Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15249/15.3T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: DEVEDORES DE RISCO
BANCO DE PORTUGAL
COMUNICAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: As angústias e transtornos causados pela indevida inclusão de um nome na base de dados de incumpridores, transmitida e comunicada ao Banco de Portugal, atingem o património moral dessa pessoa, devendo merecer a tutela do direito e, pela sua gravidade, ser indemnizados, nos termos previstos pelo art. 496.º do CC.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 29.5.2015 José propôs a presente ação declarativa, com processo comum, contra Banco A, S.A., pedindo que o R. fosse condenado a indemnizá-lo na quantia de € 15.000,00 a título de danos patrimoniais e, ainda, na quantia de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.

Para tal alegou, em síntese, que o seu nome ficou a constar da base de dados dos devedores de risco junto da central de responsabilidades de crédito, existente junto do Banco de Portugal, por efeito de uma comunicação dirigida pelo R., apesar de, com este, aquele nunca ter celebrado qualquer contrato. Essa situação derivou de um erro da instituição R. e impediu o A. de obter um empréstimo bancário com vista ao investimento numa empresa individual. O A. viu ser postos em causa a sua honra e o seu bom nome, sofrendo prejuízos e contrariedades que justificam uma indemnização.

Na sua contestação, o R. aceitou a existência de um erro mas impugnou a matéria de facto alegada quanto aos prejuízos e terminou pedindo a sua absolvição do pedido.

Houve resposta.

Realizou-se audiência final e em 19.10.2016 foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente, por não provada e consequentemente se absolveu o R. do pedido.

