Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23953/13.4T2SNT.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: INSOLVÊNCIA
TRIBUNAL ALEMÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1-Estando a presente acção pendente antes da declaração de insolvência por parte do competente Tribunal Alemão é aplicável ao caso vertente a excepção estabelecida no artº15º com referência ao artº4º do Regulamento (CE) nº 1346/2000 de 29-5.
2-Logo a utilidade, ou não, desta mesma acção é definida pelo Estado de abertura do processo de insolvência (lex concursus).
3-In casu, o Estado/Tribunal Alemão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


A aqui Autora, “M. CONSTRUÇÕES M.S, S.A.,” interpôs a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra:

"IGHTEX GMBH", pessoa colectiva constituída ao abrigo da Lei Alemã, com sede em Theodor- Sanne-Str.6, D-83233, Bernau, Alemanha.

Pedindo a condenação da Ré a pagar à Autora as seguintes quantias:

a)€479.604,37, a título dos custos já suportados pela Autora em virtude dos trabalhos de reparação que foi obrigada a efectuar nas almofadas da cobertura do Dolce Vita Tejo e nas caleiras (cfr. artigos 251.° a 271.0 supra);
b)A quantia correspondente aos custos inerentes aos trabalhos de reparação em curso e aos trabalhos que terão ainda de ser efectuados a expensas da Autora, em montante ainda não quantificado definitivamente mas não inferior a €1.722.396,90;
c)A quantia correspondente a outros custos suportados pela Autora em virtude do incumprimento contratual da Ré, nomeadamente, os encargos com a constituição e manutenção das garantias bancárias e os juros de mora vencidos sobre as facturas tardiamente pagas pelo dono de obra, em montante ainda não quantificado definitivamente mas não inferior a €666.624,10;
d)Os juros devidos sobre as quantias mencionadas nas alíneas a), b) e c) anteriores deste petitório, desde a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento;
e)A quantia, a liquidar, devida à Autora por força dos danos de imagem sofridos em virtude da repercussão das vicissitudes ocorridas na execução da Empreitada para a instalação da cobertura do Dolce Vita Tejo na reputação comercial da Autora.

Fundamentalmente, funda a sua pretensão no incumprimento contratual da Ré.

Sobreveio ao processo a informação, carreada pela Autora de que a acima referida Ré foi declarada insolvente por decisão do Tribunal de Comarca de Rosenheim, datada de 15-12-2014, tendo a ora Autora procedido à apresentação da sua reclamação de créditos no âmbito desse processo de insolvência, em curso, na sequência de missiva que lhe foi enviada pelo respectivo Administrador de Insolvência.

A Autora foi notificada da possibilidade de ser declarada a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, tendo manifestado a sua oposição.

E FOI PROFERIDA A SEGUINTE DECISÃO/OBJECTO DE RECURSO:
“-…-

Cabe, então, aferir dos efeitos da declaração de insolvência da Ré destes autos, por decisão de Tribunal de país da União Europeia (Alemanha) nesta nossa acção judicial.

Em conformidade com o teor do Regulamento (CE) nº 1346/2000, do Conselho, dc 29 de Maio, a declaração de insolvência de sociedade comercial sediada em Estado-Membro da União Europeia, por Tribunal desse Estado-Membro, é imediata e automaticamente reconhecida noutro Estado Membro produzindo, no ordenamento jurídico deste último, os mesmos efeitos que produz no Estado Membro em que a decisão foi proferida (cfr. arts. 3° e 4° do citado Regulamento (CE) nº 1346/2000).

"Regra esta - sobre ser a lei do Estado Membro - de abertura do processo de insolvência que determina todos os seus efeitos processuais e imateriais que sofre os desvios/ressalvas constantes dos arts.5º a 15º do Reg. nº 1346/2000.7 - vide Acórdão da Relação de Coimbra, de 17-12-2014, disponível em www.dgsi.pt

"Estando em causa acções pendentes, os efeitos do processo de insolvência regem-se, exclusivamente, pela lei do Estado Membro em que a referida acção se encontra pendente - arts.15º do Regulamento e 285° do CIRE"vide, Acórdão da Relação do Porto, de 5-6-2008, disponível em www.dgsi.pt.

E, efectivamente, é este o sentido do disposto pelos referidos arts.15°, do Regulamento (CE) n° 1346/2000 e 285°, do CIRE.

E, assim sendo, como cremos que é, será à luz da lei portuguesa que devemos aferir dos efeitos da insolvência decretada na Alemanha, relativamente à acção judicial que aqui se mostra pendente contra a Ré/Insolvente "HIGHTEX GMBH"; e em que se formula pedido que atinge o património da aqui Ré.

Ora, à luz da lei portuguesa - Lei do Estado-Membro em que esta nossa acção se mostra pendente; e lei aplicável em conformidade com o disposto pelo sobredito art.15º, do Regulamento (CE) nº 1346/2000 e pelo art.285º, do CIRE - o processo de insolvência é um processo que tem como finalidade a liquidação de todo o património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (não havendo plano de recuperação da empresa) - arts.1º e 46º, do C.I.R.E.

