Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
94104/17.3YIPRT.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: DENÚNCIA
PRÉ-AVISO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.– A denúncia é uma declaração unilateral recetícia, que se identifica como um ato jurídico unilateral, e que tem por finalidade pôr termo a um vínculo contratal, consistindo numa declaração universal que é emitida por uma das partes num contrato, tendo como destinatário o outro contraente, e que só se torna eficaz depois de chegar ao poder ou ser conhecida deste, nos termos do art. 224º, n.º 1, 1.ª parte, do C.C.
2.– O seu fundamento reside no pressuposto da liberdade de desvinculação, podendo, por isso, ser invocada sem menção de qualquer motivo; é exercida ad nutum, de modo discricionário, mas sem abuso de direito.
3.– A denúncia serve:
- para pôr termo a contratos com um período de vigência indeterminado; ou,
- para evitar a renovação em negócios jurídicos de duração limitada,
donde, não poderem fazer-se cessar através denúncia, contratos que tenham um prazo de vigência limitado, antes do seu decurso.
4.– Apesar de a denúncia ser em princípio livre, à luz do princípio da boa-fé que deve nortear as partes na vigência e execução dos contratos, o exercício do direito potestativo de denúncia deverá ser precedido de um aviso prévio, o que significa que tem de ser comunicada com alguma antecedência relativamente à data em que a cessação produzirá efeitos, para que a parte destinatária dessa declaração se possa precaver quanto ao facto de o vínculo contratual se extinguir em breve­.
5.– Tal como na compensatio lucri cum damno, no art. 795.º, n.º 2, do C.C. não está em causa uma obrigação autónoma, mas apenas uma faculdade de dedução que pressupõe a existência (esta sim, autónoma) de um direito de crédito.
6.– O benefício em causa nesse normativo corresponde, desde logo, às despesas poupadas pelo devedor em virtude da impossibilidade da prestação imputável ao credor, podendo dizer-se, de um modo geral, que que estão em causa as despesas que o devedor teria para cumprir a prestação debitória, como por exemplo, despesas correspondentes a custos de transportes, custos laborais, remunerações devidas a fornecedores e a subempreiteiros.
7.– A dedução deve corresponder ao valor que o devedor em apreço teria de despender para cumprir, considerando as suas capacidades e o contexto em que se propunha cumprir, mas assumindo que, nas diligências preparatórias do cumprimento, seriam respeitados todos os deveres de diligência e cuidado que lhe coubessem.
8.– A teleologia subjacente ao artigo 795.º, n.º 2, do C.C. é, pois, a de não permitir que o devedor obtenha um ganho a custa do credor, ou seja, trata-se de uma expressão da proibição do enriquecimento do devedor impedido de prestar.
9.– O credor de indemnização ilíquida só tem direito a juros moratórios concedidos “a forfait” pela lei, a partir do momento em que o tribunal ou as partes fixem o montante dessa indemnização.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


