Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5404/2004-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
VIOLAÇÃO
MENORES
PROVA PERICIAL
RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/18/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 - No 3.º Juízo da Comarca do Barreiro - Processo Comum Colectivo n.º 362/01.2 GAMTA – onde também é arguido/recorrente (J), foi o mesmo condenado na pena de vinte anos de prisão, por haver sido considerado autor de: Um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 172.º, n.º 2; um crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.°, n.° 1; um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo mesmo normativo 172.°, n.° 2; um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo citado art.º 172.°, n.º 2; um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143.°, n.° 1; um crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 1; um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo referido art.º 172.º, n.º 2.

Porém, não conformado com a referida decisão, da mesma interpôs aquele o respectivo recurso, ...

(...)

Por outro lado, havendo ainda o recorrente, no decurso da audiência de julgamento, requerido a submissão dos menores (G), (AF) e (M) a perícia às respectivas personalidades, foi tal pretensão indeferida pelo Colectivo de Juízes.

Discordando também desta decisão, da mesma interpôs, igualmente, recurso, ...

(...)


2 – Cumpre apreciar e decidir:

São objecto dos presentes recursos, respectivamente, as decisões do tribunal “a quo” que não ordenaram a realização das peticionadas perícias à personalidade dos menores, e que, por outro lado, condenaram o recorrente a uma pena de vinte anos de prisão, violando, segundo este, as regras conducentes à determinação da medida da pena, do mesmo modo que entende ter sido violado o P.º in dúbio pro reo, e enfermar o acórdão condenatório dos vícios enunciados no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.
Vejamos:
Relativamente à decisão que indeferiu a realização de perícia às personalidades dos menores (G), (AF) e (M), foi o seguinte o despacho recorrido:
“(...)
1.º - Requereu o arguido (J) a submissão de (G), (AF) e (M) a perícia às respectivas personalidades, fundando para tanto tal pretensão na mera pretensa incoerência dos pessoais depoimentos em sede de inquérito (cfr. fls. 790).
Por despacho de fls. 791 foi relegado o correspondente conhecimento para a audiência de julgamento, pelo que cumpre-se decidir sobre o particular.
Com o devido respeito pelo entendimento em tal peça plasmado, não se colhe que, em função de eventual incoerência ou correspondência de informação testemunhal se retire qualquer perturbação da capacidade de apreensão da realidade histórica ou material da vida e a respectiva transmissão.
Ademais, em sede de julgamento nenhum dado relevante atinente a qualquer distúrbio de personalidade, máxime da aptidão perceptiva dos episódios eventualmente co-interpretados por qualquer dos identificados cidadãos e capacidade de os transmitir, se observou no decurso das “conversas” com todos mantidas nas diversas sessões.
Eventuais falhas de uniformidade informativa a propósito dos mesmos eventos nada colidem com tal capacidade individual e, como em todos e na maioria dos casos sujeitos a julgamento haverão que ser ponderadas em sede própria, deliberativa, concatenadamente, outrossim, com todos os demais elementos probatórios a propósito produzidos.
Como assim, não se reconhecendo bastante justificação, indefere-se a pretensão em apreço (...)”.

