Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
305/13.0PAAMD.L1-9
Relator: GUILHERME CASTANHEIRA
Descritores: REGISTO CRIMINAL
NÃO TRANSCRIÇÃO DA CONDENAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I- Resulta evidente que à data da condenação sofrida nos presentes autos em nenhum dos casos se mostrava decorrido hiato temporal superior a 5 anos, como pretende o arguido, pelo que a decisão de não transcrição se mostra legalmente inviável.Questão diversa prende-se com o período decorrido desde então, esse capaz de determinar, em abstracto, o cancelamento da vigência das condenações (incluindo a dos autos) no registo criminal, nos termos previstos no art.° 11.º, da Lei 37/2015, de 5 de Maio, pretensão essa a suscitar junto do Tribunal de Execução de Penas;
II- No caso dos autos o requerente/arguido não só sofreu condenações anteriores, bastando só uma, por crime da mesma natureza, como, ainda, das circunstâncias em presença(note-se, desde logo, que, estando em causa, sempre, a autoria imediata de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, os factos dos presentes autos tiveram lugar em 2013.08.11, cerca de um mês depois do trânsito em julgado, em 2013.07.08, da imediatamente anterior sentença condenatória) se poderia induzir perigo de prática de novos crimes;
III- É que, independentemente do conceptualismo inerente à natureza, substantiva e/ou adjectiva, à estrutura, singular, mista e/ou complexa, e às finalidades do certificado de registo criminal, a previsão legal de possibilidade da não transcrição de sentença condenatória apenas tem aplicação, de jure constituto, quadro fáctico-legal, e no qual se não insere a situação dos autos;
IV-De acordo com o disposto no art°13°, n°1 da Lei 37/2015, de 5 de Maio - que estabelece os princípios gerais que regem a organização e funcionamento da identificação criminal - preside à decisão de não  transcrição da sentença um juízo que, tendo por pressuposto a ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza, conclua, ponderando  as circunstâncias que acompanharam o crime, não poder induzir-se perigo  de prática de novos crimes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:
No nuipc 305/13.0PAAMD.L1, que corre termos na Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal da Amadora - Juiz 1, foi proferido o despacho, datado de "29-10-2019", que indeferiu a, requerida pelo arguido, AA….., não transcrição de sentença proferida  no certificado de registo criminal do arguido.
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Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, formulando as conclusões seguintes:
"1. O ora recorrente foi condenado por sentença já transitada em julgado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292° do Código Penal em uma pena de 150 dias de prisão que se substitui por 150 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses.
2. O Recorrente por requerimento solicitou a não transcrição da sentença condenatória no CRC, para fins laborais;
3. Tal requerimento foi indeferido, tendo como justificação de indeferimento os antecedentes criminais do ora Recorrente que se
encontram registados no CRC;
4. O recorrente entende que o Tribunal a quo efectuou uma interpretação errónea do art. 13°, n.° 1 da Lei 37/2005 de 5 de Maio e valorou indevidamente os antecedentes criminais registados no CRC, violando assim o princípio da igualdade;
5. Entende igualmente estarem preenchidos todos os requisitos de que depende a não transcrição da sentença para o Registo Criminal;
6. Encontra-se preenchido o requisito formal pois o recorrente foi condenado a uma pena de prisão de cento e cinquenta dias de prisão substituída por cento e cinquenta horas de trabalho a favor da comunidade,
7. Quando o douto Tribunal a quo substituiu a pena principal pela pena de substituição, esta adquire autonomia porquanto é esta que é aplicada e que, no caso em concreto, é a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao recorrente em sede de P instância;
8. O requisito de ordem formal plasmado no art. 13° da Lei 37/2015 de 5 de Maio estaria sempre verificado e cumprido;
9. Demonstra-se igualmente preenchido o segundo requisito de ordem material, pois o Recorrente não tem antecedentes criminais,'
10. No Certificado de Registo Criminal do ora recorrente, tem
inscrições no seu Certificado, que já deviam ter sido canceladas definitivamente nos termos do art. 11° da Lei 37/2005 de 5 de Maio e que para tal não podem ser valoradas para efeitos da aplicação do art. 13° do referido diploma legal.
