do aproveitamento do ano letivo de 2012/2013, por requerimento de 2/7/2015.

A fls. 75 e ss. o embargante apresentou novo requerimento onde manifestava a discordância com a apresentação das comunicações entre advogados, mantendo a exigência de comunicação direta entre pai e filha, juntando um extrato da decisão do Conselho Regional de Faro da Ordem dos Advogados que decidiu pela rejeição do pedido de autorização de juntar correspondência entre advogados relativamente à situação concreta deste processo (cfr. fls 85).

A fls. 96 foi proferido despacho a dispensar a audiência de julgamento, notificando-se a embargada para juntar documento comprovativo do aproveitamento escolar relativamente ao ano de 2011/2012, o que veio a suceder a fls. 106 a 109.

De seguida foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição e, em consequência, confirmou a execução no sentido de estar o executado obrigado ao pagamento da prestação de alimentos fixada a favor da sua filha, exequente, desde setembro de 2012 até terminar a sua formação académica.

Não se conformando com essa decisão, dela apelou o embargante, formulando no final as seguintes conclusões:
1.ªO Recorrente não se pode conformar com a sentença proferida nos autos;
2.ªPor acordo homologado pela Exma. Sra. Conservadora no âmbito do processo de alimentos a filhos maiores, foram estabelecidas obrigações para ambas as partes, competindo ao Recorrente pagar as prestações de alimentos e à Recorrida comunicar-lhe anualmente o aproveitamento escolar e a renovação da inscrição escolar, tudo nos termos que melhor ficaram consignados no acordo celebrado;
3.ªNão tendo a Recorrida realizado as comunicações a que estava obrigada conforme previsto no acordo celebrado entre as partes e devidamente homologado, a conduta da Recorrida foi determinante da cessação da prestação de alimentos, não devendo o Recorrente à Recorrida as prestações por esta peticionadas;
4.ªNão deve ser considerada por provada para a decisão da causa, a seguinte factualidade constante dos factos 7º e 8º por violar o disposto no EOA, nem os factos 9º por não relevarem para a decisão da causa;
5.ªA forma de comunicação dos comprovativos escolares foi acordada entre as partes e ficou a constar do acordo homologado, nunca tendo as partes acordado em alterar tal forma de comunicação, aliás, tal acordo homologado nunca sofreu qualquer alteração;
6.ªDe harmonia com o disposto no art.º 1880.º do C.C., se no momento em que atingir a maioridade, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação dos pais proverem nas despesas com o seu sustento, segurança, saúde e educação na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete;
7.ªNo acordo para alimentos a filho maior, a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do maior;
8.ªA obrigação de alimentos a filho de maior idade, quando existir, já não está inserida nas responsabilidades parentais, mas num dever moral e ético de assistência, em vista da completa formação profissional dos filhos maiores;
9.ªEsta obrigação excecional de prestação de alimentos a filho maior (…) obedecendo a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade. O Art. 1874º do C.C., que se reporta aos deveres de pais e filhos, dispõe no seu n.º 1, que pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.
10.ªA Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, ao contrário do invocado pelo douto tribunal a quo, não terá aplicação ao caso em apreço, existindo errada aplicação do direito.
11.ªO acordo homologado é um acordo justo, é um acordo equilibrado para ambas as partes e perfeitamente válido, aliás, caso assim não fosse seguramente a Exma. Sra. Conservadora não o teria homologado, pelo que a N/ ver e sempre com o devido respeito, mal andou o tribunal ao duvidar e colocar em causa a bondade do acordo homologado e mais concretamente a validade da cláusula 6ª;
12.ªNão fazendo as comunicações a que estava obrigada, é certo e não restam dúvidas de que o acordo não foi cumprido pela ora Recorrida, o que ressalta como evidente da factualidade dada como provada;
13.ªA obrigação de apresentação anual dos comprovativos de aproveitamento escolar e renovação de matrícula é uma obrigação normal decorrente do pedido e atribuição da pensão de alimentos a filhos maiores, por forma a comprovar o prosseguimento dos estudos que justificou tal pensão fixada na maioridade e a subsistência dessa mesma necessidade;
14.ªSendo que o ora Recorrente foi obrigado a requerer ao tribunal a quo que fosse judicialmente declarada a cessação dessa obrigação, o que requereu em sede da oposição mediante embargos de executado;
15.ªA conduta assumida pela Recorrida parece apontar não só para a violação dos deveres acordados, mas também para a violação dos deveres que tem para com progenitor, dando-lhe total desprezo, não estabelecendo contacto com o mesmo, nem sequer para lhe enviar os comprovativos escolares;
16.ªEm qualquer caso, a propósito da cessação de alimentos, cumpre salientar que além de ter sido consignada por acordo celebrado entre as partes e devidamente homologado pela Exma. Sra. Conservadora, até ao momento nenhuma das partes colocou em causa a bondade, nem a validade de tal cláusula, tendo-se conformado com o teor do acordo que sempre tiveram por válido;
17.ªSendo adequado e legitimo que o ora Recorrente pedisse o reconhecimento da cessação dos alimentos em sede de oposição, por embargos de executado, o que logrou fazer nestes autos, mas viu agora a sua pretensão indeferida e, por isso, se revelando necessária a interposição do presente recurso;
18.ªNão obstante o tribunal oficiosamente poder conhecer de nulidades, importa ressalvar que ao decidir como decidiu proferiu uma verdadeira decisão surpresa, o que lhe está vedado nos termos do disposto no artigo 3º do C.P.C.. Nem as partes, nem a Exma. Sra. Conservadora entenderam que tal cláusula fosse nula, caso assim o tivesse entendido seguramente não teria homologado o acordo, pelo que tal nulidade parece ser bastante discutível, mas as partes não puderam exercer o contraditório;
19.ªAo estipularem tal consequência para o incumprimento das obrigações da beneficiária dos alimentos, consideraram as partes, e terá considerado a Exma. Dra. Conservadora, que tais obrigações faziam todo sentido no âmbito do acordo homologado, parecendo justas e razoáveis para bom cumprimento do acordado, e prevenindo a necessidade de instaurar uma ação para cessação dos alimentos por falta de comunicação da continuidade dos estudos, desde logo essa consequência ficou estipulada entre as partes;
20.ªTal cláusula não viola o disposto no Art. 1880º do C.C., nem subsistem razões para que seja declarada a sua nulidade;
21.ªNa sequência da falta das comunicações, a prestação alimentícia cessou conforme consignado no acordo e, em qualquer caso, as prestações seguinte nunca se venceram, não sendo exigíveis e não estando em dívida, devendo conduzir à extinção da execução;
22.ªPor conseguinte, quer seja por em parte contraditório com a fundamentação de direito invocada na douta decisão, quer seja por não respeitarem a existência dos critérios de razoabilidade, não pode o Recorrente concordar com os pressupostos determinantes do decidido pelo tribunal a quo de que:
23.ªOs factos que o Tribunal a quo entendeu terem interesse para a decisão a proferir, não são suficientes, nem se mostram adequados a fundamentar suficientemente a decisão proferida nos autos, nem dos autos resultam quaisquer outros factos que apontem no sentido de que seja esse o caminho a seguir.
24ªDevendo o presente recurso ser considerado procedente, devendo ser alterado o decidido, substituindo-se a decisão proferida por outra que determine a cessação da prestação de alimentos, não vencimento das prestações posteriores às comunicações em falta, e consequentemente, determinando-se a extinção da execução.