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(...)
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Conhecendo-se do primeiro dos recursos interpostos, e que tem por objecto a decisão que indeferiu a realização de perícia à personalidade dos menores, entende-se, tal como na decisão recorrida, que nada justificava o exame em causa, designadamente nos termos em que o fundamenta o recorrente.
Dispõe o invocado art.º 131.º, n.º 1, do C.P.P. que “qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos casos previstos na lei”.
O n.º 2, por sua vez, diz que “a autoridade judiciária verifica a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo.
Tratando-se de depoimento de menor de 16 anos em crime sexual, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito que “pode ter lugar perícia sobre a personalidade”.
Resulta assim do preceito em causa que a realização de perícia a menor de 16 anos, que haja de prestar testemunho, é facultativa, cabendo, por isso, à respectiva autoridade judiciária, aferir, em cada momento, e de acordo com as circunstâncias que se lhe depararem, da necessidade da mesma.
Diz-se no acórdão do S.T.J. de 7/12/1999, Proc. 530/99, 5.ª Sec., que “com a perícia mencionada no art.º 131.º, n.º 3, do C.P.P., visa-se determinar o estado de desenvolvimento do menor, especialmente no plano psíquico, o grau de maturidade, em ordem a detectar se possui ou não capacidade para compreender, avaliar e relatar factos que digam respeito a si ou a outrem; elementos esses coadjuvantes do tribunal, que lhe permitem avaliar da credibilidade que deve ser atribuída ao testemunho prestado ou a prestar”.
Ora, no caso dos autos, considerou o tribunal “a quo” que “em sede de julgamento nenhum dado relevante atinente a qualquer distúrbio de personalidade, máxime da aptidão perceptiva dos episódios eventualmente co-interpretados por qualquer dos identificados cidadãos e capacidade de os transmitir, se observou no decurso das “conversas” com todos mantidas nas diversas sessões.
Depois, se houve, no decurso do processo, depoimentos prestados pelos menores que são contraditórios entre si, não é isso sinónimo de “falhas” de personalidade, ou de qualquer outro tipo de perturbações. Comportamentos destes, lamentavelmente, até os adultos os têm, designadamente nos julgamentos, onde, envolvidos nas frequentes teias de interesses, apenas se lembram daquilo que, no momento, mais lhes convém. E isto é do dia a dia dos tribunais, passando até por ilustres cidadãos!
Por outro lado, e como muito bem diz o M.º P.º na sua “resposta” ao recurso em causa, “(...) não constitui fundamento para a realização da perícia a existência de indiferença e desprendimento face aos comportamentos sexuais de que alegadamente foram vítimas, pois que tal comportamento é perfeitamente justificável face aos continuados e reiterados abusos de que foram vítimas, em nada colidindo com a respectiva capacidade para testemunhar; Assim, a existência de comportamentos desviantes dos menores, para os quais contribuiu, com toda a probabilidade o ora recorrente, não pode nem deve ser motivo para arredar o respectivo depoimento, que se revelou, de forma global, coerente”.
E assim devem ser entendidos os pequenos “desvios” nos depoimentos prestados no decurso do processo, compreendidos em jovens profundamente traumatizados, que foram arrastados para o campo da degradação física e moral pelo recorrente.
Porém, a demais prova produzida em julgamento, na convergência dos depoimentos prestados pelos menores, são bem demonstrativos de que estes não falaram leviana ou infundadamente, ou de modo a levantar suspeitas sobre a sua personalidade, e logo todos!
Assim sendo, haverá o recurso em causa de ser julgado improcedente.
*
Relativamente ao recurso interposto do acórdão condenatório, haverá o mesmo de ser rejeitado na parte referente à matéria de facto.
Vejamos:
Dispõe o art.º 420.º, n.º 1, do C.P.P., que “o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do art.º 414.º, n.º 2 (v.g., quando faltar a motivação)”.
Simas Santos e Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, pg. 104, sgs., 5.ª Edição, dizem que o legislador do Código de Processo Penal, ao estruturar o regime dos recursos, “tentou obviar ao reconhecido pendor para o abuso dos recursos, abrindo-se a possibilidade de rejeição liminar de todo o recurso por manifesta falta de fundamento”.
Dizem, por outro lado, “que se pretendeu, assim, que os recursos não sejam um modo de entorpecimento da justiça, um monólogo com vários intérpretes ou um jogo de sorte ou azar.
O recorrente ficou, pois, com o ónus de estrita motivação do recurso, o qual, visando matéria de direito, compreende a indicação das normas jurídicas violadas, o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada e, em caso de erro de determinação da norma aplicável, a norma que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada; e, versando matéria de facto, dos pontos factuais considerados incorrectamente julgados, das provas que impõem decisão diversa da recorrida e das provas que devem ser renovadas.
(...) E os Tribunais Superiores podem e devem seleccionar os recursos de que conhecem por meio de um processo simplificado, por ter por manifesta a sua improcedência”.
E a rejeição pode assumir-se, respectivamente, nas vertentes formal e substantiva.
Aquela, a formal, prende-se com a “insatisfação dos requisitos constantes dos nºs. 2 e 3 do art.º 412.º (especificações nos recursos em matéria de direito ou em matéria de facto, depois de esgotadas as possibilidades de aperfeiçoamento) ou verificação de causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do art.º 414.º, n.º 2 (irrecorribilidade da decisão, intempestividade do recurso, falta de condições para recorrer, falta ou insuficiência da motivação) – art.º 420.º, n.º 1, 2.ª parte. (Esta rejeição obsta ao conhecimento do mérito do recurso)”;
Esta, a material ou substantiva, materializa-se “na manifesta improcedência do recurso – art.º 420.º, n.º 1, 1.ª parte, a qual pressupõe a apreciação do mérito. O Tribunal de recurso conclui que este é improcedente e de forma manifesta, o que significa que, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos Tribunais Superiores, é patente a sem razão do recorrente, sem necessidade de ulterior e mais detalhada discussão jurídica em sede de alegações escritas ou alegações orais”.
Assim sendo, e reportando-nos ao caso dos autos, temos que da sua motivação resulta o propósito de o recorrente impugnar, quer a matéria de facto, quer a de direito.
Porém, não havendo dado cumprimento ao disposto no art.º 412.º, nºs. 3 e 4, do C.P.P., foi o mesmo convidado a fazê-lo, conforme despacho de fls. 1205. E não o fez, nas várias possibilidades que, para tal, lhe foram concedidas.
Ora, dispõe o referido art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P., que “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) – os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados; b) – as provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) – as provas que devem ser renovadas”.
Por outro lado, e segundo o n.º 4 do referido preceito, “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição”.
E, tudo isto, sob pena de rejeição do recurso, conforme n.º 2 do citado preceito, analogicamente aplicado, de acordo com o corrente entendimento doutrinal e jurisprudencial – v.g., Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., pgs. 96 a 98, e jurisprudência por estes citada – e, ainda, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 320/2002, de 9/7/02, in DR. I-A, de 07/10/02.
Deste modo, e porque o recorrente não deu cumprimento ao que lhe fora ordenado, haverá sempre o recurso em causa de ser rejeitado, no que à matéria de facto diz respeito.

