Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26/14.7GCMFR.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
FUNDAMENTAÇÃO
EXAME CRÍTICO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECLARADA NULA A SENTENÇA
Sumário: I - A nulidade prevista na alínea a), do nº 1, do artigo 379º, do CPP, é de conhecimento oficioso, como se extrai do estabelecido no seu nº 2, concretamente do segmento “ou conhecidas”.
II - Fundamentalmente importa que, através da leitura da sentença, se compreenda qual a razão do tribunal ter decidido num determinado sentido e não noutro, também possível.

III - O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

IV - Não constando explicitadas na sentença, como se impunha, as razões de se ter dado como provada determinada factualidade, impede o tribunal recorrido a sindicância sobre se efectuou (ou não) uma apreciação objectiva da prova produzida, em conformidade com as regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, pelo que a decisão é nula, considerando o disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP, porquanto não contém todas as menções exigidas no nº 2, do artigo 374º desse diploma, no caso, a fundamentação, com exame crítico das provas quanto à materialidade concretizada. (Sumariado pelo relator)




Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Texto integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



I - RELATÓRIO


1. Nos presentes autos com o NUIPC 26/14.7GCMFR, da Comarca de Lisboa Oeste - Mafra - Instância Local – Secção Criminal – J1, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi a arguida C. condenada, por sentença de 17/11/2015, na pena de 125 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros, no montante global de 625,00 euros, pela prática de um crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal.

Mais foi condenada a pagar à demandante M. a quantia de 5.000,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.


2. A arguida não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso.


2.1 Extraiu a recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. A Arguida foi condenada “como autora material, na forma consumada, de um crime de dano simples, p. e p. pelo artº 212º, nº 1 do C.P., na pena de 125 (cento e vinte e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz a multa global de 625,00 € (seiscentos e vinte e cinco euros); condenada “a pagar a quantia de 5 000,00€ (cinco mil euros) à lesada demandante M.;”

2. A sentença de que ora se recorre enferma do vício de insuficiência da matéria de facto provada, previsto no art. 410º nº 2 a) do C.P.Penal.

3. Consta da matéria de facto provada que “a arguida, ajudada por seu marido, sua filha e pelo menos dois amigos, do interior do estabelecimento por si arrendado, retirou (...)” (ponto 8 da matéria de facto provada).

4. “Igualmente retirou os candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, todos interruptores, tomadas eléctricas, cortou fios eléctricos junto às paredes e tectos, disjuntores do quadro de electricidade principal e o exaustor da cozinha” (ponto 9 da matéria de facto provada).

5. “Em virtude da retirada pela arguida e familiares e amigos a seu mando dos candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, de quase todos os interruptores, de quase todas as tomadas eléctricas, do corte e puxão dos fios eléctricos (...) todo o sistema eléctrico do estabelecimento ficou inoperacional”.

6. Também ficou provado que a “A arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta necessariamente causaria prejuízos à ofendida (...)”

7. Não obstante, o Tribunal recorrido não se pronuncia sobre questão relevante para a decisão, que se prende com a co-participação dos outros sujeitos que acompanharam a arguida e a relação desta com eles na sequência dos factos de que vem acusada.

8. A arguida (pode-se ler no último parágrafo da página 11 da sentença) “(...) não deixou de inutilizar o sistema eléctrico do estabelecimento comercial pertencente à lesada, sabendo que tal necessariamente sucederia, ao retirar do mesmo os equipamentos eléctricos aí instalados, puxando e cortando os fios eléctricos (...).”

9. No ponto 14, a sentença refere que “a arguida e familiares e amigos “a seu mando” retiram candeeiros, etc., mas não explicita se é a seu mando a forma como são retirados os referidos bens eléctricos.

10. Fica por se apurar: das cinco pessoas, entre elas a arguida, quem concretamente puxou e cortou os fios junto às paredes e ao tecto? Quem deu orientações sobre a forma de se retirar os bens eléctricos? Alguém sabia que estava a causar danos à lesada? Uma vez que na Motivação, no parágrafo 4.º, que todo o restante equipamento foi retirado com o “devido cuidado”.

11. Porque se da Motivação se retira que a arguida não podia deixar de cogitar o dano que estava a causar, pela forma como retirou os fios, então todas as pessoas que a 14.7 Artur nulidade sentençaacompanharam sabiam que estavam a causar dano? Qual a efectiva participação da arguida nestes factos, quando ela não os praticou sozinha?

12. Cinco (5) pessoas retiraram conjuntamente bens do interior do estabelecimento da Ofendida, mas não se encontra a relação de cada um com a arguida que como única acusada, é aqui a única condenada.

13. Também enferma a sentença recorrida do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, previsto no art. 410º nº 2 b) do C.P.Penal.

14. Segundo o ponto 13 da matéria de facto provada “Através de cartas trocadas entre ambas, M. autorizou a arguida a proceder ao levantamento dos melhoramentos que realizara e dos equipamentos que colocara no estabelecimento, desde que sem danificação do imóvel ou da utilização do mesmo e dos objectos deixados no locado”.

15. É de salientar que esta autorização escrita foi trazida aos autos pela arguida, uma vez que a Queixosa não refere tal facto aquando da apresentação da queixa nem no pedido de indemnização cível. (“documentação junta pela arguida a fls. 135-139” - pág. 10 da sentença).

16. Quarto parágrafo da Motivação da sentença recorrida: “Sabia a arguida que nada poderia retirar sem dano para o imóvel, pelo que retirou todo o equipamento com o devido cuidado para não inutilizar o imóvel ou impossibilitar que no mesmo pudesse ser rapidamente reinstalado equipamento da mesma natureza para que o mesmo pudesse voltar a funcionar com novo explorador.” Realça-se aqui o “devido cuidado”

17. Podemos ler no parágrafo seguinte da Motivação: “Entende que apenas levou o que lhe (e ao seu marido) pertencia. Se alguma coisa ficou estragada foi “sem intenção”.

18. Não obstante, pode-se ler na motivação: “a conduta da arguida relativamente ao sistema eléctrico não pode deixar de considerar-se excessiva e, consequentemente, integrar a prática de crime de dano relativamente à instalação eléctrica, que ficou incapaz de cumprir a sua função.” Que “não poderia a arguida deixar de cogitar que o modo como os equipamentos e as tomadas foram retirados, necessariamente impossibilitariam a colocação de novos equipamentos do mesmo género (...).”