O A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1.-Vem o presente Recurso interposto de Douta sentença proferida nos Autos supra referenciados que julgou improcedente o pedido de condenação da Ré com fundamento em Responsabilidade Civil Extracontratual nos termos dos artigos 483º e seguintes do Código Civil.
2.-Na verdade e salvaguardado o devido respeito, o Recorrente não se pode conformar com tal decisão, uma vez que, na sua humilde opinião, encontra-se a mesma ferida do vício consignado na alínea c) do artigo 615º do código de processo civil.
3.-Seguindo a orientação da nossa melhor jurisprudência, “Entre os factos e a decisão não pode haver contradição lógica. Se na fundamentação da Sentença o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-09-2014 in www.dgsi.pt.
4.-Ora em verdade, da leitura atenta da decisão ora recorrida, o Vício de nulidade ora assacado resulta do facto de a douta sentença ter julgado e fundamentado o facto de o facto de apesar de (a Ré) expeditamente ter promovido a correcção do erro, não deixou de ficar violado o direito do Autor ao bom nome, no âmbito da actividade comercial bancária, como pessoa cumpridora e respeitadora dos seus compromissos.
5.-Julgando provado e fundamentando o dano ocorrido na esfera jurídica do Autor no âmbito dos direitos de personalidade, destarte e como é unânime em doutrina e jurisprudência, a afirmação e difusão de factos que sejam idóneos a prejudicar o bom nome de qualquer pessoa acarretam responsabilidade civil extracontratual, gerando obrigação de indemnizar se verificados os requisitos do artigo 483º nº1 do Código Civil, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-09-2008 in www.dgsi.pt.
6.-E em particular ao direito ao bom nome e ao crédito, atendendo aos pontos 1 e 3 dos factos julgados provados e supra reproduzidos, nos termos da melhor jurisprudência, “tendo em conta as exigências da vida moderna e do funcionamento actual da sociedade, concretamente nas suas facetas económica e financeira, o facto de constarem inscritas responsabilidades em nome de uma pessoa na central de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal, (…) põe em causa o direito dessa pessoa ao bom nome e ao crédito, afetando nomeadamente a confiança por parte de instituições de crédito e outras entidades que com aquele estabeleçam relações negociais (…) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-05-2010 in www.dgsi.pt
7.-Assim, certo é o facto de a decisão recorrida julgar provado a violação do direito de personalidade referenciado e assim decorrerá da sua interpretação igualmente provados os pressupostos fundamentais à obrigação de indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente a produção de um facto voluntário e ilícito, comunicação de uma errónea situação de incumprimento do Autor perante a Ré, donde emanaram danos na esfera jurídica do primeiro,
8.-Especialmente, os danos patrimoniais alegados pelo Autor, atentando o provado no ponto 7 da matéria factual e que ora se reproduz, “O Autor pretendia intervir como garante de um empréstimo bancário, no valor de €10.000,00 (...)”.
9.-Ora resulta da pretensão intentada pelo Autor assim como da decisão ora recorrida e que ora se alude o facto de a matéria supra aludida não se concretizou devido ao facto ilícito perpetrado de forma grosseira pela Ré,
10.-Uma vez que, considerando o valor comunicado que quase ascendia a um milhão de euros é notória a situação de impossibilidade quanto á pretensão tanto de contrair um empréstimo em nome próprio como o de simples garante conforme a prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
11.-Neste sentido, reiteramos o facto de o imperativo legal que denota a obrigação de indemnizar a um agente que perpetra um dano a outrem em circunstâncias prováveis, ser subsumível aos factos essenciais dos presentes autos, uma vez que, em concreto, a comunicação de uma dívida que ronda um milhão de euros seria, em abstracto, uma acção adequada ao prejuízo intentado, ou seja, à não concessão nem de crédito nem de garantia.
12.-Posto o supra exposto, vem a decisão recorrida dispor que, “O Autor não provou o que tinha alegado, isto é, que pretendia contrair determinado empréstimo bancário e que não o logrou fazer por causa da errada informação prestada ao banco de Portugal pela Ré…”, e com tal decidir pela improcedência total da acção intentada e pela absolvição da Ré.
13.-Com efeito tal decisão impregnada na respectiva fundamentação de Direito, não se coaduna com o ponto 7 da matéria factual julgado provado e reproduzido no ponto 18 das presentes alegações de Recurso.
14.-Ademais a respetiva fundamentação reporta em termos genéricos e conclusivos para a teoria do nexo de causalidade adequada, tornando-se a mesma obscura e ininteligível relativamente à decisão.
15.-Relativamente aos danos não patrimoniais peticionados pelo Autor, veio o tribunal a quo, julgar provado o seguinte facto, “Confrontado com a informação aludida em 1., (comunicação errónea da R. ao banco de Portugal), o Autor ficou incomodado, sentiu vexame e sofreu alterações de humor, passando dias e noites irritado pela ocorrência da situação”.
16.-Corroborando em sede de fundamentação de Direito o facto de “Apurou-se, contudo que o Autor sentiu vexame e alterações de humor, ficou incomodado e irritado durante algum tempo (…)”.
17.-Não obstante, decide pela absolvição da Ré na obrigação de indemnizar o Autor por danos não patrimoniais por tal dano, refira-se dano por violação de direitos fundamentais integrados no catálogo de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, se computar a simples incómodos e preocupações trazidos por determinada situação á vida”.
18-Ora, em verdade, em razão da consagração dos direitos ora avocados assim como da fundamentação inserida na douta sentença ora recorrida e pela tutela de direitos fundamentais consagrada na ordem jurídica, não pode, de modo algum, o Autor conformar-se com tal decisão.
19.-In casu, na nossa humilde opinião, o valor sob o qual a Ré associou ao Autor sob comunicação expressa e comprovada nos presentes autos ascende a um valor que, perante o entendimento do homem comum, não poderá ser considerado um simples incómodo.
20.-Assim o determina a nossa melhor doutrina em termos, “ Devem merecer a tutela do direito a ofensa à honra ou reputação do indívíduo ou à sua liberdade pessoal” Antunes Varela e Pires de Lima, CÓDIGO CIVIL ANOTADO, Vol.I.
21.-Considera assim, na sua humilde opinião, o Recorrente que incorre a decisão recorrida no vício de nulidade prevista na alínea c) do artigo 615º do Código de Processo Civil nos termos e fundamentos ora expostos.
22.-Assim como errónea interpretação in casu do nº1 do artigo 496º do código Civil, uma vez que danos não patrimoniais que afectem o bom nome ao crédito e à honra pessoal são considerados, pela doutrina e pela jurisprudência, danos que merecem a tutela do direito e a consequente obrigação de indemnizar.

O R. contra-alegou, sem formular conclusões, tendo pugnado pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: nulidade da sentença; procedência da ação.