ACÇÃO CONTÍNUA – SAÚDE E PREVENÇÃO, UNIPESSOAL, LDA., apresentou ao Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção contra EDMÉE – SOCIEDADE TURÍSTICA, LDA., do qual consta o seguinte:
«O(s) requerente(s) solicita(m) que seja(m) notificado(s) o(s) requerido(s) no sentido de lhes(s) ser paga a quantia € 5.559,58, conforme discriminação e pela causa a seguir indicada:
Capital: € 4.936,40; Juros de mora € 470,18 (...);Taxa de Justiça paga: € 153,00.
Contrato de: Fornecimento de bens ou serviços        Contrato n.º
Data do contrato: 04.04.2014               
Período a que se refere: 09-05-2014 a 20-03-2017
Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
1)A Requerente dedica-se à prestação de serviços na área da Medicina, Higiene e Segurança no Trabalho, HACCP, Desinfestação/Controlo de Pragas, Venda e Manutenção de Extintores, Comércio de equipamentos de proteção individual/coletiva e Formação;
2)A Requerida tem como actividade económica a exploração de Hotéis;
3)No exercício da sua actividade, a Requerente celebrou com a Requerida um contrato de prestação de serviços de desbaratização e desratização;
4)Tendo ficado acordado que a aqui Requerida pagaria, anualmente, os serviços contratados;
5)Não obstante a Requerente cumprir pontualmente as obrigações a que se encontrava adstrita;
6)A verdade é que a Requerida não procedeu à liquidação das anuidades já vencidas, no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado;
7)Apesar de, por diversas vezes, ter sido interpelada para o efeito, a Requerida não procedeu ao pagamento do valor em dívida;
8)Deste modo, a Requerida deve à Requerente a quantia de € 4.936,40 (quatro mil novecentos e trinta e seis euros e quarenta cêntimos), conforme se descreve:
a)- € 1123,40 (mil cento e vinte e três euros e quarenta cêntimos) referentes a parte da fatura n.º 3389/2014, vencida em 09/05/2014;
b)- € 1906,50 (mil novecentos e seis euros e cinquenta cêntimos) referente à fatura n.º 6270/2016, vencida em 30/09/2016;
c)- € 1906,50 (mil novecentos e seis euros e cinquenta cêntimos) referente à fatura n.º 1683/2017, vencida em 20/03/2017;
9)A esta quantia acrescem os juros comerciais de mora à taxa legal em vigor, que perfazem, nesta data, o montante de € 470,18 (quatrocentos e setenta euros e dezoito seis cêntimos);
10)Igualmente se reclamam juros vincendos até efectivo e integral pagamento;
11)Bem como o valor da taxa de justiça, ou seja, € 76,50 (setenta e seis euros e cinquenta cêntimos);
12)O que perfaz um total de € 5483,08 (cinco mil quatrocentos e oitenta e três euros), que aqui se reclamam.»
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A requerida deduziu oposição, na qual se defende por via de exceção, alegando que as cláusulas 2.ª e 9.ª do contrato em causa nestes autos são relativamente proibidas, sendo excessivo o prazo de 120 dias de aviso prévio previsto naquela primeira cláusula.
Tais cláusulas devem ser consideradas nulas.
Alega ainda que no dia 4 de dezembro de 2015, através de carta registada com aviso de receção, denunciou o contrato celebrado com requerente, a qual, desde aquela data, não mais lhe prestou serviços.
Conclui no sentido da sua absolvição do pedido.
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A requerente respondeu à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência, concluindo como no requerimento injuntivo.
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Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido.
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A autora não se conformou com tal decisão, pelo que dela interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«1 Por douta sentença, veio o Tribunal a quo a julgar a acção totalmente improcedente por não provada absolvendo a R./recorrida do pagamento do valor referente às anuidades de 2014, 2015 e 2016 devidas pela outorga entre as partes de um contrato de prestação de serviços de desinfestação.
3 Não se conformando com o teor da douta sentença, por padecer de contradições e imprecisões, veio o A./recorrente dela interpor recurso, alegando, sumariamente, os seguintes fundamentos:
4 O tribunal a quo não interpretou devidamente o preceito legal do art. 795.º, nº. 2 do CC invocado pela A. em sua defesa, entendendo ter sido a A. a ficar desonerada da contraprestação quando deveria ter entendido a R.
5 A defesa da A. passou por invocar tal preceito legal uma vez que a R. ao recusar o recebimento dos serviços (o que inclusive ficou provado), não recebeu da A. a prestação dos serviços por causa que só à R. lhe é imputável.