19. Surpreende-se a arguida que seja julgada a sua acção como tendo tido “o devido cuidado para não inutilizar o imóvel” e por outro lado, relativamente ao sistema eléctrico, tenha sido julgada “pelo excesso” e daí a vontade e consciência de ter causar prejuízo à Ofendida/Lesada.

20. Não aceita a arguida esta dualidade de fundamentação, aceitando in extremis, que no caso do sistema eléctrico que não tendo conhecimentos técnicos, não tendo sido a mesma a retirá-los como adiante se verá, poder-lhe-ia ser apontada uma atitude negligente, jamais de dolo, mesmo eventual.

21. A não ser assim, não se justifica que na fundamentação encontremos duas medidas, seja no sistema eléctrico um excesso que aliado à consciência de dano lhe impute o crime, seja nos restantes bens, retirados “com o devido cuidado”.

22. Onde se encontra a fronteira entre o que foi retirado com cuidado e sem cuidado, uma vez que há-de sempre aferir-se da intenção. Caso algum outro bem, por azar, tivesse causado dano na sua retirada, apurar-se-ia que aí havia intenção?

23. Não se encontra na motivação nada em que se fundamente a intenção da arguida, pelo contrário, a arguida, como se pode ler teve o “cuidado necessário” para retirar todos os restantes bens e pediu o consentimento expresso da Ofendida, que o deu, as fotos a “fls. 28-32 documentam irrisórias deteriorações (...) estas consequências devem considerar-se inerentes à retirada de equipamento de equipamento autorizada por M..” (pág. 9 da sentença- Motivação).

24. A sentença de que ora se recorre enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º nº 2 b) do C.P.Penal.

25. Ficou provado que a arguida pediu autorização para levantar os bens e que teve cuidado a retirar os bens, com excepção, segundo a sentença recorrida, do sistema eléctrico.”

26. Ficou provado que em virtude da retirada “dos candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, de quase todos os interruptores, de quase todas as tomadas eléctricas, do corte e puxão dos fios eléctricos junto às paredes e tectos, dos disjuntores, do quadro de electricidade principal, todo o sistema eléctrico ficou inoperacional...” (ponto 14 da matéria de facto provada).

27. Há erro notório neste facto dado por provado na sentença ora recorrida, porque efectivamente só “do corte e puxão dos fios eléctricos, dos disjuntores do quadro eléctrico” é que se pode concluir pela probabilidade de deixar o sistema eléctrico inoperacional. Retirar candeeiros, lâmpadas, interruptores e tomadas eléctricas, não podem por si só ter o efeito referido.

28. Da própria matéria dada como provada retira-se que a arguida retirou “quase todos os interruptores, quase todas as tomadas eléctricas...”, como se pode concluir que a arguida deixa alguns destes equipamentos, pelo que se o sistema eléctrico não tivesse ficado inoperacional, outros equipamentos poderiam ter sido imediatamente ligados às tomadas eléctricas e os interruptores a funcionar.

29. Retirar da prova realizada que o sistema eléctrico ficou inoperacional não pode levar ao raciocínio lógico que a arguida cogitou essa possibilidade.

30. Entende, ainda, a arguida, que após uma cuidada análise sobre a matéria de facto provada, que a mesma incorretamente julgada, salvo melhor opinião, levou a uma condenação com a qual não se conforma, porquanto e nos termos do n.º 3 e 4 do art.º 412.º C.P.P. impugna-a, conforme explana:

31. No ponto 9 da matéria de facto provada, pode-se ler “Igualmente retirou os candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, (...).”

32. “Igualmente” refere-se ao ponto anterior que diz “em data não concretamente apurada (...), a arguida, ajudada por seu marido, sua filha e pelo menos dois amigos...”

33. A Recorrente entende que a palavra “Igualmente” não deve constar, uma vez que quem retirou todos os aparelhos eléctricos foi o marido.

34. De igual modo, relativamente ao ponto 14 da matéria de facto provada “em virtude da retirada dos candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, de quase todos os interruptores, de quase todas as tomadas eléctricas, do corte e puxão dos fios eléctricos junto às paredes e tectos, dos disjuntores do quadro de electricidade principal, todo o sistema eléctrico ficou inoperacional (...)”

35. Também aqui a arguida entende que tendo sido só o marido a tratar da retirada dos equipamentos eléctricos, não deve constar do referido ponto “pela arguida e familiares e amigos a seu mando” conforme declarações prestadas pelas suas duas testemunhas em audiência e julgamento.

36. Da gravação audio da audiência de julgamento, ouvida a testemunha MC, gravada às 11h21, dos 2h46m aos 3h03m, pode-se ouvir:

Defensora (D) - A D. MC esteve a retirar interruptores da parede?

Testemunha (T)- Não, isso não. Isso foi o meu pai que retirou.

Mas eu vi-o a tirar, eu estava lá com ele. Ele puxava, cortava os fios e nada mais.

Defensora- Lembra-se de visualizar o seu pai a retirar? Sim.

Defensora-No fundo, distribuiram tarefas e o seu pai ficou com essa tarefa?

Defensora-Sim.

Da gravação audio da audiência de julgamento, ouvida a testemunha OF, gravada às 11:27:35, dos 02h13m aos 2h33m, pode-se ouvir:

Defensora- Quem tratou da parte eléctrica? Eu presumo que foram distribuidas algumas funções às pessoas, pronto...quem é que esteve a tratar da parte eléctrica de retirar o que achava que era deles?

Testemunha- Sim, tiraram umas fichas...

Defensora-Mas quem tirou?

Testemunha- O marido da Senhora, portanto da D.ª C..

37. Não tendo sido dado por provado que foi a arguida que retirou os equipamentos eléctricos, nem que os mandou retirar através de puxão e corte dos fios, a arguida não se conforma com a referida matéria dada como provada.

38. Também não se conforma a recorrente com o seguinte: No enquadramento jurídico-penal, a sentença ora recorrida refere que “o tipo subjectivo, por seu lado, se consuma quando o agente actue dolosamente, sendo suficiente o dolo eventual, o qual deve abarcar o facto de atingir bem público com a sua conduta. Terá, assim, o agente que representar que a sua acção sacrifica coisa alheia, e querer tal sacrifício ou, pelo menos, como sucedeu in casu cogitar o mesmo será consequência de tal conduta e tal não o afastar de cometer os factos. Estes elementos verificaram-se na íntegra no presente caso- a arguida não deixou de inutilizar o sistema eléctrico do estabelecimento comercial pertencente à lesada, sabendo que tal necessariamente sucederia, ao retirar do mesmo os equipamentos eléctricos aí instalados, puxando e cortando os fios eléctricos, actuando contra a vontade da sua proprietária, que expressamente afastou tal danificação, pelo que será a arguida pelo mesmo condenada.”