11. Existe um intervalo de 5 anos durante o qual o arguido não foi condenado por nenhum crime e por isso deveria ter havido o cancelamento do último registo no CRC e com ele os anteriores que dele dependiam;
12. Os registos de Condenação do Recorrente deveriam estar cancelados e as sentenças serem consideradas extintas. O Tribunal a quo não as deveria ter valorado, sendo tal valoração ilegal e violadora do princípio constitucional da igualdade;
13. O recorrente não tem antecedentes criminais posteriores à prática dos factos, e das circunstâncias que acompanharam o crime (a confissão integral e sem reservas) bem como o modo de vida actual do recorrente, é possível efectuar um juízo de prognose favorável que induza pela inexistência da prática de novos crimes.
14. Em suma e no caso sub judice a transcrição da sentença para o registo criminal quando requerida para fins de emprego irá estigmatizar a incipiente vida profissional do Recorrente, fechando a porta do mercado de trabalho;
15. Reafirma-se que o douto Tribunal a quo fez uma interpretação errónea do artigo 13° da Lei 37/2005 de 5 de Maio, violando-o, uma vez que se mostram preenchidos os requisitos a que a norma legal faz depender as não transcrições das sentenças nos registos criminais quando requerido para efeitos laborais."
Termina por dever ser "concedido provimento ao presente recurso, e o despacho em crise deverá ser revogado, uma vez que o recorrente reúne os requisitos legalmente exigidos para que a sentença proferida nos autos não seja transcrita, para efeitos de emprego, para o registo criminal, nos termos requeridos e dentro do âmbito elencado nas previsões dos arts. 13. ° e 10.°, n.° 5 e 6 da Lei 37/2015 de 5 de Maio."
Respondeu o Ministério Público, em síntese, concluindo:
"Resulta evidente que à data da condenação sofrida nos presentes autos em nenhum dos casos se mostrava decorrido hiato temporal superior a 5 anos, como pretende o arguido, pelo que a decisão de não transcrição se mostrava legalmente insustentável.
Questão diversa prende-se com o período decorrido desde então, esse capaz de determinar, em abstracto, o cancelamento da vigência das condenações (incluindo a dos autos) no registo criminal, nos termos previstos no art.° 11.0, da Lei 37/2015, de 5 de Maio, pretensão essa a
suscitar junto do Tribunal de Execução de Penas.
Termos em que deverá ser mantido o despacho recorrido."
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Neste Tribunal, a Ex.a Procuradora-Geral Adjunta teve vista dos autos, elaborando parecer, pelo qual "subscreve" a resposta do Ministério Publico em primeira instância no sentido de a decisão recorrida não merecer qualquer censura - cf. fl. 509 a 510.
Dado cumprimento ao disposto pelo artigo 417.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, foi proferido despacho preliminar, cumprindo apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:
1 - Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Mediante o presente recurso, o recorrente submete à apreciação deste Tribunal Superior a questão de saber sc in casu "o douto Tribunal a quo fez uma interpretação errónea do artigo 13.° da Lei 37/2015 (e não 2005, como, certamente por lapso, se alude na motivação/conclusões, esta referida à "Elevação de Alvarães à categoria de vila"). de 5 de Maio, violando-o, uma vez que se mostram preenchidos os requisitos a que a norma legal faz depender as não transcrições das sentenças nos registos criminais quando requerido para efeitos laborais."
2. Para o conhecimento da questão alegada, vejamos o conteúdo da decisão recorrida (transcrição):
"Tendo em conta a promoção que antecede com a qual se concorda indefere-se o requerido".
A promoção em referência é do seguinte teor:
"Visto o CRC do arguido e as sucessivas condenações nele averbadas p. se indefira o requerido".