À luz desta mesma lei, proferida a sentença de insolvência são apreendidos todos os bens da massa insolvente - art.149º, nº 1, do C.I.R.E.

E, bem assim, a declaração de insolvência obsta à instauração de qualquer acção executiva intentada pelos credores da falência - art.88º do CIRE.

E os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos, na pendência do processo de insolvência, em conformidade com os preceitos do C.I.R.E. - art.90º, do C.I.R.E.
Assim, em prazos curtos, após a prolação da sentença de insolvência devem ser reclamados os créditos sobre o insolvente - arts.128º e ss. do C.I.R.E.; sendo certo que, mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por sentença não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência caso pretenda obter pagamento – nº 3, do citado art.128º.

Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer o meio de acção a propor contra a massa insolvente - art.146º, nº 1, do CIRE.

Assim, à luz da lei portuguesa, aplicável ao caso conforme o sobredito art.15° do Regulamento (CE) n° 1346/2000 e o art.285°, do CIRE, ainda que, em sede de acção declarativa condenatória, venha a ser reconhecido certo crédito relativamente à ré/insolvente, não pode já ser intentada qualquer acção executiva - art.88°, do C.I.R.E. - contra tal ré; e, nos termos sobreditos, sempre, esse crédito, terá de ser reclamado nos autos de insolvência.

E por isso, à luz da lei portuguesa - Lei do Estado-Membro em que esta nossa acção se mostra pendente - não se vê qualquer utilidade na prossecução dos termos de acção declarativa de condenação, em que se visa o reconhecimento de certo direito de crédito do demandante, sobre o património do devedor, quando o demandado já foi alvo de sentença em que se decretou a sua insolvência.

Aliás, depois de muita jurisprudência que veio acolher esta conclusão retirada dos sobreditos preceitos legais, em 8-5-2013, foi proferido, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Proc. nº 170/08.0 TTALM.LI.S1, relatado pelo Conselheiro Manuel Augusto Fernandes da Silva, Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, justamente, neste sentido que enunciamos.

E, nessa sequência, conforme Acórdão deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2013, disponível in http://www.dgsi.pt/istj.nsf, volta a decidir-se: "Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.287.° do C.P.C.".

Foi justamente neste sentido que se decidiu em Acórdão da Relação de Guimarães, de 13-9-2007, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf, “aplicando-se a lei portuguesa, por se tratar da lei do Estado-Membro em que a acção se mostra pendente, nos termos do disposto no art.15° do Regulamento CE n° 1346/00, do Conselho de 29 de Maio, em resultado do que se revogou a sentença condenatória proferida pelo Tribunal português, mostrando-se decretada, nesse caso, por Tribunal espanhol, a insolvência da Ré, nessa acção. Concluindo-se, nesse douto aresto na aplicação da lei portuguesa, tendo obrigatoriamente o autor que reclamar o seu crédito, nos termos do artigo 128°, do CIRE, a lide tornou-se inútil por força da decisão proferida no 6° Juzgado Mercantil de Madrid.”

Nestes termos, salvo o devido respeito por diferente entendimento, cremos que, na aplicação da lei portuguesa - lei do Estado-Membro em que, esta nossa acção se mostra pendente, aplicável por força do disposto pelo art.15° do Regulamento (CE) n° 1346/2000 - não pode deixar de concluir-se, com os fundamentos supra expostos, pela inutilidade superveniente da presente lide.

Considerando o supra exposto, declara-se extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide - art.277°, al. e), do Código de Processo Civil (na versão) da Lei n° 41/2013, de 26 de Junho).
Custas em partes iguais pela Autora e pela Ré - C.P. Civil.
-…-.”

Desta sentença veio a A. recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