39. A arguida não demonstrou ser conhecedora de conhecimentos de electricidade, tendo deixado nas mãos do seu marido a retirada de todos os aparelhos eléctricos, pelo que não teve nem tinha capacidades adequadas a representar o dano de todo o sistema eléctrico que o marido podia estar a fazer pelo corte dos fios, que a serem puxados foram até ao limite de poderem ser cortados.

40. O “excesso” na forma como foram retirados os aparelhos eléctricos indicariam mais facilmente uma negligência de quem se encontra com uma tarefa árdua e prolongada, do que com o dolo eventual, quando da motivação consta que relativamente aos restantes bens houve o “devido cuidado”, porque a arguida sabia que não poderia retirar sem dano.

41. Recorrente e marido foram despejar o local arrendado e tendo repartido tarefas, ele, homem, ficou com o trabalho mais físico e técnico, pelo que não será previsível, pelas regras de experiência comum, numa situação semelhante que a mulher opine sobre a forma de retirar equipamentos eléctricos, nem que ponha em causa que o marido desempenhe as referidas tarefas no pressuposto de uma resolução criminosa.

42. Qualquer pessoa que arranque um interruptor da parede, cortando o fio mesmo que junto à parede, não representa a possibilidade de por em causa todo o sistema eléctrico, a não ser que tenha conhecimentos de electricidade.

43. Quem corta fios de electricidade não tem necessariamente de ter conhecimento de que estes “deixam de funcionar” ou “deixam de ter o uso prático” ou “fiquem inutilizados”...

44. A sentença recorrida dá por provado (ponto 13), ficaram algumas fichas e interruptores, tendo a arguida autorização para “proceder ao levantamento dos melhoramentos que realizara e dos equipamentos que colocara no estabelecimento, desde que sem danificação do imóvel ou da utilização do mesmo e dos objectos deixados no locado”.

45. A Meritíssima Juiz concluiu que a arguida pudesse “cogitar” o dano e com ele se conformar, mas não explica o porquê dessa sua convicção, quanto todos os restantes indícios, também sobre a personalidade da arguida, caminham no sentido oposto.

46. Todas as testemunhas apresentadas pela arguida bem como esta própria declararam que não houve qualquer intenção de danificar.

47. Não ficou provado que a arguida quisesse danificar o sistema eléctrico, ou que imaginasse sequer que tal fosse possível com o corte dos fios ao retirar os aparelhos e finalmente nem perto se poderá estar de que a arguida tivesse consciência da ilicitude dos factos descritos.

48. Também aqui recorre a arguida/demandada do pedido de indemnização cível.

49. Pediu a Demandante indemnização, nos termos do art.º 77.º n.º 2 do C.P.P., no montante total de 7.394,54€.

50. Foi a arguida demandada condenada a pagar à demandante a quantia total de 5 000,00€ (cinco mil euros).

51. Aqui entende a arguida que a sentença não é avaliou com justiça e equidade os factos, violando, nomeadamente os art.ºs 494º, 496º, nºs 4, e 564.º todos do Código Civil.

52. Indicou a Demandante que “Nos termos do contrato todas as obras de adaptação do locado ficariam a fazer parte (...)”, não obstante do contrato junto aos autos referir “obras que modifiquem a sua estrutura”, o que não é, diga-se, o mesmo.

53. E reclamou da demolição da casa de banho, invocou a destruição da instalação eléctrica, o levantamento das portas das aduelas, etc. No entanto, não referiu a Demandante a autorização escrita que dera à arguida, com a condição de não danificar o locado.

54. Pelo que andou bem a sentença recorrida ao centralizar a questão de indemnização cível na inutilização do sistema eléctrico.

55. Não obstante, da carta de autorização dada pela Demandante à Demandada, carta esta de resposta ao pedido de indemnização pela Demandada, a Lesada refere quanto à parte eléctrica: “O local tinha sistema eléctrico e, consequentemente, quadro eléctrico; deve ficar com o que tinha”. (“documentação junta pela arguida a fls. 135-139” - pág. 10 da sentença)

56. A Demandada deixou um quadro eléctrico e deixou algumas tomadas e interruptores, conforme se retira da matéria de facto provada quando se lê no ponto 14: “(...) retirada (...) de quase todos os interruptores, de quase todas as tomadas eléctricas (...).

57. Esta autorização legitima a Demandada a retirar o quadro eléctrico que colocou a mais no estabelecimento bem como todas as tomadas e interruptores que não existiam antes da obra.

58. A Demandada explicou ao tribunal que antes das obras de remodelação, onde investiu 24.000,00€, existia um minimercado, fazendo tal facto parte da matéria de facto provada.

59. Assim, a Demandante ao referir que o estabelecimento antes das benfeitorias tinha quadro eléctrico e deve lá ficar, claramente está a permitir que o locado fique com o sistema eléctrico que anteriormente tinha.

60. E o que tinha era muito rudimentar, pois servia um mini-mercado, pelo que não se pode abranger como dano a parte eléctrica que deixou de funcionar e que não faria parte do anterior sistema eléctrico.

61. Não obstante, a Demandante vem pedir, bem sabendo, que dera autorização, indemnização por tudo o que a Demandada levantou.

62. “O Tribunal, de acordo com as regras de experiência, considerou um mês como lapso de tempo adequado aos trabalhos de reposição do sistema eléctrico e do equipamento retirado para nova utilização e reinício de laboração como pastelaria, sendo este o relevante para fixação dos lucros cessantes da lesada.

63. E condenou a arguida em “550,00 (correspondente ao valor de um mês de renda, lapso de tempo reputado pelo Tribunal como adequado à referida reparação/substituição, durante o qual não foi possível recolocar o imóvel no respectivo mercado de arrendamento.”

64. Para a reposição dos bens autorizada a levantar como “quatro portais com as dobradiças das aduelas, duas sanitas, dois autoclismos, um lavatório, torneiras e canalização, bem como a barra de apoio a deficientes que estava numa das casas de banhos”, como constante da matéria de facto provado, bem como outros constantes da carta que enviou à Demandante, sempre seria necessário, também pelas regras da experiência, um mês.

65. A entender-se que um mês seria o tempo necessário para repor a instalação eléctrica, sempre seria o período coincidente para repor os bens autorizados a levantar, pelo que não há razão para receber lucros cessantes por uma impossibilidade que já decorria.