3. Apreciação dos fundamentos do recurso:
Como se observa, e se refere nas conclusões (1.a a 3.a) do recurso, "o ora recorrente foi condenado por sentença já transitada em julgado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292° do Código Penal em uma pena de 150 dias de prisão que se substitui por 150 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses", tendo solicitado, "por requerimento, a não transcrição da sentença condenatória no CRC, para fins laborais", o qual "foi indeferido, tendo como justificação de indeferimento os antecedentes criminais do ora Recorrente que se encontram registados no CRC".
Interpõe o arguido recurso dessa decisão, supra transcrita, pela qual viu ser-lhe indeferida a não transcrição da sentença proferida no seu certificado de registo criminal para os fins a que se refere o artigo 10.°, n.° 5 e 6, da Lei n.° 37/2015, de 5 de Maio, v.g., no que ora releva, com finalidade de emprego.
Formula, com a estruturação que se evidencia, por relação ao indeferimento da, por si, requerida não transcrição, a pretensão jurisdicional de dever "o despacho em crise ser revogado, uma vez que o recorrente reúne os requisitos legalmente exigidos para que a sentença proferida nos autos não seja transcrita, para efeitos de emprego, para o registo criminal, nos termos requeridos e dentro do âmbito elencado nas previsões dos arts. 13.° e 10.°, n.° 5 e 6 da Lei 37/2015 de 5 de Maio".
A tanto, responde (sublinhados nossos) o Ministério Público:
"De acordo com o disposto no art°13°, n°1 da Lei 37/2015, de 5 de Maio - que estabelece os princípios gerais que regem a organização e funcionamento da identificação criminal - preside à decisão de não  transcrição da sentença um juízo que, tendo por pressuposto a ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza, conclua, ponderando  as circunstâncias que acompanharam o crime, não poder induzir-se perigo  de prática de novos crimes.
No caso dos autos o arguido foi condenado pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriagues p. e p. nos artigos 292°, n°1 e 69°, n°1, alínea a) do Código Penal, por decisão datada de 16.12.2013, transitada em julgado em 28.01.2014, por factos praticados em  11.08.2013.
Antes disso fora condenado pela prática do mesmo ilícito:
Por factos praticados em 17.09.2009, por sentença transitada em julgado em 26.08.2009, no processo n°108/09.7PTAMD.
Por factos praticados em 27.11.2009, por sentença transitada em julgado em 12.04.2010, no processo n°212/09.1PTAMD.
Por factos praticados em 08.06.2010, por sentença transitada em julgado em 02.08.2010, no processo n°84/10.3PTAMD.
Por factos praticados em 06.07.2013, por sentença transitada em julgado em 08.07.2013, no processo n°707/13.2PFAMD.
Daqui resulta evidente que à data da condenação sofrida nos presentes autos em nenhum dos casos se mostrava decorrido hiato temporal superior a 5 anos, como pretende o arguido, pelo que a decisão de não transcrição se mostrava legalmente insustentável."
O diploma legal em referência - que, e em síntese, estabelece os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2009/315/JAI, do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, relativa à organização e ao conteúdo do intercâmbio de informações extraídas do registo criminal entre os Estados membros, e revoga a Lei n.° 57/98, de 18 de Agosto -, tem normativo, para os casos de "decisões de não transcrição",
contido no seu artigo 13.°, do seguinte teor:
"1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.° 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.° no artigo 152.°-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os 11.0S 5 e 6 do artigo 10.°
2 - No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
3 - O cancelamento previsto no n.° 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão".
A pretensão in judice, nos moldes estruturados pelo recorrente, mostra-se, ao menos, e desde logo, dissonante, na interpretação presente do arguido, com o conteúdo útil do requerimento formulado nos autos, de cujo indeferimento ora se recorre, e dado o âmbito de aplicação das, ora, invocadas normas, diversas no respectivo âmbito de aplicação.