A)A decisão recorrida, ao absolver a Ré da instância por inutilidade superveniente da lide, é injusta e assenta numa incorrecta interpretação e aplicação da lei, motivos pelos quais deverá ser revogada por este douto Tribunal da Relação.
B)Ao contrário do que foi assumido na sentença recorrida, o Regulamento (CE) n.º 1346/2000 não determina quais são os efeitos decorrentes da declaração de insolvência para as acções declarativas pendentes contra o Insolvente, nem manda aplicar as regras constantes do CIRE a casos como o presente.
C)O art.º15º daquele Regulamento CE não impunha ao Tribunal a quo a aplicação do CIRE ao caso em apreço, contrariamente ao que foi assumido na sentença recorrida.
D)Mesmo que se entendesse que, perante a insolvência da Ré, era necessário aplicar o CIRE Português, o que não se concede, ainda assim sempre teria que se concluir que a sentença recorrida fez uma incorrecta aplicação do CIRE ao caso concreto, desde logo por ter fundamentado a respectiva decisão num conjunto de normas que não são aplicáveis in casu, nomeadamente, as normas constantes dos artigos 149.°, 88 °, 90º daquele diploma.
E)Ainda que o CIRE fosse aplicável, a sentença recorrida sempre enfermaria de claro erro de julgamento, por desconsiderar o disposto no artigo 85.° do CIRE, norma de que resulta que o efeito normal da declaração de insolvência não é o da inutilidade superveniente da lide, mas sim a apensação das acções pendentes ao processo de insolvência, assegurando a prolação de uma decisão sobre o mérito da causa submetida a juízo sem, no entanto, comprometer a natureza universal do processo de insolvência.
F)No caso sub judice a apensação não é possível uma vez que o processo de insolvência da Recorrida corre os seus termos na República Federal da Alemanha, situação essa que não foi objecto de previsão expressa no CIRE.
G)Do artigo 85.º do CIRE resulta que, nos casos em que haja apensação de acções (por falta de verificação dos respectivos pressupostos, como seja o de ser requerida pelo administrador de insolvência) a acção proposta contra o insolvente deve prosseguir os seus termos, pois o autor da acção não perde o direito à apreciação jurisdicional da sua pretensão pelo simples facto de o réu ter sido declarado insolvente, contrariamente ao decidido na sentença recorrida.
H)Ao desconsiderar o disposto no artigo 85.º do CIRE e ao impedir o prosseguimento da presente acção, a sentença recorrida incorreu num manifesto erro de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto naquela norma, bem como o direito da Recorrente à tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.° da CRP e 2.º/1 do CPC.
I)A sentença recorrida enferma ainda de manifesto erro de julgamento na parte em que decidiu que a decisão de insolvência do réu implica automaticamente a inutilidade superveniente de qualquer instância declarativa dado que a sentença que venha eventualmente a ser proferida não poderá ser executada, entendimento que atenta contra diversas decisões dos nossos Tribunais Superiores (cfr. nomeadamente Acórdão deste douto Tribunal da Relação de Lisboa de 01.07.2010, Processo n.º 12/2002.L1-6).
J)A avaliação da "utilidade" da lide para efeitos de aplicação do disposto no artigo 277.º/e) do CPC deve ser aferida à luz da utilidade de que a lide se reveste para as partes, critério esse que não foi atendido na decisão recorrida.
K)A reclamação de créditos apresentada pela Recorrente no processo de insolvência da Recorrida (na Alemanha) não foi instruída com um título que garanta o reconhecimento do direito reclamado, tendo consequentemente sido recusada, o que certamente não sucederia se tivesse sido fundamentada com base numa sentença condenatória proferida pelos Tribunais Portugueses.
L)A Recorrente está impedida de obter uma sentença declarativa similar na República Federal da Alemanha, porque as Partes convencionaram que quaisquer litígios emergentes da` respectiva relação contratual seriam exclusivamente submetidos à apreciação dos Tribunais Portugueses.
M)Em consequência da sentença recorrida, a Recorrente encontra-se, neste momento, confrontada com uma situação em que a (i) jurisdição portuguesa se recusa a apreciar o mérito da presente causa e simultaneamente, (ii) a jurisdição alemã pode recusar-se apreciar o mérito da causa em virtude de as partes terem convencionado que qualquer litígio emergente do contrato entre si celebrado deveria ser apreciado exclusivamente pelos Tribunais Portugueses.
N)Para a Recorrente, a prolação de uma sentença condenatória neste processo não apenas é (i) útil na medida em que permite obter de forma directa o reconhecimento do crédito reclamado pela Autora na insolvência da Ré, como (ii) é imprescindível, sob pena de a Recorrente se ver arredada da possibilidade de obter o pagamento das quantias que lhe são devidas pela Recorrida, pelo que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, não se verifica qualquer inutilidade superveniente da lide.
O)Por fim, ao julgar extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, a sentença recorrida viola ainda o direito constitucional da Recorrente à tutela jurisdicional efectiva (v. artigo 20.º da CRP e artigo 2.º/1 do CPC), uma vez que, face ao pacto de jurisdição constante do contrato celebrado entre Autora e Ré, os Tribunais da jurisdição da Ré podem recusar-se a apreciar o mérito da pretensão da Autora, sendo que é aos Tribunais Portugueses que compete, em primeira linha, assegurar aquele direito Recorrente consagrado na Constituição Portuguesa.
P)Para acautelar o referido direito constitucional da Recorrente, o douto Tribunal a quo sempre poderia, pelo menos, ter suspendido os presentes autos até que fosse proferida uma decisão definitiva na jurisdição alemã sobre a acção interposta pela Autora para a impugnação da decisão do Administrador de Insolvência que rejeita a respectiva reclamação de créditos, o que no entanto não se verificou, tendo a sentença recorrida optado pela solução mais gravosa para a Recorrente (a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide).
Q)A sentença recorrida violou ainda o disposto no artigo 567º do CPC, que impunha que fossem considerados confessados os factos não contestados pela Recorrente tendo sido regularmente citada, não contestou a presente acção.
R)A douta sentença proferida deve assim ser revogada e substituída por outra que se pronuncie sobre o mérito da causa e face, à não apresentação de contestação pela Recorrida depois de regularmente citada, atendendo ao disposto no artigo 567.° do CPC, julgue confessados os factos alegados pela Autora.
NESTES TERMOS, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorri da, ordenando-se a remessa dos autos ao douto Tribunal a quo para prosseguimento da acção e apreciação do mérito da causa.
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-Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos (após o que foram juntos aos autos um requerimento e um documento com o nº1, os quais vão ser apreciados neste aresto como questão-prévia).
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APRECIANDO E DECIDINDO.
Thema decidendum:
-Em função das conclusões do recurso, temos que:

a)A apelante/A. pugna pelo prosseguimento dos autos e consequente revogação da decisão recorrida que declarou extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide – artº277º e), do CPC;
b)Sendo que a questão principal e o consequente desfecho da apelação tem a ver com a interpretação do artº15º do Regulamento (CE) nº 1346/2000 de 29-5 regulador das denominadas “Insolvências Transfronteiriças”.