66. Refere a sentença de que ora se recorre que “Igualmente com recurso às regras da experiência comum, mas também ao resultado dos testemunhos produzidos pela acusação e pela demandante cível, se apurou que esta sofreu os incómodos inerentes às diligências que a conduta da arguida lhe impôs para a contratação de profissionais para colocação da loja operacional.”

67. E condena a arguida em “350,00€ (trezentos e cinquenta euros) para tornar a lesada indemne dos danos não patrimoniais que sofreu, no quadro que tiveram lugar, montante que julga adequado, proporcional e, sobretudo, equitativo”.

68. Aqui também não se conforma a Demandada, uma vez que tendo a Demandada autorizado a Demandante a retirar “Central de Incêndio, Central de Alarme, Um quadro Eléctrico, Sinalização e lâmpadas de emergência, Detectores de Incêndio, Ar condicionado, etc...sempre teria a Demandante o incómodo de contratar profissionais para colocação da loja operacional.

69. A sentença de que ora se recorre condena a Demandada no montante de 4.100,00€ (quatro mil e cem euros), referente ao valor da substituição de todo o sistema eléctrico do imóvel.

70. Não pode a Demandada aceitar a referida condenação quando foi a mesma autorizada a deixar o sistema eléctrico como estava antes das obras que realizou, e pagar agora por um sistema eléctrico melhor do que tinha após as referidas obras.

71. Ora, caso a forma de retirar os aparelhos tivesse sido a mais correcta, a técnicamente adequada, o sistema eléctrico que ficaria a funcionar não seria o que a Demandante veio a instalar e a pedir como indemnização à Demandada.

72. Aqui impunha-se o ónus da prova do dano no sistema eléctrico quanto ao que existia, conforme carta de autorização de Demandante “deve ficar com o que tinha” e o pedido de indemnização dever-se-ia limitar a tal.

73. Em Audiência de julgamento foi a testemunha confrontada com as suas próprias facturas, ouvida aos 11:07:24, pode-se ouvir aos 3:58 a 8:17.

Defensora- (...) E o que explicou que realmente havia fios, que haviam fios cortados junto aos tubos e isso fez com que tivesse que substituir...

Testemunha- Voltar a substituir, e voltar a repor fios dentro dos tubos que lá estavam.

D- Tendo em conta essa situação, em especifico, e correndo aqui as suas faturas, há alguma coisa que não tenha a ver com isso, que tenha sido extra essa situação e que tenha sido pedida pela Dona M. e que tenha faturado como é óbvio, eu não estou a por em causa a sua fatura pelo amor de Deus?

T- A nível de extra que houve, foi a nível das casas de banho que exigiram, exigiram por uma casa de banho para os deficientes, um sistema de, que por acaso até temos aqui, que é a primeira coisa, luz sinalizadora, botão de desarme.. pronto, essa situação...

D- É extra essa situação junto ao tubo?

T- Sim, mas depois pôs-se à lei em vigor.

Juiz-Qual é esse valor? Qual é esse valor específico?

Testemunha- Temos aqui 45,00€, mais botão de desarme mais 37,00€, o alimentador mais 30€, o botão de cordão 6,35€, o centro para comando com cordão, 1,20€...

D- Isto é tudo extra a situação dos fios, sim?

T- Sim. E esse 1,68€, essas 3 caixas sirius branca,

D- 1,68€, que dá 5,04€ é isso, no total.

D- Aqui no fim dessa mesma fatura, tem kit central de incêndio.

T- Isso, é assim, tava lá, só que entretanto, penso eu que tava lá, porque haviam os detectores, os detectores não, entretanto estavam cortados os cabos rentes, portanto aquilo devia tar em funcionamento, penso eu, portanto teve que se por, porque a nivel de incêndios, não sei quê, tem de se por essa central de incêndio.

D- Vai ter de explicar o que é um kit central de incêndio

T- Um kit central de incêndio...

D-- É uma caixa?

T- É a caixa, que quando há fogo...

D- É uma caixa exterior,

T-Sim, sim...

D- Que se aplica na parede

T- Aqui também deve haver, penso eu

D- Diz que a caixa estaria lá, mas não, não a aproveitou?

T- Não, a caixa não estava, o que estava era só os cabos, que estavam cortados rentes..

D- Mas este kit é...

T- É a caixa com os detectores,

D- Mas não são os cabos..

T- Não, mas é no conjunto...não sei se está aqui mencionado, está aqui cabo de incêndio (100m), portanto é a caixa e o cabo..

(...)

Aos 7:37 a 8:17

D- Estas emergências led...

T- Havia lá algumas, mas estavam danificadas.

D- São luzes de emergência é isso, que se vêm nos estabelecimentos, também são exteriores, que se aplicam?

T- Exactamente.

D-Peço desculpa, voltando à primeira, refere aqui um exaustor, também é um aparelho de exterior?

T- Sim, mas isso é nas casas de banho, é obrigatório quando não há arejamento.

D- Mas não faz parte dos fios, é um aparelho que é necessário?

T- Não.

74. Pode-se ler na matéria de facto provada “em virtude da retirada pela arguida e familiares e amigos a seu mando dos candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, de quase todos os interruptores, de quase todas as tomadas eléctricas, do corte e puxão dos fios eléctricos junto às paredes e tectos, dos disjuntores do quadro de electricidade principal, todo o sistema eléctrico ficou inoperacional, tendo a sua reposição e operacionalização importado no custo de 4100,00€” (ponto 14).

75. Na Motivação da sentença recorrida pode-se ler: “O valor de 4100,00€ apurado relativamente à substituição e colocação e funcionamento do sistema eléctrico resultou da conjugação dos testemunhos de M., proprietária do imóvel, de AP, interessada no arrendamento do estabelecimento após a saída da arguida, e que o referiu por aproximação (mencionando um valor na ordem dos 4000,00€) e de DR, electricista que efectuou os referidos trabalhos, que minuciou em audiência de julgamento, bem como os documentos a este respeito juntos pela lesada ao seu pedido de indemnização cível, a fls. 110-113.”

76. E do montante da indemnização, pode-se ler na sentença recorrida (3.º parágrafo, pág. 17) “Considerando a matéria de facto que supra se provou, julga-se adequado, com respeito pelas citadas normas e princípios de fixação das indemnizações a fixar, condenar a arguida/demandada no pagamento à lesante dos seguintes montantes: - 4.100,00€ (quatro mil e cem euros), referente ao valor da substituição de todo o sistema eléctrico do imóvel”.