Primeira questão (nulidade da sentença)
O apelante afirma que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista no art.º 615.º alínea c), do CPC, porquanto existiria contradição entre a fundamentação e a decisão.
Vejamos.
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão.”
Trata-se aqui de um evidente vício de contradição lógica: o tribunal apresenta como fundamentação premissas de facto e de direito que apontam manifestamente num determinado sentido, mas termina retirando uma consequência contrária ou diversa.
No caso dos autos, na sentença recorrida, o tribunal a quo, após indicar os elementos que reputava constituírem pressupostos da responsabilização da R., à luz do instituto da responsabilidade civil extracontratual, admitiu que se verificavam alguns deles (atuação ilícita e censurabilidade a título de culpa), mas ajuizou que faltavam outros (nexo de causalidade entre a atuação ilícita e alegados danos patrimoniais; danos patrimoniais; relevância jurídica de danos não patrimoniais): pelo que, atendendo ao assim ponderado a nível da fundamentação, a consequência ora impugnada, a improcedência da ação, não se apresenta em desarmonia com aquela.
Questão diversa será a eventual existência de incoerência dentro da própria argumentação fundamentadora da decisão, o que se prende com a análise do mérito da sentença, ou seja, com a apreciação da apelação quanto à vertente substantiva da solução do litígio. A tal se passará na dilucidação da segunda questão.
Nesta parte, pois, a apelação é improcedente.

Segunda questão (procedência da ação)
O tribunal a quo deu como provada e não foi impugnada a seguinte
Matéria de facto
1.-No mapa central de responsabilidade de crédito referente ao Autor, gerida pelo Banco de Portugal, constava uma informação, comunicada pela Ré, relativa à existência de uma dívida no valor de € 929.033,00, em situação de irregularidade, cujo vencimento já perdurava há mais de 36 meses e há menos de 48 meses.
2.-Em 27.02.2015, o Autor dirigiu-se a uma agência da Ré, na qual expôs a situação com a exibição do mapa, e efectuou uma reclamação escrita.
3.-A Ré respondeu ao Autor por missiva de 16.03.2015 na qual, além do mais, declara: «(…) confirmamos que devido a um deficiente procedimento operativo V. Exa. encontrava-se indevidamente associado a uma operação de crédito (…)».
4.-Na mesma data, a Ré comunicou ao Autor que procedeu de imediato à correcção do erro.
5.-Do mesmo mapa de responsabilidades de crédito referente ao Autor, constava, na mesma data, uma informação comunicada pela C com o seguinte teor: «situação de crédito – abatido ao activo – saldo 4109».
6.-Confrontado com a informação aludida em 1., o Autor ficou incomodado, sentiu vexame e sofreu alterações de humor, passando dias e noites irritado pela ocorrência de tal situação.
7.-O Autor pretendia intervir como garante de um empréstimo bancário, no valor de € 10.000,00, para aquisição de um estabelecimento comercial pela sua mulher e pela sua filha, o que não veio a acontecer.

O tribunal a quo enunciou na sentença os seguintes
Factos Não Provados:
a)-Que o Autor solicitou a uma instituição financeira uma operação de concessão de crédito com vista a constituir uma empresa em nome individual;
b)-Que o negócio aludido em 7. não se concretizou devido à comunicação da Ré referida em 1.

O Direito
Dispõe o art.º 483.º n.º 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Desenvolvendo um aspeto particular da norma anterior, estipula-se no art.º 484.º do mesmo Código que “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.”

Tem-se aqui em vista a honra, bem abrangido pela tutela geral da personalidade proclamada no art.º 70.º n.º 1 do Código Civil: “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.” A honra consiste, no dizer de Capelo de Sousa (“O direito geral de personalidade”, Coimbra Editora, 1995, pág. 301), na “projecção na consciência social do conjunto dos valores pessoais de cada indivíduo, desde os emergentes da sua pertença ao género humano até aqueloutros que cada indivíduo vai adquirindo através do seu esforço pessoal”. Inclui, no seu sentido amplo, o bom nome e a reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades do indivíduo no plano moral, intelectual, familiar, profissional, político ou social, e bem assim o crédito pessoal, como “projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem” (Capelo de Sousa, obra citada, páginas 304 e 305). Na proteção da honra tem-se também em conta o valor que cada um atribui a si próprio, a autoavaliação no sentido de não ser um valor negativo, especialmente do ponto de vista moral (cfr. José Beleza dos Santos, “Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria”, RLJ, ano 92.º, p. 181 e ss, nºs 2 e 5).
A tutela da honra radica na dignidade da pessoa humana, fundamento da ordem jurídica (art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa), a qual consagra expressamente a integridade moral e física e o bom nome e reputação como direitos pessoais fundamentais (artigos 25.º n.º 1 e 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