6 E, por isso, nos termos do art. 795.º, n.º 2 do CC, isso não desonera a R. da sua contraprestação, ou seja, o pagamento do preço.
7 O Tribunal a quo também andou mal em dar como provado o facto autuado com o nº 9. Entre Maio de 2014 e Abril de 2015, a autora prestou à ré duas visitas referentes aos serviços contratados.
8 Pois, a referida conclusão entra em contradição com a prova documental junta aos autos, que aquele tribunal parece ter ignorado em absoluto.
9 Prova essa onde consta o registo de 8 (oito) auditorias prestadas pela A./recorrente, ocorridas a Maio de 2014 e após Maio de 2014, devidamente assinadas pela R. em sinal de recebimento e aceitação.
10 Pelo que, decidir pela improcedência total do pedido não faz a verdadeira justiça.
11 A isto acresce que, a data de cessação dos efeitos do contrato, constituiu, naqueles autos, matéria controvertida.
12 Os termos contratuais do contrato objeto processual, na cláusula 2) indica que, o contrato foi outorgado pelo prazo de dois anos, salvo denúncia por qualquer uma das partes por carta registada com Aviso de Recepção com 120 dias de antecedência em relação ao seu vencimento/renovação.
13 Para a A., a denúncia efectuada pela R., uma vez tratando-se de uma declaração receptícia, nos termos do art. 224º, nº1 do CC, só produz efeitos quando por si seja conhecida, ou seja, aquando do seu recebimento.
14 Tendo a A. só recebido a carta a 7/12/2015, o contrato já se havia renovado por mais dois anos, apenas cessando os seus efeitos a 4/4/2018, e por isso todas as anuidades reclamadas pela A. seriam devidas.
15 Não obstante e sem prescindir, ainda que no limite, se entenda o que entendeu o tribunal a quo e a R. que declarou na carta de denúncia do contrato aceitar a data de 4/4/2016 para término do contrato, então, a denuncia foi enviada em tempo e por isso o contrato cessou os seus efeitos a 4/4/2016, conforme consta da decisão que ora se transcreve: Pelo exposto, o contrato extinguiu-se 120 dias depois, em 4/4/2016.
16 Destarte, admitindo o supra referido raciocínio, sempre seriam devidas as anuidades anteriores a 4/4/2016, nomeadamente a anuidade de 2014, reclamada pela A. na factura 3389/2014 no valor de € 1123,40 e a anuidade de 2015 no valor de € 1906,50 (mil, novecentos e seis euros e cinquenta cêntimos), reclamada pela A. na factura 6270/2016, que a R. nem essas pagou, o que revela que o Tribunal a quo não podia ter decidido pela improcedência total do pedido.
17 E, mais grave, ficou provado, no facto 8., que ora se transcreve Posteriormente, funcionários da A. tentaram telefonicamente agendar a visita, mas a ré recusou, alegando que não tinham contrato.
18 Ora, na senda do raciocínio do Tribunal a quo, cuja fundamentação legal do invocado art. 279.º al. c) do CC não se entende, pela previsão do mesmo não se subsumir ao caso concreto, uma vez que o referido normativo dispõe quanto a prazos fixados em semanas, meses ou anos, o que não foi o caso, que foi fixado em dias (120).
19 Mas ainda que no limite se siga o entendimento de que a denuncia foi recebida em tempo, considerando a data do envio, até 4/4/2016, o contrato de prestação de serviços encontrava-se válido e em vigor e as obrigações contratuais mantinham-se, a da A. a de prestar o serviço e a R. de recebe-lo e pagá-lo.
20 Se a A. tudo fez para prestar a obrigação contratual a que estava adstrita e a R. deliberadamente recusou, parece que tal recusa, nos termos do art. 795.º, n.º 2 do CC, não lhe pode aproveitar, pelo contrário, disciplina o mesmo que a contraprestação continua a ser devida, o pagamento do devido preço.
21 Sem prescindir do serviço prestado pela A. na anuidade de 2014, que resulta da prova documental, e que também não foi pago e que para esse facto o Tribunal a quo desconsiderou em absoluto.
22 Isto posto, não pode a A. conformar-se com a douta sentença por não fazer aquela a devida justiça!
Termos em que deve a douta decisão recorrida ser alterada, decidindo-se pela procedência do pedido formulado pela A. por provado, condenando a R. ao pagamento da quantia de € 4.936,40 ou caso assim não se entenda, pela procedência parcial do pedido, condenando a R. ao pagamento das anuidades de 2014 e 2015 no valor de € 3029,90.»
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A requerida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
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II–ÂMBITO DO RECURSO:

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio,é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).

Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º, do CPC).

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).

À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
a)- se o tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto;
b)- se a sentença recorrida deve ser revogada, por haver lugar à condenação da requerida a pagar à requerente a quantia por esta peticionada, ou, pelo menos, parte dela.
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III–FUNDAMENTOS:

3.1–Fundamentação de facto:

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«1.Em 4.4.2014, a autora celebrou com a ré um contrato de prestação de serviços de desbaratização e desratização.
2.O contrato tinha um período de vigência de 2 anos, renovável por igual período, desde que qualquer uma das partes não o denunciasse através de carta registada com aviso de receção, com antecedência de 120 dias.
3.A ré denunciou o contrato, através de carta registada com aviso de receção.
4.A carta foi recebida pela autora em 7.12.2015 (2.ª feira).
5.A carta foi enviada em 4.12.2015 (6.ª Feira).
6.Desde aquela data que a autora não presta serviços à ré.
7.Apesar de interpelada, a ré não pagou a quantia de €4.936,40, relativo a período compreendido entre 9.5.2014 e 20.3.2017, a que acrescem juros de mora no valor de €470,18.
8.Posteriormente, funcionários da autora tentaram telefonicamente agendar a visita, mas a ré recusou, alegando que não tinham contrato.
A sentença recorrida considerou não provado o seguinte facto:
a)- Entre Maio de 2014 e Abril de 2015, a autora prestou à ré duas visitas referentes aos serviços contratados.»
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3.2–DO MÉRITO DO RECURSO:

3.2.1 – Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
No seu articulado de resposta à oposição alega a requerente que «durante a anuidade de 2014, referente ao período mediado de Maio de 2014 a Abril de 2015 (...) prestou à Réu duas visitas referentes aos serviços contratados, conforme se prova por registos de visitas que se juntam como docs. n.ºs 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13.»

O tribunal considerou não provado que «entre Maio de 2014 e Abril de 2015, a autora prestou à ré duas visitas referentes aos serviços contratados.»

Motivou assim tal decisão: «A factualidade não provada deve-se à falta de prova.»

A autora considera que tal facto deve ser considerado provado com base naqueles documentos.

E tem inteira razão!

Na verdade, daqueles documentos, que constituem fls. 25vº a 29, relatórios de inspeções, não impugnados pela requerida, resulta à evidência que na referida primeira anuidade, ou seja, durante o primeiro ano de vigência do contrato, a requerente efetuou até mais do que duas inspeções à requerida.

Uma análise, ainda que superficial, de tal documentação, teria permitido ao tribunal recorrido verificar que assim é!

Assim, julga-se procedente a impugnação da decisão de facto, passando a considerar-se provado, sob o ponto 9., o seguinte:
«No primeiro ano de vigência do contrato referido em 1. e 2., e no âmbito do mesmo, a autora efetuou mais do que duas inspeções.»

3.2.2 – Do enquadramento jurídico:

Está provado que no dia 4 de abril de 2014, entre a requerente e a requerida foi celebrado um contrato de prestação de serviços.
Nos termos do art. 1154.º do Cód. Civil[1], «contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.»

O objeto desse contrato era a prestação pela requerente à requerida de serviços de desbaratização e desratização.

Nos termos do art. 1156.º «as disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.»

Assim, estipula o nº 1 do art. 1158.º que «o mandato presume-se gratuito, exceto se tiver por objeto atos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso», acrescentando o nº 2 que «se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.»

No caso «sub judice», o contrato celebrado entre as partes nesta ação:
- é oneroso;
- tendo havido ajuste das partes quanto à medida da retribuição.
Tal contrato tinha um período de vigência de 2 anos, renovável por igual período, desde que qualquer uma das partes não o denunciasse através de carta registada com aviso de receção, com antecedência de 120 dias.
No dia 4 de dezembro de 2015, correspondente a uma sexta-feira, a requerida enviou uma carta registada com aviso de receção à requerente, que a recebeu no dia 7 de dezembro de 2015, correspondente a uma segunda- feira, através da qual procedeu à denúncia de tal contrato.

Acompanhando de perto PEDRO ROMANO MARTINEZ, diremos que denúncia é a comunicação ou participação da vontade de uma das partes, feita à contraparte, manifestando a intenção de fazer cessar o vínculo obrigacional.

Trata-se, regra geral, de um exercício discricionário relativamente ao qual não é necessário invocar qualquer motivo.

A denúncia pode corresponder a uma declaração negocial através da qual um dos contraentes obsta à renovação automática do vínculo contratual que o liga ao outro contraente.

Assim, tendo esse vínculo um prazo de duração limitado, renovável automaticamente, qualquer das partes pode inviabilizar a renovação por um novo período, recorrendo à denúncia.

Neste caso, a denúncia constitui o meio específico de fazer cessar um contrato de duração indeterminada.

A denúncia serve, pois:
- para pôr termo a contratos com um período de vigência indeterminado; ou,
- para evitar a renovação em negócios jurídicos de duração limitada,
donde, não poderem fazer-se cessar através denúncia, contratos que tenham um prazo de vigência limitado, antes do seu decurso.