Por seu turno, a embargada apresentou contra-alegações para realçar apenas que sempre respeitou os seus pais; que terá sido o recorrente quem a expulsou de casa e a obrigou a propor a execução por alimentos; que assinou o acordo de prestação de alimentos em estado de necessidade; e sempre comunicou ao seu pai a matrícula e o aproveitamento académico através do seu mandatário, porque lhe parecer ser o modo mais adequado. Pelo que, atendendo ao disposto no Art. 1880º do C.C., deveria ser feita justiça.

IIQUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geral, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a)-Saber se não deve ser considerada por provada para a decisão da causa a factualidade constante dos factos 7º e 8º, por violar o disposto no EOA, nem os factos 9º, por não relevarem para a decisão da causa;
b)-Saber se o estabelecimento de obrigações de comunicação prévia a cargo do titular do direito a alimentos é válida e se o seu incumprimento pode determinar a caducidade do direito correspondente em conformidade com o que foi formalmente acordado.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

IIIFUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1Em 25.01.2012 foi celebrado acordo, devidamente homologado, entre a Exequente e o Executado, no âmbito do Processo de Alimentos a Filhos Maiores nº 45823/2011, tendo este ficado obrigado a pagar mensalmente a prestação de alimentos de €430, conforme documento de fls. 7-8 dos autos principais.
2Nesse acordo celebrado entre a ora Embargada e o Embargante ficou decidido que a Embargada se comprometia a fornecer ao ora Embargante elementos de informação quanto ao seu aproveitamento e matrícula, nos exatos termos mencionados nos números 4 a 7 do acordo homologado concretamente:
“4- A requerente no início de cada ano letivo, enviará ao requerido, mediante carta registada com aviso de receção, o comprovativo da matrícula, no prazo de 30 dias a contar da realização da mesma;
“5- A requerente, no final de cada ano letivo, enviará ao requerido mediante carta registada com aviso de receção, o comprovativo do seu aproveitamento, no prazo de 30 dias a contar da realização do último exame;
“6- Caso a requerente não cumpra o dever de comunicação previsto nos números 4 e 5, a prestação alimentícia acima referida termina automaticamente, por caducidade, o mesmo sucedendo se não houver aproveitamento;
“7- Verificando-se alguma das hipóteses previstas nos números 4, 5 e 6, o requerido fica automaticamente desobrigado de cumprir a prestação de alimentos, a partir da ocorrência de qualquer um daqueles factos, exceto se o incumprimento ou o não aproveitamento for motivado por doença ou acidente”.