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I-QUESTÃO-PRÉVIA:
A recorrente “M.”/A. veio ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 651º nº1 e 425º do CPC expor e requerer o seguinte:
“-…-

1.-O presente recurso veio interposto de uma decisão judicial proferida em 1ª instância através da qual o douto Tribunal a quo decidiu extinguir, por inutilidade superveniente da lide a acção de condenação intentada pela ora Recorrente contra a Ré (sociedade de direito alemão) em virtude de esta ter sido declarada insolvente na Republica Federal da Alemanha.
2.-No recurso interposto, a Recorrente pugnou pela manifesta utilidade na prolacção de uma pronúncia sobre o mérito da causa, explicando, inclusivamente, que a prolacção de um sentença na jurisdição portuguesa poderia condicionar o desfecho dos procedimentos judiciai em curso na jurisdição alemã.
3.-De facto, e conforme foi referido no ponto 72 das alegações de recurso apresentadas, reclamação de créditos que a Recorrente apresentou na processo de insolvência da Recorrida na Alemanha não foi aceite pelo Administrador de Insolvência, a que levou a que a Recorrente tivesse que Impugnar essa decisão do Administrador de Insolvência junto dos Tribunal Alemães.
4.-Ora, por decisão proferida em 07,10.2015 cuja cópia se junta corno DOCUMENTO Nº 1, a 1ª Secção em Matéria Comercial do Tribunal da Comarca de Traunstein decidiu suspender a decisão do processo impugnatório em causa até que seja proferida uma decisão definitiva nos presentes autos sobre a existência da crédito peticionado pela Recorrente.
5.-A decisão cuja cópia ora se junta ao abrigo do disposto nos artigos 651º nº1 e 425º do CPC constitui, assim, um facto superveniente que atesta a manifesta utilidade da decisão de mérito a proferir nos presentes autos e, consequentemente, demonstra a injustiça da decisão proferida em 1ª instância, que deverá ser revogada.
Nestes termos requerer-se a junção do aludido documento nº1.
-…-”

-Notificada a parte contrária da requerida junção e do referido documento devidamente traduzido para português, nada disse.

Cumpre decidir.

Estipula o nº1 do artº651º (junção de documentos e pareceres):

-As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artº425º (não ter sido possível a junção até ao encerramento da discussão/julgamento) ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

Ora, é precisamente o caso, uma vez que se trata duma decisão proferida pelo Tribunal do Estado-Membro/República Federal da Alemanha – Tribunal da Comarca de Traunstein/1ª Secção em Matéria Comercial - que declarou a insolvência da R. nestes autos e que tem reflexos na apreciação do presente recurso.
Pelo que fica dito, admite-se a junção do referido documento.
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II-PASSANDO À QUESTÃO CENTRAL: Inutilidade, ou não, da presente lide na sequência da declaração de insolvência da R..
A recorrente diverge do decidido por, desde logo, fazer diferente interpretação do artº15º do Regulamento (CE) nº 1346/2000 de 29-5.

Argumenta ainda e em síntese, ter havido uma incorrecta aplicação do CIRE português, nomeadamente, quanto ao disposto nos artºs.149.°, 88 °, 90º daquele diploma e ao desconsiderar o previsto no artº85º do mesmo CIRE.

E finalmente, ao negar-lhe o acesso à justiça - tutela jurisdicional efectiva – direito este com consagração constitucional – artº20º da CRP e 2º nº1 do CPC.

O CITADO REGULAMENTO (CE) Nº 1346/2000 É RELATIVO AOS PROCESSOS DE INSOLVÊNCIA E TEM A SUA GÉNESE E RAZÃO DE SER EXPLICITADAS NOS SEGUINTES CONSIDERANDOS:
“-…-