77. O total das faturas da referida testemunha é de 4.107,84€.

78. E da audição da referida testemunha retira-se que alguns dos valores se referem a aparelhos externos, a trabalhos extra.

79. Pelo que no apuramento do valor da indemnização ter-se-ia de descontar os referidos valores e avaliar o que havia antes da remodelação e o valor de tal reposição.

80. Não foi a retirada dos bens que causou o dano, mas sim a forma como foi feito, pelo que não seriam devidos quaisquer valores a título de equipamentos, mas sim unica e exclusivamente o “Voltar a substituir, e voltar a repor fios dentro dos tubos que lá estavam”.

81. Este é o verdadeiro dano e só esse devia ter sido contabilizado e só a reparação desse repunha a situação como devia existir, nos termos do art.º 562.º do C.C..

82. Tudo o mais excede os limites de boa fé, uma vez que o que a Demandante pediu à testemunha, electricista de profissão foi que lhe montasse todo o sistema de eléctrico, incluindo o que autorizou retirar (constante da carta em que pede autorização e das facturas) como por ex: disjuntores pertencentes ao quadro eléctrico que permitiu retirar, Luz sinalizadora, kit central de incêndio, luzes de emergência...).

83. O levantamento do Kit central de incêndio (com um custo de 450,00€, sem fios) foi autorizado e ele só por si não poderia causar dano, pois o mesmo, como referiu a testemunha, vem sempre acompanhado dos fios para que sejam passados.

84. A autorização pressuponha ficar sem Kit, logo sem os fios que fazem parte do mesmo que se ligam aos respectivos sensores, logo a demandante sempre necessitaria de um electricista que recolocasse fios e sensores. Ora a testemunha, electricista, encontrou lá os fios do kit cortados, mas tal não significa que a Demandada causou dano, significa que a Demandada não foi diligente em retirar os fios pertencentes ao Kit. O Kit de incêndio não pertence ao sistema eléctrico, nem este ficou danificado com a retirado do Kit. O Kit é que foi incompletamente retirado.

85. O pedido de indemnização pela Demandante constitui um venire factum proprium não só pela autorização que deu, mas porque muitos dos bens sendo externos à “fiação”, não foi a retirada dos mesmos que causou o dano.

86. O mesmo seria dizer, da tomada de onde se retirou um frigorifico, por se ter cortado os fios junto à parede, devia lá ter deixado o frigorífico.

87. A Demandante não fez prova de que os bens que a Demandada levantou não poderiam ser levantados porque causariam dano, não respeitando a condição imposta pela sua autorização.

88. A forma como os bens foram levantados e poderiam ter sido por outra forma é que causaram dano nos fios, logo não se pode concluir que os bens têm de ser repostos, só o sistema eléctrico é que sim, é que devia ser reposto.

89. E, nestes termos, o valor das faturas, de cerca de 4.100€ não podia ser aceite pelo Tribunal recorrido, bem como os testemunhos que se prendiam com o valor total pago.

90. Não se atendeu aos valores indicados pela própria testemunha, autora das faturas juntas aos autos.

91. Não se verifica nexo de causalidade entre o levantamento dos referidos bens e o dano causado. O corte dos fios é que será causa e só nessa medida é que a Demandada podia vir a ser responsabilizada.

92. Pelo que a reposição do sistema eléctrico sempre devia ser descontado o valor relativo à factura identificada como n.º 215, no montante de 1.401,46€, pelo facto de na mesma constar a referida Luz sinalizadora, botão de desarme, de cordão, centro p/com. Bot. Cordão, Cx. Sal. P/Sirius 70 Branca (pertencentes ao Kit incêndio), exaustor, cabo de incêndio, kit central de incêndio, mão de obra e da factura 214 as quatro Arm. Emerg. LED no valor de 83,99€.

Termos em que, com mui douto suprimento de V. Exas., reconhecidos os vícios da Sentença de que ora se recorre, deve a douta Sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a arguida/recorrente do crime e pela indemnização de que vem condenada, devendo esta última, no caso de entendimento diferente, ser objecto de redução pelos factos alegados.



3. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, pugnando pelo não provimento.


4. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida.


5. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.


6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.


Cumpre apreciar e decidir.






II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.


No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova.

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento.

Enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida.

Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar/valor da indemnização.


2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1. Da acusação, do pedido de indemnização civil e da discussão da

causa:

1 - A arguida e M., no dia 1 de Março de 2011 celebraram um contrato de arrendamento para comércio por prazo limitado de 5 anos, tendo a primeira a qualidade de inquilina e a segunda a de senhoria, do estabelecimento de comércio sito no Largo de São Sebastião, no Sobreiro.

2 - No contrato de arrendamento ficara firmado entre a arguida e M. que a primeira não poderia fazer na loja quaisquer obras que modificassem a sua estrutura sem autorização da senhoria dada por escrito, sendo que todas as que efectuasse com tal autorização ficariam a pertencer ao locado sem direito a qualquer indemnização ou retenção.

3 - No mesmo contrato ficara estabelecido que findo o contrato a arguida ficaria obrigada a entregar o locado em bom estado de conservação, limpeza e em perfeitas condições de utilização.

4 - Previamente à celebração do referido contrato com a arguida, o referido local fora explorado, primeiro por seu pai, como minimercado e, a partir de 2003, como pastelaria, por seu marido.

5 - No ano de 2003 a arguida e seu marido procederam à integral remodelação do local, com autorização de M., tendo investido, com recurso a empréstimo bancário, para pagamento de obras, licenças e o demais necessário para entrada em funcionamento como pastelaria, a quantia de 24 000,00 €.

6 - A arguida passou a explorar o referido estabelecimento de pastelaria a partir da celebração do contrato de arrendamento em seu nome, datado de 1 de Março de 2011, em virtude de seu marido ter sofrido um enfarte do miocárdio, passando à situação de aposentado por invalidez, não podendo trabalhar.

7 - Tal estabelecimento, após as referidas obras de remodelação, ficou composto por seis divisões: três casas de banho, uma sala, uma cozinha e uma despensa e, à data da celebração do contrato, estava devidamente equipado com os acessórios indispensáveis à exploração do mesmo, nomeadamente lavatórios, torneiras, autoclismos e sistema eléctrico, não tendo quaisquer danos.

8 - Em data não concretamente apurada do mês de Agosto de 2013, a arguida, ajudada por seu marido, sua filha e pelo menos dois amigos, do interior do estabelecimento por si arrendado, retirou quatro portais com as dobradiças das aduelas, duas sanitas, dois autoclismos, um lavatório, a torneira de lavatório de uma das casas de banho, bem como a barra de apoio a deficientes que estava numa das casas de banho.