3)- A exequente, no requerimento executivo, apresentado em 25.112013, reclamou o pagamento das prestações de alimentos desde Setembro de 2012.
4)- No âmbito do dito acordo, mais concretamente no seu número 4, a ora Embargada assumiu a obrigação de, no início de cada ano letivo, enviar ao ora Embargante, mediante carta registada com aviso de receção, o comprovativo de matrícula, no prazo de 30 dias a contar da realização da mesma.
5)- No início ano letivo de 2012/2013, a Embargada não enviou no prazo de 30 dias a contar da realização da mesma, ao Embargante, mediante carta registada com aviso de receção, o comprovativo de matrícula.
6)- No final do ano letivo de 2011/2012, a Embargada não enviou ao Embargante e este não rececionou qualquer carta registada com aviso de receção que lhe fosse enviada pela Embargada, com o comprovativo do seu aproveitamento, no prazo de 30 dias.
7)- No dia 25 de Setembro de 2012 o mandatário da embargada enviou à mandatária do embargante documento emitido pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa comprovando a inscrição da embargada o 4º ano do mestrado integrado em medicina relativamente ao ano de 2012/2013, documento este datado de 12.09.2012, conforme fls. 40.
8)- No dia 8 de Agosto de 2013, o mandatário da embargada enviou à mandatária do embargante documento emitido pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa comprovando o aproveitamento da embargada no curso do mestrado integrado em medicina relativamente ao ano de 2012/2013, documento este datado de 22.07.2013, conforme fls. 42.
9)- No dia 17 de julho de 2015, o mandatário da embargada remeteu aos autos documento emitido pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa comprovando o aproveitamento da embargada no curso do mestrado integrado em medicina relativamente ao ano de 2014/2015, documento este datado de 03.07.2015, conforme fls. 46.
10)- Em 04.03.2016 foi rejeitado o pedido da mandatária do embargante no sentido de juntar aos autos correspondência tricada entre mandatários no âmbito da matéria dos autos, fls. 85.
11)- Em 16.11.2016 a embargada, a instâncias do Tribunal, juntou cópia de certidão do aproveitamento obtido no curso do mestrado integrado em medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa desde 2009 até 2015, datada de 11.11.2016, conforme fls. 108-109.
12)- Nos anos letivos seguintes a 2011/2012, a Embargada não enviou ao Embargante e este não rececionou qualquer carta registada com aviso de receção que lhe fosse enviada pela Embargada, quer fosse para comunicar os respetivos comprovativos de aproveitamento, quer para comprovar a matrícula.

Tudo visto, cumpre apreciar.

IVFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1.Da impugnação da matéria de facto.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente, impuserem decisão diversa.
O Tribunal da Relação está também vinculado ao disposto no Art. 607º n.º 4 e n.º 5 do C.P.C. para o juiz da primeira instância, no que se refere à fundamentação da sentença, devendo relevar os factos que são admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou pelas regras de experiência.
No caso “sub judice” o apelante defende que não deverem ser considerados provados os factos 7), 8) e 9) da sentença recorrida:
Das alíneas 7) e 8) constam como factos provados o envio de correspondência entre mandatários das partes ocorrida nos dias 25 de Setembro de 2012 e 8 de agosto de 2013, nos termos da qual o mandatário da embargada dá conta à ora mandatária do embargante de documentos emitidos pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa comprovando a inscrição da embargada o 4º ano do Mestrado integrado em Medicina relativamente ao ano de 2012/2013 (cfr. doc. de fls 40) e documento que atesta o aproveitamento da embargada no curso do Mestrado integrado em medicina relativamente ao ano de 2012/2013 (cfr. doc. de fls 42).
Já da alínea 9) consta a referência a um mero ato processual, aí se fazendo relevar que no dia 17 de julho de 2015 o mandatário da embargada remeteu aos autos documento emitido pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa comprovando o aproveitamento da embargada no curso do Mestrado integrado em Medicina relativamente ao ano de 2014/2015 (cfr. doc. de fls. 46).
De referir que essa factualidade foi dada por provada na sentença recorrida com base na “prova documental junta aos autos, indicada por reporte a cada facto” (cfr. fls 112 verso).
Ora, o apelante considera que a troca de correspondência entre advogados não poderá ser tida em consideração como meio de prova, por tal violar o Estatuto da Ordem dos Advogados e por não ter sido feita prova nos autos do levantamento do sigilo profissional. Mas ressalva que, se assim se não entender, esses factos também só poderiam relevar para confirmar o incumprimento do acordo por parte da Recorrida, conforme foi alegado nos embargos de executado, uma vez que ao longo dos anos a Recorrida nunca lhe enviou e o mesmo nunca recebeu da Recorrida qualquer carta registada com aviso de receção com os comprovativos escolares a que a mesma estava obrigada.
Finalmente também ressalva que os mandatários em causa apenas foram mandatados no litígio que terminou por acordo das partes homologado em Janeiro de 2012, voltaram a ser mandatários das partes no âmbito da ação de alimentos instaurada em Novembro de 2013, não podendo o recorrente aceitar a troca de correspondência entre advogados, quando tal não foi sequer acordado.
Quanto ao primeiro argumento, que é aquele que verdadeiramente importa considerar na impugnação da matéria de facto, reporta-se o apelante ao disposto no Art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9/9, que regula a matéria do segredo profissional no exercício da atividade da advocacia.
Estabelece o n.º 1 desse preceito legal que «o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente: a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; b) (…); c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração; d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante; e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; e f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
O n.º 2 do mesmo preceito esclarece que essa obrigação subsiste mesmo que o serviço em causa não envolva representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado e quer haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou o serviço.
Acresce que, o segredo profissional abrange também documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo (Art. 92º n.º 3 do EOA), sendo que os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo (Art. 92º n.º 5 do EOA).
Ora, os factos dados por provados nas alíneas 7) e 8) reportam-se a comunicações entre os advogados que agora representam as partes e que já tinham essas funções no processo que fixou a obrigação de alimentos ora em crise.
Essas comunicações referem-se a factos que relevam para o litígio, delas resultando o alegado modo de execução que a exequente deu à obrigação de informação estabelecida no acordo de prestação de alimentos que serve de causa de pedir na ação executiva.
Portanto, em bom rigor, não se trata de comunicação sigilosa. Não está em causa a relevação de segredos ou factos que por natureza ou exigência do cliente, explícita ou implícita, obriguem à confidencialidade que é exigível a um advogado. Pelo contrário, essa correspondência, apesar de ser operada entre advogados, traduz a exteriorização da vontade da exequente, representada pelo seu mandatário, através dum meio de comunicação a que a própria quis recorrer para alcançar o fim por si pretendido, que era o de dar a conhecer à parte contrária determinados documentos.
É certo que o próprio mandatário da exequente mencionou que, à cautela, havia requerido ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados a dispensa do sigilo profissional, tal como documentou a fls 32, sendo que no requerimento seguinte (de fls 37 e ss), faz menção de que recentemente teria sido autorizado pela Ordem para esse efeito, mas de facto disso não fez prova efetiva nos autos.
Em contrapartida, a mandatária do embargante também solicitou igual autorização ao Conselho Regional da Ordem dos Advogados, mas veio a juntar um extrato da decisão que rejeitou o seu pedido (cfr. fls 85). Mas tal poderá dever-se ao conteúdo dos documentos e/ou comunicações que concretamente pretendia juntar, não se podendo deste modo concluir sem mais que existe um tratamento diferenciado entre as partes.
É entendimento uniforme que tudo quanto é revelado ao advogado e que assume, ainda que implicitamente, carácter sigiloso está abrangido pelo segredo profissional, porque é no exercício e por causa do exercício da profissão que os factos secretos lhe são confiados (cfr. Alfredo Gaspar - Anotação ao Ac. S.T.J. de 22/06/88 - R.O.A. - Ano 49 - Dez. 89 - pág. 868).
O segredo profissional do advogado é o “timbre da advocacia e condição sine qua non da sua dignidade” (cfr. Parecer do Cons. Geral da Ord. dos Adv. de 21/04/81 - ROA - 41, 900).
O segredo profissional do advogado não interessa apenas ao confidente e ao cliente mas à sociedade inteira, revestindo assim um dever da ordem pública, tutelando o interesse geral e social, que deve ser posto na confidencialidade e secretismo, que hão-de revestir as relações havidas no exercício da profissão.
No fundo o bem jurídico que ilumina a tutela do segredo profissional é a necessidade social da confiança em certos profissionais (cfr. Rodrigo Santiago - in “Do Crime de Violação do Segredo Profissional no C. Penal de 1982 - Almedina 1992 - pág. 106).