(1)A União Europeia estabeleceu o objectivo de criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça.
(2)O bom funcionamento do mercado interno exige que os processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços e se efectuem de forma eficiente e eficaz. A aprovação do presente regulamento é necessária para alcançar esse objectivo, o qual se insere no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil, na acepção do artigo 65º do Tratado.
(3)Cada vez mais, as actividades das empresas produzem efeitos transfronteiriços e são, por este motivo, regulamentadas por legislação comunitária. Como a insolvência dessas empresas afecta, nomeadamente, o bom funcionamento do mercado interno, faz-se sentir a necessidade de um acto da Comunidade que exija a coordenação das medidas a tomar relativamente aos bens de um devedor insolvente.
(4)Para assegurar o bom funcionamento do mercado interno, há que evitar quaisquer incentivos que levem as partes a transferir bens ou acções judiciais de um Estado-Membro para outro, no intuito de obter uma posição legal mais favorável (forum shopping).
(5)Estes objectivos não podem ser concretizados de modo satisfatório a nível nacional, pelo que se justifica uma acção ao nível comunitário.
(6)De acordo com o princípio da proporcionalidade, o presente regulamento deve limitar-se às disposições que regulam a competência em matéria de abertura de processos de insolvência e de decisões directamente decorrentes de processas de insolvência e com eles estreitamente relacionadas. Além disso, o presente regulamento deve conter disposições relativas ao reconhecimento dessas decisões e ao direito aplicável, que respeitam, igualmente, aquele princípio.
(7)Os processos de insolvência relativos à liquidação de sociedades ou outras pessoas colectivas insolventes as concordatas e os processos análogos ficam excluídos do âmbito de aplicação da Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial(a), assinada em Bruxelas em 1968, alterada pelas convenções de adesão a essa convenção.
(8)Para alcançar o objectivo de melhorar a eficácia e a eficiência dos processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços é necessário e oportuno que as disposições em matéria de competência, reconhecimento e direito aplicável neste domínio constem de um acto normativo da Comunidade, vinculativo e directamente aplicável nos Estados-Membros.
(9)O presente regulamento é aplicável aos processos de insolvência, independentemente de o devedor ser uma pessoa singular ou colectiva, um comerciante ou um não comerciante. Os processos de insolvência a que se aplica o presente regulamento estão enumerados nos anexos. Os processos de insolvência relativos a empresas de seguros, instituições de crédito e empresas de investimento detentoras de fundos ou títulos por conta de terceiros e as empresas colectivas de investimento devem ficar excluídas do seu âmbito de aplicação. Essas empresas não devem ficar abrangidas pelo presente regulamento por estarem sujeitas a um regime específico e dado que, em certa medida, as autoridades nacionais de fiscalização dispõem dc extensos poderes de intervenção.
(10)Os processos de insolvência não implicam necessariamente a intervenção de uma autoridade judicial. A expressão órgão jurisdicional deve, no presente regulamento, ser interpretada, em sentido lato, abrangendo pessoas ou órgãos habilitados pela legislação nacional a abrir processos de insolvência. Para que o presente regulamento seja aplicável, os processos (incluindo actos e formalidades estabelecidos na legislação) devem não só respeitar o disposto no presente regulamento mas também ser oficialmente reconhecidos e legalmente eficazes no Estado Membro de abertura do processo colectivo de Insolvência, bem como ser processos colectivos de insolvência que determinem a inibição parcial ou total do devedor da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico.
(11)O presente regulamento reconhece que não é praticável instituir um processo de insolvência de alcance universal em toda a Comunidade, tendo em conta a grande variedade de legislações de natureza substantiva existentes. Nestas circunstâncias, a aplicabilidade exclusiva do direito do Estado de abertura do processo levantada frequentemente dificuldades. Tal vale, por exemplo, para a grande diversidade das legislações sobre as garantias vigentes na Comunidade. Além disso, os privilégios creditórios de alguns credores no processo de insolvência são, muitas vezes, extremamente diferentes. O presente regulamento pretende ter essas circunstâncias em conta de dois modos diferentes: por um lado, devem ser previstas normas específicas em matéria de legislação aplicável no caso de direitos e relações jurídicas particularmente significativos (por exemplo, direitos reais e contratos de trabalho) e, por outro, deve igualmente admitir-se, a par de um processo de insolvência principal de alcance universal processos nacionais que incidam apenas sobre os bens limados no território do Estado de abertura do processo.
(12)O presente regulamento permite que o processo de insolvência principal seja aberto no Estado-Membro em que se situa o centro dos interesses principais do devedor. O processo tem alcance universal, visando abarcar todo o património do devedor. Para proteger a diversidade dos interesses, o presente regulamento permite que os processos secundários eventualmente instaurados corram paralelamente ao processo principal. Pode-se instaurar um processo secundário no Estado-Membro em que devedor tenha um estabelecimento. Os efeitos dos processos secundários limitar-se-ão aos activos situados no território desse Estado. A necessidade de manter a unidade dentro da Comunidade é garantida por normas imperativas de coordenação com o processo principal.