9- Igualmente retirou os candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, todos os interruptores, tomadas eléctricas, cortou os fios eléctricos junto às paredes e tectos, disjuntores do quadro de electricidade principal e o exaustor da cozinha.

10 - A arguida deitou no lixo uma prateleira de madeira que se partiu aquando da sua retirada do local onde estava montada.

11 - Após, abandonou o dito estabelecimento, tendo cessado a sua exploração.

12- Desde os factos supra mencionados até à verificação dos mesmos pela ofendida ninguém mais esteve no locado.

13 - Através de cartas trocadas entre ambas, M. autorizou a arguida a proceder ao levantamento dos melhoramentos que realizara e dos equipamentos que colocara no estabelecimento, desde que sem danificação do imóvel ou da utilização do mesmo e dos objectos deixados no locado.

14 - Em virtude da retirada pela arguida e familiares e amigos a seu mando dos candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, de quase todos os interruptores, de quase todas as tomadas eléctricas, do corte e puxão dos fios eléctricos junto às paredes e tectos, dos disjuntores do quadro de electricidade principal, todo o sistema eléctrico do estabelecimento ficou inoperacional, tendo a sua reposição e operacionalização importado no custo de 4100,00 €.

15 - A arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta necessariamente causaria prejuízos à ofendida, correspondentes ao valor necessário para substituição e reparação do sistema eléctrico retirado e inutilizado, o que conseguiu, sabendo que o estabelecimento de comércio não lhe pertencia e que os referidos bens apenas poderiam ser retirados do local caso não importassem inutilização, o que veio a suceder quanto ao sistema eléctrico, que com a sua conduta estava a destruir e a inutilizar a sua função e que agia contra a vontade da senhoria e proprietária.

16 - Bem sabia que tal conduta não lhe era permitida.

17 - M. ficou impedida de arrendar novamente aquele estabelecimento pelo menos por um mês, posto que teve que o recolocar em condições de imediata utilização por novo explorador.

18 - M. sentiu decepção e tristeza ao constatar que o seu imóvel ficara incapaz de o arrendar novamente.

19 - Teve que diligenciar, perdendo o tempo necessário para o efeito, por profissionais, mormente electricista, a fim de procederem às necessárias reparações e instalações para reposição do estabelecimento em condições de ser explorado por novo inquilino.

20 - No certificado de registo criminal da arguida não consta averbada qualquer condenação.

21 - A arguida encontra-se presentemente desempregada, não auferindo qualquer rendimento.

22 - Seu marido é reformado por invalidez, auferindo 297,00 € de pensão mensal.

23 - O casal tem três filhos, com 25,18 e 10 anos de idade.

24 - O agregado familiar reside em habitação arrendada pelo valor mensal de 115,00 €.




Quanto aos factos não provados, considerou (transcrição):

Com interesse para a decisão ficaram por provar os seguintes factos, constantes da acusação e do pedido de indemnização cível:

1 - Que a arguida deitou bens que faziam parte do estabelecimento comercial no lixo.

2 - Que a arguida não tinha autorização da senhoria para retirar quaisquer bens do interior do imóvel.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

A convicção do tribunal assentou no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, analisada conjugada e criticamente à luz de regras de experiência e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.

A arguida prestou declarações, confirmando a retirada de praticamente todos os bens mencionados na acusação, mas escudando-se na circunstância de ter pedido previamente autorização à senhoria e de a ter obtido.

Tudo o que retirou foi com o conhecimento e consentimento de M., o qual lhe foi dado em virtude do reconhecimento, ainda que tácito, de que todo o equipamento que havia sido colocado no estabelecimento deveria reverter para a arguida e seu marido, atenta a monta do investimento efectuado no imóvel no ano de 2003.

Sabia a arguida que nada poderia retirar sem dano para o imóvel, pelo que retirou todo o equipamento que ali havia instalado em 2003 com o devido cuidado para não inutilizar o imóvel ou impossibilitar que no mesmo pudesse ser rapidamente reinstalado equipamento da mesma natureza para que o mesmo pudesse voltar a funcionar com novo explorador.

Entende que apenas levou o que lhe (e ao seu marido) pertencia. Se alguma coisa ficou estragada foi "sem intenção".

Apenas deitou ao lixo uma prateleira, que se partiu aquando da sua retirada do local onde se encontrava, sendo que mais nenhuma testemunha ou prova documental recaíram sobre a acusada factualidade de colocação de objectos do estabelecimento comercial no lixo.

M., por seu lado, elencou, a par e passo, todos os bens retirados do seu imóvel e a danificação inerente que teve lugar, não deixando de reconhecer a grande remodelação levada a cabo pela arguida e seu marido em 2003.

Pretendeu destacar que a autorização que dera para retirar as "benfeitorias" efectuadas no imóvel, tal como constante do contrato de arrendamento, teve lugar na condição de nada ficar danificado no mesmo.

O valor de 4100,00 € apurado relativamente à substituição e colocação em funcionamento de todo o sistema eléctrico resultou da conjugação dos testemunhos de M., proprietária do imóvel, de AP, interessada no arrendamento do estabelecimento após a saída da arguida, e que o referiu por aproximação (mencionando um valor na ordem dos 4000,00 €) e de DR, electricista que efectuou os referidos trabalhos, que minuciou em audiência de julgamento, bem como os documentos a este respeito juntos pela lesada ao seu pedido de indemnização cível, a fls. 110-113.

DR, electricista, testemunha dotada de conhecimentos especiais no conspecto em apreciação, referiu que, sem a grande reparação e substituição que tomou de empreitada a M., não seria a esta possível recolocar o imóvel no mercado de arrendamento de estabelecimentos de pastelaria.

O modo como o equipamento eléctrico e os fios eléctricos, tomadas e interruptores foram retirados, pura e simplesmente não permitia a simples reinstalação de novos equipamentos no lugar dos retirados pela arguida.

Também as testemunhas M., AP e SB, sendo este canalizador que trabalhou no imóvel da primeira, instalando sanitários, autoclismos e fixando urinóis, corroborou que o modo de retirada do equipamento e dos fios eléctricos tornou todo o sistema eléctrico inoperacional.

A descrição que todas as testemunhas fizeram relativamente este aspecto permitiu ao Tribunal ficar seguro da efectiva inutilização do sistema eléctrico: os fios foram puxados e cortados de modo que não era mais possível simplesmente instalar e ligar novos equipamentos.