É claro que o advogado pode ficar desvinculado da obrigação do segredo profissional e divulgar os factos que ao abrigo desse dever lhe foram confiados, mas para que tal aconteça, com quebra do sigilo profissional, terá o advogado de ser expressamente autorizado a fazê-lo pelo Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, ou pelo seu Bastonário, em caso de recurso da decisão daquele, como resulta do disposto no Art. 92º n.º 4 do EOA.
Como é sumariado no Ac. STJ de 17/4/2015 (Relator Raul Borges - Proc. n.º 1/13.9YGLSB.S1 – 3.ª Secção): «O segredo profissional mostra-se inerente, não ao próprio advogado em si, mas à atividade desenvolvida por este profissional da Justiça, o que significa que nem todos os factos transmitidos ou conhecidos pelo advogado estão a coberto do dever de confidencialidade previsto pelo artigo 87.º, n.º 1, do EOA (correspondente ao atual Art.92.º), mas simplesmente aqueles que sejam relativos ao exercício desta atividade profissional.
«Só estão abrangidos pelo segredo profissional do advogado os factos que resultem do desempenho desta atividade profissional (ou, de acordo, com os termos da própria lei, “os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções”), o que leva a excluir do âmbito de proteção desta norma tudo aquilo que é comunicado ao advogado, mas que não respeite a atos próprios da advocacia, ou seja, todos os acontecimentos da vida real que não se prendam com este desempenho profissional, mesmo que cheguem ao conhecimento do advogado no seu local de trabalho.
«O segredo profissional do advogado, à semelhança do sigilo previsto para outras categorias profissionais, visa tutelar, em primeira linha, as relações de confiança que se estabelecem com os clientes e com outros colegas de profissão, que não são postas em crise quando não estão em causa factos relacionadas com o estrito exercício da advocacia.»
Já no Ac. STJ de 31/3/2009 (relator: Santos Bernardino – Proc. n.º 08B3886) é referido que «O advogado está obrigado, ética e juridicamente, a guardar segredo de todos os factos de que tome conhecimento, de forma direta ou indireta, no exercício da sua atividade profissional, só podendo revelar factos abrangidos pelo sigilo profissional mediante prévia autorização da Ordem dos Advogados. Mas a extensão do sigilo profissional do advogado está diretamente relacionada com a existência efetiva de um segredo (…)».
No caso concreto dos autos não há efetivamente qualquer segredo que houvesse de guardar, porque o mandatário da embargada limitou-se a servir de “núncio” na exteriorização dum comportamento com finalidade meramente informativa que lhe foi solicitado realizar pela sua constituinte. Não se verificam no caso nenhuma das razões de ordem pública que obrigam ao respeito pelo sigilo profissional, nem está posta em causa a confidencialidade devida pelo mandatário da exequente relativamente a factos que esta lhe confiou de forma sigilosa.
Aliás, nada obstaria que a parte se limitasse a juntar os documentos de fls 40 e 42 de forma autónoma, como fez com os de fls 46 e 108 a 109, para provar a inscrição e o aproveitamento da exequente nos anos letivos aí mencionados. Os documentos de fls 39 e 41 só foram juntos para provar que o mandatário deu a conhecer as declarações emitidas pela Universidade Nova de Lisboa diretamente à advogada que agora patrocina o embargante.
Julgamos assim que a correspondência entre advogados mencionada como provada nas alíneas 7) e 8) poderia ser relevada pelo tribunal, por não estar em causa nenhuma das situações previstas nas alíneas do n.º 1 do Art. 92º do EOA, não sendo assim de aplicar e n.º 5 desse mesmo preceito.
Por outro lado, mesmo que se verificasse a proibição de relevação da correspondência entre advogados, essa proibição abrangeria apenas os documentos de fls 39 e 41. De fora dessa proibição ficariam sempre as declarações da Universidade Nova de Lisboa documentadas a fls 40, 42, 46 e 108 a 109, pois esses documentos poderiam, e deveriam, ter sido juntos, independentemente dos 2 primeiros terem sido integrados em anexo a comunicações entre advogados.
Esses documentos relevam por si mesmos para o conhecimento do mérito da causa, porque deles resulta a demonstração de que a exequente frequentou, teve aproveitamento e esteve matriculada no ensino superior nas datas aí referenciadas.
O apelante vem depois invocar ainda que não poderia constar dos factos provados a matéria da alínea 9) por ser irrelevante.
Dessa alínea consta como facto provado a prática dum determinado ato processual por parte do mandatário da embargada, nomeadamente a junção de documento que comprova o aproveitamento da embargada no ano letivo de 2014/2015.
Poderíamos em abstrato discutir a redação encontrada para alínea 9) dos factos provados, mas esse facto é relevante nesses precisos termos no contexto da defesa apresentada pela embargada, constituindo o modo que a mesma escolheu para cumprir uma obrigação contratual e, por isso, não poderá deixar de ser relevado como tal.
Em face do exposto, improcede a impugnação da matéria de facto.