(13)O «centro dos interesses principais» do devedor deve corresponder ao local onde o devedor exerce habitualmente a administração dos seus interesses, pelo que é determinável por terceiros.
(l4)O presente regulamento aplica-se exclusivamente aos processos em que o centro dos interesses principais do devedor está situado na Comunidade.
(15)As normas de competência previstas no presente regulamento estabelecem unicamente a competência internacional, isto é, determinam o Estado-Membro cujos órgãos jurisdicionais estão habilitados a abrir processos de insolvência. A competência territorial interna deve ser determinada pelo direito interno do Estado-Membro em questão.
(16)O órgão jurisdicional competente para abrir o processo de insolvência principal deve poder ordenar a adopção de medidas provisórias e cautelares a partir da apresentação do requerimento para abertura do processo. A adopção de medidas cautelares antes ou depois do início do processo de insolvência é extremamente importante para garantir a eficácia do processo. O presente regulamento estabelece diferentes possibilidades nesse sentido, por um lado o órgão jurisdicional competente, para abrir o processo de insolvência principal deve estar habilitado a ordenar a adopção de medidas cautelares provisórias inclusivamente em relação aos bens que se encontrem no território de outros Estados-Membros, e, por outro lado, o síndico provisório designado antes da abertura do processo principal deve estar habilitado a requerer, nos Estados-Membros em que se encontre qualquer estabelecimento do devedor, as medidas cautelares admissíveis nos termos das legislações desses Estados.
(17)Antes da abertura do processo de insolvência principal, o direito de requerer a abertura de um processo de insolvência no Estado-Membro em que o devedor tenha um estabelecimento fica limitado aos credores locais e aos credores do estabelecimento local, ou aos casos em que irão se pode proceder à abertura do processo principal, ao abrigo da lei do Estado-Membro em que está situado o centro dos interesses principais do devedor. Esta limitação deve-se à preocupação de restringir ao mínimo indispensável os casos em que é requerida a abertura de um processo de insolvência territorial antes da abertura do processo principal. Caso seja aberto um processo de insolvência principal, o processo territorial passa a ser secundário.
(18)O presente regulamento não restringe o direito de requerer, na sequência da abertura do processo de insolvência principal, a abertura de um processo de insolvência no Estado-Membro em que o devedor tenha um estabelecimento: o síndico do processo principal ou qualquer outra pessoa habilitada pela legislação nacional desse Estado-Membro pode requerer a abertura de um processo de insolvência secundário.
(19)Os processos de insolvência secundários podem ter diferentes finalidades, para além da protecção dos interesses locais. Pode acontecer que o património do devedor seja demasiado complexo para ser administrado como urna unidade, ou que as diferenças entre os sistemas jurídicos sejam tão substanciais que possam surgir dificuldades decorrentes da extensão dos efeitos produzidos pela lei do Estado de abertura do processo a outros Estados em que se encontrem situados os bens Por esse motivo, o síndico do processo principal pode requerer a abertura de um processo secundário sempre que a administração eficaz do património assim o exija.
(20)Porém, o processo principal e os processos secundários apenas podem contribuir para uma eficaz liquidação do activo se houver uma coordenação dos processos paralelos pendentes. Uma estreita colaboração entre os diversos síndicos baseada, nomeadamente, num suficiente intercâmbio de informações é, aqui, uma condição essencial. Para assegurar o papel dominante do processa principal, devem ser atribuídas ao síndico deste processo várias possibilidades de intervenção nos processos secundários simultaneamente pendentes: deve, assim, poder propor um plano de recuperação ou uma concordata, ou requerer a suspensão das operações de liquidação o do activo no processo secundário.
(21)Qualquer credor que tenha residência habitual, domicílio ou sede na Comunidade deve ter o direito de reclamar os seus créditos sobre o património do devedor em cada processo de insolvência pendente na Comunidade. O mesmo se deve aplicar às autoridades fiscais e aos organismos de segurança social. Para assegurar um tratamento equitativo dos credores, a distribuição do produto terá, porém, de ser coordenada, Cada credor deve poder conservar o que tiver obtido no âmbito de um processo de insolvência, mas só deve ter direito a participar na distribuição do activo noutro processo quando os credores do mesmo grau tiverem obtido uma quota de rateio equivalente com base no respectivo crédito.
(22)O presente regulamento deve prever o reconhecimento imediato de decisões relativas à abertura, tramitação e encerramento dos processos de insolvência abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, bem como de decisões proferidas em conexão directa com esses processos. Assim sendo, o reconhecimento automático deve conduzir a que os efeitos conferidos ao processo pela lei do Estado de abertura se estendam a todos os outros Estados--Membros. O reconhecimento das decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros tem de assentar no princípio da confiança mútua. Neste contexto, os motivos do não reconhecimento devem ser reduzidas ao mínimo. A resolução de conflitos entre os órgãos jurisdicionais de dois Estados-Membros que se comida rem competentes para proceder à abertura do processo principal dever-se-á regular por este mesmo princípio. A decisão proferida pelo órgão jurisdicional que proceder à abertura em primeiro lugar deve ser reconhecida nos demais Estados-Membros, sem que estes estejam habilitados a submeter a decisão desse órgão jurisdicional a quaisquer formalidades de reconhecimento.