Da conjugação das declarações da arguida, do testemunho de M. e da análise do contrato de arrendamento a fls. 105-107, resultou para o Tribunal assente que a cláusula 7a do contrato se refere a obras que modifiquem a estrutura da loja, sendo que por estrutura deverão entender-se os elementos essenciais da construção do imóvel, como sejam alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras, telhado ou terraços de cobertura, entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem, instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio, neste sentido, para o efeito socorrendo-nos da ratio legis subjacente ao disposto no art° 1421°, n° 1 do C.C..

Não respeitará já a mencionada cláusula a todas as beneficiações que não bulam com a estrutura do prédio onde funcionava o estabelecimento de pastelaria, sendo que a senhoria M. expressamente autorizou a arguida a proceder ao levantamento de todo o equipamento que lhe pertencia desde que não danificasse o seu imóvel.

Por esta conjugação de argumentos e de prova, considera o Tribunal que a conduta da arguida relativamente ao sistema eléctrico não pode deixar de considerar-se excessiva e, consequentemente, integrar a prática de crime de dano relativamente à instalação eléctrica, que ficou incapaz de cumprir a sua função.

Não poderia a arguida deixar de cogitar que o modo como os equipamentos eléctricos, os interruptores e as tomadas foram retirados, necessariamente impossibilitariam a colocação de novos equipamentos do mesmo género, logo, a rápida entrada em funcionamento do estabelecimento com novo explorador do mesmo.

A testemunha FP, que veio a suceder à arguida na exploração do estabelecimento de M., referiu que teve que esperar pela realização dos arranjos e substituições necessárias para começar a sua actividade naquele local.

O Tribunal, de acordo com as regras da experiência, considerou um mês como lapso de tempo adequado aos trabalhos de reposição do sistema eléctrico e do equipamento retirado para nova utilização e reinício de laboração como pastelaria, sendo este o relevante para fixação dos lucros cessantes da lesada.

Igualmente com recurso às regras da experiência comum, mas também resultado dos testemunhos produzidos pela acusação e pela demandante cível, se apurou que esta sofreu os incómodos inerentes às diligências que a conduta da arguida lhe impôs para contratação de profissionais para colocação da loja operacional.

O Tribunal analisou e valorou as fotografias de fls. 28-32, os documentos de fls. 33-43, 105-117 e junta pela arguida a fls. 135-139.

As fotos a fls. 28-32 documentam irrisórias deteriorações, bem como aspecto menos estético da loja após a retirada dos equipamentos pela arguida. Porém, estas consequências devem considerar-se inerentes à retirada de equipamento autorizada por M..

A fls. 105-106 consta o contrato de arrendamento celebrado entre a arguida e M., do qual o Tribunal destacou as cláusulas com relevo para a apreciação do objecto dos autos.

A documentação junta pela arguida a fls. 135-139 comprova a troca de correspondência entre a mesma e M., da qual resulta o conhecimento e consentimento desta para retirada pela primeira dos equipamentos, melhoramentos e materiais efectuados na loja, com a condição de o local não sofrer deterioração, logo aí tendo destacado o sistema eléctrico.

No que concerne à ausência de condenações, o Tribunal atentou no certificado de registo criminal da arguida de fls. 145 dos autos.

Relativamente às suas condições socioeconómicas, com suporte no por si declarado, credível neste conspecto.

Não se assentou qualquer facto relativamente à omissão de pagamento de rendas (parágrafo 6o da acusação) em virtude de tal matéria não revestir qualquer interesse para o ilícito acusado ou para o pedido de indemnização cível fundado no mesmo, nem o valor referido no parágrafo 9o da acusação por se tratar de matéria conclusiva.



Apreciemos.

Das conclusões apresentadas pela recorrente resulta que, apesar de não ser invocada expressamente a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, se vem colocar em causa a relativa à conduta integradora do crime de dano por que foi condenada com a afirmação de que não se pronuncia a 1ª instância sobre questão relevante para a decisão, que se prende com a co-participação dos outros sujeitos que acompanharam a arguida e a relação desta com eles na sequência dos factos de que vem acusada, de onde emerge a não compreensão de como se chegou à conclusão de que os danos resultam de uma actuação directa ou a mando da mesma.

A decisão sobre a verificação de tal nulidade (aliás de conhecimento oficioso, como se extrai do estabelecido no nº 2, do artigo 379º, do CPP, mormente do segmento “ou conhecidas”) mantém precedência sobre as demais questões suscitadas, uma vez que, a estar presente, inviabiliza o respectivo conhecimento, pelo que começaremos por apreciar tal questão.

Conforme resulta do estabelecido no artigo 374º, do CPP, a estrutura de uma sentença comporta três partes distintas, a saber: o relatório, a fundamentação e o dispositivo, sendo que a fundamentação deve conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Quando tal não suceda, a sentença está ferida de nulidade, por força do preceituado no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP.

Esta imposição de fundamentação, acolhida no texto constitucional no seu artigo 205º, nº 1 e materializada também no artigo 97º, nº 5, do CPP, como tem acentuado a doutrina e a jurisprudência, - vd. Sérgio Poças, Da Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Revista Julgar, nº 3, 2007, pág. 23 e, por todos, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 408/07, de 11/07/2007, in www.pgdl.pt. - cumpre duas funções,

a) Uma, de ordem endoprocessual, afirmada nas leis adjectivas, e que visa essencialmente: impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão; permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação; colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente com o decidido.

b) Outra, de ordem extraprocessual, que apenas ganha evidência com referência, a nível constitucional, ao dever de motivação e que procura acima de tudo tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão.

Os motivos de facto não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência – cfr. Marques Ferreira, Meios de Prova - Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 228 e sgs., traduzindo-se, pois, o exame crítico, na menção das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, a afirmação das provas que mereceram aceitação e das que lhe mereceram rejeição, a razão de determinada opção relevante por uma ou outra das provas, os motivos substanciais da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal priveligiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção – neste sentido, Acórdãos do STJ de 16/01/2008, Proc. nº 07P4565, de 26/03/2008, Proc. nº 07P4833 e de 15/10/2008, Proc. nº 08P2864, todos em www.dgsi.pt.


Ou seja, fundamentalmente importa que, através da leitura da sentença, se compreenda qual a razão do tribunal ter decidido num determinado sentido e não noutro, também possível.


Percorrendo a motivação da decisão recorrida, verifica-se que contém a especificação dos factos provados, a menção dos não provados, bem como a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, mormente aqueles em que assentou a convicção do tribunal.