Aliás, na medida em que por ali (artigo 13.°) se consagra, tão só, um poder - dever, a ser exercitado de acordo com determinados pressupostos, e requisitos, legais, e em que, por outro lado, se (como parece resultar do que se motiva) a não transcrição, em hipótese como a vertente, é automática, ficaria por explicar a razão da formulação, nos autos, pelo arguido, do requerimento em causa e do, derivado, recurso (dada, nessa perspectiva, a sua inutilidade).
De resto, para lá da natureza (letra e espírito da lei) do que se estabelece naquele preceito legal (artigo 11.°), o dispositivo do artigo 42.°, da Lei 37/2015, de 5 de Maio, sob a epígrafe "reclamações e recursos" é claro na sua formulação:
"1 - Compete ao diretor-geral da Administração da Justiça decidir sobre as reclamações respeitantes ao acesso à informação em matéria de identificação criminal e seu conteúdo, cabendo recurso da sua decisão.
2 - O recurso sobre a legalidade do conteúdo dos certificados do  registo criminal é interposto para o tribunal de execução das penas".
Em rigor, o objecto do despacho recorrido não se reporta a qualquer situação de cancelamento, nos termos do previsto no artigo 11.0, da Lei n.° 113/2009, de 17 de Setembro, invocado, agora, pelo recorrente, sendo tal matéria, como sublinha o Ministério Público, "questão diversa", na medida da sua aferição ao "período decorrido desde então, esse capaz de determinar, em abstracto, o cancelamento da vigência das condenações (incluindo a dos autos) no registo criminal, nos termos previstos no art° 1º da Lei 37/2015, de 5 de Maio, pretensão essa a suscitar junto do Tribunal de Execução de Penas", se disso for caso.
Este não é, pois, o segmento do regime legal vigente que para o caso se deve ponderar (o que, também, ao menos no momento da sua formulação, o requerimento objecto da decião in judice, necessariamente, pressupunha).
Por outro lado, o requerente/arguido, estando em causa, sempre, a autoria imediata de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticou os factos dos presentes autos em 2013.08.11  (trânsito em 2014.01.28), tendo, antes, sofrido as condenações supra referenciadas, com sentenças transitadas em julgado, respectivamente, em 2009.08.26, em 2010.04.12, em 2010.08 02. e em 2013.07.08.
Do apontado circunstancialismo resulta, no caso, que o requerente/arguido não só sofreu condenações anteriores (e bastava uma) por crime da mesma natureza, como, ainda, das circunstâncias em presença
(note-se, desde logo, que, estando em causa, sempre, a autoria imediata de crime de
condução de veículo em estado de embriaguez, os factos dos presentes autos tiveram lugar em 2013.08.11, cerca de um mês depois do trânsito em julgado, em 2013.07.08, da imediatamente anterior sentença condenatória) se poderia induzir perigo de
prática de novos crimes (o que a decisão recorrida nem, sequer, equacionou, por prejudicado na medida do decidido).
É que, independentemente do conceptualismo inerente à natureza, substantiva e/ou adjectiva, à estrutura, singular, mista e/ou complexa, e às finalidades do certificado de registo criminal, a previsão legal de possibilidade da não transcrição de sentença condenatória apenas tem aplicação, de jure constituto, no mencionado quadro fáctico-legal, e no qual se não insere a situação dos autos.
Pelo exposto, por inexistência dos requisitos inerentes a eventual decisão de não transcrição - cf. Lei n.° 113/2009, de 17 de Setembro, artigo 13.° -, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a pretensão do recorrente.
III. DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, acordam os Juizes deste Tribunal
da Relação de Lisboa em julgar improcedente o interposto recurso.
Custas pelo recorrente, AA, fixando-se a taxa de
justiça em 3 (três) UCs.
Notifique.

Lisboa, 2020.02.20
Guilherme Castanheira
Guilhermina Freitas