Apesar de a denúncia ser em princípio livre, à luz do princípio da boa-fé que deve nortear as partes na vigência e execução dos contratos, o exercício do direito potestativo de denúncia[2] deverá ser precedido de um aviso prévio, o que significa que tem de ser comunicada com alguma antecedência relativamente à data em que a cessação produzirá efeitos.

A antecedência exigida para a denúncia serve para que a parte destinatária dessa declaração se possa precaver quanto ao facto de o vínculo contratual se extinguir em breve[3].

No caso concreto, como já se viu, as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrado no art. 406.º, n.º 1, segundo o qual, além do mais, têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, estipularam que «o contrato tinha um período de vigência de 2 anos, renovável por igual período, desde que qualquer uma das partes não o denunciasse através de carta registada com aviso de receção, com antecedência de 120 dias.»

A denúncia é, em conclusão, uma declaração unilateral recetícia, que se identifica como um ato jurídico unilateral (art. 295.º), que tem por finalidade pôr termo a um vínculo contratual, consistindo numa declaração universal que é emitida por uma das partes num contrato, tendo como destinatário o outro contraente, e que só se torna eficaz depois de chegar ao poder ou ser conhecida deste, nos termos do art. 224º, n.º 1, 1.ª parte[4].

O seu fundamento reside no pressuposto da liberdade de desvinculação, podendo, por isso, ser invocada sem menção de qualquer motivo; é exercida ad nutum, de modo discricionário, mas sem abuso de direito[5].

A requerida denunciou o contrato que a ligava à requerente através de carta registada com aviso de receção, enviada em 4 de dezembro de 2015.

Essa carta foi recebida pela autora no dia 7 de dezembro de 2015.

Por isso, a declaração unilateral emitida pela requerida à requerente, de que pretendia fazer cessar o vínculo negocial que as unia, não foi efetuada como a antecedência de 120 dias contratualmente estipulada, relativamente ao termo do contrato (4 de abril de 2016).

Logo, não foi eficaz!

Para que tal declaração se pudesse considerar eficaz e, portanto, validamente produtora dos efeitos pretendidos pela requerida, teria de ter chegado ao poder da requerente ou ser dela conhecida, até 4 de dezembro de 2019, e não em 7 de dezembro de 2019.

Consequentemente:
-não foi pela requerida respeitado o prazo de 120 contratualmente estipulado para a denúncia do contrato;
-o contrato não cessou a sua vigência, a produção dos seus efeitos, na data prevista para o seu termo, 4 de abril de 2006;
-nesta data, 4 de abril de 2016, operou-se a renovação do contrato.

É certo que está provado que desde aquela data[6] que a requerente não presta serviços à requerida.

No entanto, está igualmente provado que «posteriormente[7], funcionários da autora tentaram telefonicamente agendar a visita, mas a ré recusou, alegando que não tinham contrato.»

Sucede que, como se viu, «as partes tinham contrato», pois que a requerida não o denunciou validamente.

Dispõe o art. 795.º, n.º 2, que «se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será o valor do benefício descontado na contraprestação.»

Conforme esclarece BRANDÃO PROENÇA, «o legislador não exonera o credor da contraprestação sempre que a causa da impossibilidade de cumprimento seja “imputável ao credor”. Sobre o sentido do “papel” do credor na relação obrigacional tem havido amplo debate, notando-se algum percurso na procura e fundamentação de uma posição menos passiva ou menos “superior” desse sujeito. Não podendo, em geral, com adesão na doutrina e na jurisprudência dominantes, ver-se a conduta do credor de forma simétrica à do devedor[8], tando mais que o n.º 2 da norma, em rigor, não responsabiliza o credor, alguma doutrina[9], “construindo” uma esfera ampla de risco (compreensiva de eventos naturais), alarga essa imputação de forma a abranger o comportamento livre do credor e qualquer circunstância relacionada com a pessoa, ou com as coisas ou com a empresa do credor, enquanto outra[10], conferindo maior protagonismo ao credor, fá-lo responder por uma ilicitude, ou seja, por “uma conduta contrária ao contrato” (visível mesmo na desconsideração dos deveres acessórios), ou[11] delimita os comportamentos do credor em função de um arco que vai das raras normas cogentes ao rico dever lateral de cooperação fundado no n.º 2 do artigo 762.º e que englobaria o “dever de não prejudicar a capacidade de cumprir do devedor”.Também há quem entenda[12]-[13]- [14]que o regime do n.º 2 só se justifica a partir do momento em que seja apurado que o credor impossibilitou de forma livre, culposamente ou não, a conduta prestacional, “respondendo”por essa “desistência lícita.»[15].