Contudo, no que tange ao exame crítico desses meios de prova, este é insuficiente, sendo de considerar, por isso, como não fundamentada.

Com efeito, o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção - cfr. Ac. do STJ de 16/01/2008, Proc. nº 07P4565, disponível em www.dgsi.pt.


Ora, o tribunal a quo deu como provado que:

Em data não concretamente apurada do mês de Agosto de 2013, a arguida, ajudada por seu marido, sua filha e pelo menos dois amigos, do interior do estabelecimento por si arrendado, retirou quatro portais com as dobradiças das aduelas, duas sanitas, dois autoclismos, um lavatório, a torneira de lavatório de uma das casas de banho, bem como a barra de apoio a deficientes que estava numa das casas de banho.

- Igualmente retirou os candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, todos os interruptores, tomadas eléctricas, cortou os fios eléctricos junto às paredes e tectos, disjuntores do quadro de electricidade principal e o exaustor da cozinha.

Em virtude da retirada pela arguida e familiares e amigos a seu mando dos candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, de quase todos os interruptores, de quase todas as tomadas eléctricas, do corte e puxão dos fios eléctricos junto às paredes e tectos, dos disjuntores do quadro de electricidade principal, todo o sistema eléctrico do estabelecimento ficou inoperacional, tendo a sua reposição e operacionalização importado no custo de 4100,00 €.

- A arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta necessariamente causaria prejuízos à ofendida, correspondentes ao valor necessário para substituição e reparação do sistema eléctrico retirado e inutilizado, o que conseguiu, sabendo que o estabelecimento de comércio não lhe pertencia e que os referidos bens apenas poderiam ser retirados do local caso não importassem inutilização, o que veio a suceder quanto ao sistema eléctrico, que com a sua conduta estava a destruir e a inutilizar a sua função e que agia contra a vontade da senhoria e proprietária.

Mas, na explicitação da formação da sua convicção, não nos elucida minimamente como é que chegou à conclusão fáctica de que a arguida cortou os fios eléctricos junto às paredes e tectos e de que agiram os familiares e amigos a seu mando dessa forma, sendo certo que neste comportamento se encontra o cerne da conduta integradora do dano, como se pode ler nas seguintes passagens da sentença: a descrição que todas as testemunhas fizeram relativamente este aspecto permitiu ao Tribunal ficar seguro da efectiva inutilização do sistema eléctrico: os fios foram puxados e cortados de modo que não era mais possível simplesmente instalar e ligar novos equipamentos (…) Por esta conjugação de argumentos e de prova, considera o Tribunal que a conduta da arguida relativamente ao sistema eléctrico não pode deixar de considerar-se excessiva e, consequentemente, integrar a prática de crime de dano relativamente à instalação eléctrica, que ficou incapaz de cumprir a sua função.

Não poderia a arguida deixar de cogitar que o modo como os equipamentos eléctricos, os interruptores e as tomadas foram retirados, necessariamente impossibilitariam a colocação de novos equipamentos do mesmo género, logo, a rápida entrada em funcionamento do estabelecimento com novo explorador do mesmo.


Com efeito, tendo a arguida se deslocado ao estabelecimento acompanhada pelo marido, sua filha e “pelo menos dois amigos”, não se alcança a que elementos probatórios atendeu o julgador da 1ª instância para considerar demonstrado que a arguida cortou os fios eléctricos junto às paredes e tectos e actuaram os familiares e amigos a seu mando dessa forma, uma vez que tal não resulta dos depoimentos das testemunhas como reflectidos se mostram na sentença.

É que, se vero é que nela se pode ler que DR, M., AP e SB referiram em audiência de julgamento que o modo como o equipamento eléctrico e os fios eléctricos, tomadas e interruptores foram retirados, pura e simplesmente não permitia a simples reinstalação de novos equipamentos no lugar dos retirados pela arguida (…) o modo de retirada do equipamento e dos fios eléctricos tornou todo o sistema eléctrico inoperacional, menos certo se não mostra que destes depoimentos não se extrai que foi a arguida directamente que assim procedeu à remoção do equipamento eléctrico ou que determinou – ordenou, mandou - as pessoas que a acompanharam a efectuar a sua retirada nesses termos, não se podendo excluir, à partida, que estes últimos o tenham feito por sua iniciativa e devido a mera falta de conhecimentos técnicos ou dos procedimentos correctos a adoptar.

Quer dizer, não constam explicitadas na decisão, como se impunha, as razões de se ter dado como provada a mencionada factualidade e certo é que o Tribunal Superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo - cfr. Ac. do STJ de 16/012008, Proc. nº 07P4565, disponível em www.dgsi.pt. Não o tendo feito, o tribunal recorrido impede esta Relação de sindicar se efectuou (ou não) uma apreciação objectiva da prova produzida, em conformidade com as regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
Cumpre assim concluir, que não se extrai da sentença revidenda qual o iter lógico e racional prosseguido pelo tribunal a quo no seu processo de decisão, não permitindo, por isso, o aludido controlo sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da mesma, ou seja, o exame do processo lógico-mental subjacente à formação da convicção do julgador não é possível, sendo certo que se exige que os destinatários das sentenças (e o homem médio suposto pela ordem jurídica, estranho aos autos e dotado de uma experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido e das razões de uma determinada convicção e que, efectivamente, como salienta Sérgio Poças, ob. cit. pag. 36 “a comunidade tem o direito de saber as razões que sustentam uma decisão judicial, concretamente saber do modo como foi apreciada a prova – questão essencial para a realização da justiça”.


Face ao exposto, a decisão recorrida é nula, considerando o disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP, pois que não contém todas as menções exigidas no nº 2, do artigo 374º, desse diploma, designadamente a fundamentação, com exame crítico das provas quanto à materialidade mencionada, cumprindo ao tribunal a quo a reparação desse vício.


Porque tal nulidade inquina a totalidade da sentença recorrida, mostram-se prejudicadas as demais questões suscitadas pela recorrente.



III - DISPOSITIVO


Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação de Lisboa, em:


A) Declarar nula a sentença recorrida, por inobservância do disposto nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a), ambos do CPP, a qual deve ser reformulada pelo mesmo tribunal, proferindo nova decisão onde se supra o apontado vício de falta de fundamentação, com exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção no que tange à factualidade a que acima se faz referência;


B) Não conhecer das demais questões suscitadas pela recorrente, por se mostrarem prejudicadas.


Sem tributação.
Lisboa, 7 de Junho de 2016.



(Artur Vargues)



(Jorge Gonçalves)