2.Do mérito dos embargos de executado.
Assentes os factos provados relevantes cumpre agora então tomar conhecimento dos fundamentos da apelação que se prendem com as soluções de direito substantivo.
Está em causa a apreciação de embargos de executado deduzidos por apenso a execução destinada a exigir o cumprimento efetivo de obrigação de alimentos convencionada por mútuo acordo entre exequente e executado, homologado por Conservador do Registo Civil, a qual segue os termos dos Art.s 933º e ss do C.P.C..
A prestação de alimentos em causa foi estabelecida, como ambas as partes aceitam, no quadro legal do Art. 1880º do C.C. que regula a matéria das despesas com filhos maiores ou emancipados.
O Art. 1880º do C.C., com este âmbito de previsão, foi uma originalidade da reforma do Código emergente do Dec.Lei n.º 496/77 de 25/11, resultando duma preocupação expressa pelo legislador relativamente a uma realidade nova que então se começava a fazer sentir com maior premência.
De facto, poderia parecer normal pensar que, com a maioridade, o jovem que deixava de estar subordinado ao “poder paternal” (Art. 1877.º do C.C.) [entretanto rebatizado de “responsabilidades parentais” com a reforma do Código Civil emergente da Lei n.º 61/2008 de 31/10], estaria agora em perfeitas condições para administrar a sua vida sem o auxílio e assistência dos seus pais.
No entanto, porque tal não corresponde necessariamente à verdade, o legislador foi sensível à constatação de que tal ocorre de forma progressiva, através dum processo que se pode arrastar para lá do fim da menoridade.
Nessa medida, estabeleceu no Art. 1879º do C.C. que os pais só ficam desobrigados de prover ao sustento dos seus filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.
Verifica-se assim que a obrigação de alimentos de pais a filhos, apesar de estar muito ligada a regras sociais, onde sobrelevam razões de natureza emocional e afetiva, não se trata propriamente duma obrigação natural (Art. 402º do C.C.), mas resulta de vínculo legal que obriga à realização efetiva das correspondentes prestações, podendo ser judicialmente exigível o seu cumprimento (v.g. Art.s 2003º a 2006º, 2009º n.º 1 al.s b) e c) do C.C.).
Neste contexto, a obrigação de contribuir para as despesas com filhos maiores é um prolongamento do vínculo decorrente das responsabilidades parentais para lá da menoridade, na vertente específica da formação profissional do descendente (vide: Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Vol. V, pág. 338).
Como é realçado nessa obra conjunta de Pires de Lima e Antunes Varela (in Ob. Loc. Cit.), reportando-se a situações de necessidade de auxílio e assistência dos pais a filhos maiores por não terem completado a sua formação profissional: «apesar de as situações deste tipo existirem já à data da publicação do Código, a verdade é que elas se multiplicaram substancialmente (…) a partir da descida (de 21 para os 18 anos) da data limite da menoridade. E, para além dessa, outras circunstâncias contribuíram poderosamente para a proliferação das situações previstas na lei, como sejam o crescimento acentuado do número de alunos que frequentam o ensino superior, o aumento de duração de alguns cursos desse escalão de ensino e, por fim, a necessidade de frequência de estágios que a formação profissional correspondente a alguns desses cursos exige».
Atualmente, esta realidade sofreu uma nova dinâmica, nomeadamente como as reformas introduzidas no ensino superior na sequência do acordo de Bolonha, acentuando particularmente este fenómeno.
A esta motivação não terão sido estranhas as alterações legais introduzidas no Art. 1905º do C.C., pela Lei n.º 122/2015 de 1/9, que regula o direito a alimentos devidos aos filhos, nomeadamente em caso de divórcio dos pais.
No caso concreto dos autos a obrigação de alimentos veio a ser estabelecida por acordo das partes, tendo em vista a continuação da formação profissional por parte da exequente. Resultando dos autos que esse acordo foi objeto de homologação pelo Sr. Conservador de Registo Civil.
Porque houve acordo, o mesmo partiu do reconhecimento mútuo dos contratantes da existência duma situação de necessidade por parte da exequente, enquanto filha do executado, por não possuir meios financeiros próprios para poder acorrer às despesas com a sua educação. Daí o enquadramento deste acordo no âmbito de previsão legal típico do Art. 1880º do C.C..
Sucede que ficou estabelecido entre as partes que a exequente deveria, no no início de cada ano letivo, enviar ao seu pai, no prazo de 30 dias, o comprovativo da matrícula e ainda, no final de cada ano letivo, enviar também o comprovativo do seu aproveitamento, no prazo de 30 dias a contar da realização do último exame. Tudo sempre através de carta registada com aviso de receção.
Ora, ficou provado que a exequente não cumpriu essa obrigação, tal como ela estava especificamente convencionada, nem no final do ano letivo de 2011/2012, nem no início ano letivo de 2012/2013, sendo esse o motivo formal pelo qual o embargante não pagou a prestação de alimentos desde o início do ano letivo de 2012/2013, ou seja desde setembro de 2012.
Em seu abono sustentou que na cláusula 6 do acordo que estabeleceu com a sua filha, ficou estabelecido que a falta de cumprimento do dever de comunicação, nos termos previstos nos números 4 e 5 (ou seja, por envio de carta registada com aviso de receção no prazo de 30 dias a contar a matrícula e da conclusão do último exame), a prestação alimentícia «terminava automaticamente, por caducidade, o mesmo sucedendo se não houver aproveitamento».
A cláusula seguinte desse acordo complementa a mesma solução apenas para salvaguardar, como causa de justificação do incumprimento, situações de doença ou acidente.
Dito isto, sendo os contratos para ser cumpridos pontualmente (Art. 406º n.º 1 do C.C.), conclui o embargante que se extinguiu a obrigação de prestar alimentos à sua filha, apesar de estar evidenciado dos autos que a exequente continuou a sua formação académica, sempre com êxito assinalável, como o atesta o certificado de fls 108 a 109.
Ora, a sentença recorrida entendeu que estas cláusulas não seriam válidas e, em consequência, decidiu serem exigíveis as prestações de alimentos desde Setembro de 2012 e até que a jovem termine a sua formação académica.
O embargante não concorda com essa posição. Desde logo, porque o acordo foi homologado por Conservador do Registo Civil e, nos termos do Art. 1905º, adaptado à situação específica do Art. 1880º do C.C., poderia ser recusada a homologação do acordo se o mesmo não correspondesse ao interesse do maior. Sendo de referir que, por seu turno, a embargada, veio dizer, já só em sede de contra alegações, que assinou esse acordo em “estado de necessidade”.