Tal tutela pode assumir feição penal, nos termos previstos nos artigos 180.º e seguintes do Código Penal.
In casu, visou o A. a tutela da sua honra à luz de uma perspetiva civilista, buscando o ressarcimento dos danos alegadamente sofridos em virtude de uma atuação do R. que constituiria este em responsabilidade civil extracontratual.
A responsabilidade civil por factos ilícitos (in casu, extracontratual) tem como pressupostos ou elementos a ocorrência do facto ilícito, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a culpa do agente (artigos 483.º, 487.º n.º 2, 488.º, 562.º, 563.º do Código Civil).
No caso, como se reconhece na sentença recorrida, ocorreu um facto ilícito, que foi a comunicação ao Banco de Portugal, por parte do R., de que o A. tinha para consigo uma dívida de quase um milhão de euros, encontrando-se o A. em incumprimento havia mais de três anos. Tal informação, que não correspondia à verdade, passou a constar na Central de Responsabilidades de Crédito, assegurada pelo Banco de Portugal nos termos previstos no Dec.-Lei n.º 204/2008, de 14.10, central essa de dados atinentes a responsabilidades de crédito de pessoas singulares e coletivas, a que podem recorrer as entidades participantes (de um modo geral, todas as instituições de crédito – art.º 2.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 204/2008) a fim de conhecerem as responsabilidades de pessoas, singulares ou coletivas, que lhes tenham solicitado crédito (art.º 6.º, n.ºs 1 a 3, do Dec.-Lei n.º 204/2008). Diz-se, na sentença recorrida (página 5), que “apesar de expeditamente [o R.] ter promovido a correcção do erro, não deixou de ficar violado o direito do Autor ao bom nome, no âmbito da actividade comercial bancária, como pessoa cumpridora e respeitadora dos seus compromissos.” Com efeito, a aludida informação, prestada pelo R. ao Banco de Portugal, imputava ao A. a responsabilização por uma verba elevadíssima, cujo incumprimento se estendia já por período prolongado, dando do mesmo uma imagem fortemente negativa.
Também o requisito da culpa, que consiste num juízo de censura ético-normativo que incide sobre o causador do dano, por se entender que podia e devia ter agido de forma diferente, se verifica, sendo certo que o R. assumiu a autoria do erro, não apresentando qualquer justificação para a ocorrência do mesmo.
No que concerne aos danos, que o A. alegou terem assumido feição patrimonial e não patrimonial, nada se provou relativamente à alegada vertente patrimonial. Efetivamente, conforme expressamente se consignou na sentença recorrida, não se provou que o A., em virtude da aludida comunicação do R. ao Banco de Portugal, se viu impedido de intervir como garante de um empréstimo bancário para aquisição de um estabelecimento comercial pela sua mulher e pela sua filha (alínea b) dos factos não provados), assim como não se provou que o Autor solicitou a uma instituição financeira uma operação de concessão de crédito com vista a constituir uma empresa em nome individual (alínea a) dos factos não provados) – que porventura teria ficado sem efeito em virtude da aludida informação errada prestada pelo R. ao Banco de Portugal.
Já quanto aos danos não patrimoniais, provou-se que “confrontado com a informação aludida em 1., o Autor ficou incomodado, sentiu vexame e sofreu alterações de humor, passando dias e noites irritado pela ocorrência de tal situação” (n.º 6 da matéria de facto).

Vejamos.

Em relação aos danos não patrimoniais, estabelece o n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil que serão ressarcíveis aqueles que, “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. No número 3 do mesmo artigo estipula-se que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º”, ou seja: “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”. Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo inflingido. Ou seja, os danos não patrimoniais constituem prejuízos que não se repercutem no património do lesado, mas tão só afetam interesses de ordem não patrimonial (v.g., sofrimento causado por ofensas à saúde, honra, bom nome), mas que se considera que justificam a imposição ao lesante de uma obrigação pecuniária, que reveste a natureza de uma compensação/satisfação (vide, v.g., Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, vol. I, 8.ª edição, Almedina, páginas 611 a 613).