(23)O presente regulamento deve estabelecer, quanto às matérias por ele abrangidas, normas uniformes sobre o conflito de leis que substituam, dentro do respectivo âmbito de aplicação, as normas internas de direito internacional privado. Salvo disposição em contrário do presente regulamento, deve aplicar-se a lei do Estado-Membro de abertura do processo (lex concursus). Esta norma de conflito de leis deve aplicar-se tanto aos processos principais como aos processos locais. A lex concursus determina todos os efeitos processuais e materiais dos processos de insolvência sobre as pessoas e relações jurídicas em causa, regulando todas as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência.
(24) O reconhecimento automático de um processo de insolvência ao qual é geralmente aplicável a lei do Estado de abertura pode interferir com as normas a que obedece o comércio jurídico noutros Estados-Membros. Para proteger as expectativas legítimas e a segurança do comércio jurídico nos Estados-Membros que nos Estados-Membros que não o de abertura, deve prever-se uma série de derrogações à regra geral.
(25)No caso dos direitos reais, sente-se uma particular necessidade de estabelecer um vínculo especial diverso do da lei do Estado de abertura, urna vez que esses direitos se revestem de substancial importância para o reconhecimento de créditos. Por conseguinte, o fundamento, a validade e o alcance de um direito real devem ser geralmente determinados pela lei do Estado em que tiver sido constituído o direito e não ser afectados pela abertura do processo de insolvência. O titular do direito mal deve, pois, poder continuar a fazer valer esse direito à restituição ou liquidação do bem em causa. Quando haja bens que sejam objecto de direitos reais constituídos ao abrigo da legislação de um Estada-Membro, correndo, porém, o processo principal noutro Estado-Membro, o sindico deste processo pode requerer a abertura de um processo secundário na jurisdição em que foram constituídos os direitos reais, se o devedor aí tiver um estabelecimento. Não sendo aberto processo secundário, e excedente da venda dos betu abrangidos por direitos reais tem de ser entregue ao síndico do processo principal.
(26)Se a lei do Estado de abertura do processo não admitir a compensação, nenhum credor deverá deixar de a ela ter direito se se encontrar prevista na lei aplicável ao crédito do devedor insolvente Desse modo, a compensação adquirirá como que uma função de garantia com base em disposições de direito em que o credor em causa se pode fundamentar no momento da constituição do crédito.
(27)Existe igualmente a necessidade de uma protecção especial relativamente aos sistemas de pagamento e aos mercados financeiros, por exemplo, no caso do vencimento antecipado da obrigação e da compensação, bem como da realização de garantias e das garantias constituídas para assegurar estas transacções regulamentadas na Directiva 98/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio dc 1998, relativa ao cariacu definitivo da liquidação nos sistemas de pagamentos e de liquidação de valores mobiliários. Por esse motivo, apenas deverá ser determinante para essas transacções a lei aplicável ao sistema ou mercado em questão. Esta disposição pretende evitar que, em caso de insolvência de um parceiro comercial, possam ser alterados os mecanismos que os sistemas de pagamento, a compensação ou os mercados financeiros regulados dos Estados-Membros prevêem para os pagamentos ou a celebração de transacções. A Directiva 98/26/CE contém disposições específicas que prevalecem sobre as normas gerais previstas no presente regulamento.
(28)Para proteger os trabalhadores por conta de outrem e os postos de trabalho, os efeitos dos processos de insolvência sobre a continuação ou a cessação da relação laboral, bem como sobre os direitos e obrigações de cada parte nessa relação, serão determinados pela lei aplicável ao contrato, de acordo com as regras gerais sobre conflito de leis. Todas as outras questões legais em matéria de insolvência, como a de saber se os créditos dos trabalhadores se encontram protegidos por direitos preferenciais e qual o grau desses direitos preferenciais, deverão ser reguladas pelo direito do Estado dc abertura do processo.
(29)A fim de garantir a segurança das transacções comerciais, o cometido essencial da decisão de abertura do processo deve ser publicado nos outros Estados-Membros, a pedido do síndico. Se existir um estabelecimento ma Estado-Membro em questão, pode ser determinada a publicação obrigatória. Porém, em nenhum dos casos a publicação constitui condição do reconhecimento do processo estrangeiro.
(30)No entanto, em certos casos, algumas das pessoas afectadas podem não ter conhecimento da abertura do processo e agir de boa fé em contradição com a nova situação. A fim de proteger as pessoas que, por não terem conhecimento da abertura do processo noutro Estado, tenham cumprido uma obrigação a favor do devedor, quando o deveriam a favor do síndico no outro Estado-Membro, deve prever-se o carácter liberatório do cumprimento da obrigação.
-…-”