Este último argumento peca por tardio, uma vez que não foi alegado nos articulados da primeira instância, não tendo também qualquer sustentação fáctica. Já o argumento do embargante é inconclusivo, porque se concluirmos que a cláusula é nula, é indiferente que tenha sido homologada pelo Sr. Conservador do Registo Civil, considerando o disposto no Art. 729º al. i) do C.P.C..
De seguida veio sustentar que a sentença recorrida aplicou ao caso as alterações introduzidas pela Lei n.º 122/2015 de 1/9, nomeadamente na redação do n.º 2 do Art. 1905º do C.C., considerando que essa lei estabeleceu para os maiores uma prorrogação da obrigação de alimentos a cargo dos pais até aos 25 anos.
Efetivamente, invocou o embargante, que os alimentos não foram fixados na menoridade da exequente; esta instaurou um processo de alimentos a filhos maiores, quando evidentemente já era maior de idade; o acordo foi homologado em Janeiro de 2012; a obrigação cessou, nos termos acordados, em Agosto de 2012; e a Recorrida terá terminado o Curso de Medicina em Junho de 2015; sendo que a Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, entrou em vigor em 1.10.2015, como decorre do seu Art. 4.º.
A este propósito temos de realçar que o título executivo na ação principal é a homologação do acordo celebrado entre exequente e executado, sendo nos termos do mesmo que é delimitada extensão e objeto da obrigação exequenda.
Assim, considerando ser esse o âmbito da obrigação de alimentos devida, que se destina particularmente ao executado suportar as despesas com formação profissional e académica da sua filha, e ponderando o certificado junto a fls 108 a 109, é inequívoco que o curso de Medicina com Mestrado integrado efetivamente terminou em 2015, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 122/2015 de1/9. Logo, o Art. 1905º n.º 2 do C.C., com essa nova redação, não se aplica ao caso, em face dos disposto no Art. 12º n.º 1 do C.C., assistindo nessa parte razão ao apelante. (vide, no mesmo sentido, sobre a aplicação da lei no tempo: Ac. R.L. de 30/6/2016 – relator Ezagüy Martins - Processo n.º 6692/09.7TBSXL-L1.-2. – e de 14/6/2016 – relatora Rosa Ribeiro Coelho - Processo n.º6954/16.8T8LSB.L1-7 – ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