Seja qual a for a orientação perfilhada, no caso concreto, ante a factualidade provada, dúvidas não subsistem que a não prestação dos serviços a que a requerente se vinculou perante a requerida se deu a causa imputável a esta; por outras palavras, o não cumprimento, definitivo, do contrato, por parte da requerente, é atribuível a um comportamento livre da requerida[16], a qual, não fica desobrigada da respetiva contraprestação.

Por conseguinte, teria a requerente direito a haver da requerida a quantia de €4.936,40, relativa a período compreendido entre 9 de maio de 2014 e 20 de março de 2017.

E dizemos teria, uma vez que importa atentar na já transcrita 2.ª parte do citado n.º 2 do art. 795.º[17].

Conforme refere CATARINA MONTEIRO PIRES, «tal como na compensatio lucri cum damno, não está em causa uma obrigação autónoma, mas apenas uma faculdade de dedução que pressupõe a existência (esta sim autónoma) de um direito de crédito.

(...) o benefício em causa corresponde, desde logo, às despesas poupadas pelo devedor em virtude da impossibilidade da prestação imputável ao credor. De um modo geral, pode dizer-se que estão em causa as despesas que o devedor teria para cumprir a prestação debitória. Essas despesas correspondem [a] custos de transportes, custos laborais, remunerações devidas a fornecedores e a subempreiteiros, etc. (...).»[18].

A dedução deve corresponder ao «valor que o devedor em apreço teria de despender para cumprir, considerando as suas capacidades e o contexto em que se propunha cumprir, mas assumindo que, nas diligências preparatórias do cumprimento, seriam respeitados todos os deveres de diligência e cuidado que lhe coubessem. A teleologia subjacente ao artigo 795.º, n.º 2, é a de não permitir que o devedor obtenha um ganho a custa do credor. Trata-se, assim, de uma expressão da proibição do enriquecimento do devedor impedido de prestar.»[19].

Nada foi alegado, logo, obviamente, nada ficou provado, quanto a benefícios obtidos pela requerente com a exoneração, ou seja, com o facto de não ter prestado os serviços a que estava contratualmente vinculado por causa imputável à requerida.

No entanto, é das mais elementares regras da experiência da vida, da lógica das coisas, daquilo que é normal e fez sentido, se quisermos até, do mais elementar bom senso, concluir que, caso tivesse efectivamente prestado à requerida os serviços objeto do contrato que com ela celebrou no dia 4 de abril de 2014, teria, seguramente, realizado despesas, efetuado gastos, quanto mais não fosse, com transportes, pessoal e materiais.

Assim, à referida quantia de €4.936,40 (relativa a período de vigência do contrato compreendido entre 9 de maio de 2014 e 20 de março de 2017), deverão ser descontados os benefícios que a requerente obteve com a exoneração.

Desconhecem-se, em concreto, que benefícios foram esses e os montantes em que se traduziram; ou seja, nada se sabe acerca dos gastos que a requerente deixou ou não de efetuar, pelo facto de não ter cumprido o contrato por causa imputável à requerida.

Por isso, nos termos dos arts. 609.º, n.º 2 e 358.º, n.º 2, do C.P.C., há que relegar para momento subsequente a liquidação do montante a pagar pela requerida à requerente.

Esse montante há-de equivaler à diferença entre:
a)- a quantia de €4.936,40 (relativa a período de vigência do contrato compreendido entre 9 de maio de 2014 e 20 de março de 2017); e
b)- a quantia global correspondente aos gastos que a requerente deixou de efetuar com a aludida exoneração.

Ao montante que então vier a ser apurado, acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a sentença de liquidação até integral pagamento.

Na verdade, de acordo com o preceituado no n.º 3 do art. 805.º, para que ocorra uma situação de mora, torna-se exigível que a obrigação a satisfazer seja líquida, isto é, que o seu quantitativo se encontre já determinado, uma vez que, enquanto tal não ocorrer, a mora não se verifica (in iliquidis non fit mora), a menos que a aludida iliquidez seja de imputar ao devedor.