Resta, por isso, a apreciação do objecto do recurso referente à matéria de direito.
Assim, desde logo, e como é pacífico entendimento, “as conclusões têm a função de delimitar o objecto do recurso”.
Se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões” - Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., pg. 93, transcrevendo o Ac. do STJ de 01/7/05.
Ora, se atentarmos nas conclusões formuladas pelo recorrente, não manifestam as mesmas mais do que o propósito daquele em recorrer da matéria de facto, com a qual diz não se conformar. Porém, não diz porquê, limitando-se a dizer que não se produziu prova suficiente para a sua condenação!
Depois, partindo desta simples conclusão, e apenas nela alicerçado, diz que a pena aplicada é pesadíssima, havendo a decisão recorrida, nesta parte, violado o disposto nos artºs. 70.º, 71.º, n.º 2 e 72.º, do mesmo modo que entende ter sido violado o P.º in dubio pro reo, e verificarem-se todos os vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.
Porém, procurando na sua motivação o necessário suporte à arguição dos vícios em causa, apenas se vê que o mesmo, rigorosamente, se dispersa em considerações genéricas relativamente à factualidade que foi considerada provada, fazendo-o numa clara afronta ao P.º da Livre Apreciação da Prova, já que questiona, sem o poder fazer, ante a limitação do recurso à matéria de direito, a convicção livremente formada pelo tribunal “a quo”, do mesmo modo que, e com base nesse seu entendimento, diz haver sempre uma situação de dúvida conducente à sua absolvição, bem como, e ainda com base na referida percepção dos factos, um erro notório na apreciação da prova.
Assim, da “contradição insanável entre a fundamentação e a decisão” e da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, nem referência é feita na mesma fundamentação.
Porém, o seu conhecimento, a existirem estes vícios, sempre seria imposto ao tribunal de recurso, à luz do citado art.º 410.º, n.º 2.
Só que, dos mesmos não enferma a decisão recorrida, da qual é bem patente a preocupação do rigor e da perfeição.
Ora, relativamente à suposta violação do P.º in dubio pro reo, alicerçando-se a sua invocação naquilo que é a pura convicção do recorrente, ante os factos, indiscutíveis, que foram dados como comprovados, não permitem os mesmos a sua aplicação.
Como diz Maia Gonçalves, em anotação ao art.º 126.º do Cód. Proc. Penal, “este princípio estabelece que, na decisão de factos incertos, a dúvida favorece o réu. É um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário”, ou, ainda, conforme o Prof. Figueiredo Dias, “um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguído”.
Aquí, como é bem evidente, não existe qualquer situação de dúvida relativamente ao comprometimento do recorrente na prática dos imputados crimes.