O apelante põe depois em causa as alegadas razões de natureza moral e ética que, segundo a decisão recorrida, estão na base da obrigação de alimentos a maiores e justificariam a falta de razoabilidade das cláusulas postas em crise, pretendendo evidenciar a razoabilidade do acordo a que as partes chegaram.
Em primeiro lugar, temos de realçar uma vez mais que a obrigação de alimentos não é uma obrigação natural e o facto da fixação dos alimentos ter estado sujeita à jurisdição voluntária não tem necessariamente a ver com as razões éticas ou morais do dever de prestação, mas sim com a maior adequação da forma de processo aos interesses em conflito. Nessa medida, os argumentos de natureza processual não são particularmente relevantes, muito menos o é a transição da competência para decisão destas matérias para as Conservatórias de Registo Civil.
Quanto à razoabilidade das estipulações constantes do acordo em matéria de comunicação da matrícula no ensino e do aproveitamento do beneficiário da prestação de alimentos, também não se nos oferece a mínima dúvida.
O problema não está na razoabilidade do estabelecimento duma obrigação de informação por forma a permitir ao obrigado reconhecer que subsistem os pressupostos de facto que justificam a situação de necessidade que o obrigam a contribuir para suportar essas despesas. A questão da razoabilidade só se coloca quanto ao efeito cominatório relativo ao não cumprimento dessa obrigação de comunicação.
É para nós evidente que as estipulações relativas à fixação de deveres de informação justificam-se plenamente, apesar de reconhecermos que não é normal que uma filha comunique com o pai apenas através de carta registada com aviso de receção.
Esse tipo de estipulações só releva o nível de conflitualidade existente entre as partes. Sendo que, a circunstância de a exequente ter decidido só comunicar com o seu pai através do seu advogado, só reforça a mesma conclusão.
Diremos ainda que não concordamos com a conclusão de que o não cumprimento dessas cláusulas – que estabelecem deveres de informação prévio – revela como uma violação do dever recíproco de respeito, auxílio e assistência por parte da exequente, o qual, só por si, já justificaria a solução da extinção da obrigação de alimentos. Este argumento é completamente inaceitável.
Podemos admitir que existe uma situação de conflito evidente entre as partes, que aliás é reportada nas alegações, mas não está evidenciada nenhuma situação de indignidade.
Aliás, é curioso que a lei só preveja especificamente a situação de indignidade do beneficiário de alimentos como causa de cessação da obrigação alimentar para o caso dos cônjuges, divorciados ou separados de facto (Art. 2019.º do C.C.).
No que se refere aos alimentos devidos a maiores o Art. 1880º estabelece apenas que a obrigação de alimentos mantém-se «na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para aquela formação se complete».
O que resulta assim deste normativo legal é que a obrigação de alimentos a maiores é excecional e tem um caráter temporário, que é objetivamente balizado pelo tempo necessário a completar a formação profissional. Por outro lado, essa obrigação obedece a um critério de razoabilidade, sendo necessário demonstrar que nas concretas circunstâncias do caso seja justo e sensato exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maior idade.
Seguindo aqui de perto o Ac. do S.T.J. de 12/1/2010 (Relator Fonseca Ramos – Proc. n.º 158-B/1999.C1.S1 – 6ª Secção) «para aferir da razoabilidade importa saber se o filho carece, com justificação séria, do auxílio paternal, em função do seu comportamento, in caso,como estudante; não seria razoável exigir aos pais o seu contributo para completar a formação profissional se, por exemplo, num curso que durasse cinco anos, o filho cursasse há oito, sem qualquer êxito, por circunstâncias só a si imputáveis. Por isso a lei impõe o dever de contribuição «pelo tempo normalmente razoável requerido para que a formação se complete».
De realçar ainda que, no quadro da lei pretérita à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 122/2015 de 1/9, era entendimento largamente maioritário – que terá justificado a alteração legislativa – que a obrigação de alimentos devidos a maior não era reconhecida automaticamente, carecendo de ser pedida pelo beneficiário em ação própria para o efeito (Vide: Ac. S.T.J. de 22/4/2008 – relator Pereira da ... – Proc. n.º 08B/389), sendo que terminado o curso de formação que obrigava à prestação de alimentos nos termos do Art. 1880º do C.C. cessava logo a obrigação correspondente (Vide: Ac. do S.T.J. de 12/1/2010 (Relator Fonseca Ramos - Proc. n.º 158-B/1999.C1.S1 supra mencionado, todos disponíveis em www.dgsi.pt). Não se nos afigurando, neste caso, que o reconhecimento dessa circunstância não pudesse ser apreciada pelo tribunal em sede de oposição à execução, tal como o apelante sustentou nas suas alegações de recurso.
Dito isto, do que já fomos expondo, resulta que a questão da invalidade restringe-se apenas às cláusulas 6 e 7 do acordo de prestação de alimentos a maior homologado por Conservador de Registo Civil.