É que, tal como referido por ANTUNES VARELA[20], pode dar-se como assente que o credor de indemnização ilíquida só tem direito a juros moratórios concedidos “a forfait” pela lei, a partir do momento em que o tribunal ou as partes fixem o montante dessa indemnização.

Temos, portanto, que só existe mora, com o consequente vencimento dos juros a tal inerente, a partir do momento em que a dívida se liquida, ou seja, que haja lugar à determinação do seu quantitativo[21].

Em suma, pois, só a partir do momento da liquidação a efectuar através do incidente previsto no art. 358.º, n.º 2, do C.P.C., serão devidos juros de mora.
*

IV–DECISÃO:

Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, por provada, em consequência do que:
a)- revogam a sentença recorrida;
b)- condenam a apelada a pagar à apelante a quantia que vier a ser fixada em incidente de liquidação, e que será equivalente à diferença entre:
o montante de €4.936,40; e
o valor global aos gastos que a requerente deixou de efetuar com a exoneração atrás referida.
Ao montante que vier a ser apurado em sede de incidente de liquidação acrescerão juros de mora à taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados a partir da data em que a ora apelada for notificada da sentença que, no âmbito daquele incidente fixar tal montante, até efectivo e integral pagamento.
As custas, tanto em 1.ª instância, como nesta Relação serão suportadas pela requerente e pela requerida, desde já na proporção de 50%, sem prejuízo do rateio que vier a fazer-se a após decisão final no incidente de liquidação.


Lisboa, 8 de outubro de 2019


(Acórdão assinado eletronicamente)

Relator
José Capacete
Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara



[1]Diploma a que se referem as normas a seguir indicadas sem outra menção.
[2]Tal como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 07.11.2002, Proc. n.º 03B1267 (Lucas Coelho), in www.dgsi.pt, «revestindo a natureza de declaração negocial jurídico-potestativa, a denúncia impõe-se inelutavelmente à contraparte no exercício do correspondente direito potestativo extintivo da relação contratual duradoura.». Sobre a figura dos direitos potestativos, cfr. David de Oliveira Festas, Breves Considerações Sobre os Poderes Potestativos, in Código Civil – Livro do Cinquentenário, Volume I, Almedina, 2019, pp. 301-367.
[3]Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição, Almedina, 2006, pp. 58-66 e 116-125.
[4]«A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida.»
[5]Pedro Romano Martinez, Ob. cit. p. 125.
[6]O tribunal a quo não especifica a que data se refere, presumindo-se, no entanto, de acordo com as regras da lógica, da normalidade das coisas, com aquilo que faz sentido, e à luz das regras de interpretação contidas no art. 236.º, n.º 1, do C.C., que se refere a 7 de dezembro de 2015.
[7]Pelas razões referidas na nota anterior, considera-se que o «posteriormente» a que o tribunal a quo de refere, respeita à mesma data de 7 de dezembro de 2015.
[8]Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1986, p. 50, referem tratar-se de uma conduta culposa do credor.
[9]Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, pp. 459-466.
[10]Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, IX, Direito das Obrigações, Cumprimento e Não-cumprimento, Transmissão, Modificação e  Extinção, 3.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 378-382.
[11]Cfr. Catarina Monteiro Pires, Impossibilidade da Prestação, Teses, Almedina, pp. 733-767.
[12]Cfr. João Baptista Machado, Risco Contratual e Mora do Credor, in Obra Dispersa, Obra Dispersa, Vol. I, SCIENTIA IVRIDICA, Braga, 1991, pp. 257-343.
[13]Cfr. Maria de Lurdes Pereira, Conceito de Prestação e Destino da Contraprestação, Almedina, 2001, pp. 219-266.
[14]Almeida Costa, Direito da Obrigações, 8.ª Edição, Almedina, 2000, 989-1000.
[15]Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, 1091-1094.
[16]Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ob. cit., p. 466.
[17]«(...) mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será o valor do benefício descontado na contraprestação.»
[18]Ob. cit., pp. 764-765.
[19]Idem, p. 765
[20]R.L.J., 102º, 89.
[21]Cfr. Correia das Neves, Manual dos Juros, p.. 101 e Acs. do S.T.J. de 23.11.1994 (CJSTJ, II, 3º, 297) e de 12.11.1996 (CJSTJ, IV, 3º, 90).