Relativamente à “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, no dizer de Tolda Pinto, in “A Tramitação Processual Penal”, 2.ª edição, pg. 1035, “a mesma existe quando, através dos factos dados como provados, não sejam logicamente admissíveis as ilações do tribunal a quo, não estando, porém, definitivamente excluída a possibilidade de as tirar. Esta, porém, não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da livre convicção do julgador e das regras da experiência“.
Existirá, assim, insuficiência da matéria de facto para a decisão se no acórdão recorrido não estiverem vertidos todos os elementos subjectivos e objectivos do tipo legal de crime cuja prática se imputa ao recorrente.
Ora, também aquí, porque é óbvio, e o recorrente também não demonstra que assim o não seja, não existe o referido vício.
Da prova exaustivamente produzida em julgamento, e pormenorizadamente referida na respectiva fundamentação, resulta que outra não poderia ter sido a decisão a proferir pelo tribunal “a quo”.

Do mesmo modo, também de contradição insanável da fundamentação não poderá falar-se, pois que a mesma não existe, e o recorrente, igualmente, não o demonstra, quando é certo que aquela só se verifica “quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal” – Acs. do STJ de 6/10/1999 e 13/10/1999, in “A Tramitação Processual Penal”, 1058 – Tolda Pinto.
Também em Ac. do mesmo STJ, de 2/12/1999, Proc. n.º 1046/99, 5.ª Secção, se concluiu que “existe contradição insanável da fundamentação quando se dá como provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão. Este vício tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum”.
E o mesmo, como é bem evidente, não existe, como foi já referido.

Relativamente ao “erro notório na apreciação da prova”, que o recorrente, indevidamente, faz radicar na diferente valoração que ele faz da prova produzida em julgamento, e até por isso, é manifestamente descabido.
O “erro notório na apreciação da prova” existe quando, no dizer de Tolda Pinto, in “A Tramitação Processual Penal”, 2.ª Edição, pg. 1036, sg., “o juízo formulado revele uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários, de todo insustentáveis. A incongruência há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (...), ao observador na qualidade de magistrado, dotado de formação e experiência adequadas a um tribunal de recurso. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional (...)”.
A nível jurisprudencial é também entendimento pacífico que o referido erro só existe quando, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, sendo esta uma limitação ao princípio da livre apreciação da prova – Ac. do STJ, de 4/10/2001, CJ. (Acs. Sup.) Ano IX, Tomo III, 182.
E esse erro, que o recorrente também não foi capaz de precisar, não existe.
Daquí se vê a ligeireza com que o autor faz a invocação dos vícios aludidos no art.º 410.º, sem que, e ainda que da forma mais ténue, seja capaz de os sustentar em meros indícios.
Para si, e a qualquer preço, o que mais parece interessar-lhe é furtar-se à respectiva acção punitiva. As razões, essas, o tribunal de recurso que as procure!

Quanto à medida da pena, encontra-se esta suficientemente justificada na decisão recorrida.
A culpa e o grau de ilicitude dos factos atingem a sua dimensão máxima, sendo que para qualificar a conduta do recorrente até se torna difícil encontrar a adjectivação adequada.
Reprovável, a todos os títulos, conduta como aquela que foi imputada ao recorrente, sendo que o mesmo, por ter a idade que tem, mais lhe era imposto moderar os seus instintos, e não adulterar o comum sentimento de que é à sombra dos idosos que mais protegidas se sentem as crianças.
É certo que, “aos velhos, por serem velhos, tudo é lícito”. Porém, mas só daquilo que o é, e os excessos que normalmente lhes são imputados orientam-se, felizmente, em sentido contrário!
O recorrente, porém, a julgar pelo acórdão recorrido, aliciou-os, primeiro, para os trair, depois, condenando-os a um trauma que há-de perdurar ao longo de todas as suas vidas, e que para alguns deles, se não mesmo para todos, constituirá uma pena bem mais pesada que aquela que foi imposta ao recorrente. Que vergonhoso comportamento!
Por isso, os vinte anos de prisão a que foi condenado, ante as respectivas penas parcelares, não podem merecer reparo. Aqui, o crime acabou por compensar!

3 - Nestes termos, e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos Juízes, em audiência, em negar provimento aos recursos, confirmando as decisões recorridas.

Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em 15 Ucs.

Lisboa, 18 de Novembro 2004

Almeida Cabral
João Carrola
Carlos Benido
Almeida Semedo