É para nós claro que não assiste razão ao apelante quando sustenta que o tribunal a quo não poderia tomar conhecimento da nulidade do acordo, quando essa questão não foi suscitada oportunamente pelas partes. A nulidade é um vício que, pela sua gravidade, é de conhecimento oficioso e não está dependente da sua invocação pelas partes (Art. 286º do C.C.).

Do mesmo modo, o Tribunal da Relação também não está dependente da alegação pelas partes relativamente a qualquer nulidade, porque é livre na indagação, interpretação e interpretação do direito aplicável (Art. 5.º n.º 3 do C.P.C.). Pelo que, mesmo que considere, como considera, que a invalidade das estipulações em causa não pode ser encontrada nas alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 122/2015 de 1/9, tal não invalida que considere outra fonte de invalidade desse clausulado.
É nosso entendimento que o estabelecimento da cominação da caducidade do direito a alimentos em caso de não cumprimento da obrigação de comunicação da matrícula no ensino superior ou do aproveitamento, nos termos estabelecidos nas cláusulas 4 e 5 do acordo, não só viola a regra da razoabilidade da exigibilidade da obrigação de prestar alimentos prevista no Art. 1880º do C.C., como viola diretamente o disposto no Art. 2008º n.º 1 do C.C. na parte que proíbe a renúncia antecipada do direito a alimentos.

Efetivamente, esta cláusula tem por efeito indireto uma renúncia antecipada a prestações de alimentos vincendas, independentemente da consideração de subsistir a necessidade que obriga à sua prestação, a qual justifica e torna razoável a sua exigência.

De facto, a obrigação de alimentos é recíproca da necessidade que justifica essa prestação. Deste modo, não é a “comunicação” ou a “informação” de que a filha do apelante teve aproveitamento e está inscrita no ano letivo seguinte que determina a obrigação de alimentos. A obrigação de alimentos é justificada pelo próprio aproveitamento e pela inscrição no ano letivo seguinte, pois esses são os factos que determinam a situação de necessidade que obriga à prestação e servem de base à razoabilidade da correspondente exigência do seu cumprimento.

É também esse o critério que determina a medida dos alimentos (Art. 2004º do C.C.) e a fixação do modo da prestação (Art. 2005º do C.C.). Sendo completamente irrazoável que um progenitor, sabendo que subsistem os pressupostos que justificam a prestação de alimentos devidos à sua filha, recuse o cumprimento dessa obrigação com o argumento formal e iníquo de que não recebeu uma carta registada com aviso de receção.

O mais que poderia sustentar é que, por falta de contacto com a sua filha e por força do não cumprimento do dever de comunicação, não pode tomar conhecimento oportuno que ainda se verificavam os pressupostos que o obrigavam a realizar a prestação e que, portanto, a obrigação de alimentos ainda subsistia. Mas tal só justificaria a mora, nos termos do Art. 813º do C.C., mas nunca a extinção da obrigação. No entanto, não foi esse fundamento invocado pelo embargante na sua petição inicial de oposição à execução, que apenas pretendia o reconhecimento de que a obrigação exequenda se mostrava extinta. Pelo que, nem o tribunal de 1.ª instância, nem a 2.ª instância, se poderiam, ou podem, pronunciar sobre esta causa de justificação do seu incumprimento.

As cláusulas n.º 6 e 7 do acordo violam assim o disposto nos Art.s 1880º e 2008º n.º 1 do C.C., sendo que este último estabelece uma proibição imperativa, o que determina a nulidade daquelas na parte que comina com a caducidade ou extinção automática da obrigação de alimentos fundada no mero incumprimento dos deveres de comunicação estabelecidos nos n.º 4 e 5 (Art.s 280º e 294º do C.C.).

Por outro lado, consideramos ser evidente que as partes teriam concluído o negócio nos mesmos termos, apesar da parte viciada, em função dos interesses que estavam em causa. O que justifica a redução do negócio pela mera exclusão das cláusulas viciadas (Art. 292º do C.C.).

Sendo este o fundamento que justifica no essencial a improcedência da apelação, prejudicadas ficam as demais conclusões do apelante que confrontam diretamente com a posição assim sustentada.

Em razão do exposto, ainda que com fundamentação diversa da decisão recorrida, julgamos também nesta parte improcedente a apelação, mantendo a parte dispositiva da sentença, no sentido de improceder a oposição e confirmar o prosseguimento da execução por estar o executado obrigado a pagar a prestação de alimentos a favor da sua filha desde setembro de 2012 até à conclusão da sua vida académica.

VDECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, quer no que se refere à impugnação da matéria de facto provada, quer quanto ao mérito dos embargos, mantendo a parte dispositiva da sentença recorrida, no sentido de improceder a oposição e confirmar o prosseguimento da execução nos termos ordenados.
- Custas pelo apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).

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Lisboa, 26 de setembro de 2017


                             
(Carlos Oliveira)                             
(Maria Amélia Ribeiro)                    
(Dina Monteiro)