Na sequência dos supra enunciados considerandos estipula o artº15º (Efeitos do processo de insolvência em relação a acções pendentes) do Regulamento em análise:
-Os efeitos do processo de insolvência numa acção pendente relativa a um bem ou um direito de cuja administração ou disposição o devedor está inibido regem-se exclusivamente pela lei do Estado-Membro em que a referida acção se encontra pendente.

Como esclarecem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda: “Assim, por exemplo, uma acção em que se discute a propriedade de um certo tipo de prédio será ou não atingida pela insolvência de qualquer das partes conforme o que, a propósito, determinar a lei do Estado onde o respectivo processo corre termos (…). Mas, as coisas já se passam de modo diferente se estivermos simplesmente em presença duma acção onde se peça a condenação do insolvente numa indemnização a favor do autor ou em que se visa exercer, por via coactiva, o direito decorrente de uma subscrição bancária. Nestes casos, o destino da acção será determinado, à falta duma disposição específica que a afasta, pelo recurso à lex concursus segundo o artº4º do Regulamento (…)”in, “Insolvências Transfronteiriças/ Regulamento/CE nº 1346/2000 do Conselho/Anotado”.

E dispõe o artº4º (Lei aplicável) do mesmo Regulamento:
1-Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo (…).
2-A lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência, nomeadamente:
(…)

g) Os créditos a reclamar no passivo do devedor e o destino a dar aos créditos nascidos após a abertura do processo de insolvência.
h) As regras relativas à reclamação, verificação e aprovação dos créditos;
(…)

Sendo este último normativo exemplificativo e em coerência com os desígnios do Legislador expressos nos considerando acima transcritos não podemos deixar de concluir ser a lei do Estado de abertura do processo de insolvência (lex concursus) a determinar o interesse, ou não, da prossecução dos presentes autos.
E, nesse particular, o Tribunal Alemão foi muito claro no que decidiu:
“-…-

  DECISÃO:
-A audiência será suspensa até à resolução do processo judicial do Tribunal de Sintra, processo nº22953/13.4T2SNT.

  FUNDAMENTAÇÃO/MOTIVOS.
(…)

-Nos termos do artigo 4º nº 2, alínea f Dec. (EU/CE) 1346/2000 (Regulamento Europeu sobre Insolvências) o estado em que se inicia o processo/procedimento de insolvência é determinante em matéria de direito, no que diz respeito aos efeitos nas acções de execução individual; dos respectivos credores (…) artigo 4°, considerando o ponto 36. Neste caso (esse estado membro) seria a Alemanha. Uma acção de condenação geral levantada no estrangeiro após o início / abertura de insolvência seria portanto inadmissível (…) Uma excepção neste contexto determina o artigo 15º (Regulamento Europeu sobre Insolvências). O efeito ou a consequência de um processo de abertura de insolvência na Alemanha sobre um processo judicial no estrangeiro, já iniciado e pendente antes da abertura da insolvência, é determinado e deve ser apreciado à luz do direito do estado membro no qual esse processo judicial decorre. Portanto, neste caso Portugal.

Indiscutivelmente a demandante já tinha requerido uma acção de condenação antes da abertura do processo de insolvência. Se esta acção judicial está ou virá a ser interrompida pelo administrador da insolvência ou outros intervenientes e se poderá ser reaberta, depende e regula-se portanto pela Direito português.

Por motivos económicos decorrentes do processo aconselha-se a Suspensão do processo até que, os tribunais portugueses decidam sobre o modo de prosseguimento do litígio/processo judicial em Portugal.
-…-”

Ora, como analisou o Tribunal Alemão estão verificados os pressupostos para que esta acção tenha o seu efeito útil:
1.Teve o seu início antes da declaração de insolvência da R.;
2.E o respectivo Estado-Membro/Tribunal Alemão configura a situação sub judice como excepcional e prevista no artº15º do Regulamento (CE) nº 1346/2000 de 29-5.

Estando o caso vertente abrangido pelo referenciado Regulamento (CE), o qual tem uma função similar às normas de conflito/DIP (Direito Internacional Privado) previstas no Código Civil (artºs.25º a 34º, sendo que a conexão relevante é determinada em função «centro dos interesses principais» do devedor/cláusulas 13ª e 14ª acima enunciadas), não lhe é aplicável o Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça/STJ, de 8-5-2013, relatado pelo Exmo. Conselheiro Fernandes da Silva - que serviu de fundamento a decisão recorrida - e que concluiu deste modo:
“-…-

Uniformiza-se Jurisprudência, fixando o seguinte entendimento:
Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.287.º do C.P.C.
-…-”

Definida a aplicação ao caso decidendi do analisado Regulamento (CE) nº 1346/2000 de 29-5 e, concomitantemente, a não aplicação ao mesmo do nosso CIRE/Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas fica prejudicado o conhecimento das restantes questões postas pela apelante: Incorrecta aplicação do CIRE português, nomeadamente, quanto ao disposto nos artºs.149.°, 88 °, 90º daquele diploma e ao desconsiderar o previsto no artº85º do mesmo CIRE; negação do acesso à justiça - tutela jurisdicional efectiva – direito este com consagração constitucional – artº20º da CRP e 2º nº1 do CPC.”
#
                                                                       
Sumariando (artº663º nº7, do CPC):
1-Estando a presente acção pendente antes da declaração de insolvência por parte do competente Tribunal Alemão é aplicável ao caso vertente a excepção estabelecida no artº15º com referência ao artº4º do Regulamento (CE) nº 1346/2000 de 29-5. 
2-Logo a utilidade, ou não, desta mesma acção é definida pelo Estado de abertura do processo de insolvência (lex concursus).
3-In casu, o Estado/Tribunal Alemão.                                                        
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DECISÃO.

-Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar procedente o recurso e consequentemente, revogam a decisão recorrida e ordenam o prosseguimento dos autos.
-Sem custas.

Lisboa, (sessão de 12-4-2015)


Afonso Henrique

Rui Vouga (Declaração de voto)
Votei a decisão, com a qual concordo, mas por fundamentação diversa: a solução da inutilidade superveniente da lide filia-se exclusivamente no regime do CIRE, a luz do qual o credor cujo crédito esteja reconhecido por sentença não está dispensado de reclamar o seu crédito no processo de insolvência; ora, a lei alemã da insolvência não replica tal regime, consagrando expressamente a possibilidade de, após a declaração de insolvência, serem propostas acções separadas destinadas ao reconhecimento de créditos; logo, não há inutilidade superveniente.

Rosário Gonçalves