In casu, trata-se da inclusão num sistema oficial de controle do risco de crédito de uma informação falsa, segundo a qual o A., pessoa singular, tinha uma dívida, para com o R., no valor de quase um milhão de euros, e encontrava-se em situação de incumprimento. Se bem que esse sistema de informação seja sigiloso (cfr. artigos 2.º n.º 5, 5.º n.º 2 e 7.º n.º 2 do Dec.-Lei n.º 204/2008) e nada se tenha provado quanto à divulgação da aludida informação perante terceiros (para além do Banco de Portugal), o certo é que a potencialidade de consequências negativas para a credibilidade face à comunidade é de tal monta que o simples conhecimento da sua existência pela pessoa visada é suscetível de lhe causar preocupação e transtorno psíquico a que a ordem jurídica não deve ficar indiferente. Tanto mais quando essa inclusão na aludida “lista negra” surge de forma absolutamente inusitada, provindo de uma instituição bancária com a qual não se mostrou que o A. tivesse qualquer relação negocial. Sendo certo que a circunstância de na lista de responsabilidades em fase de incumprimento por parte do A. constar um outro item, respeitante a um crédito, no valor de € 4 109,00, titulado pela C (n.º 5 da matéria de facto), acerca do qual aliás nada mais se sabe, não dilui nem obnubila o caráter ilícito e danoso da falsa informação prestada pelo R..

Cremos, pois, que a presente situação se integra no âmbito daquelas que, como se dá conta na doutrina (António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 6.ª edição, Almedina, pág. 448), têm originado a responsabilização pelos tribunais dos participantes na Central de Responsabilidades de Crédito que cometem nesta tão delicada matéria erros injustificáveis como o patenteado nestes autos.

Cabendo aqui reproduzir o sumário do acórdão do STJ, de 19.5.2011, proferido no processo 3003/04.2TVLSB.L1.S2 (consultável na base de dados do IGFEJ): “III. As angústias e transtornos causados pela indevida inclusão de um nome na base de dados de incumpridores, transmitida e comunicada ao Banco de Portugal, atingem o património moral dessa pessoa, devendo merecer a tutela do direito e, pela sua gravidade, ser indemnizados, nos termos previstos pelo art. 496.º do CC”.

Restará fixar o valor indemnizatório devido.

O A. reclamou o pagamento, a título de danos não patrimoniais, da quantia de € 15 000,00.

Os tribunais têm atribuído valores que, evidentemente, variam consoante as circunstâncias concretas de cada caso, encontrando-se montantes na ordem dos € 2 500,00 (acórdão da Relação de Lisboa, 15.9.2011, processo 6771/09.1TBOER.L1-8), € 6 000,00 (acórdão da Relação do Porto, de 28.4.2015, processo 5472/12.8TBMTS.P1), € 7 500,00 (acórdãos do STJ, de 18.01.2011 e de 19.5.2011, respetivamente no processo 6725/04.4TVLSB.L1.S1 e no processo 3003/04.2TVLSB.L1.S2), € 10 000,00 (acórdão da Relação de Lisboa, de 20.5.2014, processo 1723/10.1TXLSB.L1-1 e acórdão da Relação do Porto, de 27.5.2010, processo 671/08.0TBPFR.P1), € 15 000,00 (acórdão da Relação de Lisboa, de 12.01.2012, processo 6512/04.0TVLSB.L1-2).

No caso destes autos, a par do elevado grau de censurabilidade da atuação do R., ao prestar tão inusitada informação ao Banco de Portugal sem qualquer base factual para a mesma, haverá que considerar que o R. reconheceu o erro com relativa rapidez (cerca de duas semanas), após ter sido alertado para o mesmo pelo A. (n.ºs 2 a 4 da matéria de facto), procedendo logo de seguida à remoção da informação. Por outro lado, no sistema figurava um incumprimento do A. em relação a um outro banco, pelo que não poderá o A. invocar lesão na imagem de um devedor impoluto. Acresce que não se detetou concreto conhecimento, por terceiros, para além do Banco de Portugal, do incumprimento imputado pelo R. ao A..

Assim, tudo ponderado, afigura-se-nos ser de reconhecer ao A. uma compensação no valor de € 5 000,00 (cinco mil euros), valor atualizado a esta data (cfr. art.º 566.º n.º 2 do Código Civil e acórdão do STJ, de 09.5.2002, publicado no D.R., I-A, de 27.6.2002, jurisprudência n.º 4/2002).


DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida e em sua substituição condena-se o R./apelado a pagar ao A./apelante, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 5 000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, atualmente de 4%, vincendos a partir desta data e até integral pagamento.
As custas na primeira instância e da apelação são a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).



Lisboa, 28.9.2017



Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins